REVISÃO DE INCAPACIDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
CASO JULGADO MATERIAL
SENTENÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
RETIFICAÇÃO DE SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
REFORMA DA DECISÃO
RECURSO
REVOGAÇÃO DA SENTENÇA
Sumário


I - O mandatário da Ré Seguradora, quando da apresentação do seu requerimento em 10/12/2022, informou que tinha procedido à notificação dos ilustres advogados do sinistrado e da empregadora do teor do seu requerimento de retificação da decisão judicial de 11/11/2022, nos termos e para os efeitos do artigo 255.º do NCPC, tendo mesmo o Autor lhe vindo responder, opondo-se a tal pretensão, constatando-se, nessa medida, o efetivo e prévio cumprimento do princípio do contraditório quanto a esse pedido de retificação.

II - Muito embora o despacho judicial pretendesse que a secretaria judicial efetuasse a notificação às demais partes desse pedido de retificação, tal procedimento revela-se desnecessário, face ao facto das notificações determinadas já se acharem efetuadas, com resposta atempada do sinistrado.

III - Ainda que assim não tivesse acontecido – com a indevida omissão por parte da secretaria judicial dessas notificações -, certo é que o Réu empregador teve oportunidade de deduzir a sua oposição à requerida e deferida retificação, quer no recurso de Apelação interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, como depois no recurso de revista dirigido a este Supremo Tribunal de Justiça, mostrando-se assim satisfeito tal princípio do contraditório.

IV - Os lapsos que cabem dentro do âmbito do artigo 614.º do CPC/2013 são aqueles de cariz meramente formal, que resultam, manifestamente, do texto do Acórdão, sentença ou despacho, quer ele seja lido em si e por si ou em conjugação com outros textos para onde remete, ao passo que as faltas e falhas que se podem reconduzir ao artigo 616.º do NCPC constituem, grosso modo, «erros óbvios de julgamento», de carácter involuntário, não intencional e que possuem já uma natureza material ou substantiva e colocam em crise o mérito [aqui visto em termos da correta aplicação das normas jurídicas aos factos relevantes] daquelas decisões judiciais, implicando a reforma ou julgamento por via de recurso destas últimas a alteração do seu conteúdo, sentido e alcance, o que já não pode acontecer com as modificações consentidas e acolhidas ao abrigo do artigo 614.º do CPC/2013, que não são suscetíveis de implicar aquele tipo de alteração substancial do aresto, sentença ou despacho judicial retificado ou corrigido.

V - O conteúdo, alcance e sentido de uma decisão judicial não se pode quedar por uma sua abordagem meramente formal, sectorial, parcial, temática, simplista ou superficial do seu teor [fundamentação e decisão] mas antes por uma leitura e busca do significado profundo, essencial, lógico, razoável, que resulta do confronto, conjugação e conciliação de todos os elementos relevantes que da sentença ou do acórdão ressaltam para uma correta, objetiva e segura interpretação do seu texto.

VI – Estando-se face a um erro de julgamento e não a um mero lapso material e sendo a primeira decisão judicial recorrível, não podiam as matérias inquinadas por tal erro ser objeto de pedido de reforma da dita sentença mas unicamente de recurso de Apelação, que, contudo, não foi interposto atempadamente, pela Seguradora, não obstante os prazos legalmente previstos para tal efeito não se suspenderem com o pedido de retificação formulado pela Companhia de Seguros.

VII - Logo, verificou-se uma situação de formação de caso julgado material que, de facto, esgotou o poder jurisdicional do juiz titular deste processo, ao nível do tribunal da 1.ª instância, o que impedia este último de prolatar a segunda decisão judicial, que assim se traduziu numa ofensa do caso julgado material e que, face ao disposto no artigo 625.º do Código de Processo Civil, implica que se considere jurídica e processualmente ineficaz, com a sua inerente revogação, sendo, nessa medida, considerada apenas a primeira decisão judicial proferida neste incidente de revisão de incapacidade como a única válida e eficaz nos autos.

Texto Integral




RECURSO DE REVISTA N.º 1408/20.0T8CSC.L1-A.S1 (4.ª Secção)


Recorrente: CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD


Recorridos: AA


CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.


(Processo n.º 1408/20.0T8CSC1 – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho de ... [Juiz ...])


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


I – RELATÓRIO


Em 11.11.2022, o Juízo do Trabalho de ... proferiu, no âmbito do Incidente de Revisão da Incapacidade [artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho] - em que são partes, com os sinais dos autos, o sinistrado AA, a empregadora deste último CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD e a Companhia de Seguros CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. - a seguinte decisão judicial:


«Nos presentes autos em que é Sinistrado AA, nascido em .../.../1991, e Entidade responsável pela reparação CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. veio aquele requerer, em 1/06/2020, a revisão da sua incapacidade, anteriormente considerado curado sem desvalorização, alegando o agravamento das lesões decorrentes de acidente de trabalho.


Realizou-se a perícia médica a que alude o art.º 145.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, tendo, após sido requerida a perícia por junta médica a que alude o art.º 145.°, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho e realizada esta, concluíram os Srs. Peritos Médicos, por unanimidade, pela atribuição de urna Incapacidade Permanente Parcial – IPP de 14,637%.


Resulta dos autos a seguinte factualidade, assente em virtude do acordo das partes constante do auto de tentativa de conciliação:


1 – O Sinistrado sofreu um acidente em 29/07/2007.


2 – O Sinistrado auferia à data do acidente a retribuição anual de € 75.980,00.


3 – À data do acidente a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida para a CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., por contrato de seguro e pela referida retribuição.


Cumpre decidir:


Face aos elementos dos autos e não havendo razões para contrariar o juízo pericial, que foi unânime, considero que o Sinistrado se encontra atualmente afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial – IPP de 14,637%, desde a data do pedido de revisão em 1/06/2020.


Perante o disposto nos art.ºs 2.°, 8.°, 23.°, al. b), 47.°, n.º 1, al. c), 48.°, n.ºs 2 e 3, al. c), todos da Lei 98/2009, de 4 de Setembro tem o Sinistrado direito ao pagamento de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, no valor de € 7.784,83 (€ 75.980,00 x 70% x 14,637%).


Consequentemente e nos termos do art.º 145.°, n.º 6, Código de Processo do Trabalho e art.º 70.° da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, condeno CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar ao Sinistrado AA a pensão anual e vitalícia, de € 7.784,83 (sete mil setecentos e oitenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), devida desde 1/06/2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde aquela data e até efetivo pagamento.


- Custas a cargo da Seguradora – art.º 527.º do Código de Processo Civil.


- Valor da causa: € 132.443,39 – art.º 120.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.»


**


Em 10.12.2022 a entidade seguradora CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. veio requerer a retificação de erros materiais da decisão acima indicada nos seguintes termos:


«1. Pela douta decisão (…), foi a Requerente condenada a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia no valor de € 7.784,83, devida a partir de 01-06-2020, bem como ao pagamento de juros de mora e a totalidade das custas.


Sucede que,


2. Toda a decisão está viciada por lapso manifesto, respeitante ao valor da remuneração anual do sinistrado que foi transferida para a ora requerente no âmbito da apólice n.º 10-00113837.


Com efeito,


3. Pode ler-se o seguinte, na Ata de Tentativa de Conciliação de 24-02-2022:


De seguida e perante os elementos documentais e periciais constantes dos autos pela Mma. Juiz foi tentada a conciliação das partes tendo estas declarado estarem de acordo relativamente ao seguinte:


1 – O Sinistrado foi vítima, no dia 29 de Julho de 2007, pelas 11:00 horas, de um acidente de trabalho, enquanto prestava funções de jogador de futebol profissional no CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD, que consistiu em “… durante o treino ao disputar uma bola com o adversário levou uma pancada no joelho direito…”.


2 – De tal acidente de trabalho resultou traumatismo do membro inferior direito com lesão do nervo ciático poplíteo externo.


3 – O Sinistrado esteve com Incapacidades Temporárias para o trabalho desde o dia seguinte ao acidente até ao dia 15.05.2018, dia em que lhe foi atribuída alta clínica como curado sem desvalorização.


4 – À data do acidente o Sinistrado auferia a retribuição anual de € 75.980,00.


5 – A Entidade Empregadora suprarreferida tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pela retribuição anual de € 50. 000,00 sob a apólice n.º 10.00113837.


6 – O sinistrado está neste momento pago das indemnizações devidas pelos períodos de incapacidade temporárias.


7 – Em Exame médico realizado neste Tribunal no dia 5 de Novembro de 2021 cujo auto consta dos autos a fls. 47 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, concluiu o Sr. Perito que para o sinistrado resultaram as sequelas e incapacidades aí referidas, tendo urna IPP de 16,13.»


4. A douta decisão está em direta contradição com o que consta da referida Ata, no que concerne à factualidade assente por acordo das partes, porque não levou em conta que as partes acordaram igualmente em que, da retribuição de € 75.980,00, apenas € 50.000,00 foram transferidos para a ora requerente!


5. Este lapso refletiu-se na decisão final que condenou a requerente ao pagamento da totalidade do montante de pensão anual vitalícia, bem como ao pagamento da totalidade das custas.


Na verdade,


6. A condenação da ora requerente deve cingir-se à sua percentagem nessa responsabilidade, que se traduz em 65,8% da pensão anual.


Pelo exposto,


7. Deve a douta decisão ser retificada, nos seguintes termos:


«Resulta dos autos a seguinte factualidade, assente em virtude (d)o acordo das partes constante do auto de tentativa de conciliação:


1 – O Sinistrado sofreu um acidente em 29/07/2007.


2 – O sinistrado auferia à data do acidente a retribuição anual de € 75.980,00.


3 – À data do acidente a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida (para a) CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. pela retribuição anual de € 50.000,00, sob a apólice n.º 10.00113837.


