DIRETIVA COMUNITÁRIA
DEVERES DE CONDUTA
REGRAS DE CONDUTA
ÉTICA
CONFIDENCIALIDADE
REGULAMENTO
DESPEDIMENTO
NORMA IMPERATIVA
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário


I – Resulta dos artigos 2.º, 3.º e do respetivo Anexo, Partes I e II, da DIRETIVA (UE) 2019/1937 do PARLAMENTO EUROPEU e do CONSELHO de 23 de outubro de 2019 um âmbito de aplicação, no que respeita à proteção dos denunciantes, que não abarca o cenário de assédio alegadamente vivido nos autos.

II - A Lei n.º 93/2021, de 20 de Dezembro [que transpôs para o ordenamento jurídico nacional tal DIRETIVA], não obstante ser inaplicável aos factos dos autos, consagra idêntico regime jurídico, nos seus artigos 2.º e 3.º, referindo-se este último ainda à 2.ª parte do Anexo I daquela mesma DIRETIVA.

III - Logo, a confidencialidade sustentada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para confirmar a decisão de rejeição, por parte do seu instrutor, da junção dos documentos requeridos pelo Autor, ao procedimento disciplinar, não conhece base legal mínima na dita DIRETIVA.

IV - Nenhuma das disposições do Código do Trabalho que regula o instituto do assédio, faz qualquer menção à confidencialidade ou sigilo das denúncias feitas, de forma anónima ou não, relativamente a casos de prática do mesmo, assim como aos procedimentos adotados pelas entidades que recebam e tramitem tais queixas.

V - Quando documentos como os Códigos de Conduta comunguem das características da generalidade e abstração e versem sobre organização e disciplina do trabalho devem ser considerados regulamentos internos e sujeitos ao regime jurídico destes últimos.

VI - Movendo-nos nós no seio de um procedimento disciplinar com intenção de despedir o Autor com invocação de justa causa, haverá que confrontar tal documento privado, da autoria das Rés empregadoras e com adesão, pelo menos tácita dos seus trabalhadores [Código da Conduta e Ética] com as normas legais que regulam essa modalidade de cessação do contrato de trabalho [assim como as demais], podendo acontecer que as regras consagradas naquele Regulamento Interno tenham de ceder às segundas, quando tal se revelar necessário [designadamente, por força do exercício do direito de audição e defesa do trabalhador arguido], atenta a natureza imperativa das mesmas, conforme resulta do artigo 339.º do Código de Trabalho de 2009.

VII - Verificou-se uma irregularidade formal cometida pelo instrutor do procedimento disciplinar na matéria respeitante à instrução do mesmo, dado não ser legítimo que, como fundamento de rejeição dos documentos pedidos pelo Autor, aquele, por um lado, especulasse e extraísse conclusões sobre uma realidade que, segundo o próprio, desconhecia [até por que o seu conhecimento lhe estava vedado pelas regras do Código de Conduta e Ética] e, por outro, antecipasse juízos jurídicos de cariz material [conhecimento da prática das infrações, contagem dos prazos, titular do poder disciplinar, caducidade da ação disciplinar] e tomasse, desde logo, posição sobre questões que não são unívocas nem inequívocas, quer de facto, quer de direito, e que só a final e perante todos os factos e documentos complementares, poderiam e deveriam ser por si apreciadas.

Texto Integral



RECURSO DE REVISTA N.º 3109/22.6T8CSC-B.L1.S1 (4.ª Secção)


Recorrente: AA


Recorridas: GALP ENERGIA, S.A.


GALP WEST AFRICA, S.A.,


PETROGAL, S.A.


GALP GÁS NATURAL, S.A.


(Processo n.º 3109/22.6T8CSC – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho de... - Juiz ...)


ACORDA-SE NA SECÇÃO SOCIAL DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


I – RELATÓRIO


AA, devidamente identificado nos autos, veio, através de formulário próprio que apresentou nos Juízos do Trabalho de..., em 20/09/2022, instaurar contra GALP ENERGIA, S.A., GALP WEST AFRICA, S.A., PETROGAL, S.A. e GALP GÁS NATURAL, S.A., com os sinais constantes dos autos, a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com processo especial, nos termos dos artigos 98.º-B e seguintes do Código do Processo do Trabalho.


Juntou, com o referido formulário, a decisão, proferida pelas empregadoras, que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento, com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação.


*


Realizou-se oportunamente a Audiência de Partes, sem que Autor e Rés tivessem chegado a acordo entre elas.


*


As Rés GALP ENERGIA, S.A., GALP WEST AFRICA, S.A., PETROGAL, S.A. e GALP GÁS NATURAL, S.A. apresentaram o seu articulado de motivação do despedimento com invocação de justa causa subjetiva, assim como, em anexo, o procedimento disciplinar que foi instaurado, para o efeito, ao Autor AA, tendo as empregadoras sustentado a licitude da referida resolução unilateral e por sua iniciativa do contrato de trabalho dos autos, por se ter fundado na violação grave de deveres laborais por parte do trabalhador, que justificou o aludido despedimento.


Requereram ainda a exclusão da reintegração do Autor, no caso de vir a ser declarado a ilicitude do seu despedimento com fundamente em justa causa.


*


O Autor AA, notificada para o efeito, contestou dentro do prazo legal, tendo, para o efeito, apresentado o correspondente articulado onde invocou diversas exceções perentórias, que visam colocar em causa a validade do procedimento disciplinar instaurado contra ele pelas Rés e a licitude do despedimento do que foi alvo, e por impugnação, negou os factos contra ele imputados que assumem, para as empregadoras, relevância disciplinar, inexistindo por isso justa causa para o despedimento.


Deduziu pedido reconvencional relativo a créditos emergentes da cessação do contrato, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais.


*


As Rés vieram responder à contestação/reconvenção do Autor, onde pugnaram pela improcedência das exceções perentórias arguidas pelo trabalhador e contestaram a reconvenção.


*


Foi realizada no dia 4/7/2023, Audiência Prévia, onde foi proferido despacho saneador, com a admissão dos pedidos reconvencionais deduzidos pelo Autor, relegação para sentença final da fixação do valor da ação, reconhecimento da regularidade e validade da instância, improcedência de muitas das pretensões e exceções perentórias arguidas pelo trabalhador, tendo, no entanto e quanto à que está em causa neste recurso de revista, sido decidido o seguinte [negritos da nossa responsabilidade]:


«1. Da regularidade do indeferimento dos requerimentos de junção ao processo da denúncia apresentada contra o Trabalhador e de cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta


[…]


Em suma:


• Relega-se para a sentença final o conhecimento da caducidade do poder disciplinar (art.º 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho) invocada no ponto 1 da secção I da contestação;


• Dão-se por não escritos os seguintes artigos da nota de culpa, nos termos dos arts. 353.º, n.º 1 e 382.º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho e art.º 292.º do Código Civil: 14, 15, 16, 18, 24, 25, 31, 32, 41, 59, 71, 85, 89, 96 (a partir de tecendo), 101, 105, 111, 115, 127, 128, 129, 130, 131, 135 (preservando-se apenas a circunstanciação dos artigos subsequentes), 148, 152 (preservando-se apenas a circunstanciação dos artigos subsequentes), 223, 224, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 240, 241, 244, 249, 250, 259, 261, 280 (desde Uma vez até pelo que), 283, 284 e 293.


• Julga-se o despedimento do Trabalhador irregular, nos termos do art.º 356.º, n.º 1, e 389.º, n.º 2, do Código do Trabalho, devendo os Empregadores, caso se conclua pela licitude do despedimento do Trabalhador, ser condenados a pagar indemnização nos termos do art.º 389.º, n.º 2, do Código do Trabalho;


• Julgam-se improcedentes os demais vícios invocados pelo Trabalhador como geradores de ilicitude ou irregularidade do despedimento.».


*


As Rés, inconformadas com tal despacho saneador, quer no que toca à decisão acima descrita e que se traduziu na declaração de irregularidade do procedimento disciplinar, como no que respeita à circunstância de o tribunal da 1.ª instância ter dado como não escritos os acima enunciados factos da Nota de Culpa, vieram interpor recurso, que veio a ser admitido como de Apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.


*


As Apelantes apresentaram as correspondentes alegações de recurso, que tendo sido objeto de resposta por parte do Apelado, vieram a subir ao Tribunal da Relação de Lisboa onde, depois de seguirem a sua normal tramitação, vieram a ser julgados por Acórdão de 14/12/2023, tendo sido proferida a seguinte decisão final:


«Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:


a) Revogar o despacho recorrido na parte em que considerou não escritos os pontos 24, 25, 31, 32, 71, 115, 127, 129 a 131, 148, 230 a 234, 241, 249, 250 e 280, mantendo-o quanto ao mais.


b) Revogar o despacho recorrido na parte em que julgou o despedimento irregular assente no indeferimento dos requerimentos de junção ao processo da denúncia apresentada contra o Trabalhador e de cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta.


Custas por ambas as partes, na proporção de 1/10 para as Apelantes e 9/10 para o Apelado (que não paga taxa de justiça).


Notifique.»


*


O Autor AA, discordante do Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs, no dia 8/1/2024, recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça que, no entanto, por despacho judicial de 30/01/2024, só foi admitido quanto à questão da «Da regularidade do indeferimento dos requerimentos de junção ao processo da denúncia apresentada contra o Trabalhador e de cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta».


O recorrente não deduziu reclamação, nos termos dos artigos 82.º do CPT e 643.º do NCPC e dentro do prazo de 10 dias, relativamente a tal despacho judicial, na parte em que não admitiu o recurso de revista quanto à outra questão [factos da Nota de Culpa que haviam sido dado como não escritos pela 1.ª instância e cuja decisão foi revogada, em grande parte, pelo tribunal da 2.ª instância], que assim se consolidou e vinculou este tribunal superior.

Sendo assim, o presente recurso de revista só subiu a este Supremo Tribunal de Justiça – tendo-o feito imediatamente, nos próprios autos do recurso em separado e com efeito meramente devolutivo, segundo o mencionado despacho de admissão - com vista à apreciação e julgamento da segunda questão suscitada no quadro do mesmo.

