RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I - A oposição de acórdãos que é suscetível de justificar um recurso para uniformização de jurisprudência é uma contradição entre o núcleo essencial do acórdão recorrido e o acórdão fundamento, oposição que para além disso deve ser frontal e não apenas implícita ou pressuposta.

II – Ambos os acórdãos convergem no entendimento de que – verificados determinados pressupostos definidos pela lei processual –, além dos factos alegados pelas partes, podem ainda considerados pelo tribunal, entre outros, os factos instrumentais e os factos complementares ou concretizadores.

Texto Integral




Processo n.º 835/15.0T8LRA.C4.S1-A


MBM/RP/DM


Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I.


1. AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra ROCA – CERÂMICA E COMÉRCIO, S.A., para efetivação de direitos resultantes de doença profissional.


2. A ação foi julgada improcedente na primeira instância.


3. Interposto recurso de apelação (de facto e de direito), o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) manteve a sentença recorrida (quanto à matéria de facto, a apelante requereu, nomeadamente, o aditamento de determinados factos, sob os nºs 6-A,16-A, 41-A, 41-B e 49-A, sendo que a Relação julgou o recurso improcedente quanto ao primeiro destes factos e não conheceu do recurso quanto aos demais, invocando o incumprimento dos ónus que sobre o impugnante da matéria de facto impendem, nos termos do art. 640.º, do CPC1).


4. Novamente inconformada, a A. interpôs recurso de revista, nos termos gerais, quanto ao decidido sobre a impugnação da matéria de facto e, cumulativamente, revista excecional.


5. A R. contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso.


6. No despacho liminar, foi decidido:

a. Quanto à decisão relativa à impugnação da matéria de facto, admitir apenas parcialmente a revista, nos termos gerais, por se ter entendido existir dupla conformidade quanto ao pretendido aditamento aos factos provados, sob o nº 6-A), do seguinte ponto: “Existindo acrescidos perigos e riscos para esses trabalhadores em resultado da inalação de pós e concretamente sílica cristalina livre, causadores de doenças como a de que padece a Autora (pneumoconiose por silicatos)”. 2

b. No mais, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista excecional, pelo que foi determinada a oportuna remessa do processo à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, junto desta Secção Social.

7. A Formação não admitiu o recurso de revista excecional.


8. Por acórdão da Secção Social deste Supremo Tribunal, o recurso de revista “normal” foi julgado manifestamente infundado, com os seguintes fundamentos:


“(…)


11. Constata-se que o interposto recurso de revista “normal” é manifestamente infundado (pelo que poderia ter sido objeto de decisão sumária, nos termos do art. 656º), por razões que, em termos lógico-jurídicos, têm precedência relativamente à problemática da dupla conformidade suscitada no processo e que, por isso, prejudicam a apreciação da sobredita reclamação para a conferência.


Com efeito.


12. Está em causa o decidido pela Relação relativamente ao peticionado aditamento aos factos provados dos seguintes pontos:


– 6-A) Existindo acrescidos perigos e riscos para esses trabalhadores em resultado da inalação de pós e concretamente sílica cristalina livre, causadores de doenças como a de que padece a Autora (pneumoconiose por silicatos).


– 16-A) Após ser detetada à Autora a “mancha nos pulmões” (FACTO PROVADO 14), a Ré não adotou quaisquer medidas quanto à Autora no seu posto de trabalho, nomeadamente as medidas que habitualmente eram “imediatamente adotadas” e só foi submetida a exame médico em 2008/10/01, de que resultou “ficha de aptidão” com indicação de “apto condicionalmente” com recomendação de: "Não deve executar tarefas que impliquem esforços físicos intensos, sobrecarga mental e exposição a substâncias inaláveis de natureza física e química. Uso de EPIs ”.


– 41-A) A utilização da máquina polidora fazia mais “poeira” do que o polimento à mão.