Consequentemente e nos termos do art.º 145.°, n.º 6, (do) Código de Processo do Trabalho e art.º 70.° da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, condeno as entidades responsáveis a pagarem ao sinistrado AA a pensão anual e vitalícia de 7.784,83 (sete mil, setecentos e oitenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), devida desde 01/06/2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde aquela data e até efetivo pagamento, nas seguintes proporções:


a) A CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar o montante correspondente a 65,8% da pensão fixada, ou seja, o equivalente a € 5.122,42 (cinco mil, cento e vinte e dois euros e quarenta e dois cêntimos);


b) O CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD, a pagar o montante correspondente a 34,2% da pensão fixada, ou seja, o equivalente a € 2.662,41 (cinco mil, cento e vinte e dois euros e quarenta e dois cêntimos).


- Custas a cargo da Seguradora e da Entidade Empregadora, na proporção das suas responsabilidades.»


**


O tribunal da 1.ª instância proferiu, com data de 10.01.2023, o seguinte despacho: «Observe-se o contraditório quanto ao requerido pela Seguradora


A secretaria judicial não procedeu à notificação dos demais litigantes para se virem pronunciar sobre esse pedido de «retificação», tendo o advogado da Requerente COMPANHIA DE SEGUROS procedido à notificação de tal requerimento nos termos do artigo 255.º do NCPC aos mandatários do Autor e da outra Ré.


**


O Autor veio responder a tal pedido de retificação no seguintes moldes, mediante requerimento apresentado no dia 10/01/2023, com o seguinte teor parcial [na parte restante, requer a remição parcial da pensão anual e vitalícia que lhe foi fixada na sentença, pretensão essa que mereceu a oposição da Ré Seguradora, consoante resposta junta aos autos em 27/01/2023]:


1. A sentença do presente processo foi elaborada e notificada às partes em 14.11.2023 tendo já transitado em julgado.


2. A entidade responsável apresentou um requerimento ao qual o Sinistrado é completamente alheio.


3. Em verdade, não obstante a razão que lhe possa assistir, a sentença tem de ser cumprida na sua plenitude.


4. Porquanto não existem razões de direito para o incumprimento da sentença!. […]»


**


Em 30.01.2023, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão :


«A sentença contém omissão, erro e inexatidão manifestos já que omite o nome de cima das partes, concretamente da entidade empregadora, e referindo que “Resulta dos autos a seguinte Factualidade, assente em virtude o acordo das partes constante do auto de tentativa de conciliação: 1 - 0 Sinistrado sofreu um acidente em 29/07/2007. 2 – O Sinistrado auferia à data do acidente a retribuição anual de € 75.980,00. 3 – À data do acidente a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., por contrato de seguro e pela referida retribuição” quando na tentativa de conciliação consta expressamente “4 - À data cio acidente o Sinistrado auferia a retribuição anual de € 75.980,00. 5 – A Entidade Empregadora supra referida tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pela retribuição anual de € 50.000,00 sob a apólice n.º 10.00113837.”, inexatidão e erro que se deve a lapso manifesto.


Urge corrigir tal lapso, o que se passa a fazer nos termos do art.º 613.º, n.º 2 e 614.º ambos do Código de Processo Civil, proferindo de seguida sentença retificada.


Nos presentes autos em que é Sinistrado AA, nascido em .../.../1991, e Entidades responsáveis pela reparação CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA, FUTEBOL SAD, veio aquele requerer, em 1/06/2020, a revisão da sua incapacidade, anteriormente considerado curado sem desvalorização, alegando o agravamento das lesões decorrentes de acidente de trabalho.


Realizou-se a perícia médica a que alude o art.º 145.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, tendo após sido requerida a perícia por junta médica a que alude o art.º 145.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho e realizada esta concluíram os Srs. Peritos Médicos, por unanimidade, pela atribuição de uma Incapacidade Permanente Parcial – IPP de 14,637%.


*


Resulta dos autos a seguinte factualidade, assente em virtude o acordo das partes constante do auto de tentativa de conciliação:


1 – O Sinistrado sofreu um acidente em 29/07/2007.


2 – O Sinistrado auferia à data do acidente a retribuição anual de € 75.980,00.


3 – À data do acidente a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., por contrato de seguro e pela retribuição anual de € 50.000,00.


*


Cumpre decidir:


Face aos elementos dos autos e não havendo razões para contrariar o juízo pericial, que foi unânime, considero que o Sinistrado se encontra atualmente afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial – 1PP de 14,637%, desde a data do pedido de revisão em 1/06/2020.


Perante o disposto nos art.ºs 2.°, 8.°, 23.°, al. b), 47.°, n.°1, al. c), 48.°, n.ºs 2 e 3, al. c), todos da Lei 98/2009, de 4 de Setembro tem o Sinistrado direito ao pagamento de urna pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, no valor de € 7.784,83 (€ 75.980,00 x 70% x 14,637%), por cujo pagamento são responsáveis a Seguradora e a Entidade Empregadora, na proporção de 65,80% e 34,20%, respetivamente (cfr. art.º 79.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro).


Consequentemente e nos termos do art.º 145.º, n.º 6, Código de Processo do Trabalho e art.º 70.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, condeno CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA, FUTEBOL SAD, na proporção respetivamente de 65,80% e 34,20%, a pagarem ao Sinistrado AA a pensão anual e vitalícia, de € 7.784,83 (sete mil setecentos e oitenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), devida desde 1/06/2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde aquela data e até efetivo pagamento.


- Custas a cargo da Seguradora e Empregadora na proporção respetivamente de 65,80% e 34,20% - art.º 527.º do Código de Processo Civil.


- Valor da causa: € 132.443,39 - art.º 120.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.»


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Inconformado com tal sentença, o CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA, FUTEBOL SAD recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa [TRL], vindo este recurso de Apelação, após ter sido admitido, a seguir a sua normal tramitação e a culminar no Acórdão de 8/11/2023, onde se decidiu o seguinte:


«Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente.


Registe e notifique.»


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O CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD, inconformado com tal acórdão veio interpor, no dia 28/11/2023, recurso do mesmo para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido por despacho judicial de 27/12/2023, Referência 20921637, como de Revista, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


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O recorrente CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD apresentou alegações de recurso, onde, formulou as seguintes conclusões:


Conclusões:


A) O fundamento da recorribilidade do acórdão proferido pelo tribunal a quo é a violação de caso julgado pelo despacho da primeira instância, coonestado ilegalmente pelo acórdão ora recorrido, pois esse despacho vai contra o despacho já transitado em julgado, o despacho de 11/11/2022, na data em que é formulado o pseudopedido de retificação, pelo que este novo despacho ora recorrido, constitui uma violação de caso julgado.


B) Cabe antes de mais referir, o que o acórdão ora recorrido parece esquecer, que, nos termos do art.º 621.º do Cód. de Proc. Civil, “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”, pelo que o caso julgado se forma sobre a decisão.


C) A sentença de 11/11/22 – Ref.ª CITIUS .......15 – decidiu “condenar Caravela – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao Sinistrado AA a pensão anual e vitalícia, de € 7.784,83 (sete mil setecentos e oitenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), devida desde 1/06/2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde aquela data e até efetivo pagamento. - Custas a cargo da Seguradora”, tendo esta decisão que constitui caso julgado sido alterada foi alterada pelo despacho de 30/1/2023.


D) Nesse despacho de 31/1/2023, foi agora julgado de forma diferente o presente incidente, do seguinte modo “condeno CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA, FUTEBOL SAD, na proporção respetivamente de 65,80% e 34,20%, a pagarem ao Sinistrado AA a pensão anual e vitalícia, de € 7.784,83 (sete mil setecentos e oitenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), devida desde 1/06/2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde aquela data e até efetivo pagamento. - Custas a cargo da Seguradora e Empregadora na proporção respetivamente de 65,80% e 34,20% – art.º 527.º do Código de Processo Civil.


E) Verifica-se assim que foi proferida uma nova decisão, diversa da anteriormente proferida, em que se condena uma nova entidade que anteriormente não fora condenada e se alteram os valores em que a ré seguradora havia sido inicialmente condenada, havendo identidade de partes, pedido e causa de pedir, pelo que é manifesto que estamos que estamos perante uma decisão de conteúdo diverso da anteriormente proferida.


F) Resulta dos autos que a sentença de 11/11/22 – Ref.ª CITIUS .......15 – foi notificada à seguradora por correio de 14/11/2022, logo se presumindo notificada em 17-11-22 (5.ª feira), tinha o prazo de 15 dias 12 para recorrer, ou seja, até 2-12-2022 (sexta-feira) e não o fez, pelo que a sentença proferida em 11/11/2022, transitou em julgado e só poderia ser modificada, não pelo julgador que a proferiu, mas pelo tribunal superior em sede de recurso de apelação, a ser interposto pela seguradora, o que não aconteceu.


G) Essa decisão constitui caso julgado material, com força obrigatória, dentro e fora do processo onde foi proferida, pelo que a sentença de 30/1/2023 faz um novo julgamento do incidente objeto dos presentes autos, condenando pessoa diversa além da que fora condenada inicialmente, alterando inclusive a matéria de facto, relativamente à transferência da responsabilidade e qual o limite dessa transferência e manifestamente que não o podia fazer, pois que, como refere o art.º 613.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.


H) Face ao exposto, verifica-se a existência de CASO JULGADO MATERIAL, constituído pela sentença de 11/11/2022, que não pode ser alterada pelo recurso a expedientes ilegais de retificação de supostos erros materiais, pelo que existe uma flagrante violação do caso julgado com a decisão proferida em 30/1/23, pois se trata de uma decisão diferente da proferida anteriormente, com um novo julgamento do incidente objeto dos presentes autos, condenando pessoa diversa e além da que fora condenada inicialmente, alterando inclusive a matéria de facto, relativamente à transferência da responsabilidade e qual o limite dessa transferência, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido com fundamento em violação de caso julgado, ao confirmar a sentença da primeira instância que também já incorrera na mesma violação.


I) Em 10/12/2022, já depois do trânsito em julgado da referida sentença do incidente, a seguradora, talvez por se ter apercebido disso, recorreu ao expediente de requerer a retificação de erros materiais que não existem, mas eventualmente erros de julgamento.


J) A possibilidade de retificação de erros materiais nada tem a ver com o conteúdo da apreciação da pretensão deduzida e com a força de caso julgado que venha a adquirir, verificando-se que a lei inclui no perímetro possível de retificações que a todo o tempo podem ser efetuados, mesmo depois do trânsito – o que por si só nos transmite a ideia de que se trata de alterações materiais que não alteram o que ficou decidido, e que transitou em julgado.