*


O recorrente apresentou alegações de recurso, que culminou com as seguintes conclusões:


« III – Conclusões


1. […]


2. […]


3. Deverá a decisão recorrida ser revogada na parte em que revogou o Despacho Saneador na parte em que julgou o despedimento irregular assente no indeferimento dos requerimentos de junção ao processo disciplinar da denúncia apresentada contra o Recorrente e de cópia integral do processo de averiguação, incluindo a recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta;


4. Da Lei 73/2017, de 16 de Agosto não resulta, em momento algum, um dever de confidencialidade relativamente aos processos de averiguação de assédio em contexto laboral;


5. A alínea k) no número 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho só prevê como obrigação do empregador “Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores”;


6. O conteúdo e teor de tais códigos não está previsto na lei e foi deixado ao livre-arbítrio do empregador – a confidencialidade da denúncia não está ali prevista, nem o momento em que deve cessar tal confidencialidade;


7. A denúncia (anónima) que deu origem ao processo de averiguações ocorreu em 6 de Dezembro de 2021 – num momento em que a Lei 93/2021, de 20 de Dezembro, não estava sequer publicada, sendo que a Diretiva que transpõe não tem aplicabilidade direta no ordenamento jurídico português;


8. O processo de averiguações cuja cópia se solicitou iniciou-se em 6 de Dezembro de 2021, com a denúncia (anónima) apresentada e terminou com a elaboração de dois relatórios finais, um em 21 de Fevereiro de 2022 e outro em 2 de Março de 2022 – momentos em que a Lei 93/2021, de 20 de Dezembro, não tinha sequer entrado em vigor;


9. A referida Lei 93/2021, de 20 de Dezembro não se aplica à denúncia de casos de assédio moral, estando excluída, esta matéria, do n.º 1 do seu artigo 2.º;


10. Existindo uma denúncia (anónima) sobre factos ocorridos em Julho de 2021 e uma Nota de Culpa notificada ao Recorrente em 16 de Maio de 2022 e escudando-se as Recorridas da caducidade dos factos com base num alegado processo de averiguações, é legítimo ao Recorrente, no âmbito da sua defesa, aceder à denúncia apresentada e ao teor do processo de averiguações;


11.Quando o Recorrente requereu cópia da denúncia e do processo de averiguações, todas as testemunhas das Recorridas ouvidas no processo de averiguações e que poderiam ser vítimas de eventuais represálias do Autor já tinham sido ouvidas como testemunhas no âmbito do processo disciplinar, estando identificadas;


12. A disponibilização da denúncia não afetava, de forma alguma, a posição do(s) denunciante(s), dado que a denúncia é anónima e pela forma como a mesma foi escrita é impossível de saber quem foi o denunciante;


13. Um dos relatórios finais do processo disciplinar estava, e está, completamente anonimizado, e assegura a confidencialidade necessária de todas as testemunhas inquiridas no âmbito do processo de averiguações;


14. A indicação de meras datas relevantes para apreciação da caducidade no âmbito de um processo disciplinar, quando todas as testemunhas já estão identificadas não pode ser recusada com fundamento na confidencialidade do processo e na necessidade de proteção do denunciante;


15. As regras internas que as Recorridas confessam não aplicar não podem impedir o Recorrente de exercer o seu legal direito ao contraditório, em processo disciplinar onde se preconiza o seu despedimento (sem justa causa);


16. Era essencial à prova da caducidade dos factos objeto do processo disciplinar a junção dos elementos ao processo disciplinar, pelo que a recusa dessas diligências probatórias não é legítima;


17. A junção do processo de averiguações era essencial, também, como circunstância atenuante de factos ocorridos no dia 28 de Março de 2022 e de que o Recorrente também vinha acusado.


Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá a decisão constante do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ser revogada. Fazendo-se, assim, a habitual e acostumada JUSTIÇA.»


**


As Rés apresentaram contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da sua notificação para o efeito, não tendo, no entanto, deduzido conclusões, limitando-se a terminar a sua peça processual de resposta nos seguintes moldes:


«Termos em que, e nos melhores de direito doutamente supridos por V. Exas., deve:


i. Ser indeferida, por inadmissibilidade legal, a primeira parte do recurso de revista interposto pelo Recorrente, quanto à exceção de falta de descrição circunstanciada dos factos;


ii. Em todo o caso, ser julgado totalmente improcedente o recurso de revista interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.»


*


O ilustre magistrado do Ministério Público colocado neste Supremo Tribunal de Justiça deu parecer no sentido da procedência do recurso de Revista do Autor, com a inerente revogação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e a repristinação da sentença do tribunal da 1.ª instância.


*


O Autor não se pronunciou acerca do referido Parecer, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificado para o efeito, ao contrário do fizeram as Rés, que, através da sua resposta de 18/3/2024, vieram discordar do teor daquele e renovar o que sustentaram nas suas contra-alegações de recurso.


*


Cumpre apreciar e decidir.


*


II – OS FACTOS


Os factos dados como assentes e que relevam para a decisão do presente recurso de Revista mostram-se descritos no Relatório do presente Acórdão, que aqui se dá por integralmente reproduzido.


*


III – OS FACTOS E O DIREITO


É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


*


A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS


Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da ação declarativa com processo especial laboral [AIRLD] ter sido intentada no dia 20 de setembro de 2022, com a apresentação, pelo Autor, do Formulário Inicial por si assinado, ou seja, muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.


Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.


Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.


Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.


Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser fundamentalmente chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista.


B – OBJETO DO RECURSO DE REVISTA


Recordemos aqui a única problemática que se suscita nestas autos recursórios desencadeados pelo trabalhador: «Da regularidade ou irregularidade do indeferimento dos requerimentos de junção ao processo da denúncia apresentada contra o Trabalhador e de cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta»


C – CONTEXTUALIZAÇÃO DO LITÍGIO DOS AUTOS, EM FUNÇÃO DA QUESTÃO SUSCITADA NA REVISTA


Afigura-se-nos essencial realçar, para uma correta e objetiva compreensão da única questão que tem de ser julgada e decidida por este Supremo Tribunal de Justiça, que nos movemos no âmbito de uma ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com processo especial, nos termos dos artigos 98.º-B e seguintes do Código do Processo do Trabalho, estando aqui em discussão a rejeição dos documentos acima identificados por parte do respetivo instrutor, por referência ao procedimento disciplinar que foi instaurado contra o recorrente e que findou com o seu despedimento com invocação de justa causa, ocorrido em 12/09/2022 e determinado pelas diversas Rés demandadas nestes autos, face à alegada situação de pluralidade de empregadores [artigo 101.º do Código de Trabalho de 2009].


Resulta dos autos que, ao abrigo do “Código de Conduta e Ética” que vigorava e vigora no Grupo GALP, foi feita uma denúncia anónima contra o Autor por condutas que violavam os deveres laborais a que o mesmo se encontrava vinculado [relativos, designadamente, ao relacionamento pessoal e profissional com outros trabalhadores, que estariam ou não debaixo da sua dependência hierárquica e funcional].


A Comissão de Conduta e Ética do Grupo GALP, depois de receber tal denúncia e de proceder ao tratamento da mesma conforme entendeu ser mais conveniente, acabou por fazer uma sugestão ao Conselho de Administração da GALP ENERGIA, SA no sentido da instauração do mencionado procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa, proposta essa que foi aceite e seguida por este último.


Pensamos que será útil, em termos de enquadramento factual e jurídico, convocar parte do articulado motivador do despedimento do recorrido, quando reza o seguinte [sendo os sublinhados da nossa responsabilidade]:


«322.º - No dia 2 de junho de 2022, o Instrutor proferiu Despacho a admitir a junção aos autos da Resposta à Nota de Culpa, enviada pela Ilustre Mandatária do Autor, e recebida por e-mail no dia 30 de maio, e em mãos, no seu escritório, bem como por correio CTT Expresso, a 31 de maio, aproveitando para se pronunciar, de imediato, sobre algumas das exceções suscitadas pelo Autor na sua Resposta. Assim, no que respeita à exceção de invalidade do processo disciplinar por incumprimento do prazo de notificação da Nota de Culpa, o Instrutor, considerando cumprido o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do artigo 354.º do Código do Trabalho, julgou-a totalmente improcedente. Do mesmo modo, julgou improcedente a exceção de violação do direito à ocupação efetiva do Autor deduzida na Resposta à Nota de Culpa, por entender que foram observados todos os critérios materiais e formais de aplicação da suspensão preventiva, previstos no artigo 354.º do Código do Trabalho. Por outro lado, quanto à exceção de incumprimento do prazo de instauração do processo disciplinar e consequente caducidade dos factos alegados nos artigos 14.º a 134.º e 186.º a 285.º da Nota de Culpa, bem como no que respeita à exceção de irregularidades do processo disciplinar deduzidas pela Ilustre Mandatária do Autor, entendeu o Instrutor relegar o respetivo conhecimento para o Relatório Final. Sem prejuízo, no que concerne a algumas das irregularidades alegadas pelo Autor, atendendo à natureza das mesmas (de cariz manifestamente simples e de rápida apreciação), optou o Instrutor por se pronunciar, desde logo, sobre o respetivo teor. Nesse sentido, começou por julgar improcedente a exceção de irregularidade referente à alegada desconformidade das datas de certificação das traduções dos depoimentos das testemunhas face à data em que os mesmos foram prestados, esclarecendo tratar-se de um mero lapso na introdução da data na minuta das certificações de tradução. De seguida, quanto à alegada privação de “condições mínimas de defesa” ao Autor em razão da recusa de cópia integral do processo disciplinar, o Instrutor optou por remeter a respetiva apreciação para a decisão devidamente fundamentada plasmada no seu Despacho proferido em 18 de maio de 2022. Por último, apreciando a irregularidade invocada por alegada omissão da data do Termo de Abertura do processo disciplinar, esclareceu o Instrutor que o Termo de Abertura se encontra devidamente datado (com a data de 11 de abril de 2022), conforme Termo de Abertura e Despacho juntos aos autos de fls. 2 a 5 do PD.


323.º - Passando, de seguida, à apreciação do requerimento probatório apresentado pelo Autor na sua Resposta à Nota de Culpa, o Instrutor começou por admitir a junção aos autos dos 23 documentos juntos com a Resposta Nota de Culpa. Em relação à prova por documentos em poder das Entidades Empregadoras cuja junção foi requerida pelo Autor, para que pudesse efetuar uma melhor apreciação sobre a relevância e pertinência da junção requerida, o Instrutor determinou que o Autor viesse indicar aos autos, no prazo máximo de dois dias, quais os factos que pretendia provar com cada um dos documentos que, a este título, identificou.