– 41-B) A Ré não mediu os níveis de poeira e concretamente de sílica livre inalável gerados pela utilização da máquina polidora por comparação com os gerados pelo polimento manual (desconhecendo-se se resultam aumentados ante o aumento de “poeira”).


– 49-A) Face às recomendações constantes desses Relatórios (factos provados 46) e 47) a Ré não adotou então nenhum procedimento e nem tomou medidas acrescidas de modo a diminuir ou evitar os riscos para os trabalhadores que ocupavam tais postos de trabalho (incluindo a Autora), em especial para “melhorar o sistema de captação de poeiras nomeadamente nos carroceis (zona de raspagem e vidragem de peças)” e “evitar operações de sopragem de peças, se possível recorrendo à aspiração”, em especial não colocou diferentes ou otimizou os sistemas de captação de poeiras.


13. Ora, lendo, e relendo, a petição inicial, conclui-se que nenhum destes factos foi alegado pela A., sendo certo, que, naturalmente, o julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes, nos termos do art. 5º, nº 2 [sem prejuízo das circunstâncias particulares contempladas nas alíneas a) a c) deste mesmo nº 2, que nunca foram suscitadas nos autos].


Desde logo por esta razão, nunca poderiam tais pontos integrar a matéria de facto, nem, consequentemente, constituir o objeto da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.


14. É certo que os pontos 6-A e 41-A poderão, eventualmente, considerar-se implicitamente alegados nos arts. 24 e 26 e 13, 21 e 22 da petição inicial, respetivamente.


Todavia:


Os arts. 13, 21 e 22 da petição inicial foram objeto de expressa pronúncia pelo tribunal, que os considerou não provados [cfr. alíneas d), g) e h) dos factos não provados]. Não tendo a recorrente questionado tal decisão, nunca poderia peticionar um aditamento (ponto 41-A) que estaria em flagrante contradição com tais segmentos decisórios.


Por outro lado, o alegado no art. 24º da petição inicial consta do nº 8 da matéria de facto (“A Ré comunicou à Autora, quando esta começou a desempenhar a sua atividade, que devia usar sempre máscara, em face dos perigos com a inalação dos pós”) e o núcleo essencial do art. 26 consta da alínea a) dos factos não provados (“A Ré nunca explicou os riscos para a saúde da inalação das poeiras”). Sem impugnar quele facto, também nunca a R. poderia ver incluído na factualidade assente este último, que é contraditório com aquele.


15. Relativamente a estes dois pontos (6-A e 41-A), ainda outra razão sempre implicaria a (manifesta) improcedência do recurso.


Com efeito:


Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto.


Com efeito, de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º, do CPC).


Neste sentido, v.g., os Acs. do STJ de 19.05.2021, Proc. n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 (desta 4.ª Secção), de 09.02.2021, Proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 (1.ª Secção), de 30.06.20, Proc. n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1 (6.ª Secção), de 28.01.2020, Proc. nº 287/11.3TYVNG-G.P1.S1 (6.ª Secção), de 22.03.2018, Proc. n.º 992/14.2TVLSB.L1.S1 (7.ª Secção) e de 10.10.2017, Proc. n.º 8519/12.4TBCSC-A.L1.S1 (1.ª Secção).


Vale por dizer que o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar todos os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final (cfr. o citado aresto de 09.02.2021).


Ora, toda a lógica subjacente ao acórdão recorrido assenta no pressuposto (e no reconhecimento) de que efetivamente os trabalhadores estavam sujeitos a um risco acrescido, tendo sido precisamente por isso que a R. impôs a utilização de máscara no posto de trabalho da A. e efetuava controlos de segurança quanto às poeiras e respetiva extração.


Também a alteração pretendida com o aditamento do ponto 41-A seria absolutamente irrelevante, pois, independentemente de saber se a máquina provocava mais poeiras ou não, o que interessava era determinar se a R. cumpriu as suas obrigações ao nível de segurança, já que ficou claro demonstrado que a A. padece uma doença profissional.


