JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


Não existe sequer infração disciplinar, e muito menos justa causa de despedimento, quando não se prova qualquer intenção de apropriação de bens alheios pelo trabalhador, nem qualquer violação de um pretenso dever de informação, porquanto foi o empregador quem não cumpriu tempestivamente a sentença que o condenou, pagou com referências Multibanco que tinham sido enviadas pela Segurança Social ao trabalhador, criando, assim, a aparência de que o pagamento tinha sido feito por este e não enviou ao trabalhador qualquer comprovativo que lhe permitisse ter conhecimento do sucedido.

Texto Integral




Processo n.º 1666/22.6T8VRL.G1.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Relatório


AA intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo de Trabalho, contra Casa Santa Marta.


Não tendo sido possível a conciliação, o Empregador apresentou articulado a fundamentar o despedimento.


O Trabalhador contestou e deduziu reconvenção, formulando os seguintes pedidos:


Termos em que nestes e nos melhores de direito, com o douto suprimento de V. Exa., o Autor pede a V. Exa que:


a) Declare a ilicitude do despedimento proferido pela Ré;


b) A Ré seja condenada a reintegrar o autor, sem prejuízo da categoria profissional e antiguidade da mesma;


c) A Ré seja condenada no pagamento do valor correspondente à sanção pecuniária compulsória à taxa diária de pelo menos 60,00 € por cada dia em que não se realize de modo total e perfeito a reintegração do autor;


d) A Ré seja condenada no pagamento de todas as retribuições que se vencerem na pendência desta causa e até ao trânsito em julgado da decisão final;


e) A Ré seja condenada no pagamento da indemnização de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) correspondentes aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor;


f) A Ré seja condenada no pagamento dos juros moratórios à taxa legal das obrigações civis que se vencerem desde a data da notificação da presente e até ao efectivo pagamento ao autor.


O Empregador respondeu ao articulado do Trabalhador, propugnando pela sua absolvição do pedido reconvencional.


Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.


Em 15.07.2023, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:


Em face do exposto, nos presentes autos de ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, decide-se:


a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento, com fundamento em justa causa, promovido pela ré CASA DE SANTA MARTA relativo ao autor AA;


b) Julgar improcedentes os pedidos reconvencionais formulados pelo autor AA contra a ré CASA DE SANTA MARTA, a qual se absolve em conformidade de tais pretensões;


c) Indeferir o pedido de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória à ré CASA DE SANTA MARTA;


d) Condenar o autor AA no pagamento das custas processuais – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.


O Trabalhador interpôs recurso de apelação.


Por acórdão de 23.11.2023, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram “em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, declarar ilícito o despedimento do autor/recorrente promovido pela ré/recorrida e condenar esta:


- Na reintegração do trabalhador/autor no mesmo estabelecimento da ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;


- No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, à taxa diária de 60,00 € (sessenta euros) por cada dia de atraso, desde o trânsito em julgado desta decisão e até que seja satisfeita a reintegração do autor;


- No pagamento da importância correspondente às «retribuições intercalares», deduzida do valor correspondente ao subsídio de desemprego que o autor recebeu/venha a receber.


Quanto ao mais, confirma-se a sentença”.


Inconformado, o Empregador veio interpor recurso de revista, ao abrigo do disposto nos artigos 81.º n.º 6 do Código de Processo de Trabalho e 671.º e 675.º n.º 1 do Código do Processo Civil, requerendo a fixação de efeito suspensivo.


O referido recurso apresenta as seguintes Conclusões:


“1. O despedimento do Autor/Recorrido foi declarado licito pelo Tribunal de 1.ª Instância, interposta apelação pelo Trabalhador/Recorrido, o Tribunal a quo, por sua vez, declarou a ilicitude do despedimento, mas com tal decisão não pode a Ré/Recorrente concordar, pelo que da mesma interpõe o presente recurso.


Da existência da Justa Causa.


2. Para fundamentar a decisão recorrida, entendeu o Tribunal a quo que não constitui justa causa para o despedimento “…o comportamento de um Trabalhador de não entregar à entidade empregadora um quantitativo na ordem dos oito mil euros, que fora depositado na sua conta pela Segurança Social, … indevidamente …, nem sequer o Trabalhador informar a empregadora de que a SS transferiu esse valor para a sua conta – e situação que perdurou por cerca de três anos -, sendo que foi a empregadora que pagou/reembolsou a SS desse valor.”


3. Tal conclusão resulta do facto de a Entidade Patronal não ter habilitado o Trabalhador com o comprovativo de pagamento conforme o solicitado, assumindo ainda, como verdade, que o Trabalhador remeteu à Segurança Social “pelo menos dois emails a comunicar que certamente houve engano na transferência para a sua conta.”