[…]


344.º - No mesmo dia 28 de junho de 2022, o Instrutor proferiu novo Despacho, através do qual ordenou que (a confirmar-se a sua existência) lhe fossem enviados pelos serviços da GALP os seguintes documentos cuja junção foi requerida no requerimento probatório formulado na Resposta à Nota de Culpa: (i) “Performance Ranking Guidebook” da GALP e respetivas FAQ’s (cfr. pedido formulado sob a alínea i. do respetivo requerimento probatório), (ii) “New Model of Performance” da GALP (cfr. pedido formulado sob a alínea iii. do respetivo requerimento probatório), (iii) Plano de Desenvolvimento Pessoal do trabalhador BB, na sua versão integral após alterações do Autor (cfr. pedido formulado sob a alínea vii. do respetivo requerimento probatório), (iv) Vídeo ou transcrição do discurso do Chief Executive Officer CC no Leadership Away-Day de 8 de Outubro de 2021 (cfr. pedido formulado sob a alínea x. do respetivo requerimento probatório) e (v) “Annual Ethics Report” da GALP dos últimos 6 anos (cfr. pedido formulado sob a alínea xi. do respetivo requerimento probatório). Por se tratar de correspondência arquivada na conta de e-mail profissional do Autor (em relação à qual o mesmo tem direito de acesso), com vista à satisfação das necessidades da defesa, o Instrutor admitiu que – após consulta das Entidades Empregadoras – o Autor pudesse aceder à sua conta de correio eletrónico profissional, nas instalações da GALP, selecionando as referidas mensagens em cuja junção tivesse interesse, de entre os documentos por si identificados como: (i) Cópia integral dos e-mails arquivados nas pastas “Ethics” e “CEO CC” no perfil de Outlook do Autor (...@galp.com) (cfr. pedido formulado sob a alínea v. do respetivo requerimento probatório), (ii) E-mail enviado pelo Diretor de Recursos Humanos, DD, no dia 9 de Setembro de 2021, relativo a implementação de uma política de transparência com todos os membros de equipa (cfr. pedido formulado sob a alínea vi. do respetivo requerimento probatório), (iii) Resposta do trabalhador BB ao e-mail enviado pelo Autor em 31 de julho de 2021 (cfr. pedido formulado sob a alínea viii. do respetivo requerimento probatório), (iv) Respostas dos trabalhadores ao e-mail enviado pelo Autor em 10 de setembro de 2021 (cfr. pedido formulado sob a alínea ix. Do respetivo requerimento probatório), (v) E-mails trocados entre o Autor e o Chief Operacional Officer EE em novembro e dezembro de 2021 sobre a contratação da J... e as questões de ética relacionadas com a mesma (cfr. pedido formulado sob a alínea xii. do respetivo requerimento probatório) e (vi) E-mails trocados entre o Autor e FF, em outubro de 2021. Mais determinou que, para o efeito, o Autor agendasse a data e hora do acesso junto do colaborador GG, qual se faria necessariamente presente na diligência em questão. Finalmente, o Instrutor indeferiu a junção aos autos de (i) da Denúncia apresentada contra o Autor e que deu origem ao processo de averiguação ocorrido em Janeiro de 2022 (cfr. pedido formulado sob a alínea iii. do respetivo requerimento probatório) e da (ii) Cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta (cfr. pedido formulado sob a alínea iv. do respetivo requerimento probatório). Esse indeferimento fundou-se, em primeiro lugar, no facto de, por força das estabelecidas no Código de Ética e Conduta da GALP, do Regulamento da Comissão de Ética e Conduta da GALP e da Norma Transversal “NT-010 Comunicação de Irregularidades – Linha de Ética”, resultar claro o anonimato das denúncias e as garantias de reserva e confidencialidade dos processos de averiguações, o que impede o instrutor de ordenar às Entidades Empregadoras a junção dos dois documentos acima identificados. Em segundo lugar, considerou o Instrutor que estava em causa a realização de diligências que se afiguravam impertinentes (por falta de interesse direto do Autor na sua obtenção) (fls. 1145 a 1155 do PD).


355.º - Ainda em 7 de julho de 2022, o Instrutor procedeu à junção aos autos de e-mail enviado pela Ilustre Mandatária do Autor, nesse mesmo dia, com um Requerimento de Resposta aos Despachos proferidos a 28 de junho e 7 de julho, em anexo. No referido Requerimento, a Ilustre Mandatária começou por fazer referência ao contacto que iria encetar, no sentido de agendar com o colaborador da GALP o acesso à sua correspondência. De seguida, veio sustentar o direito que entende que o Autor tem a que sejam juntos aos autos os documentos relativos ao processo de averiguações conduzido pela CEC (melhor identificados nas subalíneas iii. e iv. da alínea b) do requerimento probatório constante da Resposta à Nota de Culpa), pedindo subsidariamente, que as Entidades Empregadoras viessem, pelo menos, juntar, aos autos o relatório final da CEC respeitante ao processo de averiguações em que o Autor foi visado e, cumulativamente, que as Entidades Empregadoras viessem declarar aos autos as seguintes informações:


(i) data em que a denúncia anónima foi apresentada contra o Autor, bem como a listagem dos factos que foram nela alegados e respetivo comprovativo, truncado na medida do necessário, (ii) data da inquirição, no âmbito do processo de averiguações conduzido pelo CEC, de EE e listagem dos factos a que o mesmo foi inquirido e respetivo comprovativo, truncado na medida do necessário, (iii) data da receção, pelo CEC, do relatório final emitido pela sociedade de advogados V... no âmbito do processo de averiguações e respetivo comprovativo, truncado na medida do necessário e (iv) data do envio, pelo CEC aos órgãos de administração das Entidades Empregadoras, do relatório final do processo de averiguações e respetivo comprovativo, truncado na medida do necessário 1227 a 1242 do PD).


[…]


369.º - No dia 1 de agosto de 2022, o Instrutor proferiu Despacho em resposta ao requerimento apresentado pelo Autor a 7 de julho de 2022. Nesse Despacho, o Instrutor começou por salientar que já se tinha pronunciado sobre a junção aos autos (i) da Denúncia apresentada contra o Autor e que deu origem ao processo de averiguação ocorrido em janeiro de 2022 (cfr. pedido formulado sob a subalínea iii. da alínea b) do respetivo requerimento probatório) e (ii) da Cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta (cfr. pedido formulado sob a subalínea iv. da alínea b) do respetivo requerimento probatório), remetendo, a este respeito, para o Despacho proferido a 28 de junho de 2022. No que concerne ao pedido subsidiário de junção de, pelo menos, o relatório final da Comissão de Ética e Conduta da GALP, elaborado no âmbito do processo de averiguações conduzido contra o Autor, o Instrutor adiantou que as razões que levaram o Instrutor a indeferir a junção aos autos da “Denúncia apresentada contra o Autor” e da “Cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta”, aplicam-se, na íntegra, a este pedido subsidiário, que foi, pois, também indeferido.


Indeferidos foram ainda os pedidos subsidiários cumulativos apresentados pelo Autor para que fossem as Entidades Empregadoras notificadas para prestarem as seguintes informações aos autos: “(a) Data em que a denúncia anónima foi apresentada contra o Autor, bem como a listagem dos factos que foram nela alegados e respetivo comprovativo, truncado na medida do necessário; (b) Data da inquirição, no âmbito do processo de averiguações conduzido pelo CEC, de EE e listagem dos factos a que o mesmo foi inquirido e respetivo comprovativo, truncado na medida do necessário; (c) Data da receção, pelo CEC, do relatório final emitido pela sociedade de advogados V... no âmbito do processo de averiguações e respetivo comprovativo, truncado na medida do necessário; e (d) Data do envio, pelo CEC aos órgãos de administração das entidades empregadoras, do relatório final do processo de averiguações e respetivo comprovativo, truncado na medida do necessário (fls. 1737 a 1742 do PD).


[…]


388.º - Os comportamentos do Autor, supra alegados e apurados em sede disciplinar, configuram uma violação grosseira, consciente e grave dos deveres para com as Entidades Empregadoras, nomeadamente, do dever de proceder de boa-fé na execução do contrato e trabalho e no cumprimento das respetivas obrigações.


389.º - Importando ainda a violação dos deveres de: (i) respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos e os companheiros de trabalho com urbanidade e probidade; (ii) cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, (iii) guardar lealdade ao empregador e (iv) promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, deveres esses que lhe são impostos pelo n.º 1 do artigo 126.º e nas alíneas a), e), f) e h) do artigo 128.º do Código do Trabalho.


390.º - Desde logo, os reiterados comportamentos intimidatórios e repressivos do Autor em relação aos seus inferiores hierárquicos representam uma violação grosseira do dever de tratar os mesmos com urbanidade e probidade.


391.º - Tais comportamentos, configuram, além do mais, uma situação de assédio (mobbing), na medida em que com os mesmos visou a criação de um ambiente intimidatório, hostil, desestabilizador e humilhante para os visados colaboradores, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 29.º do Código do Trabalho, constituindo igualmente uma violação do Código de Ética e Conduta da GALP.


392.º - Por seu turno, os comentários depreciativos e insinuações pejorativas tecidas pelo Autor à Administração do GRUPO GALP e/ou seus acionistas de referência, designadamente através das partilhas efetuadas com a sua equipa na plataforma Microsoft Teams, além de profundamente desrespeitosas, consubstanciam uma violação do dever de probidade e urbanidade no trato com os seus superiores hierárquicos.


393.º - Implicando, além do mais, o incumprimento do dever de guardar lealdade às Empregadoras, que se impunha ao Autor.


394.º - Deveres esses que também se encontram gravemente violados por força da partilha de conteúdos de natureza sensível e tendencialmente confidencial (como o caso das informações relativas às avaliações de performance dos colaboradores e informações relativas às remunerações e promoções salariais dos mesmos), bem como da reprodução e utilização indevida dos ficheiros informáticos contidos na pasta “A...”, que contêm dados confidenciais do GRUPO GALP.


395.º - As mencionadas violações, dadas como provadas em sede disciplinar, configuram infrações graves, conscientes e reiteradas do Autor, consubstanciando um comportamento, intolerável, inaceitável e reprovável.


396.º - Sendo que tais infrações poderão ainda configurar ilícitos de natureza penal, a ser apreciados em sede própria.


397.º - O Autor não podia ignorar que, ao atuar daquela forma, prejudicava a imagem que o GRUPO GALP pretende assumir no âmbito da sua organização e colocava em causa os princípios que regem a relação de trabalho, nomeadamente o do respeito por todos os que trabalham na empresa.


398.º - Naturalmente, a GALP não pode admitir que os seus trabalhadores e, no caso, ocupando o Autor uma posição hierárquica superior de liderança, tenham comportamentos como os expostos que promovem um ambiente de trabalho hostil, intimidatório, discriminatório e humilhante.


399.º - Mais, que se apropriem de informação confidencial suscetível de provocar avultados danos às Entidades Empregadoras e ao negócio do GRUPO GALP.


400.º - Tudo isto leva a uma quebra irremediável da confiança das Entidades Empregadoras na boa-fé e retidão da conduta futura do Autor, sendo fundado e intenso o perigo de renovação do mesmo tipo de comportamentos.


401.º - Sendo que a reiteração dos comportamentos e o seu prolongamento no tempo reforçam tal entendimento.


402.º - Os factos acima descritos, pela sua gravidade e consequências, são suscetíveis de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho.


403.º - Sendo que, além disso, se traduzem (i) na violação de direitos e garantias de trabalhadores na empresa, (ii) na provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa e (iii) na prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elementos dos corpos sociais, ou seja, integram as situações de justa causa a que aludem, respetivamente, as alíneas b), c) e i) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho.