K) O erro material “nunca interfere, decisivamente, com o mérito da decisão, tanto mais que terá de ser evidenciado pelo seu contexto cuja leitura atenta o toma percetível face às premissas do silogismo judiciário”.


L) Abrange as seguintes hipóteses:


- o suprimento da omissão de indicação do nome das partes, - correção de erros de escrita ou de cálculo ou


– de quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.


M) Não estão abrangidos nem erros de julgamento, de facto ou de direito, nomeadamente erros manifestos, suscetíveis de correção por meio de um pedido de reforma, nem tão pouco vícios que sejam qualificados como nulidades.


N) Ora, como resulta do cotejo da sentença de 11/11/22 – Ref.ª CITIUS .......15 – e da sentença de 30/1/2023, esta faz um novo julgamento do incidente objeto dos presentes autos, condenando pessoa diversa além da que fora condenada inicialmente, alterando inclusive a matéria de facto, relativamente à transferência da responsabilidade e qual o limite dessa transferência.


O) E manifestamente que não o podia fazer, pois que, como refere o art.º 613.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.


P) Conclui-se assim que não tem qualquer fundamento, a decisão ora recorrida proferida ao abrigo do poder de retificação de erros manifestos da sentença, porque estamos perante um erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, que só podia ser atacado por via de recurso que a seguradora não interpôs.


Q) “O juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a sentença depois de proferida, quer na decisão quer nos fundamentos que a suportam. Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível”, como é o caso dos presentes autos.


R) Por isso, não podia ser retificada a sentença de 11/11/2022, a não ser por via de recurso, que, todavia, não foi interposto, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido, porque não podia ser retificada a sentença de 11/11/2022, a não ser por via de recurso, por se não verificarem os requisitos dos art.ºs 613.º, n.º 2 e 614.º e eventualmente do art.º 616.º, ambos do Cód. Proc. Civ., devendo ser revogado também o despacho/sentença de 30/1/2023, com a referência CITIUS .......48, conjuntamente com o acórdão ora recorrido que a validou.


S) Acrescente-se que, por despacho de 10/1/2023, foi ordenado o exercício do contraditório, mas tal despacho não foi notificado à mandatária da ora recorrente e, por isso, não pode esta exercer o direito ao contraditório, previsto no art.º 3.º do Cód. Proc. Civil, ocorrendo mais uma violação da lei processual civil.


T) O princípio do contraditório é um princípio estruturante do Código de Processo Civil, com o qual se visa assegurar às partes um tratamento igual obstando a que o Tribunal emita decisões surpresa, exigindo o princípio do contraditório, no plano das questões de direito, que antes da sentença, seja facultada às partes a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie, mas dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.


U) Como resulta dos presentes autos, a decisão de revogação da sentença de 11-11-2022 foi para a ora recorrente uma decisão-surpresa, pois nunca foi chamada a pronunciar-se sobre o requerimento da seguradora, sendo hoje o princípio do contraditório um princípio processual quase absoluto, pois a lei estabelece apertadas limitações ao mesmo, as considerações constantes do acórdão recorrido no sentido de desvalorizar esse princípio, para além de ilegais e até inconstitucionais, são também perigosas por constituírem uma completa subversão desse princípio no atual sistema processual civil português.


V) Também nessa parte deve ser revogado o acórdão recorrido e consequentemente a decisão da primeira instância a que o mesmo deu cobertura, com fundamento na violação do princípio do contraditório, que ambas as decisões manifestamente violaram, em desrespeito do previsto no art.º 3.º, sobretudo o n.º 3, do Cód. Proc. Civil.


T) Deste modo, com fundamento nos vícios apontados ao acórdão recorrido e às normas por este violadas, deve o mesmo acórdão ser revogado e, em substituição, deve ser dado provimento ao recurso de apelação e revogado o despacho recorrido de 30/1/2023, repristinando-se a sentença de 11/11/2022, que transitou em julgado, como é de lei e de JUSTIÇA!


*


O sinistrado AA, assim como a empregadora CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD, não apresentaram contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da notificação que para esse efeito lhes foi feita.


*


O ilustre Procurador Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu, ao abrigo do número 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho Parecer, datado de 1/03/2024, que concluiu nos seguintes moldes:


«Pelo acima exposto, somos de parecer que o presente recurso de revista deverá ser considerado procedente, sendo revogado o douto acórdão recorrido, com repristinação da sentença proferida em 11.11.2022.»


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Tendo as partes sido notificadas do teor de tal Parecer, veio a Ré pronunciar-se sobre o mesmo dentro do prazo legal de 10 dias, tendo sustentado, para o efeito, a admissão do recurso de revista por si interposto, ao contrário da Autora que veio aderir ao texto de tal Parecer, que defende a rejeição de ambos os recursos.


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Cumpre apreciar e decidir.


II – OS FACTOS


O tribunal da 2.ª instância considerou provados os seguintes factos, com base no acordo das partes e nos documentos juntos aos autos:


«Os factos com interesse para a decisão são os supra relatados. [2]


Resulta ainda da consulta dos autos principais que em 24.02.2022 [3] foi realizada tentativa de conciliação e as partes acordaram na referida diligência :


«1 - O Sinistrado foi vítima, no dia 29 de Julho de 2007, pelas 11:00 horas, de um acidente de trabalho, enquanto prestava funções de jogador de futebol profissional no CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA — FUTEBOL SAD, que consistiu em "... durante o treino ao disputar uma bola com o adversário levou uma pancada no joelho direito...".


2 - De tal acidente de trabalho resultou traumatismo do membro inferior direito com lesão do nervo ciático poplíteo externo.


3 - O Sinistrado esteve com Incapacidades Temporárias para o trabalho desde o dia seguinte ao acidente até ao dia 15.05.2018, dia em que lhe foi atribuída alta clínica como curado sem desvalorização.


4 - À data do acidente o Sinistrado auferia a retribuição anual de € 75.980,00.


5 - A Entidade Empregadora suprarreferida tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pela retribuição anual de € 50.000.00 sob a apólice n.º 10.00113837.


6 - O sinistrado está neste momento pago das indemnizações devidas pelos períodos de incapacidade temporárias (...).»


Resulta ainda da consulta dos autos:


- As decisões 11.11.2022 e 30.01.2023 foram notificadas às partes;


- Antes de proferir a decisão recorrida, o Tribunal a quo, na sequência do requerimento da entidade seguradora de 10.12.2022 (acima indicado) proferiu (em 10.01.2023) o seguinte despacho: «Observe-se o contraditório quanto ao requerido pela Seguradora.» Este despacho não foi notificado ao ora recorrente.»


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III – OS FACTOS E O DIREITO


É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º, n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


**


A – REGIME ADJETIVO APLICÁVEL


Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação (na sua fase conciliatória - cf. artigo 26.º, números 2 e 3 e 99.º do Código do Processo do Trabalho de 1999) ter dado entrada em tribunal em 1/06/2020, ou seja, depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.


Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada muito depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.


Será, portanto, e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.


Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.


B – QUESTÕES SUSCITADAS NA PRESENTE REVISTA


Importará decidir se:


- o Tribunal de 1.ª Instância violou o princípio do contraditório ao proceder à “retificação” da Sentença sem proceder à notificação da Entidade Empregadora para se pronunciar;


- a Decisão de 20.01.2023 do Tribunal de 1.ª instância viola o caso julgado decorrente da Decisão de 11.11.2022 (por se tratar de uma reforma de sentença efetuada após o trânsito em julgado da decisão que era passível de recurso, e não de uma retificação de um mero lapso material)


C – FUNDAMENTAÇÃO DO ARESTO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


O Acórdão recorrido, prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, respondeu negativamente a essas duas questões, com base na seguinte argumentação jurídica:


«Vejamos, em primeiro lugar, se foi violado o princípio do contraditório. Sobre esta questão refere o Acórdão da Relação de Évora, de 28.05.2015 ( relator Desembargador Francisco Xavier ) - www.dgsi.pt:


«Quanto à violação do contraditório, o Código de Processo Civil impõe, no n.º 3 do artigo 3.º, o dever do juiz de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, com a consequência de não lhe ser lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.


Não pode deixar de reconhecer-se que a regra decorrente deste preceito, que integra um princípio de proibição da decisão surpresa, tem uma função essencialmente programática, conferindo ao juiz, fora dos casos em que a audição da contraparte esteja expressamente prevista, o dever de verificar, em função das circunstâncias do caso, a conveniência de as partes se pronunciarem sobre qualquer questão de direito ou de facto que possa ter relevo para a apreciação e resolução da causa (quanto ao carácter programático da imposição constante do artigo 3.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, pág. 48).


Como salienta Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª Edição, pág. 9), esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objeto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz de convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho saneador, sentença, instância de recurso).


Ora, no caso em apreço, o juiz não está a decidir uma nova questão (de facto ou de direito), mas a constatar e retificar um erro de escrita da decisão, que resulta do contexto da declaração, e que é evidente, sendo, por conseguinte, desnecessária a prévia audição das partes. O erro existe e tem de ser corrigido, visto que o juiz o detetou.»


As razões indicadas aplicam-se ao caso em apreço.


Ou seja, antes de reparar o lapso, não se afigura essencial o exercício do contraditório.


Importa, contudo, verificar se ocorre lapso no caso concreto ou erro de julgamento.


O que nos reconduz à segunda questão colocada: se a decisão retificativa proferida pelo Tribunal a quo cabe dentro dos poderes conferidos pelo art.º 614.º do CPC ou seja estavam esgotados os poderes jurisdicionais do juiz.


Estipula o art.º 613.° do CPC (sob a epígrafe "Extinção do poder jurisdicional e suas limitações")


«1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.


2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.


3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.»


Resulta do disposto no art.º 614.º, do CPC:


«1- Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.°, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.


2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.


3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.»


Quanto à reforma da sentença, importa considerar o estatuído no art.º 616.º do CPC, com a seguinte redação:


«1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.


2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:


a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;


b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.


3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.»


