VALOR DA CAUSA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário


I- Tendo a Relação declarado ilícito o despedimento, só neste momento processual se torna possível dar cumprimento ao estabelecido no artigo 98.º-P, n.º 2, do CPT, pelo que não podia deixar de fixar o valor da causa, sob pena de incorrer em nulidade processual.

II- Não podendo o Supremo Tribunal de Justiça fixar o valor da causa mormente para efeitos de alçada, há que determinar a baixa do processo para que o Tribunal da Relação fixe o valor da causa.

Texto Integral



Processo n.º 17600/21.8T8PRT.P1.S1


Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Foi proferido pelo Relator, depois de ter dado a possibilidade às Partes de se pronunciarem a respeito da admissibilidade do Recurso do Réu em razão do valor da causa, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 1 do CPC, o seguinte despacho:


“O Supremo Tribunal de Justiça carece de competência para fixar o valor da ação, mormente para efeitos de alçada.


Por outro lado, a Secção Social deste Tribunal tem reiterado que nos casos em que o Tribunal da Relação revoga a Sentença que tinha considerado lícito o despedimento e condena o réu a proceder ao pagamento dos créditos decorrentes de um despedimento que pela primeira vez no processo é declarado ilícito, o Tribunal da Relação deve fixar o valor da causa com o fundamento de que só naquele momento se determina a utilidade económica do pedido.


Neste sentido, entre outros, podemos citar os seguintes Acórdãos do STJ, já mencionados no anterior despacho:


- o Acórdão proferido na revista nº 17293/20.0T8SNT-A.L1.S1, de 15-12-2022 (Relator Mário Belo Morgado), em cujo sumário se pode ler: “Tendo a Relação declarado ilícito o despedimento, só neste momento processual se torna possível dar cumprimento ao estabelecido no art. 98°-P, n° 2, do CPT, pelo que não podia deixar de fixar o valor da causa, sob pena de incorrer em nulidade processual e sem que tal envolva infração do princípio do caso julgado formal.”


- o Acórdão proferido na revista nº 714/15.0T8BRR.L2.S1 (Relator Ribeiro Cardoso) de 08-05-2019 em cujo sumário se pode ler “ I. Tendo a Relação revogado a sentença, julgado ilícito o despedimento e condenado a Ré a pagar à A. os créditos decorrentes desse despedimento ilícito, deve, nos termos do art. 98.º-P, n.º 2, do CPT, fixar no acórdão o valor da causa para os efeitos estabelecidos no art. 296.º, n.º 1 do CPC, por só então a utilidade económica do pedido ter ficado definida”.


De entre as funções do Relator está a de “verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso” (alínea b) do n.º 1 do artigo 652.º do CPC, aplicável ao recurso de revista por força do artigo 679.º do CPC).


Face às razões aduzidas pelo Recorrente no exercício do contraditório, ao abrigo do artigo 655.º n.º 1, afigura-se que seria uma violação do direito ao recurso (e, em sentido amplo, do acesso à justiça, constitucionalmente consagrado) considerar que estaria vedado o recurso de revista por o Tribunal da Relação não ter procedido à fixação do valor.


Como escreve António Abrantes Geraldes, em anotação ao artigo 652.º “[u]ma vez que a omissão de pronúncia sobre o valor processual deixou de produzir efeitos preclusivos, naqueles casos em que seja evidente que a omissão de pronúncia se repercute na admissibilidade do recurso, o relator não poderá deixar de ordenar a baixa do processo, a fim de o juiz a quo se pronunciar”1.


Assim, determina-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação para a fixação do valor da causa, sendo que só em função do valor que venha a ser fixado é que se poderá decidir da admissibilidade, ou não, do presente recurso de revista”.


Inconformado, o Autor, AA, na presente ação, em que é Ré Garagem Avenida do Oeste – Comércio e Indústria Peças para Automóveis, Lda., veio apresentar Reclamação, pedindo que sobre este despacho recaia Acórdão da Conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3 do CPC.


Afirma que não existe, em rigor, qualquer omissão de pronúncia quanto ao valor da ação, o qual foi fixado em 1ª instância por despacho de 21.6.2022 e confirmado na sentença (€ 27.668,49) e dessa decisão não foi interposto recurso, não tendo a Relação alterado o valor da ação, no seu acórdão, valor que, portanto, ficou definitivamente fixado.


Acrescenta que o Recorrente não arguiu uma eventual nulidade no tribunal a quo, deixando consolidar o valor da ação, que teria ficado definitivamente fixado, com a prolação do acórdão na Relação.


Defende, ainda, que o Relator devia acatar o valor da ação já existente no processo e que “[n]ão é função do relator suprir por sua iniciativa a inércia ou inabilidade das partes (e o ónus de iniciativa que sobre ela impendia), em violação do princípio do dispositivo, da imparcialidade do juiz, da autorresponsabilidade das partes e da igualdade de tratamento das partes, privilegiando uma em face da outra”.


Além disso, não haveria qualquer violação do direito ao recurso porque o Recorrente só de si mesmo se poderia queixar ao não ter invocado tempestivamente a nulidade por omissão de pronúncia.