Na parte em que na revista se visa (em última análise) que a Relação adite à matéria de facto determinados pontos que são insuscetíveis de influir na decisão da causa (à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito) o recurso é inútil, o que, só por si, sempre determinaria a impossibilidade de se conhecer do seu objeto quanto aos correspondentes segmentos.”


9. A Autora/recorrente interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, alegando, essencialmente, nas suas conclusões:


– A decisão recorrida está em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2017, Processo n.º 442/15.7T8PVZ.P1.S1, da 6ª Secção, pretendendo a recorrente que seja uniformizada jurisprudência no sentido decisório sustentado neste último.


– Ao contrário da interpretação do art.º 5º, n.º 2, do CPC, levada a cabo pelo acórdão recorrido, decidiu o acórdão fundamento: «I. Nos termos do art. 5º, nº1, Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. II. Factos não alegados pelas partes podem (…) ser considerados pelo juiz. Esses factos, são os factos instrumentais que resultarem da instrução da causa (nº 2 al. a) do art.5º), e os que sejam complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, quando resultarem da instrução causa, desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar - al. b). III. Os factos que resultam da discussão da causa, como decorre da formulação do nº 2 do art. 5º do Código de Processo Civil (…) são factos, passe a expressão, que só foram descobertos, que só chegaram ao conhecimento do Tribunal na fase instrutória da causa. IV. Os factos instrumentais, mesmo que não constem da alegação das partes, podem ser tidos em consideração pelo julgador se resultarem da instrução da causa. Não se nos afigura rigorosa a afirmação de que os factos sindicados pelos Recorrentes – que foram por eles alegados na petição inicial e foram levados a debate em sede de instrução e julgamento – não devem ser objeto de julgamento em 2ª Instância, em sede de impugnação da matéria de facto, por serem instrumentais e o julgamento na 2ª Instância constituir um ato inútil. V. A consideração da inutilidade da reapreciação do julgamento da matéria de facto, quando a parte que recorre cumpriu o ónus de que depende a apreciação da sua pretensão, só pode/deve ser recusada em casos de patente desnecessidade.»


– A restrição interpretativa feita pelo acórdão recorrido não deve merecer acolhimento, impondo-se fixar jurisprudência no sentido de que o art. 5º, n.º 2, do CPC, não pode ser interpretado e aplicado em termos que impliquem que o julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes.


10. Foi proferida decisão singular de indeferimento do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 692º, nº 1.


11. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, alegando, essencialmente:


– “Quer no caso dos presentes autos, quer no Acórdão-Fundamento, os factos objeto de impugnação pela Apelante foram alegados e não só resultaram da instrução da causa, conquanto quer resultam alegados na petição inicial quer foram levados a debate em sede de instrução e julgamento impugnação pela apelante”.


– “Verifica-se, por isso, entre os Acórdãos (…) sobre a mesma questão que constitui núcleo essencial e revela oposição decisória frontal, a contradição decisória que importa dirimir em apreciação para Uniformização de Jurisprudência, pugnando-se pela admissão deste recurso”.


– “Quanto a admitir o Acórdão proferido nestes autos que em determinadas circunstâncias processuais, além dos factos alegados pelas partes, pudessem ser considerados factos instrumentais, complementares ou concretizadores, salvo o devido respeito, não entendemos que a questão colocada não tenha identidade e que não se verifique, por isso, dissonância decisória a apreciar em sede de recurso uniformizador de jurisprudência”.


– “Quer no caso dos autos, tal como no caso objeto de apreciação no Acórdão-Fundamento, existiu alegação e incidiu sobre a matéria de facto visada exercício de contraditório e debate em sede de instrução e julgamento”.


– “Há manifesta coincidência dos casos sub judice (no caso do Acórdão proferido nestes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça e no Acórdão-Fundamento) e a verificação das condições que impõe dever ser admitida a apreciação da questão colocada – quanto à interpretação e aplicação do art.º 5º, n.º 2, do CPC -, com vista à uniformização de jurisprudência”.