Conforme exarado no sumário do Acórdão do STJ de 11.05.2022 - www.dgsi.pt:


«Não há que confundir o erro material da decisão com o erro de julgamento: naquele, o juiz escreveu coisa diversa da que queria escrever, não coincidindo o teor da sentença ou despacho, do que que se escreveu, com o que o juiz tinha em mente exarar (quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real); neste, o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra factos apurados. (...) Erro material ou lapso é a inexatidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito.»


O que significa que o lapso manifesto terá de resultar da própria sentença ou de documento para a qual a mesma remete.


Verificamos que, no caso concreto, a primeira decisão objeto de retificação remeteu para a tentativa de conciliação, mas, por lapso manifesto, não atendeu ao valor da retribuição acordado na referida diligência [4].


O lapso manifesto a que alude o art.º 614.º, n.º l do CPC distingue-se do lapso manifesto a que alude o art.º 616.°, n.º 2, b) do CPC em virtude do primeiro resultar do próprio contexto da sentença ou de peças do processo para a qual remete e o segundo resultar de elementos que são exteriores à sentença (neste sentido, vide Código de Processo Civil Anotado, de Lebre de Freitas, 3.ª Edição, pág. 742, em anotação ao referido art.º 616.° do CPC).


In casu a sentença retificada remetia para a tentativa de conciliação, onde fora acordada a retribuição anual do sinistrado, pelo que deveremos concluir que a inexatidão na matéria de facto resulta de peça para a qual remete a referida decisão.


Atento o acordado na tentativa de conciliação, não cumpre nesta fase processual apreciar as questões ora colocadas quanto à retribuição a atender para cálculo da pensão.


Em síntese : no caso concreto não ocorreu uma reponderação da prova, mas sim a verificação de um lapso manifesto que decorre da tentativa de conciliação para a qual remetia a decisão retificada. Importa ainda salientar que não fora antes proferida decisão absolutória ou condenatória do ora recorrente.


Concluímos, por isso, que não ocorre ofensa do caso julgado.


Improcede, desta forma, o recurso de apelação.»


D - ENQUADRAMENTO PROCESSUAL DAS QUESTÕES SUSCITADAS


Pensamos que importa, antes de mais, atentar na natureza urgente que os autos emergentes de acidente de trabalho possuem, face ao disposto no artigo 26.º, número 1, alínea e) do CPT, o que implica que, face ao disposto no número 2 do artigo 80.º do mesmo diploma legal, o prazo para recorrer seja apenas de 15 dias, prazo esse que, segundo o artigo 138.º do CPC/2013, é contado seguido e corre em férias judiciais [5].


Importa ainda realçar que não apenas nos termos do artigo 79.º, alínea b) do CPT como em função do valor da causa [€ 132.443,39] que era bastante superior à alçada do tribunal de comarca [€ 5.000,00 – artigo 44.º, número 1, da LOSJ], tal decisão judicial era sempre recorrível, nos termos gerais [artigo 629.º, número 1 do NCPC], para o Tribunal da Relação de Lisboa [assim como o respetivo Aresto seria recorrível para este Supremo Tribunal de Justiça, em razão do referido valor, caso não se perfilassem outros obstáculos à admissibilidade do recurso de Revista].


Ora, tendo como pano de fundo tal quadro normativo, importa cruzá-lo com a marcha processual que os presentes autos emergentes de acidente de trabalho conheceram na sua fase final e que se radica na proferição da primeira decisão judicial no dia 11/11/2022 e na sua notificação às partes no dia 14/11/2022 [segunda-feira], o que implica que o prazo de 15 dias, face aos 3 dias do correio, só tenha começado a decorrer no dia 18/11/2022 [sexta-feira] e se esgotado no dia 2/12/2022 [sexta-feira] ou no dia 7/12/2022 [quarta-feira], com os três dias úteis do artigo 139.º do CPC/2013, caso não houvesse impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto ou, respetivamente, nos dias 12/12/2022 ou 15/12/2022, caso o recurso de Apelação visasse também a modificação da factualidade dada como provada ou não provada.


Logo, quando a Seguradora veio pedir, no dia 10/10/2022, a retificação da decisão judicial em causa nos autos – e dado que, em tese, se verificava uma desconformidade entre a factualidade dada como provada e as declarações das partes e os meios de prova constantes dos autos - estava ainda em curso o prazo mais longo para a mesma recorrer, com total interesse e legitimidade para o fazer, face à sua oneração total em termos de responsabilidade infortunística laboral, quando a mesma tinha de ser repartida com a empregadora do sinistrado.


Afigura-se-nos que não resulta dos autos qualquer impedimento à utilização pela aqui recorrente do seu direito de recorrer da primeira decisão judicial, com os fundamentos que explanou no seu pedido de retificação dessa sentença.


E – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO


A recorrente sustenta que houve, da parte do tribunal da 1.ª instância, uma violação do princípio do contraditório, nos termos e para os efeitos do artigo 3.º do CPC/2013, perspetiva essa que não foi acolhida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 8/11/2023, pelas razões antes expostas.


Diremos que nos parece que a Ré empregadora, não apenas por a retificação pretendida implicar uma modificação substancial do teor da decisão judicial a corrigir – com a subsequente condenação da recorrente e sua responsabilização parcial, ao lado da Seguradora, dos danos causados pelo acidente de trabalho dos autos -, como pelas dúvidas que, em virtude da extensão das alterações pretendidas, se colocavam à própria natureza da pretensão aqui em análise.


Parece-nos que, em tais circunstâncias e ainda que se encarasse o pedido da Ré Seguradora como uma simples retificação de lapsos ou omissões materiais, se justificava plenamente – e ao contrário do que sustenta o Aresto recorrido – que a Ré empregadora e o sinistrado fossem ouvidos previamente quanto ao conteúdo do mesmo, a fim de querendo, se pronunciarem no prazo de 10 dias.


Ora, da análise dos autos resulta que o ilustre mandatário da Ré Seguradora, quando da apresentação do seu requerimento em 10/12/2022, informou que tinha procedido à notificação dos ilustres advogados do sinistrado e da empregadora do teor do seu requerimento de retificação da decisão judicial de 11/11/2022, nos termos e para os efeitos do artigo 255.º do NCPC, tendo mesmo o Autor lhe vindo responder, opondo-se a tal pretensão.


Sendo assim, constata-se nos autos o efetivo cumprimento do princípio do contraditório quanto a esse pedido de retificação, falhando a argumentação em contrário sustentada pela Recorrente.


Não se ignora, naturalmente, que o tribunal da 1.ª instância proferiu, com data de 10/01/2023, despacho em que determinava: «Observe-se o contraditório quanto ao requerido pela Seguradora.», não tendo a secretaria judicial procedido à notificação dos demais litigantes para se virem pronunciar sobre esse pedido de «retificação».


Ora, muito embora o dito despacho não seja inequívoco quanto ao que aí ordena, parece poder extrair-se dele que pretendia que a secretaria judicial efetuasse a notificação às demais partes desse pedido de retificação, mas, salvo melhor opinião, sem necessidade, dado que e conforme já deixámos exposto, as notificações determinadas já se achavam efetuadas, com resposta atempada do sinistrado.


Ainda que assim não tivesse acontecido – com a indevida omissão por parte da secretaria judicial dessas notificações -, certo é que o CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD teve oportunidade de deduzir a sua oposição à requerida e deferida retificação, quer no recurso de Apelação interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, como depois no recurso de revista dirigido a este Supremo Tribunal de Justiça, mostrando-se assim satisfeito tal princípio do contraditório.


Vai, nessa medida, julgado improcedente o presente recurso de revista quanto a esta primeira questão, embora por fundamentos distintos dos sustentados pelo TRL.


F – RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA [ARTIGO 614.º DO NCPC] E REFORMA DE SENTENÇA [ARTIGO 616.º DO NCPC]


Chegados aqui, debrucemo-nos então sobre a matéria verdadeiramente controvertida entre as partes e que se radica na verificação, no caso dos autos, de uma situação de meros lapsos de escrita, cálculo ou omissão manifestas ou antes face a um genuíno erro de julgamento que pode caber no incidente de reforma da sentença ou apenas pode ser suscitado em sede de recurso, se houver a ele lugar, como é o caso dos autos.


Tendo como pano de fundo o que estatuem os artigos 613.º, 614.º, 616.º e 617.º do Código de Processo Civil [6], importa ouvir o que a nossa doutrina referem quanto a estas questões, começando por atender ao que o Juiz-Conselheiro FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, em «Manual dos Recursos em Processo Civil», 8.ª Edição, abril de 2008, Almedina, a páginas 45 e seguintes, afirma, se bem que no quadro do anterior do Código de Processo Civil de 1961, após a reforma de 2007:


«6. A extinção do poder jurisdicional


A doutrina dos vícios e reforma da sentença, contida nos art.ºs 667.°-670.°, aplica-se também aos despachos (art.º 666.°, n.º 3) e às decisões das Relações e do Supremo (art.ºs 716.° e 732.°).


Editada a sentença (ou o despacho ou o acórdão de recurso), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art.º 666.°, n.º 1).


Não pode consequentemente o juiz, por sua iniciativa, alterar a sentença depois de proferida, quer na parte da decisão quer na parte dos fundamentos que a suportam.


Mesmo que após a sua prolação, no imediato ou algum tempo depois, adquira a convicção de que errou ou se torne para ele evidente que a decisão desrespeitou o quadro legal vigente, não a pode já emendar. A decisão torna-se intangível para o seu autor.


[…]


A razão do princípio do auto esgotamento do poder jurisdicional encontra-se na necessidade de assegurar a estabilidade das decisões dos tribunais.


Diz-nos Alberto dos Reis [7]:


"Que o tribunal superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão".


O princípio que analisamos, como se verifica do n.º 2 do art.º 666.°, não é absoluto.


Para certos defeitos da sentença a lei admite, por razões de ordem prática, que o juiz possa corrigir o que de imperfeito ela contenha. Só quando os vícios se não possam emendar por essa via, que se traduz numa especial prorrogação do poder jurisdicional do juiz, é que se faz apelo a outra solução, que consiste em se recorrer para um tribunal hierarquicamente superior, a fim dele remediar os defeitos que porventura se encontrem na sentença.