4. O Tribunal a quo decidiu nesses moldes sem alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, fazendo uma incorreta subsunção legal dos factos.

5. Porquanto, provado que está que:

- O autor foi notificado pelo I.S.S. de que deveria proceder ao pagamento da quantia de € 8.123,10, tendo o seu Ilustre Mandatário forense solicitado à ré o pagamento desse montante (cfr. factos provados n.º 21 e n.º 22 da matéria assente);


- O autor sabia, através do seu Ilustre Mandatário forense, que a ré se propusera a pagar o montante reclamado pelo I.S.S., prontificando-se a apresentar o comprovativo de tal liquidação (cfr. factos provados n.º 23, n.º 24 e n.º 40 da matéria assente);


- Em 17-07-2018, pelas 17h07, a ré procedeu ao pagamento ao I.S.S. do montante de €8.123,10, utilizando as referências do pagamento bancário remetidas ao autor - consequentemente o autor sabia que não foi este quem efetuou o pagamento - (cfr. facto provado n.º 25 da matéria assente);


- Resulta do documento de quitação que subscreveu, que o Autor declarou saber que lhe fora descontado o montante de € 8.123,10, por conta dos valores recebidos a título de subsídio de desemprego (cfr. facto provado n.º 20 da matéria assente);


- O I.S.S. não foi notificado do decido no processo nº411/15.7... (cfr. facto provado n.º 43 da matéria assente).


6. Por outro lado, não logrou o Autor provar:


- As diligências por si desencadeadas, no I.S.S., por diversas vezes, para apurar o motivo de tal transferência (cfr. sentença, facto não provado n.º 9);


- A receção dos emails pelo I.S.S., alegadamente emitidos por si em 16-01-2019 e 18-09-2019 (cfr. sentença, facto não provado n.º 8).

7. Perante tal quadro factual não se compreende como o Tribunal recorrido entendeu que fora a Recorrente “que deu azo à situação”.

8. Sublinhe-se que as delongas na entrega do subsídio de desemprego ao I.S.S. resultou da falta de notificação emitida pelo I.S.S, para o efeito a favor da Entidade Empregadora, o que legalmente se impunha, nos termos do art. 7.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 133/88, de 20-04.

9. No entanto, esclareça-se que a Segurança Social, não tendo sido notificada pelo Tribunal da decisão transitada em julgado no âmbito do processo nº411/15.7..., nos termos do art.98.º-N, n.º 2, do CPT, não reunia condições para cumprir com tal decisório, obstaculizando o cumprimento das obrigações pela Entidade Empregadora.

10. Neste conspecto, conjugados todos os elementos carreados para o processo, apenas se pode concluir que não foi a Entidade Empregadora que contribuiu para este desfecho.

11. Tanto mais que, interpelada pelo Trabalhador, de imediato fez o pagamento com as referências remetidas a este pelo ISS,

12. E, contrariamente, o Trabalhador recebeu tal importância na sua conta bancária e decidiu ocultar da Entidade Patronal esse reembolso, nada fazendo junto da Segurança Social para regularizar a situação (cfr. facto n.º 8.º e 9.º da matéria não assente).

13. Note-se que o Autor sabia não ter direito a tal quantia (veja-se o teor dos emails por si emitidos de 16-01-2019 e 18-09-2019, onde reconhece tratar-se de um engano (facto da matéria provada n.º 38.º).

14. Pelo que, ainda que a Recorrente não tenha logrado demonstrar ter habilitado o Autor/Recorrido com o comprovativo de pagamento em apreço, o certo é que das conversações havidas entre as partes, outra conclusão não se poderia retirar, não tendo o Trabalhador motivos para desconfiar da Entidade Empregadora.

15. Na verdade, constitui uma falsa questão a afirmação do Tribunal a quo no sentido de que o Trabalhador não poderia ter a certeza que havia sido a Ré/Recorrente quem efetuou o aludido pagamento, porque, não foi informado que iriam ser utilizadas as referências que constavam da notificação da Segurança Social para o efeito,

16. Porém, conforme resulta do facto constante no parágrafo 40 da matéria assente, o Trabalhador foi informado de que havia sido entregue “o documento” à Madre Superiora para efetuar o pagamento, e por documento entenda-se, pela contextualização dos emails trocados, a notificação remetida pela Segurança Social ao Trabalhador,

17. Destarte, bem andou o Tribunal de 1ª Instância ao afirmar que “… o autor encontrava-se em plenas condições para saber que o valor que recebera do I.S.S. deveria ter sido entregue à sua entidade patronal…”

18. Assim, recebido o dinheiro e remetendo-se ao silêncio, por mais de três anos, não diligenciando junto da Segurança Social para repor a verdade, o Autor quis manter na sua esfera jurídica os 8.123,10€ (que sabia não ter direito e que o mesmo pertencia à Entidade Empregadora), conformando-se com o resultado.