404.º - Para a determinação da sanção disciplinar aplicada, foram consideradas as circunstâncias do caso concreto, as consequências do grau elevado de lesão dos interesses das Entidades Empregadoras, a afetação séria da relação das Entidades Empregadoras com o Autor, bem como das relações entre este e os seus colegas de trabalho, nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho.


405.º - Ante o exposto, o comportamento do Autor, pela quebra irremediável de confiança, é suscetível da aplicação da sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação, nos termos do artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho.


406.º - Outra sanção, atento o disposto no n.º 1, do artigo 330.º do Código do Trabalho, não se mostra adequada e proporcional perante o elevado grau de gravidade e culpa que os comportamentos do Autor revelam.


407.º - Não sendo exigível, no caso, às Rés a subsistência da relação de trabalho, deve concluir- se que o despedimento de que o Autor foi alvo é inteiramente regular e lícito, quer material, quer formalmente.»


Esta alegação das Rés descreve, de uma forma suficientemente fidedigna, o que se passou no procedimento disciplinar quanto à não admissão por parte do instrutor do mesmo da documentação em causa neste recurso e ali requerida pelo trabalhador, assim como reflete, em termos genéricos, o tipo de infrações disciplinares imputadas ao Autor e que, em parte significativa, foram juridicamente configuradas como assédio [artigo 29.º do Código do Trabalho de 2009].


D – DIRETIVA (UE) 2019/1937 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 23 de OUTUBRO DE 2019 E LEI N.º 93/2021, DE 20 DE DEZEMBRO


A divergência de base existente entre as duas instâncias quanto à licitude ou ilicitude do despacho do instrutor do procedimento disciplinar que rejeitou a junção da denúncia apresentada contra o Trabalhador e de cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta radica-se na existência ou não de uma situação de confidencialidade quanto a tais documentos que veda a sua junção e conhecimento no âmbito daquele procedimento disciplinar.


O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, para além de invocar o regime jurídico regulador do assédio que consta do Código do Trabalho de 2009, veio também fazer apelo à DIRETIVA (UE) 2019/1937 do PARLAMENTO EUROPEU e do CONSELHO de 23 de outubro de 2019 [que foi transporta para o ordenamento jurídico nacional através da Lei n.º 93/2021, de 20 de Dezembro, que entrou em vigor apenas 180 dias após a sua publicação no Diário da República, ou seja, em 17/6/2022].


Tal Acórdão, para fundar a revogação do despacho saneador, quanto à segunda questão que se suscitava no recurso de apelação, desenvolveu a seguinte argumentação jurídica:


«Avançamos, agora, para a 2.ª questão - Não deve manter-se a decisão sobre sonegação de documentos?


Pretendem as Apelantes que se substitua a decisão recorrida por outra que julgue totalmente improcedente a exceção de irregularidade do procedimento disciplinar, por alegada “sonegação de documentação e informação pertinente para o esclarecimento da verdade”.


Avançou com seis ordens de razões, a saber:


1.ª - Resulta do Código de Ética e Conduta da GALP, bem como da Norma Transversal “NT - 010 Comunicação de Irregularidades – Linha de Ética” do Grupo GALP que, tanto as comunicações / denúncias efetuadas à CEC, através dos canais de comunicação open talk, como os subsequentes processos de averiguações, são estritamente confidenciais.


Permitir a divulgação aos denunciados das denúncias contra si efetuadas, bem como o acesso à integralidade dos processos de averiguações contra si conduzidos, seria abrir um precedente que contraria a natureza e objetivo da criação deste canal de denúncias anónimo e que colocaria em causa os denunciantes, que ficariam desprotegidos contra eventuais represálias. O Instrutor também se encontrava impedido de ordenar às Recorrentes que juntassem aos autos a “Cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta”.


2.ª - Embora a mencionada obrigação de confidencialidade decorra de normas internas criadas e implementadas pelas Empregadoras, tal não desvincula as Empregadoras do seu integral cumprimento. As Empregadoras encontram-se adstritas ao cumprimento dos deveres previstos nas alíneas a), c) e k) do n.º 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho. As normas de ética e boa conduta aprovadas e implementadas pelo Grupo GALP visam satisfazer os imperativos e objetivos da Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto (que teve como finalidade reforçar o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio e procedeu à décima segunda alteração ao Código do Trabalho de 2009). A mencionada obrigação de confidencialidade tem como fonte de Direito (ainda que indireta) a própria lei. Uma violação das garantias de confidencialidade dos denunciantes e testemunhas, no caso em apreço, significaria defraudar as legítimas convicções dos visados de que seriam garantidos os seus direitos de proteção, bem como consubstanciaria uma violação das normas legais sobre proteção de dados pessoais.


3.ª - Os mencionados documentos, cuja junção foi requerida pelo Recorrido, não tinham a virtualidade de demonstrar os factos que, através dos mesmos, o Recorrido visava provar, isto é, a caducidade dos artigos 14.º a 134.º e 186.º a 285.º da Nota de Culpa (isto é, que os mencionados factos chegaram ao conhecimento do “Conselho de Administração da GALP e dos dois superiores hierárquicos do Trabalhador-Arguido [HH e EE]”, desde, pelo menos, 24 de janeiro de 2022).


4.ª – O Recorrido apenas veio aprimorar os seus requerimentos probatórios quanto à matéria da caducidade, em momento posterior à apresentação da Resposta à Nota de Culpa, tendo solicitado no Requerimento de Resposta de 7 de julho de 2022 (cfr. fls. 1232 a 1242 do Procedimento Disciplinar), a junção de diversas informações aos autos, pedidos esses que eram extemporâneos, nos termos do disposto no artigo 355.º, n.º 1 do Código do Trabalho, porquanto apresentados mais de um mês após a apresentação da Resposta à Nota de Culpa.


5.ª - Os documentos requeridos pelo Recorrido na sua Resposta à Nota de Culpa correspondiam a documentos em poder das Empregadoras, motivo pelo qual, a sua não junção aos autos disciplinares, nunca constituiria uma violação dos direitos de defesa do Recorrido, porquanto o mesmo sempre poderia requerer a sua junção em sede judicial, o que veio a acontecer.


6.ª – O facto de o Tribunal a quo ter decidido relegar para final o conhecimento da exceção de caducidade dos factos alegados nos artigos 14.º a 134.º e 186.º a 285.º da Nota de Culpa, porquanto entendeu que era matéria controvertida que carecia de produção de prova, apenas vem corroborar o entendimento do Instrutor, no sentido de que, os mencionados documentos não eram aptos a provar a exceção de caducidade.


Por sua vez no despacho recorrido ponderou-se:


[…]


Em causa está, pois, o acesso à denúncia e ao processo de averiguação prévia ao procedimento disciplinar no âmbito de tal procedimento.


Considerou a decisão recorrida que, ao prever a confidencialidade da denúncia e dos procedimentos da Comissão de Ética, o regulamento interno consagrou um motivo de recusa da realização de diligências probatórias não previsto na lei, o que, em face do regime de imperatividade dela decorrente nesta matéria invalida a decisão do instrutor. Donde, a confidencialidade oposta ao Trabalhador – emergente de um ato pertencente ao poder de direção e regulamentar dos Empregadores – constitui um fundamento ilegítimo de recusa de realização de diligências probatórias, por contrário a normas legais de natureza imperativa, no caso, o art.º 339.º/1 do Código do Trabalho.


A Lei n.º 73/2017 de 16/08 veio reforçar o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio. Por força da mesma, alterou-se o Código do Trabalho, designadamente instituindo formas de proteção do denunciante (art.º 29.º/6) e impondo a modificação dos códigos de boa conduta vigentes nas empresas (art.º 127.º/1-k).


Por outro lado, no âmbito da União Europeia, institui-se a DIRETIVA (UE) 2019/1937 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União. Reconheceu-se ali a necessidade de encorajar e proteger aqueles que denunciem violações do direito da União lesivas do interesse público e que essas pessoas agem como denunciantes, desempenhando assim um papel essencial na descoberta e prevenção dessas violações, bem como na salvaguarda do bem-estar da sociedade. Mais se consignou que deverão ser aplicadas normas mínimas comuns que assegurem uma proteção eficaz dos denunciantes relativamente aos atos e domínios de intervenção para os quais seja necessário reforçar a aplicação da lei.


Tal Diretiva aplica-se, quer no setor público, quer no privado (art.º 4.º), sendo que os denunciantes beneficiam da proteção ao abrigo da mesma nas condições previstas no art.º 6.º:


a) Tenham tido motivos razoáveis para crer que as informações sobre violações comunicadas eram verdadeiras no momento em que foram transmitidas e que estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente diretiva; e


b) Tenham denunciado internamente, nos termos do artigo 7.º, ou externamente, nos termos do artigo 10.º, ou realizado uma divulgação pública, nos termos do artigo 15.º.


Impôs-se aos Estados Membros a obrigação de incentivar a denúncia através de canais de denúncia interna (art.º 7.º/2) e que assegurem que as entidades jurídicas dos setores privado e público estabeleçam canais e procedimentos para denúncia interna (art.º 8.º/1).


Ora, em presença do disposto no art.º 9.º/1-a) nos procedimentos para denúncias internas e seguimento a que se refere o artigo 8.º incluem-se canais para receção de denúncias que sejam concebidos, instalados e operado de forma segura, de forma a garantir que a confidencialidade da identidade dos denunciantes e dos terceiros mencionados na denúncia seja protegida.


Esta Diretiva veio a ser transposta para o direito interno através da Lei 93/2021 de 20/12, que estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, conferindo proteção à pessoa singular que denuncie ou divulgue publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é exercida. Também a lei privilegia a denúncia interna, dispondo que os canais de denúncia interna permitem a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia, a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia, e de impedir o acesso de pessoas não autorizadas (art.º 9.º/1). Também para a lei a proteção da confidencialidade do denunciante é essencial. Dispõe o art.º 18.º/1 que a identidade do denunciante, bem como as informações que, direta ou indiretamente, permitam deduzir a sua identidade, têm natureza confidencial e são de acesso restrito às pessoas responsáveis por receber ou dar seguimento a denúncias.


Em presença deste quadro legal, e sendo o combate ao assédio uma realidade emergente, desde há muito, do direito da União, e presente no Direito Nacional, afigura-se-nos que a norma interna vigente no seio das empresas Apelantes não viola o Direito, antes o contempla.


Subscreve-se, pois, a afirmação das mesmas no sentido de a mencionada obrigação de confidencialidade ter como fonte de Direito (ainda que indireta) a própria lei. Uma violação das garantias de confidencialidade dos denunciantes e testemunhas, no caso em apreço, significaria defraudar as legítimas convicções dos visados de que seriam garantidos os seus direitos de proteção, bem como consubstanciaria uma violação das normas legais sobre proteção de denunciantes e não traria qualquer apport ao desfecho do processo disciplinar.