Do exposto resulta que os defeitos da sentença, uma vez proferida, podem ser corrigidos por dois tipos de entidades: pelo próprio juiz que a editou ou por tribunal diferente.


[…]


A decisão considera-se transitada em julgado, nos termos do art.º 677.°, apenas quando já não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação visando o seu aperfeiçoamento, nos termos dos art.ºs 668.° e 669.°. […]


O aperfeiçoamento da decisão judicial concretiza-se através dos remédios indicados no n.º 2 do art.º 666.°: retificação de erros materiais; […] e reforma. […]


7. Retificação de erros materiais


Como defeitos materiais suscetíveis de retificação contempla o n.º 1 do art.º 667.° os seguintes:


a) Omissão do nome das partes;


b) Omissão quanto a custas;


c) Erros de escrita ou de cálculo;


d) Quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto. Há omissão do nome das partes quando o juiz, no relatório, se esquece de identificar o autor ou o réu, ou ambos, em infração ao disposto no n.º 1 do art.º 659.°.


[…]


Os erros de escrita ou de cálculo, devidos a lapsus calami ou a outra causa, identificam-se com os referidos no art.º 249.° do CC a respeito do negócio jurídico. Tanto estes erros como as inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto pressupõem que a vontade declarada na sentença não corresponde à vontade real do juiz. Daí não valer aqui o princípio da intangibilidade da decisão judicial que tem como fundamento a vontade do juiz.


Sempre que a vontade declarada seja desconforme à vontade real, pode o juiz proceder ao seu ajustamento, mediante retificação.


Será o que ocorre em casos como os seguintes: depois de julgar a ação procedente, com base nos fundamentos que expôs, o juiz acaba por absolver o réu do pedido; depois de indicar os valores dos diversos danos parcelares, em ação de responsabilidade civil, num total de € 5000, o juiz fixa a soma em € 4000 [8].


Claro que os erros materiais descritos se distinguem dos erros de julgamento.


Como salienta Alberto dos Reis [9]:


"O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. O juiz queria escrever “absolvo” e por lapso, inconsideração, distração, escreveu precisamente o contrário: condeno.


O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz, logo a seguir, se convença de que errou, não pode socorrer-se do art.º 667.° para emendar o erro".


De forma semelhante, ensina-nos Liebman [10];


"Erro material é o erro “na expressão”, não no pensamento; somente a leitura da sentença deve tornar evidente que o juiz, ao manifestar o seu pensamento, usou nomes, palavras ou algarismos diversos daqueles que devia ter usado para exprimir fiel e corretamente as ideias que tinha em mente. Pertence ao conceito de erro material ainda o erro de cálculo, que pode ser retificado também simplesmente, refazendo-se as operações aritméticas executadas ao formular o julgamento. Por outras palavras, o erro material é o que fica a dever-se a um desatenção ou a um engano ocorrido na operação de redação do ato".


Como remédio para a correção dos erros materiais prevê a lei a retificação.


A retificação pode resultar do requerimento de qualquer das partes ou da iniciativa do juiz (art.º 667.°, n.º 1, in fine).


Quanto ao momento para a sua realização há que distinguir:


a) Da decisão foi interposto recurso;


b) Da decisão não foi interposto recurso.


Na 1.° caso, a retificação só pode ocorrer antes do recurso subir, com possibilidade de ser apreciada pelo tribunal para que se recorre, caso alguma das partes alegue sobre essa matéria, tanto na hipótese de o pedido de retificação ter sido atendido como desatendido (art.º 667.°, n.º 2).


Na 2.ª hipótese, a retificação pode acontecer a todo o tempo (art.º 667.°, n.º 3).


Competente para a retificação é o órgão que proferiu a decisão onde teve lugar a omissão, erro ou inexatidão: o juiz singular ou o tribunal coletivo.


A retificação basta-se com o simples despacho, sem necessidade de se voltar a reelaborar toda a decisão emendada ou completada.


[…]


11. Reforma do mérito da decisão judicial


Ainda no n.º 2 do art.º 669.°, provindo da RPC95-96, se prevê uma nova situação de reforma da decisão judicial por erro de julgamento, ora respeitante ao mérito da causa.


Esta reforma pode ocorrer tanto quando, por manifesto lapso do juiz, o erro se reporta a uma questão de direito como quando se reporta a uma questão de facto: preenche-se a primeira hipótese, quando tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; preenche-se a segunda, quando do processo constem documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.


Refira-se, contudo, que este pedido de reforma só pode ter lugar quando não caiba recurso da decisão. Havendo lugar a recurso, o pedido de reforma integrará o objeto do recurso.»


**


Já JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, em «Código de Processo Civil Anotado», Volume 2.°, artigos 362.° a 626.°, 4.ª Edição, Reimpressão, fevereiro de 2021, Almedina, páginas 728 e seguintes, acerca destas mesmas temáticas, dizem o seguinte:


«2. Um dos efeitos da sentença consiste no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere: quer conclua com a absolvição da instância, quer condene no pedido ou dele absolva, o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida. Excetuam-se, porém, os casos de que tratam os artigos seguintes: erro material, que possibilita a retificação a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento das partes, quando não haja recurso, e até à subida deste, quando ele seja interposto (art.º 614); […] reforma por lapso manifesto, mediante reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso (art.ºs 616-2 e 617-2).


[…]


2. A sentença pode conter erros materiais.


Constitui, em primeiro lugar, erro material (manifesto) o erro de cálculo ou de escrita (art.º 249 CC), revelado no próprio contexto da sentença ou em peças do processo para que ela remeta. Por exemplo: na fundamentação, o juiz apura uma dívida de 10.000 euros do réu para com o autor, mas na parte decisória condena o réu a pagar 1.000 euros; não tendo o réu impugnado o montante de 10.000 euros que o autor alegara ter sido o preço da venda, que lhe fez, dum bem móvel, o facto foi dado como provado, mas seguidamente o juiz, embora remetendo para os factos dados como provados, para o artigo da petição inicial que continha a alegação ou para os artigos da contestação que não a contraditavam, toma a dívida como de 1.000 euros e condena o réu em conformidade.


Constitui também erro material a omissão do nome das partes, da condenação em custas ou de outro elemento essencial, mas não duvidoso, de que resulte inexatidão.


A requerimento das partes ou oficiosamente, a correção é feita por simples despacho (a todo o tempo, se não houver recurso; até que ele suba ao tribunal superior, se o houver) ou pelo tribunal superior (quando só perante ele a questão seja levantada). A correção considera-se complemento e parte integrante da sentença, aplicando-se analogicamente o art.º 617-2.


Do despacho que fizer a retificação cabe recurso de apelação (art.º 644-2-g). Embora o art.º 617 não abranja diretamente a retificação de erro material (foi assim expressamente, no âmbito do CPC de 1961, até ao DL 303/2007), deve entender-se que do indeferimento do requerimento de retificação não cabe recurso, por aplicação analógica do art.º 617, n.ºs 1, parte final, e 6, 1.ª parte, sem prejuízo do poder que a Relação tem de, no recurso interposto da sentença, a interpretar.


3. O artigo tem aplicação aos despachos (art.º 613-3).


[…]


2. Trata o artigo da reforma da sentença. Sob a mesma designação (reforma), são tratadas duas atuações jurisdicionais distintas: a alteração da decisão sobre custas ou multa, proferida na sentença (art.º 527-1); a alteração da decisão da causa.


[…]


5. O erro de julgamento, quer respeite ao apuramento dos factos da causa, quer respeite à aplicação do direito aos factos apurados, faz-se normalmente valer em recurso de apelação da sentença (art.º 644-1). Tem assim lugar a reapreciação da causa pelo tribunal da relação, sob indicação, pelo recorrente, em alegação, dos fundamentos por que pede a alteração da decisão proferida (art.º 639). Mas, não havendo lugar a recurso, pode o juiz da causa alterar, ele próprio, a decisão, sob reclamação (nunca oficiosamente, sob pena de ineficácia da decisão modificativa por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz consagrado no art.º 613: ac. do TRC de 20.10.15, MARIA DOMINGAS SIMÕES, www.dgsi.pt, proc.º 231514/11), que o n.º 2 faculta quando tenha ocorrido lapso manifesto na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na omissão de considerar documento ou outro meio de prova plena que, só por si, implicasse necessariamente decisão diversa da proferida. É o caso quando o juiz aplique uma norma revogada, omita aplicar norma existente, qualifique os factos com ofensa de conceitos ou princípios elementares de direito ou não repare que está feita a prova documental, por confissão ou por admissão de certo facto, incorrendo assim em erro grosseiro que determine a decisão por ele tomada.


A expressão "lapso manifesto" não tem, no n.º 2, o mesmo alcance que no art.º 614-1 ("inexatidões devidas a (...) lapso manifesto"): não se trata já de erros revelados pelo próprio contexto da sentença ou de peças do processo para que ela remete, nem de omissões sem consequência no conteúdo da decisão, mas de erro revelado por recurso a elementos que lhe são exteriores.


Tal como em caso de nulidade da sentença (ver o n.º 4 da anotação ao art.º 615), ou de reforma desta quanto a custas ou multa (supra, n.º 4), se ambas as partes tiverem antecipadamente renunciado aos recursos ou a parte interessada na reforma renunciar ao recurso depois de proferida a decisão, aceitar, expressa ou tacitamente, a decisão proferida ou desistir do recurso já interposto, o requerimento de reforma é dirigido ao tribunal que proferiu a sentença, no prazo geral do art.º 149-1, contado da notificação da sentença, com direito de resposta da parte contrária e com sujeição da decisão que vier a ser proferida ao regime do art.º 617-6, 2.ª parte.


O mesmo acontece quando a sentença não consinta recurso ou quando a parte haja sido vencida em valor que não exceda metade da alçada do tribunal da 1.ª instância (art.º 629-1).


6. O artigo aplica-se aos despachos (art.º 613-3).


[…]


2. Sendo a sentença suscetível de recurso ordinário, a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma deve ser, em regra, levantada como seu fundamento. Embora não seja obrigatório fazê-lo (cf. art.º 637-1) e sem prejuízo de o recorrente a desenvolver nas alegações, constitui boa prática referi-la no próprio requerimento de recurso, a fim de facilitar ao juiz a sua perceção; […]


A apreciação da questão é, em primeiro lugar, feita pelo juiz, no mesmo despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso (art.º 641-1).