Cumpre analisar.


Antes de mais, importa ter presente a existência hoje, no nosso sistema, de um dever de gestão processual pelo juiz consagrado no artigo 6.º do CPC. Assim, a necessária imparcialidade de juiz e a igualdade de tratamento não são incompatíveis com a intervenção do juiz, inclusive oficiosa.


No caso concreto há que ter em conta os seguintes factos:


Na sentença que se pronunciou pela licitude do despedimento de que o Autor foi alvo, o valor da causa foi efetivamente fixado em € 27.668,49.


O Acórdão do Tribunal da Relação revogou a sentença e pronunciou-se pela ilicitude do despedimento, mas não procedeu à fixação do valor da causa.


Ora a jurisprudência desta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, como mencionado no despacho objeto de Reclamação, tem decidido que nos casos em que o Tribunal da Relação revoga a Sentença e condena o Réu a proceder ao pagamento dos créditos decorrentes do despedimento ilícito, tem que o Tribunal da Relação deve fixar o valor da causa com o fundamento de que só naquele momento se determina a utilidade económica do pedido.


Importa, ainda, ter presente a resposta do Recorrente, proferida ao abrigo do artigo 655.º n.º 1 do CPC:


“Foi fixado, pela 1ª instância, o valor da ação em € 27.668,49. Quanto a este valor não podia a Recorrente, na primeira instância, apresentar recurso ou invocar nulidades, uma vez que quando o mesmo foi fixado, a Recorrente não havia decaído em qualquer pedido e o valor da ação era coincidente com o valor do pedido. Óbvio será que não lhe era permitido apresentar recurso naquela fase!


A Recorrente identificou, nas DEZ PRIMEIRAS CONCLUSÕES do seu recurso, a questão jurídica da omissão de pronúncia e pediu para que fosse fixado o valor à causa.


Em ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, nos termos do artigo 98º-P, n.º 2, do CPT, o valor da ação corresponde, em caso de procedência da ação, à utilidade económica do pedido, designadamente o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos, acrescido sempre do valor das retribuições intercalares e do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.


A recorrente identificou especificamente a questão jurídica, quanto ao valor da ação, indicou os fundamentos por que pedia a alteração/anulação da decisão, as normas jurídicas violadas (ao referir qual a legislação aplicável), o sentido jurídico da decisão que devia ter interpretado aquelas normas, indicou ainda jurisprudência, terminando e pedindo:


Termos em que, a V. Exas. requer seja fixado o valor à causa, dando cumprimento ao disposto no n.º 2 e 3 do 98-P do CPT e n.º 4 do 299.º, do CPC, o qual é atualmente de € 31.607,58 (trinta e um mil seiscentos e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), por ser esse o valor que representa, neste momento, a utilidade económica do pedido, tudo nos termos do disposto no art.º 296º, 297º e n.º 4, do art.º 299º e do n.º 4, todos do CPC. Neste sentido o Ac. do TRP de 21/11/20216, P. n.º 12128/14.5T8PRT-B.P1 e Ac. do STJ, de 08/05/2019, Processo n.º 714/15.0T8BRR.L2.S1”.


Do exposto decorre que com a revogação da sentença pelo Acórdão recorrido que decidiu pela ilicitude do despedimento do Autor surgiu a necessidade de atribuir um novo valor à causa que traduzisse a nova e diversa utilidade económica do pedido. Há, pois, ao contrário do que pretende o Reclamante uma omissão de pronúncia, tudo se passando como se não tivesse sido fixado o valor da causa nesta ação.


Recorde-se, ainda, que o despacho da Exma. Relatora que no Tribunal da Relação admitiu o presente recurso de revista o fez considerando que estariam preenchidos os pressupostos do artigo 629.º, n.º 2, alínea b). Ainda que tal despacho não vincule este Tribunal, o mesmo acarreta que nesse momento o Recorrente não teve interesse em suscitar a questão da nulidade por omissão de pronúncia quanto ao valor da causa.


Em suma, não se vislumbra qualquer negligência por parte do Recorrente.


Acresce que, como no despacho se afirma, a alínea b) do n.º 1 do artigo 652.º do CPC é aplicável ao recurso de revista por força do artigo 679.º do CPC.


Estando confrontados com uma situação em que o valor da causa tal como ficou fixado na sentença não é atendível e em que era dever do Tribunal da Relação fixar o valor, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça fixá-lo, a Conferência confirma a decisão do despacho de mandar baixar o processo ao Tribunal da Relação para fixar o valor da causa.


Decisão: Indefere-se a reclamação, determinando a baixa do processo para que o Tribunal da Relação fixe o valor da causa, sendo que só em função do valor que venha a ser fixado é que se poderá vir a decidir da admissibilidade, ou não, do presente recurso de revista.


Custas da Reclamação pelo Reclamante.


Lisboa, 12 de abril de 2024


Júlio Gomes (Relator)


Domingos José de Morais


José Eduardo Sapateiro





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1. ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 3.ª ed., 2016, p. 216.↩︎