Não se subscreve, pois, o juízo decisório na parte em que sustenta que a confidencialidade oposta ao Trabalhador constitui um fundamento ilegítimo de recusa de realização de diligências probatórias.


No que se reporta à decisão na parte em que considera que a recusa dos Empregadores, conquanto profusamente fundamentada, com base na impertinência da prova requerida, não é justificada, sobretudo no que tange ao processo de averiguação, ficam prejudicados, em face dos considerandos acima tecidos, quaisquer desenvolvimentos.»


Ora [1], se atentarmos devidamente nos artigos 2.º, 3.º e no respetivo Anexo, Partes I e II, todos dessa DIRETIVA [2], com as quais aquelas disposições legais têm de ser, respetiva e devidamente compaginadas, facilmente se conclui que a mesma têm um âmbito de aplicação, no que respeita à proteção dos denunciantes, que não abarca o cenário de assédio alegadamente vivido nos autos.


Tal conclusão sai reforçada pela já aludida Lei n.º 93/2021, de 20 de Dezembro, que embora, segundo afirmado pelo recorrente, nem sequer é aplicável aos factos dos autos [O processo de averiguações cuja cópia se solicitou iniciou-se em 6 de Dezembro de 2021, com a denúncia (anónima) apresentada e terminou com a elaboração de dois relatórios finais, um em 21 de Fevereiro de 2022 e outro em 2 de Março de 2022 – momentos em que a Lei 93/2021, de 20 de Dezembro, não tinha sequer entrado em vigor], aponta precisamente naquele mesmo sentido, ao consagrar idêntico regime jurídico, nos seus artigos 2.º e 3.º, com referência por parte deste último à 2.ª parte do Anexo I daquela Diretiva [3].


Logo, por não ser possível convocar para o cenário dos autos a aplicação de tais regimes jurídicos [4], a confidencialidade sustentada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para confirmar a rejeição da junção dos ditos documentos ao procedimento disciplinar por parte do seu instrutor não conhece base legal mínima na dita DIRETIVA.


E – ASSÉDIO E CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009


A ser assim, resta-nos saber se haverá outras normas legais que consentiriam à entidade empregadora, na pessoa daquele instrutor, recusar a apresentação e divulgação da denúncia, do processo escrito de averiguações a que porventura esta tenha dado lugar e do seu relatório ou relatórios finais.


Como é sustentado no Aresto recorrido, «A Lei n.º 73/2017 de 16/08 veio reforçar o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio. Por força da mesma, alterou-se o Código do Trabalho, designadamente instituindo formas de proteção do denunciante (art.º 29.º/6) e impondo a modificação dos códigos de boa conduta vigentes nas empresas (art.º 127.º/1-k).»


Se fizermos um rápido voo sobre as disposições normativas que regulam o assédio [5] [designadamente, desde as alterações introduzidas no CT/2009 pela Lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto, com início de vigência a 1 de outubro de 2017), verificamos que as únicas regras que têm relevância jurídica quanto a esta matéria são as do artigo 29.º, alíneas a), k) e l) do número 1 e número 7 do artigo 127.º, números 1, alínea d) e 2, alínea b) do artigo 331.º e número 2, alíneas b) e f) do artigo 394.º [na redação resultante também da Lei n.º 93/2019, de 4 de Setembro, com início de vigência a 1 de outubro de 2019] [6].


Se atentarmos na sua redação, verificamos que nenhuma dessas disposições faz qualquer menção à confidencialidade ou sigilo das denúncias feitas, de forma anónima ou não, relativamente a casos de assédio moral ou sexual, assim como aos procedimentos adotados pelas entidades que recebam e tramitem tais queixas [a não ser que se reconduzam a condutas que tipifiquem crime ou contraordenação e que tais denúncias tenham sido feitas às autoridades públicas competentes [judiciárias ou ACT, que, por tal circunstâncias, demandam a aplicação das regras legais correspondentes – Código de Processo Penal ou Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro].


F – CÓDIGO DE CONDUTA E ÉTICA E REGULAMENTO INTERNO


Não se ignora, naturalmente, que as Rés [no fundo, o grupo GALP] têm em vigor, internamente, um Código de Conduta e Ética [que se acha junto ao procedimento disciplinar em língua inglesa e portuguesa, mas que se encontra acessível em língua portuguesa no sítio da GALP [7], vindo as Rés, na sua motivação de despedimento transcrever em português partes do mesmo, com relevo para as questões suscitadas nos autos] [8] , documento esse que é consequência da obrigação imposta pela alínea k) do número 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho de 2009, na sequência da alteração introduzida no ano de 2017 e cuja elaboração nos remete ainda para o regime dos artigos 97.º, 99.º e 104.º do mesmo diploma legal [9], quanto à sua autoria, fundamento, procedimentos, conteúdo, validade, eficácia e natureza jurídica, traduzindo-se, grosso modo, num escrito de índole privada e de iniciativa unilateral, da responsabilidade do empregador, onde são definidos princípios e regras de cariz mais ou menos geral e abstrato, quanto à organização, funcionamento, hierarquia e desenvolvimento da atividade do mesmo e às circunstâncias e condições de trabalho em que os seus assalariados e colaboradores exercerão funções e prestarão os serviços acordados, podendo ainda funcionar como proposta contratual – dependente, naturalmente, da aceitação dos visados pela mesma -, quanto a muitos aspetos e vertentes do vínculo laboral estabelecido com os trabalhadores ou a firmar no futuro, na altura de novas admissões [10].


ANA LAMBELHO, a este respeito, sustenta o seguinte [11]:


«O regulamento interno contém normas gerais e abstratas que, de forma estável, pretendem regular os aspetos de organização e disciplina do trabalho.


O poder regulamentar não se manifesta apenas com a elaboração de regulamentos internos, não obstante este ser o seu produto, por excelência. O empregador pode estipular normas através de "circulares", "notas de serviço", "códigos de conduta", "códigos de ética", "manuais de boas práticas", e outros documentos análogos. Trata-se, nas palavras de Monteiro Fernandes, de "outras expressões formais do poder regulamentar, com âmbito mais restrito e, porventura, círculos de destinatários mais específicos, mas sempre com caráter genérico e abstrato" [12]. O próprio legislador refere-se a estes outros instrumentos do poder regulamentar. Por exemplo, a Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, procedeu à alteração do artigo 127.° do CT, introduzindo a obrigatoriedade de adoção de códigos de conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores [art.º 127.º, n.º 1, al. k)] e a Lei n.º 58/2019, de agosto (que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de abril de 2006, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados), que refere a adoção de códigos de conduta para determinadas atividades (artigo 15.°).


Ora, quando os documentos supra referenciados comunguem das características da generalidade e abstração e versem sobre organização e disciplina do trabalho devem ser considerados regulamentos internos e sujeitos ao mesmo regime jurídico [13]. Também aqui, tal como noutras situações, não é o nomem iuris que determinará o regime jurídico, mas sim a realidade do estipulado, neste caso, pelo empregador. Entendemos que estas outras manifestações do poder regulamentar do empregador estão sujeitas ao mesmo procedimento que o regulamento interno, sobretudo, por três motivos: estas "figuras afins" também versam sobre regras gerais e abstratas de organização e disciplina do trabalho; ii) estas "circulares", "ordens de serviço", etc., enquanto declarações recetícias, só se tornam eficazes quando são ou podem ser do conhecimento do seu destinatário, isto é, quando lhes seja dada adequada publicidade; iii) a Diretiva 2002/14/CE do Parlamento europeu e do Conselho, de 11 de março, que estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia, prevê os direitos de informação e de consulta dos trabalhadores “sobre decisões suscetíveis de desencadear mudanças substanciais ao nível da organização do trabalho ou dos contratos de trabalho” [artigo 4.º, n.º 2, al. c)], independentemente do suporte de tal decisão do empregador, isto é, independentemente de esta ser tomada através de regulamento interno, código de conduta, circular ou figura afim».


Vista a natureza jurídica de tal Código de Conduta da GALP, realce-se, no que para aqui releva, o que o mesmo determina:


Linha de ética


Na GALP atuamos responsavelmente perante indícios de comportamentos incompatíveis com o código e contribuímos ativamente para o seu cumprimento e melhoria. Assumimos a responsabilidade de comunicar e fazemo-lo através da linha de ética (open talk) que se destina a prevenir e/ou a reprimir irregularidades no seio da GALP, nos domínios permitidos e com o alcance que lhe é dado pelas normas legais em vigor em cada momento. Este mecanismo serve igualmente para, nos termos que sejam permitidos por lei, tratar outros temas de ética e conduta mesmo que não estejam previstos no código.


A linha de ética da GALP assegura a mais estrita confidencialidade da informação veiculada, sendo ainda garantidos os direitos de acesso e retificação aos dados, no cumprimento dos normativos legais em vigor.


Para exercer estes direitos poderá usar o endereço eletrónico ...@galp.com ou aceder à intranet ou ao sítio da GALP na internet e preencher o formulário disponível.


No caso de tratamento de dados com a finalidade de apurar a veracidade de suspeitas de prática de infrações criminais, o direito de acesso é exercido através da autoridade com competência atribuída na jurisdição em questão. O recurso à linha de ética é facultativo, sem prejuízo das situações em que a lei penal e processual imponha a obrigatoriedade de comunicação.


Averiguações


Recebidas as comunicações no modo que identificámos acima, a CEC procede ao apuramento dos factos considerados pertinentes.


As averiguações internas decorrem da seguinte forma:


• Ouvimos o agente que identificou a possível irregularidade;


• Ouvimos o agente denunciado, não podendo este obter informação sobre a identidade do agente denunciante, ouvindo ainda outras entidades envolvidas;


• Realizamos as demais diligências que se considerem oportunas;


• Elaboramos um relatório sobre as averiguações efetuadas, com indicação das recomendações ou medidas a adotar ou promovendo o encerramento das averiguações;


• Damos o feedback considerado adequado ao agente que comunicou a situação, ao agente denunciado e às demais entidades envolvidas.


A cooperação nas averiguações constitui dever dos destinatários deste código, incluindo perante entidades externas que apoiem as diligências efetuadas.


Os direitos fundamentais do denunciado, designadamente a defesa do seu bom nome, privacidade e o direito de apresentar queixa por denúncia caluniosa, não podem ser prejudicados em qualquer caso.


Não-retaliação


Em cumprimento da lei e dos valores da empresa, a GALP não retalia contra o agente que tenha comunicado o conhecimento ou fundada suspeita de comportamentos incompatíveis com o código.


A GALP garante a proteção necessária ao destinatário que cumpra o seu dever de comunicar.


O open talk constitui ainda o canal para comunicação de qualquer fundada suspeita de retaliação, sobre a forma de ameaças, intimidação, exclusão, humilhação ou ato de má-fé.