– “Não tendo sido colocada à apreciação, para efeitos de decisão em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, qualquer questão respeitante aos factos que o Tribunal considerou inúteis para a decisão da causa, tal argumento não pode acolher como diferenciação do núcleo essencial ou questão frontal a apreciar”.


– “O que importa aferir, para determinar da divergência entre decisões que determine uma apreciação e uniformização de jurisprudência, é que a questão ou questões quanto às quais se alegue divergência decisória tratam da mesma matéria nuclear e frontal enquanto questões a apreciar e que fundamentam o recurso”.


– “E, no caso, colocando o Recorrente tão só à apreciação restritamente a interpretação e aplicação do art.º 5º, n.º 2, do CPC - que não a consideração de utilidade ou inutilidade de alteração da matéria de facto quanto a pontos que o Tribunal haja considerado inúteis ou insuscetíveis de influir na decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma poderia comportar -, tão só quanto ao que efetivamente se coloca a essa reapreciação em sede de uniformização de jurisprudência deve aferir-se a identidade do caso”.


– “A não se entender assim, estaria a restringir-se de modo ilegal e desproporcional, indo muito além das condições legalmente estabelecidas para restringir o acesso ao recurso de uniformização de jurisprudência, no que se tornaria uma violação do direito ao acesso à justiça (especialmente tutelado no artigo 20º, nº 1, CRP, que consagra o princípio do acesso ao direito e aos tribunais)”.


12. A ré respondeu, pronunciando-se pela confirmação da decisão singular.


Cumpre decidir.


II.


13. É o seguinte o teor da decisão singular de indeferimento do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência:


«A oposição de acórdãos que é suscetível de justificar um recurso para uniformização de jurisprudência (art. 688º, nº 1) é uma contradição entre o núcleo essencial do acórdão recorrido e o acórdão fundamento, oposição que para além disso deve ser frontal e não apenas implícita ou pressuposta – cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5ª edição, 2018, p. 471 - 473.


Todavia, in casu, inexiste qualquer tipo de contradição entre o acórdão fundamento e o acórdão proferido nos presentes autos.


Em primeiro lugar, na medida em que no primeiro, ao contrário do que acontece no caso dos autos, estavam em causa factos que, embora de natureza instrumental, foram “objeto de impugnação pelos apelantes, foram alegados e, nessa medida, não resultam da instrução da causa”, ou, por outras palavras, “foram (…) alegados na petição inicial e foram levados a debate em sede de instrução e julgamento”.


Por outro lado, (também) decorre do acórdão proferido nos autos, claramente, o entendimento de que, em determinadas circunstâncias processuais, além dos factos alegados pelas partes, são ainda considerados pelo tribunal, entre outros, os factos instrumentais e os factos complementares ou concretizadores.


Com efeito, expressis verbis, afirma-se aí: “[L]endo, e relendo, a petição inicial, conclui-se que nenhum destes factos foi alegado pela A., sendo certo, que, naturalmente, o julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes, nos termos do art. 5º, nº 2 [sem prejuízo das circunstâncias particulares contempladas nas alíneas a) a c) deste mesmo nº 2, que nunca foram suscitadas nos autos]”.


Não se discute, assim, que o apelante possa peticionar a inserção de factos instrumentais e/ou de factos complementares ou concretizadores na matéria de facto, desde que (i) alegue/demonstre a categoria processual em que os integra, que os (ii) invoque nas circunstâncias processualmente exigidas (quanto aos primeiros, deverão resultar da discussão da causa, e, quanto aos segundos, para além disso, as partes devem ter tido a possibilidade de sobre eles se pronunciar) e que (iii) tais circunstâncias sejam explicitamente suscitadas no recurso, requisitos totalmente inverificados no caso dos autos.