[…]


4. Deferido, pelo juiz da 1.ª instância, o pedido de declaração de nulidade, ou reforma, a nova decisão integra-se na sentença, que completa ou altera (n.º 2), ficando em função dela definido o objeto do recurso, sem prejuízo da desistência do recorrente ou do alargamento ou restrição daquele objeto (n.ºs 3 e 4).


[…]


A alteração da decisão traduz uma segunda leitura da lei, que a parte com ela desfavorecida deve ter o direito de demonstrar que, afinal, não devia ser feita, por a primeira ser a correta ou por falharem os pressupostos para a alteração, sem prejuízo da exequibilidade imediata da decisão em conformidade com a regra do art.º 647-1.


Não se pode considerar alteração da decisão o esclarecimento duma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha (art.º 615-1-c), nem o seu complemento por especificação dos respetivos fundamentos (art.º 615-1-b) ou por conhecimento de questão que o tribunal tenha omitido considerar (art.º 615-1-d).[…]»


**


Finalmente ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, em «Código de Processo Civil Anotado», Volume l, PARTE GERAL E PROCESSO DE DECLARAÇÃO [Artigos 1.º a 702.º], 3.ª Edição, junho de 2022, Almedina, páginas 759 e seguintes, referem, quanto ao regime dos artigos 614.º e 616.º, o seguinte:


«1. O regime é justificadamente mais brando quando estão em causa meros erros materiais, erros de cálculo ou inexatidões que, em geral, são devidos a lapsos manifestos. O erro material só pode ser retificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto, se veja que há erro e logo se entenda o que se queria dizer (RG 22-11-18,56/18). A correção constitui complemento e parte integrante da sentença, por aplicação analógica do art.º 617.º, n.º 2.


[…]


3. O Trib. Const., no Ac. n.º 413/2015, decidiu não julgar inconstitucional a norma segundo a qual "o prazo de interposição de recurso de apelação pelo réu não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação de erro de cálculo constante da sentença recorrida formulado por um dos autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente se pronuncie sobre a pretendida retificação", decorrente dos art.ºs 613.º, 614.º e 638.º.


[…]


1. A regra sobre o esgotamento do poder jurisdicional encontra um desvio nos casos em que exista erro decisório em matéria de custas e de multa e ainda quando se verifique um lapso manifesto relativamente a algum dos aspetos referidos no n.º 2. O lapso a que se reporta o n.º 2 tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos que são exteriores ao despacho, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido.


2. São considerados pertinentes para efeitos de admissibilidade da reforma (especialmente nos casos em que não é admissível recurso da decisão) os lapsos manifestos do juiz na determinação da norma aplicável ou na sua interpretação, a par das situações, seguramente patológicas também, em que tenham sido desconsiderados documentos com força probatória plena ou outros meios de prova com semelhante efeito (confissão, acordo das partes), com influência direta e causal no resultado.


3. Em qualquer dos casos, sendo admitido recurso ordinário, a reforma da sentença deve ser requerida nas alegações de recurso, apenas se admitindo que seja suscitada perante o juiz a quo nos demais casos, regime com o qual se pretendeu obstar a que fossem deduzidos incidentes com o mero objetivo de dilatar o prazo para a interposição de recurso e apresentação das correspondentes alegações.»


**


Ouçamos, finalmente, alguma da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acerca desta mesma problemática da retificação e reforma da sentença:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2015, Proc.º n.º 706/05.6TBOER.L1.S1, Relatora: Maria dos Prazeres Beleza, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:


«1. Por aplicação analógica do n.º 4 do artigo 617.º do Código de Processo Civil, adaptado à situação de ter sido deferido um pedido de retificação de um acórdão da Relação do qual não foi interposto recurso, apesar de ser admissível, e que tinha transitado em julgado, cabe recurso de revista do acórdão retificativo desse acórdão da Relação, desde logo para se averiguar se a alteração introduzida é ou não uma mera retificação de um lapso material.


2. São diferentes os objetivos e os fundamentos da arguição de nulidade de uma decisão judicial, nomeadamente por oposição entre a fundamentação e a decisão (n.º 1, c) do artigo 615.º), do pedido de reforma, por exemplo por constarem do processo documentos ou outros meios probatórios com força probatória plena que, por si sós, “impliquem necessariamente decisão diversa da proferida” (n.º 2, b), do artigo 616.º) e do requerimento de retificação de erros materiais.


3. Deixando de lado a omissão de custas, ou da indicação da proporção a que se refere o n.º 6 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, que nada têm a ver com o conteúdo da apreciação da pretensão deduzida, verifica-se que a lei inclui no perímetro possível de retificações que a todo o tempo podem ser efetuadas o suprimento da omissão de indicação do nome das partes e a correção de erros de escrita ou de cálculo ou de quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.


4. A admissibilidade de requerer retificações mesmo depois do trânsito em julgado explica-se por se tratar de alterações materiais que não modificam o que ficou decidido.


5. Como uniformemente tem sido recordado por este Supremo Tribunal, só é admissível a correção por mera retificação de lapsos materiais consistentes em omissões e discrepâncias de escrita ou de cálculo que se revelam da mera leitura do texto da decisão, equivalentes aos erros de cálculo ou de escrita revelados no contexto das declarações negociais, a que se refere o artigo 249.º do Código Civil.


6. Não pode ser qualificada como retificação uma alteração da parte decisória do acórdão cuja incorreção material se não detetava da leitura do respetivo texto.


7. Mantém-se, portanto, o texto do acórdão transitado em julgado, desconsiderando-se a alteração e revogando-se o acórdão que a aprovou.»


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-02-2021, Proc.º n.º 578/05.2TTALM.L1.S1, Relator: Chambel Mourisco, publicado em http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0b30ca5491b20b378025867800605045?OpenDocument, com o seguinte Sumário:


«Não tendo tido um lapso manifesto no acórdão, que consistiu na transcrição de um facto provado na redação dada pelo Tribunal da 1.ª instância, quando deveria ter sido transcrita a redação do referido facto alterada pelo Tribunal da Relação, qualquer influência na decisão de mérito, tal aresto não enferma de qualquer nulidade, nem existe fundamento para a sua reforma, embora tal lapso deva ser retificado nos termos do art.º 614.º n.º 1 do CPC, ex vi dos artigos 666.º e 685.º do mesmo diploma legal.»


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/05/2021, Proc.º n.º 1863/16.3T8PNF.P1.S1, Relator: José Rainho, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:1863.16.3T8PNF.P1.S1.4B/,com o seguinte Sumário:


«I - A reforma da decisão visa a superação de lapsos óbvios de julgamento.


II - Se o que foi decidido não tem por detrás qualquer lapso (que terá de ser manifesto, ou seja, patente aos olhos de qualquer pessoa entendida em matéria jurídica), mas sim uma decisão tomada de caso pensado, fundamentada intencional e expressamente em certo sentido, então não há a menor possibilidade legal de reformar a decisão, ainda que esta possa estar errada.


III - De outro modo estar-se-ia simplesmente a reponderar ou reexaminar (recurso para o próprio) o que já foi decidido, e isso seria contrário ao princípio geral da imutabilidade da decisão tomada, salvo por via de recurso para o tribunal superior.»


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2021, Proc.º n.º 380/19.4T8OLH-D.E1.S1, Relator Barateiro Martins, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:380.19.4T8OLH.D.E1.S1.6E/, com o seguinte Sumário parcial [falta Ponto V]:


«I - Existe erro material quando o juiz escreve coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou do despacho não coincide com o que juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real.


II- Erro material este que tem de emergir do próprio texto da decisão, ou seja, é o próprio texto da decisão que há de permitir ver e perceber que a vontade declarada não corresponde à vontade real do juiz que proferiu a decisão.


III- Não é o que acontece quando, havendo incidente de qualificação da insolvência pendente, o juiz escreve/considera que não pende qualquer incidente de qualificação e, em consequência, na decisão de encerramento dos art.ºs 232.º e 233.º do CIRE, declara o caráter fortuito da insolvência (por aplicação do art.º 233.º/6 do CIRE).


IV- Em tal hipótese, estamos perante o “manifesto lapso” previsto no art.º 616.º/2/b) do CPC, que, cabendo recurso da decisão em que o “manifesto lapso” foi cometido, só por via de recurso pode ser reparado.»


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2021, Proc.º n.º 63/13.9TBMDR.G2.S1, Relator: Fernando Samões, publicado em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f0b700630d0a8b12802587ad00438408?OpenDocument, com o seguinte Sumário:


I. A reforma da sentença ou do acórdão ao abrigo do disposto no art.º 616.º, n.º 2, do CPC, pressupõe que deles não caiba recurso e que exista manifesto lapso na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na desconsideração de documentos com força probatória plena ou outros meios de prova com efeito semelhante, com influência direta e causal no resultado, se atendidos.


II. O lapso manifesto deve ser evidente e incontroverso, revelado por elementos exteriores à sentença ou acórdão reformandos, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido.


III. Não é permitida a reforma do acórdão quando é fundada em nulidades inexistentes, em manifestações de discordância do julgado e se pretende a alteração do decidido, com a admissão de revista excecional inadmissível.


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-02-2022, Proc.º n.º 529/17.1T8AVV-A.G1.S1, Relator: Fernando Baptista, publicado em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ecb122f752b06f4e802587e700005271, com o seguinte Sumário:


«I. Os erros materiais da decisão, a que se alude no art.º 614.º/1 do CPC, têm lugar quando há divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz, ou seja, no caso em que o juiz tenha escrito uma coisa diferente daquela que queria, de facto, escrever.


II. Tal divergência deve ressaltar, de forma clara e ostensiva, do teor da própria decisão, só desta, do seu contexto ou estrutura, sendo possível aferir se ocorreu ou não esse erro. Ou seja, é o próprio texto da decisão que há-de permitir ver e perceber que a vontade declarada não corresponde à vontade real do juiz que proferiu a decisão.