Não discriminação


Compromisso da GALP e das nossas pessoas


Não atuamos de forma discriminatória em relação às nossas ou a quaisquer pessoas, nomeadamente em função da raça, religião, sexo, orientação sexual, ascendência, idade, língua, território de origem, convicções políticas ou ideológicas, situação económica, contexto social ou vínculo contratual.


Compromisso da GALP


A GALP promove políticas e medidas destinadas a prevenir atuações discriminatórias, incluindo no sentido de aprofundar a diversidade de género na organização.


Assédio


Compromisso da GALP


O nosso ambiente de trabalho deve basear-se no respeito recíproco, na partilha de experiência e conhecimento e na entreajuda, pelo que não toleramos quaisquer comportamentos que possam configurar assédio, quer moral (mobbing), quer sexual, incluindo formas de intimidação, nomeadamente a prática designada por bullying e a denúncia de má-fé.


Compromisso das nossas pessoas


Rejeitamos quaisquer comportamentos intimidatórios e assumimos o dever de comunicar à Direção de Pessoas quaisquer situações de que tenhamos conhecimento ou fundada suspeita, que nos afetem ou a qualquer pessoa da GALP e que possam configurar assédio e/ou bullying.


PERGUNTAS E RESPOSTAS


P2. Caso seja vítima de assédio ou bullying ou presencie um comportamento desta natureza, como posso garantir que estes comportamentos são enquadrados para efeitos deste código?


R2. Comunico internamente ao responsável da Direção de pessoas.


Privacidade e proteção de dados pessoais


Compromisso da GALP


A GALP compromete-se ao estrito cumprimento da legislação de proteção de dados em vigor a cada momento em cada uma das jurisdições em que se encontra presente e a garantir a efetividade dos direitos que dela decorram para as suas pessoas.


Compromisso das nossas pessoas


No exercício das nossas funções cumprimos escrupulosamente os princípios de proteção de dados previstos na legislação e normas internas aplicáveis.


Confidencialidade


Compromisso das nossas pessoas


Todas as informações de que temos conhecimento no exercício das nossas funções são para uso estritamente interno. Assumimos o compromisso de não partilhar para fora da empresa, incluindo após a cessação de funções, quaisquer informações de que tenhamos tido conhecimento em resultado direto e exclusivo da função que ocupamos na empresa.»


G – CÓDIGO DE CONDUTA E ÉTICA E REGIME JURÍDICO DO DESPEDIMENTO


Compulsadas tais regras contidas no CÓDIGO DE CONDUTA E ÉTICA das Rés, podia o instrutor do procedimento disciplinar recusar, apenas com base nas mesmas, a junção dos diversos documentos cuja apresentação foi requerida pelo trabalhador no final da sua Resposta à Nota de Culpa e que estão em causa nestes autos recursórios?


Muito embora o Código de Conduta do grupo GALP produza os efeitos, de natureza normativa, que, nos termos das disposições legais antes transcritas, são associados aos regulamentos internos do empregador [para mais, quando a sua criação, validade e eficácia jurídica surgem reforçadas pela alínea k) do número 1 do artigo 127.º do CT/2009], tal não significa que as regras pelo mesmo definidas não conheçam limites de diversa ordem, como será o caso de afrontamento de normas laborais imperativas, que, em contraponto às obrigações, proibições e direitos nesse Código consagradas, estabeleçam outros deveres, direitos e permissões que conflituem com aqueles, gerando cenários de colisão de direitos como os regulados no artigo 335.º do Código Civil.


Ora, movendo-nos nós no seio de um procedimento disciplinar com intenção de despedir o Autor com invocação de justa causa, há que recordar aqui que tal documento privado, da autoria das Rés empregadoras e com adesão, pelo menos tácita dos seus trabalhadores [CÓDIGO DA CONDUTA E ÉTICA], quando confrontado com as normas legais que regulam tal modalidade de cessação do contrato de trabalho [assim como as demais], poderá ter de lhes ceder, quando isso se revelar necessário, atenta a natureza imperativa das mesmas, conforme resulta do artigo 339.º do Código de Trabalho de 2009 [14] e sem perder de vista o disposto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.


Tal será suscetível de acontecer no quadro de um procedimento disciplinar e por força do exercício do direito de audição e defesa do trabalhador arguido, quando este último requeira, na Resposta à Nota de Culpa ou até posteriormente, a junção ao mesmo de documentos que, embora protegidos pela confidencialidade consagrada num regulamento interno emanado do empregador, como o dos autos, se revelem, de todo, relevantes e necessários a uma eficaz e eficiente prova dos factos alegados pelo visado pelo procedimento disciplinar ou a uma contraprova daqueles que lhe são imputados na aludida Nota de Culpa [15].


Chame-se à colação, como reforço do que acima se deixou sustentado, – ainda que não abordando problemática idêntica à aqui analisada – o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2023, Processo n.º 1570/18.2T8TMR-B.L1.S1, Relator: Domingos José de Morais, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário Parcial:


«II - A proibição de tratamento de dados pessoais prevista no artigo 9.º, n.º 1 do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia é excecionada se o tratamento for necessário à defesa de um direito num processo judicial ou sempre que os tribunais atuem no exercício da sua função jurisdicional;


III - Proibindo a Constituição da República Portuguesa os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, é justificada a exceção à proibição de tratamento de dados pessoais no âmbito de ação de impugnação judicial de despedimento.»


H – RELEVÂNCIA E UTILIDADE DA JUNÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO


Chegados aqui e face a tal eventual obrigação de junção da referida documentação, impõe-se, no entanto, recordar que tal apresentação não é automática, feita a mero pedido do trabalhador arguido e independentemente do seu conteúdo e relevância probatória e da justificação para que tal venha a acontecer.


Basta atentar no estatuído no número 1 do artigo 356.º do Código de Trabalho de 2009 [16] para perceber que o instrutor do procedimento disciplinar pode, desde logo, recusar a realização da diligências probatórias requeridas pelo trabalhador arguido desde que, por despacho devidamente fundamentado, as considere patentemente dilatórias ou impertinentes.


Logo, tem de haver um juízo prévio por parte do responsável pela tramitação do procedimento disciplinar no sentido de verificar se os meios probatórios requeridos pelo trabalhador, face à acusação deduzida contra ele, por via da Nota de Culpa, à defesa vertida na Resposta à Nota de Culpa e aos factos alegados numa e noutra peça processual, são razoáveis, plausíveis, fundados, para efeitos da sua concretização nos autos e oportuna apreciação em sede do relatório final e da subsequente decisão disciplinar pelo empregador.


Tendo concluído acima que a pertinência probatória da junção dos aludidos documentos referentes à denúncia anónima, às averiguações efetuadas pela Comissão de Conduta e Ética e ao relatório final efetuado e sua comunicação ao CA das diversas Rés podiam determinar a obrigatoriedade da sua apresentação, nos termos do transcrito número 1 do artigo 356.º do CT/2009, não obstante as regras do Código de Conduta e Ética do grupo GALP, há que convocar para aqui o bem fundamentado despacho judicial proferido pelo Juízo do Trabalho de..., na parte respeitante a tal julgamento [pertinência e utilidade na junção de tal documentação]:


«O segundo fundamento para a recusa encontra-se, aí sim, legalmente previsto: a sua impertinência.


No âmbito da instrução do procedimento disciplinar vigora um princípio da pertinência das diligências probatórias requeridas para o esclarecimento da verdade, conferindo a imposição da fundamentação por escrito a possibilidade de apreciação pelo tribunal da bondade das razões aduzidas para a recusa. (cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 28-04-2010, Proc. n.º 182/07.0TTMAI.S1)


A recusa dos Empregadores, conquanto profusamente fundamentada, com base na impertinência da prova requerida, não é, também neste conspecto, justificada, sobretudo no que tange ao processo de averiguação.


Com efeito, invocando o Trabalhador a caducidade do poder disciplinar relativamente a um conjunto considerável de factos constantes da nota de culpa e alegando o conhecimento, por parte dos Empregadores, de que existia um processo de averiguações contra si e que esse mesmo processo de averiguações era apto a provar esse conhecimento, aquilata-se que a sua junção se afigurava, à partida, relevante para o devir probatório.


Este processo de averiguações foi ainda determinado pelo CEC, que é integrado pelo Secretário do Conselho de Administração, e no seu âmbito foi ouvido um membro do Conselho de Administração (EE) de dois dos Empregadores, pelo que se discerne de imediato que o Instrutor teria que constatar que se tratava de um caminho probatório relevante para se averiguar do momento em que os Empregadores tiveram conhecimento dos factos – e, quanto mais não fosse, para retirar ilações entre a data do envio da recomendação pela CEC e o dia 08-04-2022.


Acresce que o Trabalhador, ao alegar que EE e HH tinham conhecimento do processo e dos factos que o mesmo incorporava, torna, de imediato, relevante conhecer a intervenção do presidente do conselho de administração de dois dos Empregadores e do CEO do grupo no processo levado a cabo na Comissão de Ética e Conduta, assim como os factos constantes deste mesmo processo de averiguações (e da sua correspondência com os vertidos na nota de culpa), a fim de descortinar qual o âmbito de conhecimento que os Empregadores, através destes executivos, poderiam dispor.


Há que compreender que, pretendendo os Empregadores beneficiar de uma duplicidade de procedimentos (primeiro, de averiguação, e depois de índole disciplinar), não poderiam ignorar que no processo conduzido pela Comissão de Ética e Conduta, existissem provas suscetíveis de demonstrar a tese factual do Trabalhador, circunstância que arreda por completo uma pretensa natureza dilatória e impertinente dos requerimentos de prova sob exame.


Ademais, o instrutor concatena as seguintes afirmações, no despacho de 28-06-2022 (fls. 1150 a 1154):





(…)





(…)





Ora, como é evidente, se o Instrutor não podia ter acesso à denúncia e ao processo de averiguação, não tinha, obviamente, como defender que, através de tais meios de prova, não pudesse obter-se informação que levasse a acreditar que os Empregadores (que se reitera serem os titulares do poder disciplinar, nos termos dos arts. 98.º e 329.º, n.º 4, do Código do Trabalho e não os órgãos que os representam) tivessem conhecimento, mesmo que parcial, dos factos imputados ao Trabalhador em data prévia a 08-04-2022, assim infirmando o que resultaria das certificações das deliberações em causa.


Deste modo, o Instrutor recusou diligências probatórias cujo resultado desconhecia, escorando-se na afirmação de que o facto que visavam demonstrar era falso, o que constitui evidente petição de princípio e ilogicidade insanável, por sua vez tornando imediatamente improcedente a invocação de impertinência pelo Instrutor.


Porém, diremos mais: a natureza impertinente ou dilatória das diligências probatórias requeridas por um trabalhador não depende da perspetiva jurídica perfilhada pelo Instrutor, mas das soluções plausíveis de direito aplicáveis ao caso, tanto mais que tinha de contar com a possibilidade de o Empregador adotar uma visão jurídica distinta dos factos.