Por último, uma derradeira diferença entre os dois casos: no acórdão fundamento estavam apenas em causa factos que o Supremo considerou não inúteis; na situação dos autos, os pontos 6-A e 41-A foram julgados inúteis, ou seja, insuscetíveis de influir na decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma poderia comportar.»


14. Em suma, é manifesto que no caso vertente não se verifica, minimamente, a invocada oposição de julgados.


Aliás, em face da jurisprudência e da doutrina, não suscita a mais leve controvérsia a asserção que pela recorrente foi proposta para segmento uniformizador (a saber: o art. 5º, n.º 2, do CPC, não pode ser interpretado e aplicado em termos que impliquem que o julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes), asserção, ademais, consentânea com tudo o que foi exposto em supra nº 13.


Efetivamente, para além dos factos alegados pelas partes, é indubitável que podem ser considerados pelo tribunal, entre outros, os factos instrumentais e os factos complementares ou concretizadores, verificadas que estejam determinados pressupostos legalmente consagrados, desde logo, e antes de tudo o mais, se forem úteis para a decisão da causa.


Também nos recursos se impõe apenas tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto.


Com efeito, de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º). Neste sentido, v.g., os Acs. do STJ de 19.05.2021, Proc. n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 (desta 4.ª Secção), de 09.02.2021, Proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 (1.ª Secção), de 30.06.20, Proc. n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1 (6.ª Secção), de 28.01.2020, Proc. nº 287/11.3TYVNG-G.P1.S1 (6.ª Secção), de 22.03.2018, Proc. n.º 992/14.2TVLSB.L1.S1 (7.ª Secção) e de 10.10.2017, Proc. n.º 8519/12.4TBCSC-A.L1.S1 (1.ª Secção).


Sem necessidade de desenvolvimentos complementares, improcede, pois, a pretensão da reclamante.


III.


15. Nestes termos, indeferindo a presente reclamação para a conferência, acorda-se em confirmar a decisão singular de indeferimento do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.


Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.


Lisboa, 12 de abril de 2024


Mário Belo Morgado (Relator)


Ramalho Pinto


Domingos Morais





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1. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎

2. Quanto a este ponto, é a seguinte a deliberação do TRC:

«Pretende ainda a recorrente que seja aditado aos factos provados sob o nº 6-A) a seguinte matéria: “Existindo acrescidos perigos e riscos para esses trabalhadores em resultado da inalação de pós e concretamente sílica cristalina livre, causadores de doenças como a de que padece a Autora (pneumoconiose por silicatos)”.

No caso em apreciação importa saber se a doença que afetou a autora se deveu à inalação de sílica cristalina, ou melhor, se essa inalação resultou (ou não) de uma conduta omissiva da ré ao não assegurar no local de trabalho os meios próprios a evitar essa inalação, violando regras legais sobre higiene e segurança no trabalho.

Configurado deste modo o thema decidendu afigura-se-nos conclusivo, por encerrar um juízo de valor, dar como provado “existirem acrescidos perigos e riscos para …”, perigos e riscos estes que deverão resultar da alegação e prova de outra materialidade.

Deste modo, a matéria que se pretende ver aditada não deverá a constar dos factos provados, o que se decide.»

Na sentença da 1ª instância, logo após o elenco dos factos provados e não provados, consignou-se: “Quanto aos restantes artigos dos articulados das partes, não se responde aos mesmos por não corresponderem a matéria de facto controvertida, mas antes a matéria de direito, conclusiva, irrelevante ou repetitiva, pelo que o Tribunal não se pronuncia nesta sede sobre os mesmos”.

Foi no pressuposto de que a matéria correspondente ao pretendido aditamento à matéria de facto sob o número 6-A fora alegada, caso em que implicitamente teria sido julgado que a mesma carecia de conteúdo factual, que no despacho liminar se entendeu existir nesta parte dupla conformidade (alegação que, contudo, não ocorreu, como se esclarece em infra nº 13 e 14).↩︎