III. Há que não confundir o erro material da decisão com o erro de julgamento: naquele, o juiz escreveu coisa diversa da que queria escrever, não coincidindo o teor da sentença ou despacho com o que o juiz tinha em mente exarar (em suma, a vontade declarada diverge da vontade real); neste, o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados.


IV. O erro material da decisão é passível de retificação, nos termos do art.º 614.º, n.º 1, CPC; já no erro de julgamento não pode o juiz socorrer-se deste preceito para o retificar. Só em vias de recurso tal é possível.


V. Não decorrendo da decisão proferida a existência de um erro ou lapso evidente, ostensivo ou manifesto (ou seja, que resulte de forma clara da mera leitura da decisão ou dos termos que a precederam), não pode a mesma ser simplesmente retificada, dado tal importar uma alteração substancial ao conteúdo da decisão.


VI. O mesmo é dizer que tal modificação traduz manifesta alteração do julgado, que não é admissível. Pelo que, não se estando perante um erro material, aquela sentença, devidamente transitada em julgado, não pode ser ulteriormente alterada ou modificada, dada a formação do caso julgado (art.º 613.º, n.º 1 CPC).


VII. A omissão, numa sentença de verificação e graduação de créditos, de um crédito que fora reclamado nos autos, sem que a tal reclamação se tenha feito qualquer referência na sentença, não constitui “omissão ou lapso manifesto”, na aceção do número 1 do artigo 614.º do CPC,


VIII. Tendo omitido o tribunal, simplesmente, qualquer referência a esse outro crédito reclamado, teve lugar a omissão de pronúncia que consubstancia nulidade da sentença (art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC).


IX. Transitada em julgado tal sentença sem da mesma ter sido interposto recurso, ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz de se pronunciar sobre aquela omissão do crédito reclamado, pelo que, ao pronunciar-se posteriormente, em nova decisão, sobre o mesmo crédito, foi proferida uma decisão violadora das normas processuais (ut art.º 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC), sendo, como tal, ineficaz.


X. Pois a “sanção” adequada à decisão tomada com ofensa de caso julgado é, não a nulidade da sentença, mas a sua revogação.


XI. Se sempre que há uma omissão de pronúncia na sentença, geradora de nulidade (nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615.º do CPC), o juiz pudesse, a todo o tempo, “emendar a mão” por simples despacho, estaria aberta a porta para a total incerteza e insegurança jurídicas.»


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/09/2023, Proc.º n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1, Relatora: Maria Clara Sottomayor, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2023:359.10.1TVLSB.L1.S1.14/ com o seguinte Sumário:


«I - Se a sentença contiver quaisquer inexatidões devidas a omissão ou lapso material manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. A retificação pode ter lugar a todo o tempo, nos casos do n.º 3 do artigo 614.º do CPC.


II – Um erro ou lapso material só pode ser retificado, ao abrigo do artigo 614.º do CPC, se, ao ler o texto, logo se deteta que existe erro, resultando claro o que efetivamente se quis escrever.


III - É evidente pela leitura do dispositivo do Acórdão do Supremo que a condenação da seguradora não foi um lapso material, mas a consequência lógica decorrente da condenação do 1.º Réu, que tinha chamado a seguradora ao processo como interveniente principal.


IV - Se fosse admitido que, ao abrigo da possibilidade de correção de erros materiais, se pudesse conhecer questões de direito ou erros de julgamento que não foram atempadamente invocados, estar-se-ia a subverter a tramitação processual, abrindo-se a porta a que este procedimento fosse invocado ardilosamente para discutir questões processuais ou de mérito, que a parte, por negligência, não alegou dentro do prazo perentório legalmente estipulado para a prática do ato processual em que seria lícito fazê-lo.


V – Tal pretensão deduzida pela seguradora, após o trânsito em julgado do Acórdão que a condenou, para além de ser extemporânea, tem uma natureza anómala e patológica, constituindo um corpo estranho na normalidade do sistema.»


Chegados aqui e procurando fazer a destrinça entre o erro que pode ser retificado nos termos do artigo 614.º do CPC/2013 e aquele que só pode ser reformado nos termos do artigo 616.º do mesmo diploma legal ou por via recursória, se a ela houver legitimamente lugar, dir-se-á que os lapsos que cabem dentro do âmbito da primeira disposição legal indicada são aqueles de cariz meramente formal, que resultam, manifestamente, do texto do Acórdão, sentença ou despacho, quer ele seja lido em si e por si ou em conjugação com outros textos para onde remete, ao passo que as faltas e falhas que se podem reconduzir ao artigo 616.º do NCPC constituem, grosso modo, «erros óbvios de julgamento», de carácter involuntário, não intencional e que possuem já uma natureza material ou substantiva e colocam em crise o mérito [aqui visto em termos da correta aplicação das normas jurídicas aos factos relevantes] daquelas decisões judiciais, implicando a reforma ou julgamento por via de recurso destas últimas a alteração do seu conteúdo, sentido e alcance, o que já não pode acontecer com as modificações consentidas e acolhidas ao abrigo do artigo 614.º do CPC/2013, que não são suscetíveis de implicar aquele tipo de alteração substancial do aresto, sentença ou despacho judicial retificado ou corrigido.


Ora, tendo com pano de fundo o quadro legislativo antes transcrito e a interpretação que dele faz a nossa melhor doutrina e jurisprudência, há que proceder à apreciação e julgamento do pleito destes autos, conforme nos é trazido por este recurso de Revista.


H – LITÍGIO DOS AUTOS E OFENSA DO CASO JULGADO


«Nos presentes autos em que é Sinistrado AA, nascido em .../.../1991, e Entidade responsável pela reparação CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. veio aquele requerer, em 1/06/2020, a revisão da sua incapacidade, anteriormente considerado curado sem desvalorização, alegando o agravamento das lesões decorrentes de acidente de trabalho.


Realizou-se a perícia médica a que alude o art.º 145.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, tendo, após sido requerida a perícia por junta médica a que alude o art.º 145.°, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho e realizada esta, concluíram os Srs. Peritos Médicos, por unanimidade, pela atribuição de urna Incapacidade Permanente Parcial – IPP de 14,637%.


Resulta dos autos a seguinte factualidade, assente em virtude do acordo das partes constante do auto de tentativa de conciliação:


1 – O Sinistrado sofreu um acidente em 29/07/2007.


2 – O Sinistrado auferia à data do acidente a retribuição anual de € 75.980,00.


3 – À data do acidente a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida para a CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., por contrato de seguro e pela referida retribuição.


Cumpre decidir:


Face aos elementos dos autos e não havendo razões para contrariar o juízo pericial, que foi unânime, considero que o Sinistrado se encontra atualmente afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial – IPP de 14,637%, desde a data do pedido de revisão em 1/06/2020.


Perante o disposto nos art.ºs 2.°, 8.°, 23.°, al. b), 47.°, n.º 1, al. c), 48.°, n.ºs 2 e 3, al. c), todos da Lei 98/2009, de 4 de Setembro tem o Sinistrado direito ao pagamento de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, no valor de € 7.784,83 (€ 75.980,00 x 70% x 14,637%).


Consequentemente e nos termos do art.º 145.°, n.º 6, Código de Processo do Trabalho e art.º 70.° da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, condeno CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar ao Sinistrado AA a pensão anual e vitalícia, de € 7.784,83 (sete mil setecentos e oitenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), devida desde 1/06/2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde aquela data e até efetivo pagamento.


- Custas a cargo da Seguradora – art.º 527.º do Código de Processo Civil.


- Valor da causa: € 132.443,39 – art.º 120.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.»


Em 30.01.2023, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão :


«A sentença contém omissão, erro e inexatidão manifestos já que omite o nome de cima das partes, concretamente da entidade empregadora, e referindo que “Resulta dos autos a seguinte factualidade, assente em virtude o acordo das partes constante do auto de tentativa de conciliação: 1 - O Sinistrado sofreu um acidente em 29/07/2007. 2 – O Sinistrado auferia à data do acidente a retribuição anual de € 75.980,00. 3 – À data do acidente a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., por contrato de seguro e pela referida retribuição” quando na tentativa de conciliação consta expressamente “4 - À data cio acidente o Sinistrado auferia a retribuição anual de € 75.980,00. 5 – A Entidade Empregadora supra referida tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pela retribuição anual de € 50.000,00 sob a apólice n.º 10.00113837.”, inexatidão e erro que se deve a lapso manifesto.


Urge corrigir tal lapso, o que se passa a fazer nos termos do art.º 613.º, n.º 2 e 614.º ambos do Código de Processo Civil, proferindo de seguida sentença retificada.


Nos presentes autos em que é Sinistrado AA, nascido em .../.../1991, e Entidades responsáveis pela reparação CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA, FUTEBOL SAD, veio aquele requerer, em 1/06/2020, a revisão da sua incapacidade, anteriormente considerado curado sem desvalorização, alegando o agravamento das lesões decorrentes de acidente de trabalho.


Realizou-se a perícia médica a que alude o art.º 145.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, tendo após sido requerida a perícia por junta médica a que alude o art.º 145.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho e realizada esta concluíram os Srs. Peritos Médicos, por unanimidade, pela atribuição de uma Incapacidade Permanente Parcial – IPP de 14,637%.


*


Resulta dos autos a seguinte factualidade, assente em virtude o acordo das partes constante do auto de tentativa de conciliação:


1 – O Sinistrado sofreu um acidente em 29/07/2007.


2 – O Sinistrado auferia à data do acidente a retribuição anual de € 75.980,00.


3 – À data do acidente a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., por contrato de seguro e pela retribuição anual de € 50.000,00.


*


Cumpre decidir:


Face aos elementos dos autos e não havendo razões para contrariar o juízo pericial, que foi unânime, considero que o Sinistrado se encontra atualmente afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial – 1PP de 14,637%, desde a data do pedido de revisão em 1/06/2020.


Perante o disposto nos art.ºs 2.°, 8.°, 23.°, al. b), 47.°, n.°1, al. c), 48.°, n.ºs 2 e 3, al. c), todos da Lei 98/2009, de 4 de Setembro tem o Sinistrado direito ao pagamento de urna pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, no valor de € 7.784,83 (€ 75.980,00 x 70% x 14,637%), por cujo pagamento são responsáveis a Seguradora e a Entidade Empregadora, na proporção de 65,80% e 34,20%, respetivamente (cfr. art.º 79.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro).