Destarte, atendendo à circunstância de que a posição jurídica defendida pelo Trabalhador corresponde a uma solução plausível de direito – leia-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-12-2013, Proc. n.º 4523/06.0TTLSB.L1-4 ou o entendimento adotado em 1.ª instância no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-07-2019, Proc. n.º 3867/18.2T8CBR.C1 (e com a qual, podemos adiantar, concordamos, na perspetiva do método disjuntivo da representação passiva das sociedades anónimas, prevista no art.º 408.º, n.º 3, do CSC e recordando que o poder disciplinar compete ao empregador, podendo este exercê-lo através do art.º 408.º, n.º 1 e 2, do CSC ou por delegação, e não ao Conselho de Administração) –, também o Instrutor deveria ter tomado em consideração as provas requeridas pelo Trabalhador, cabendo-lhe não ponderar exclusivamente a sua perspetiva jurídica no momento da recolha de provas.


Putativamente mais persuadido pela preservação da confidencialidade do que com a pertinência dos meios de prova, o Instrutor, na fundamentação do despacho proferido a 28 de Junho de 2022, olvidou por completo uma outra valência do requerimento para junção do processo de averiguações: (a) a existência, (b) o conhecimento, tanto seu, como de trabalhadores e de administradores dos Empregadores, (c) a sua inquirição e (d) os pedidos de esclarecimento do Trabalhador, como facto atenuante (art.º 323.º da resposta à nota de culpa) do comportamento incorrido em 28-03-2022 – aspeto que o Instrutor despreza por inteiro na respetiva fundamentação.


Perante os fundamentos supra expostos, não podemos considerar que o requerimento de diligência probatória supra identificado como ii. (admitindo-se que o fosse o i.) fosse dilatório e impertinente – e muito menos que o fosse patentemente.


A introdução deste advérbio de modo, à luz do art.º 9.º, n.º 2 e 3, do Código Civil, ao estabelecer uma supraordenação, uma graduação de nível superior, relativamente aos adjectivos dilatório e impertinente, apenas tem condições de remeter o intérprete para situações que constituam, de facto, um pedido abusivo por parte do trabalhador, em que seja inequívoca a respetiva natureza inútil e desnecessária. (cf. Ac. n.º 338/10 do Tribunal Constitucional)


Não é manifestamente essa a natureza do requerimento de junção de cópia integral do processo de averiguação, incluindo recomendação final emitida pela Comissão de Ética e Conduta, como vimos.


Em face do exposto, nos termos do disposto nos arts. 356.º, n.º 1 e 389.º, n.º 2, do Código do Trabalho, deve o despedimento do Trabalhador ser julgado irregular, caso não seja julgado ilícito.»


Temos de concordar com a explanação feita pelo tribunal da 1.ª instância quanto à irregularidade formal cometida pelo instrutor do procedimento disciplinar nesta matéria respeitante à instrução do mesmo, dado não ser legítimo que aquele, por um lado, especulasse e extraísse conclusões sobre uma realidade que, segundo o próprio, desconhecia [até por que o seu conhecimento lhe estava vedado pelas regras do Código de Conduta e Ética] e, por outro, antecipasse juízos jurídicos de cariz material [conhecimento da prática das infrações, contagem dos prazos, titular do poder disciplinar, caducidade da ação disciplinar] e tomasse, desde logo, posição sobre questões que não são unívocas nem inequívocas, quer de facto, quer de direito, e que só a final e perante todos os factos e documentos complementares, poderiam e deveriam ser por si apreciadas.


Tal recusa dos elementos probatórios que, para efeitos do julgamento da exceção perentória da caducidade da ação disciplinar das Rés, que havia sido suscitada pelo Autor, se revelavam significativos e pertinentes, foi injustificada e precipitada, por ter sido efetuada com base nessas antevisões e pré-juízos prematuros do instrutor do procedimento disciplinar.


I - CONCLUSÃO


Logo, pelos fundamentos expostos, julgamos procedente o recurso de Revista do Autor, revogando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e repristinando a sentença do tribunal da 1.ª instância.


IV – DECISÃO


Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o presente recurso de revista interposto por AA, revogando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e repristinando a sentença do tribunal da 1.ª instância.


*


Custas do presente recurso a cargo das Recorridas – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.


Registe e notifique.


Lisboa, 12 de abril de 2024


José Eduardo Sapateiro (Relator)


Domingos José de Morais


Júlio Gomes








_____________________________________

1. E independentemente da não aplicação direta e imediata dessa DIRETIVA às relações jurídicas de natureza pública ou privada que se gerem entre os cidadãos e/ou empresas dos Estados Membros, conforme decorre expressamente do artigo 29.º do seu texto, com a epígrafe «Destinatários», quando estatui que «Os destinatários da presente diretiva são os Estados-Membros».↩︎

2. Os artigos 2.º e 3.º da DIRETIVA possuem a seguinte redação [abstemo-nos de transcrever o ANEXO, devido à sua extensão]:

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação material

1. A presente diretiva estabelece normas mínimas comuns para a proteção das pessoas que denunciam as seguintes violações do direito da União:

a) Violações abrangidas pelo âmbito de aplicação dos atos da União indicados no anexo, que dizem respeito aos seguintes domínios:

i) contratação pública,

ii) serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo,

iii) segurança e conformidade dos produtos,

iv) segurança dos transportes,

v) proteção do ambiente,

vi) proteção contra radiações e segurança nuclear,

vii) segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, saúde e bem-estar animal,

viii) saúde pública,

ix) defesa do consumidor,

x) proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação;

b) Violações lesivas dos interesses financeiros da União, a que se refere o artigo 325.o do TFUE e especificadas nas medidas da União aplicáveis;

c) Violações relacionadas com o mercado interno, a que se refere o artigo 26.º, n.º 2, do TFUE, inclusive violações das regras da União de concorrência e de auxílios estatais, bem como violações relacionadas com o mercado interno

relativamente a atos que violem normas de fiscalidade societária ou a práticas cujo objetivo seja a obtenção de vantagens fiscais que contrariem o objetivo ou a finalidade do direito fiscal societário.

2. A presente diretiva aplica-se sem prejuízo da competência de os Estados-Membros alargarem a proteção nos termos do direito nacional no que diz respeito a domínios ou atos não abrangidos pelo n.º 1.

Artigo 3.º

Relação com outros atos da União e disposições nacionais

1. À denúncia de violações aplicam-se as normas estabelecidas pelos atos setoriais específicos da União enumerados na parte II do anexo. As disposições da presente diretiva são aplicáveis na medida em que uma matéria não esteja regulamentada de forma imperativa nos referidos atos setoriais específicos da União.

2. A presente diretiva não afeta a responsabilidade de os Estados-Membros assegurarem a sua segurança nacional ou a sua competência de protegerem os seus interesses essenciais de segurança. Em especial, a presente diretiva não se aplica a denúncias de violações das regras de contratação que envolvam aspetos de defesa ou de segurança, salvo se abrangidos pelos atos da União aplicáveis.

3. A presente diretiva não afeta a aplicação do direito nacional ou da União sobre:

a) A proteção das informações classificadas;

b) A proteção do segredo profissional médico e dos advogados;

c) O segredo das deliberações judiciais; ou

d) As regras de processo penal.

4. A presente diretiva não afeta as normas nacionais sobre o exercício pelos trabalhadores do direito de consultar os seus representantes ou sindicatos e sobre a proteção contra medidas prejudiciais injustificadas suscitadas por tais consultas, bem como sobre a autonomia dos parceiros sociais e o seu direito de celebrar acordos coletivos. O que precede não prejudica o nível de proteção assegurado pela presente diretiva.↩︎

3. Os artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 93/2021, de 20/12 possuem a seguinte redação:

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

1 - Para efeitos da presente lei, considera-se infração:

a) O ato ou omissão contrário a regras constantes dos atos da União Europeia referidos no anexo da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, a normas nacionais que executem, transponham ou deem cumprimento a tais atos ou a quaisquer outras normas constantes de atos legislativos de execução ou transposição dos mesmos, incluindo as que prevejam crimes ou contraordenações, referentes aos domínios de:

i) Contratação pública;

ii) Serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e

do financiamento do terrorismo;

iii) Segurança e conformidade dos produtos;

iv) Segurança dos transportes;

v) Proteção do ambiente;

vi) Proteção contra radiações e segurança nuclear;

vii) Segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal;

viii) Saúde pública;

ix) Defesa do consumidor;

x) Proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação;

b) O ato ou omissão contrário e lesivo dos interesses financeiros da União Europeia a que se refere o artigo 325.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), conforme especificado nas medidas da União Europeia aplicáveis;

c) O ato ou omissão contrário às regras do mercado interno a que se refere o n.º 2 do artigo 26.º do TFUE, incluindo as regras de concorrência e auxílios estatais, bem como as regras de fiscalidade societária;

d) A criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada, bem como os crimes previstos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira; e

e) O ato ou omissão que contrarie o fim das regras ou normas abrangidas pelas alíneas a) a c).

2 - Nos domínios da defesa e segurança nacionais, só é considerado infração, para efeitos da presente lei, o ato ou omissão contrário às regras de contratação constantes dos atos da União Europeia referidos na parte I.A do anexo da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, ou que contrarie os fins destas regras.

Artigo 3.º

Articulação com outros regimes

1 - O disposto na presente lei não prejudica os regimes de proteção de denunciantes previstos nos atos setoriais específicos da União Europeia referidos na parte II do anexo da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, ou nos atos legislativos de execução, transposição ou que deem cumprimento a tais atos, sendo que em tudo o que não estiver previsto nesses atos, ou sempre que tal se mostrar mais favorável ao denunciante, é aplicável o disposto na presente lei.

2 - O disposto na presente lei não prejudica a aplicação de outras disposições de proteção de denunciantes mais favoráveis ao denunciante ou às pessoas referidas no n.º 4 do artigo 6.º, consoante o caso.

3 - O disposto na presente lei não prejudica a aplicação do direito nacional ou da União Europeia sobre:

a) A proteção de informações classificadas;

b) A proteção do segredo religioso e do segredo profissional do médico, dos advogados e dos jornalistas;

c) O segredo de justiça.

4 - O disposto na presente lei não prejudica as normas do processo penal nem do processo contraordenacional, na sua fase administrativa ou judicial.

5 - O disposto na presente lei não prejudica ainda:

a) O direito dos trabalhadores de consultarem os seus representantes ou sindicatos nem as regras de proteção associadas ao exercício desse direito;

b) A autonomia e o direito das associações sindicais, das associações de empregadores e dos empregadores de celebrar um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.↩︎

4. Cf., em termos gerais, JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES em “Algumas observações sobre a Diretiva (UE) 2019/1937 e a Lei n.º 93/2021”, texto publicado a páginas 151 e seguintes do PDT – PRONTUÁRIO DE DIREITO DO TRABALHO, 2021, TOMO II, Edição do CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS com produção e distribuição de EDIÇÕES ALMEDINA.↩︎

5. Cf., quanto aos contornos jurídicos deste instituto, JOÃO LEAL AMADO no texto intitulado «O Assédio no Trabalho», publicado a páginas 209 a 218 da obra coletiva “Direito do Trabalho – Relação Individual”, da responsabilidade do referido autor e ainda de MILENA SILVA ROUXINOL, JOANA NUNES VICENTE, CATARINA GOMES SANTOS e TERESA COELHO MOREIRA, novembro de 2019. ALMEDINA, bem como PAULA QUINTAS no seu estudo denominado «O percurso jurídico do assédio laboral», publicado a páginas 281 a 306 do PDT – PRONTUÁRIO DE DIREITO DO TRABALHO, 2018, TOMO I, Edição do CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS com produção e distribuição de EDIÇÕES ALMEDINA.↩︎

6. Tais disposições legais possuíam a seguinte redação, à data dos factos de cariz disciplinar assacados pelas Rés ao Autor:

Artigo 29.º

Assédio

1 - É proibida a prática de assédio.

2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

3 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito referido no número anterior.

3 - À prática de assédio aplica-se o disposto no artigo anterior [Artigo 28.º - Indemnização por ato discriminatório - A prática de ato discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.]

4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.

5 - A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei.

6 - O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório.

Artigo 127.º

Deveres do empregador

1 - O empregador deve, nomeadamente:

a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio; […]

c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;

[…]

k) Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores;

l) Instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho.

2 – […]

7 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nas alíneas k) e l) do n.º 1 e contraordenação leve a violação do disposto na alínea j) do n.º 1 e nos n.ºs 5 e 6.

Artigo 331.º

Sanções abusivas

1 - Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:

a) […]

d) Ter alegado ser vítima de assédio ou ser testemunha em processo judicial e/ou contraordenacional de assédio;

e) […]

2 - Presume-se abusivo o despedimento ou outra sanção aplicada alegadamente para punir uma infração, quando tenha lugar:

a) […]

b) Até um ano após a denúncia ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade, não discriminação e assédio. […]

Artigo 394.º

Justa causa de resolução

1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

a) […]

b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;

c) […]

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.↩︎

7. https://www.galp.com/corp/Portals/0/Recursos/Governance2019/regulamentos/Codigo-De-Conduta-Etica_PT.pdf↩︎

8. Sem prejuízo de outros documentos como o “Regulamento da Comissão de Ética e Conduta da GALP” e da “#Norma Transversal 010 (Comunicação de Irregularidades – Linha de Ética)”.↩︎

9. Artigo 97.º

Poder de direção

Compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem.

Artigo 99.º

Regulamento interno de empresa

1 - O empregador pode elaborar regulamento interno de empresa sobre organização e disciplina do trabalho.

2 - Na elaboração do regulamento interno de empresa é ouvida a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais.

3 - O regulamento interno produz efeitos após a publicitação do respetivo conteúdo, designadamente através de afixação na sede da empresa e nos locais de trabalho, de modo a possibilitar o seu pleno conhecimento, a todo o tempo, pelos trabalhadores.

4 - A elaboração de regulamento interno de empresa sobre determinadas matérias pode ser tornada obrigatória por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial.

5 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2 e 3.

Artigo 104.º

Contrato de trabalho de adesão

1 - A vontade contratual do empregador pode manifestar-se através de regulamento interno de empresa e a do trabalhador pela adesão expressa ou tácita ao mesmo regulamento.

2 - Presume-se a adesão do trabalhador quando este não se opuser por escrito no prazo de 21 dias, a contar do início da execução do contrato ou da divulgação do regulamento, se esta for posterior.↩︎

10. Cf., em termos muito gerais, quanto ao poder regulamentar do empregador, ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, em “Direito do Trabalho”, 18.ª Edição – edição especial comemorativa dos 40 anos, maio de 2017, Almedina, páginas 360 a 363 e, ainda, “Código de Trabalho Anotado”, da responsabilidade de PEDRO ROMANO MARTINEZ, LUÍS MIGUEL MONTEIRO, JOANA VASCONCELOS, PEDRO MADEIRA DE BRITO. GUILHERME DRAY e LUÍS GONÇALVES DA SILVA, 11.ª Edição, 2017, páginas 289 a 291[anotação ao artigo 99.º]. .↩︎

11. No texto intitulado «O poder regulamentar do empregador», publicado a páginas 223 a 231 do PDT – PRONTUÁRIO DE DIREITO DO TRABALHO, 2020, TOMO I, Edição do CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS com produção e distribuição de EDIÇÕES ALMEDINA.↩︎

12. «ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, cit., p. 442» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 8.↩︎

13. «Neste sentido, BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER e MARIA CÂNDIDA ALMEIDA RIBEIRO, «Regulamento de empresa (Subsídios para a elaboração de regulamentos de empresa)», cit., p. 177. Monteiro Fernandes, defende que não faz sentido estender a todos os tipos de instrumentos regulamentares a globalidade do regime do artigo 99.° do Código do Trabalho, devendo "a necessidade de audição da comissão de trabalhadores (ou de outra estrutura interna de representação do pessoal da empresa) (...) ser parametrizada pelo conteúdo do direito de consulta a que se refere o art.º 425.° CT". Ressalva, no entanto, as hipóteses de "inclusão de matéria 'contratual' - isto é, de matéria suscetível de se traduzir em alteração do conteúdo dos contratos de trabalho", caso em que "a audição prévia da comissão de trabalhadores é igualmente exigível". ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, cit., p. 442. A jurisprudência tem afirmado de forma consistente que as ordens de serviço, quando constituam um instrumento regulador, de aplicabilidade genérica no âmbito da empresa e com reflexos diretos na relação contratual devem qualificar-se como regulamentos internos. Neste sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 4/02/2004, processo n.º 03S2928; de 29/11/2005, processo n.º 05S2556; de 28/06/2006, processo n.º 06S699; de 01/'06/2017, processo n.º 585/13.1TTVFR.P1.S1, e demais jurisprudência aí citada; acórdãos do TRL de 20/11/2013, processo n.º 4761/10.0TTLSB.L1-4; de 05/11/2014, processo n.º 4877/12.9TTLSB.L1-4; e de 25/09/2019, processo n.º 14746/18.3T8LSB.L1-4.

No ordenamento jurídico francês, onde os regulamentos internos têm grande tradição e conhecem uma regulamentação pormenorizada, o Code du Travail estipula que as notas de serviço ou outros documentos contendo obrigações gerais e permanentes sobre as matérias legalmente definidas como objeto de regulamento são, logo que exista um regulamento interno, consideradas como fazendo parte dele, sendo, que, "os outros casos, estão sujeitos às disposições a que o Code du Travail submete o regulamento interno (L 1321-5).» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 9.↩︎

14. Artigo 339.º

Imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho

1 - O regime estabelecido no presente capítulo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou em outra disposição legal.

2 - Os critérios de definição de indemnizações e os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados neste capítulo podem ser regulados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

3 - Os valores de indemnizações podem, dentro dos limites deste Código, ser regulados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.↩︎

15. Neste preciso sentido vai o despacho proferido pelo tribunal da 1.ª instância:

«No despacho de 28 de Junho de 2022, verifica-se que a justificação da recusa da junção de tais documentos assenta sobre dois vetores:

a) a confidencialidade das denúncias e dos processos conduzidos pela Comissão de Ética e Conduta, aos quais só têm acesso a própria Comissão, o Conselho Fiscal, os consultores externos e a Comissão Executiva, em casos de estrita necessidade;

b) A pertinência da junção de tais documentos, sob a perspetiva da respetiva aptidão para demonstração dos factos alegados pelo Trabalhador.

No que tange à confidencialidade, conquanto esta não esteja prevista como um fundamento para a recusa do empregador em executar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, é certo que a mesma deve ser considerada como um fundamento legítimo de recusa – como, aliás, sucede no art.º 417.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Com facilidade se discerne que o trabalhador, no exercício do seu direito de defesa em procedimento disciplinar, não pode ver deferido um pedido de junção de prova protegida pelo segredo bancário, nem tem o direito de pedir a inquirição de um advogado como testemunha relativamente a factos de que teve conhecimento por força do exercício do mandato forense.

Não é isso, todavia, que sucede no caso em presença: a confidencialidade consagrada na Norma Transversal NT – 010 Comunicação de Irregularidades – Linha de Ética tem como fonte um ato jurídico de direito privado, emanado dos Empregadores no exercício do seu poder de direção e regulamentar (arts. 97.º e 99.º, n.º 1, do Código do Trabalho).

Embora essa Norma Transversal deva ser, com efeito, respeitada pelos trabalhadores no âmbito do seu dever de cumprir as instruções respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, esse dever de obediência cessa quando as normas sejam contrárias aos seus direitos ou garantias (art.º 128.º, n.º 1, al. e) do Código do Trabalho), como seja o direito de defesa em sede de procedimento disciplinar tendente ao despedimento.

Adicionalmente, afigura-se imediatamente notório que estamos perante um regulamento interno dos Empregadores, um ato de direito privado, que, ao estabelecer uma regra de confidencialidade para a denúncia, assim como para os procedimentos da Comissão de Ética e Conduta, cria um novo fundamento de recusa da realização de diligências probatórias não previsto na lei.

Repisa-se o afirmado: aos fundamentos de recusa legítima de realização de diligências probatórias devem acrescer todos aqueles que defluam da lei (por exemplo, art.º 139.º do Estatuto da Ordem dos Médicos ou art.º 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados) ou da Constituição (por exemplo, art.º 34.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).

Contudo, a confidencialidade dos procedimentos da CEC como fundamento ex novo de jaez regulamentar para a não realização de diligências probatórias regularmente requeridas esbarra contra a imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho (art.º 339.º, n.º 1, do Código do Trabalho), que não pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o que conste de disposição legal (que, para o efeito, inexiste), o que implica que nem o próprio Trabalhador poderia promover o afastamento do regime do art.º 356.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

Assim, divisa-se que a confidencialidade oposta ao Trabalhador – emergente de um ato pertencente ao poder de direção e regulamentar dos Empregadores, que sempre se encontra limitado pelo contrato de trabalho e as normas que o regem (art.º 99.º do Código do Trabalho) – constitui um fundamento ilegítimo de recusa de realização de diligências probatórias, por contrário a normas legais de natureza imperativa (art.º 339.º, n.º 1, do Código do Trabalho e art.º 294.º, ex vi, art.º 295.º, ambos do Código Civil), não sendo, nessa medida, procedente.»↩︎

16. Artigo 356.º

Instrução

1 - O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.

2 – […]↩︎