Consequentemente e nos termos do art.º 145.º, n.º 6, Código de Processo do Trabalho e art.º 70.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, condeno CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA, FUTEBOL SAD, na proporção respetivamente de 65,80% e 34,20%, a pagarem ao Sinistrado AA a pensão anual e vitalícia, de € 7.784,83 (sete mil setecentos e oitenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), devida desde 1/06/2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde aquela data e até efetivo pagamento.


- Custas a cargo da Seguradora e Empregadora na proporção respetivamente de 65,80% e 34,20% - art.º 527.º do Código de Processo Civil.


- Valor da causa: € 132.443,39 - art.º 120.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.»


Estamos conscientes das dificuldades que, muitas vezes, se colocam ao intérprete e ao aplicador do direito, no que respeita à destrinça entre uma situação que se configura factual e juridicamente como o cenário típico previsto no artigo 614.º do CPC/2013 e uma outra que constitui, efetivamente, um erro de julgamento, quer o mesmo caiba na previsão do número 2 do artigo 616.º daquele diploma legal, quer extravase o seu âmbito de aplicação.


Temos igualmente para nós que, conforme se sustenta no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8/5/2019, Processo n.º 3167/17.5T8LSB-B.L1.S1, relator: Juiz Conselheiro Júlio Gomes, publicado em www.dgsi.pt , «A interpretação das sentenças não se queda pelo elemento literal, importando atender ao seu elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional» [11], o que significa que o conteúdo, alcance e sentido de uma decisão judicial não se pode quedar por uma abordagem meramente formal, sectorial, parcial, temática, simplista ou superficial do seu teor [fundamentação e decisão] mas antes por uma leitura e busca do significado profundo, essencial, lógico, razoável, que resulta do confronto, conjugação e conciliação de todos os elementos relevantes que da sentença ou do acórdão ressaltam para uma correta, objetiva e segura interpretação do seu texto.


Fazendo o confronto entre estas duas decisões judiciais, parece-nos manifesto que não nos encontramos face a um simples cenário de cometimento de lapsos ou erros de escrita ou de cálculo ou sequer de uma mera e óbvia omissão do nome das partes mas antes perante um genuíno erro de julgamento, levado a cabo no âmbito da primeira sentença prolatada pelo tribunal da 1.ª instância, que, ao contrário do entendido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, aqui recorrido, ignorou totalmente, quer a existência da empregadora enquanto parte [não existe qualquer absolvição da mesma, em sede da decisão propriamente dita], quer a reparação parcial dos danos derivados do sinistro dos autos a que aquela estaria ou não obrigada, sendo certo que a transferência, em sede do seguro celebrado entre as Rés e relativo à responsabilidade infortunística laboral, apenas quanto à retribuição anual de 50.000,00 € foi, desde logo, desconsiderada em sede de factualidade dada como provada, com os inerentes reflexos no seio da sua fundamentação de direito, onde nada se diz a esse respeito.


Os autos – designadamente o acordo que consta da Tentativa de Conciliação de 24/02/2022, para onde a primeira decisão judicial remete, em termos de fundamentação de facto, ao dele constar que «4 – À data do acidente o Sinistrado auferia a retribuição anual de € 75.980,00.» e «5 – A Entidade Empregadora suprarreferida tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pela retribuição anual de € 50.000,00 sob a apólice n.º 10.00113837.» - são claros quanto à divergência entre a retribuição anual paga ao sinistrado e aquela declarada no quadro do referido contrato de seguro de acidentes de trabalho, mal se compreendendo, nessa medida, que se procure remeter e buscar justificação para o pretenso lapso material [para os diversos erros dessa natureza] no teor daquele Auto de transação judicial feita perante o juiz de direito titular destes autos que, quanto aqueles aspetos, se mostra absolutamente correto.


A segunda decisão judicial é por demais reveladora desse erro de julgamento ao ter procedido à correção devida em termos de Matéria de Facto dada como Assente [contrato de seguro e retribuição transferida] e à entrada na sua fundamentação e decisão final da Ré recorrente [que, recorde-se, sempre foi parte nos autos], como entidade também responsável [ao lado da Companhia de Seguros] pela reparação dos prejuízos derivados do acidente de trabalho que vitimou o Autor, com a sua condenação em parte da pensão anual e vitalícia devida a este último, correspondentes juros de mora e custas.


Ora, a ser assim, estando nós face a um erro de julgamento e não a um mero lapso material e sendo a primeira decisão judicial recorrível nos moldes já antes mencionados, não poderiam tais matérias ser objeto de pedido de reforma da dita sentença mas unicamente de recurso de Apelação, que, contudo, não foi interposto atempadamente, pela Seguradora, não obstante os prazos legalmente previstos para tal efeito não se suspenderem com o pedido de retificação formulado pela Companhia de Seguros.


Numa palavra, a Ré COMPANHIA DE SEGUROS deveria ter interposto recurso de Apelação da primeira decisão judicial proferida pelo tribunal de comarca e não apresentado o pedido de retificação que esteve aqui em apreço e que se entendeu como desconforme com o regime do artigo 616.º do CPC/2013.


Logo, verificou-se uma situação de formação de caso julgado material que, de facto, esgotou o poder jurisdicional do juiz titular deste processo, ao nível do tribunal da 1.ª instância, o que impedia este último de prolatar a segunda decisão judicial, que assim se traduziu numa ofensa do caso julgado material e que, face ao disposto no artigo 625.º do Código de Processo Civil, implica que se considere jurídica e processualmente ineficaz, com a sua inerente revogação, sendo, nessa medida, considerada apenas a primeira decisão judicial proferida neste incidente de revisão de incapacidade como a única válida e eficaz nos autos.


Nessa medida, tem o presente recurso de Revista de ser julgado procedente, com a revogação da segunda decisão judicial, prolatada em 10.01.2023 e a repristinação da primeira decisão judicial, prolatada em 11.11.2022, que, nessa medida, passará a ser a única que valerá neste processo, sendo, por tal razão, a Ré Seguradora a única entidade responsável pela reparação dos danos causados ao sinistrado pelo acidente de trabalho que está subjacente ao presente incidente de revisão da incapacidade.


IV – DECISÃO


Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o presente recurso de Revista Apelação interposto por CLUBE DESPORTIVO DE TONDELA – FUTEBOL SAD e, nessa medida, proceder à revogação da segunda decisão judicial, prolatada em 10.01.2023 e à repristinação da primeira decisão judicial, prolatada em 11.11.2022, que, nessa medida, passará a ser a única que valerá neste processo.


Custas do presente recurso a cargo da recorrida - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.


Registe e notifique.


Lisboa, 12 de abril de 2024


José Eduardo Sapateiro (Relator)


Domingos Morais


Ramalho Pinto





_____________________________________

1. «Cfr. art.º 80.º, n. º 2 do Cod. Proc. Trabalho, com referência ao art.º 26.º, n.º 1, al. e) do mesmo diploma legal que considera processos urgentes as ações emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional. Cfr., neste sentido, os Acs. da Relação de Lisboa de 16-07-2009, Proc.º 3895/07.3TTLSB.L1-4, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl e da Relação do Porto de 3-12-2012, Procº.59711.0TTMTS.Pl, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.» - NOTA DE RODAPÉ DAS CONCLUSÕES TRANSCRITAS, COM O NÚMERO 2.↩︎

2. Muito embora o Tribunal da Relação de Lisboa não seja muito claro na remissão que faz, pensamos que os factos que está a considerara são os da decisão judicial retificada que está aqui em causa, no quadro deste recurso de Revista:

“1 – O Sinistrado sofreu um acidente em 29/07/2007.

2 – O Sinistrado auferia à data do acidente a retribuição anual de € 75.980,00.

3 – À data do acidente a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida para a Ré CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., por contrato de seguro e pela retribuição anual de € 50.000,00.”↩︎

3. «Por manifesto lapso consta na referida ata a data de 24.02.2020.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 1↩︎

4. «No Acórdão desta Relação de 31.05.2023 ( proc. 761/10.9TTCSC.1.L1), no âmbito do qual a ora relatora interveio na qualidade de Adjunta, foi decidida situação como algumas similitudes com a presente.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 2.↩︎

5. Artigo 26.º

Processos com natureza urgente e oficiosa

1 - Têm natureza urgente:

a) […]

e) As ações emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional;

f) […]

3 - As ações a que se refere a alínea e) do n.º 1 correm oficiosamente.

4 - Na ação emergente de acidente de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação.

5 – […]

(Redação da Lei n.º 107/2019, de 9 de Setembro – entrada em vigor a partir de 9 de Outubro de 2019)

Artigo 80.º

Prazo de interposição

1 - O prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 30 dias.

2 - Nos processos com natureza urgente, bem como nos casos previstos nos n.ºs 2 e 5 do artigo 79.º-A do presente Código e nos casos previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias.

3 - Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, aos prazos referidos na parte final dos números anteriores acrescem 10 dias.

Artigo 138.º

Regra da continuidade dos prazos

1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.

2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.

4 – […]↩︎

6. CAPÍTULO II

Vícios e reforma da sentença

Artigo 613.º

Extinção do poder jurisdicional e suas limitações

1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.

Artigo 614.º

Retificação de erros materiais

1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.

3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.

Artigo 616.º

Reforma da sentença

1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.

Artigo 617.º

Processamento subsequente

1 - Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.

2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.

3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.

4 - Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente.

5 - Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6.

6 - Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença.↩︎

7. «Ob. Cit., pág. 127» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 60.↩︎

8. «Cf. Santos Silveira, "Impugnação das Decisões em Processo Civil", 1970, pp. 35 e seg.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 63.↩︎

9. «Ob. cit., p. 130.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 64.↩︎

10. «Ob. cit., p. 246.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 65.↩︎

11. Cf., ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/01/2019, Processo n.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1, relator: Júlio Gomes, publicado em www.dgsi.pt e a doutrina aí mencionada.↩︎