19. Ainda que se considere a alegada emissão dos dois emails pelo Recorrido, que teria como destinatária a Segurança Social, os mesmos mostram-se parcos na procura de uma solução, posto que era exigível ao Autor/Recorrido, pelo menos, que desse conhecimento à sua Entidade Empregadora, com quem tinha diligenciado nos termos que foram dados como provados, aquele pagamento.

20. Sendo certo que perante o silêncio da Segurança Social, ao Trabalhador se impunha o desenvolvimento de diligências, por forma a esclarecer os factos e evitar prejuízos a terceiros, in casu, à Entidade Empregadora, posto que, o Trabalhador bem sabia que o dinheiro em causa não lhe pertencia.

21. Por outro lado, o conceito “emissão de email” vertido no parágrafo 38 da matéria assente, deve ser interpretado como “redação”, pois que o Recorrido em momento algum carreou para o processo prova do respetivo envio e a Douta Sentença da 1ª instância, em sede de motivação, apenas se refere ao seu teor.

22. Pelo que, interpretar a emissão dos emails como envio, extravasa o sentido atribuído pelo julgador de 1ª Instância.

23. Aliás, note-se que para se referir aos demais emails trocados entre as partes, o Tribunal de 1ª Instância aplica o verbo “enviar” quando se refere a todos os emails cujo envio e receção não foram contestados, o que não se observa in casu, merecendo tratamento diferenciado.

24. Assim, provada que está a emissão dos e-mails pelo autor (facto 38 da matéria assente), no sentido restrito à sua redacção e teor, não pode o Tribunal da Relação a quo fundamentar a sua decisão no alegado envio de e-mails (que não está demonstrado nos presentes autos), como forma de atribuir ao Trabalhador uma conduta diligente (que não logrou provar, vide parágrafo 8 e 9 da matéria não provada).

25. Reconhecendo a decisão a quo que o Autor tinha a certeza “que houvera um engano e que não tinha direito àquele valor”, sendo “expectável que o levassem a relacionar essa transferência com o valor que lhe fora pago a título de subsídio de desemprego”, é forçoso concluir que o mesmo deveria prever que o seu silêncio perante a Entidade Patronal e o I.S.S. iria causar prejuízos à Recorrente, o que lhe competia evitar.

26. Sabia o Recorrido, ou tinha obrigação de cogitar, que o seu silêncio e inação iria lesar interesses sérios de terceiros, no caso da aqui Recorrente, pelos quais tinha o Trabalhador obrigação de zelar.

27. Com tal conduta omissa (por mais de três anos) violou, de forma consciente, deveres fundamentais e acessórios, resultantes do contrato de trabalho e da legislação vigente.

28. A decisão de despedimento tem por base, conforme se logrou provar, “o recebimento de tal quantia pelo Autor, sem que esta seja disponibilizada à Ré, associada à ulterior conduta omissiva do Autor, que constitui o essencial das condutas que lhe são assacadas.” - Cfr. Sentença de 1ª Instância.

29. Ora, o Recorrido mantém, até à presente data, ao seu dispor, na sua esfera patrimonial, esse quantitativo, que bem sabe não lhe pertencer, em manifesto prejuízo da Entidade Empregadora, o que se traduz numa recusa de reembolso daquela.

30. Por conseguinte, resulta ser bastante censurável a atuação do Trabalhador, denotando a violação do dever de cuidado, a manifesta gravidade e significativas consequências, quer ao nível dos danos patrimoniais que a Ré sofreu (no valor €8.294,01), quer, sobretudo, ao nível da confiança que deve existir numa relação laboral e que ficou irremediavelmente abalada.

31. Nas relações jurídicas de trabalho subordinado, o Trabalhador deve proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres (vide artigos 126º nº1 CT e 762º nº2 CC), a qual tem por subjacente deveres de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos.

32. O dever de lealdade constitui um dever acessório autónomo na estrita medida em que não depende da prestação principal, mas surge com a celebração do contrato, mantendo-se na sua execução e perdura para além da cessação do vínculo.

33. A confiança, elemento essencial nas relações de trabalho, pressupõe a observância do mencionado dever de lealdade do Trabalhador para com Empregador, pelo que aquela será sempre afetada quando se fere o mencionado dever.

34. “O dever geral de lealdade tem uma faceta subjetiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes …. e que, encarado de um outro ângulo, “apresenta também uma faceta objetiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do Trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações”, donde promana, “no que especialmente respeita ao Trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, pp. 231 a 234 – negrito nosso).

35. Trata-se de um dever com dimensão ampla abrangendo “um aspeto pessoal e um aspeto organizacional, que incluem a relevância de condutas extra laborais do Trabalhador e deveres de cuidado com os interesses de organização” (Ac. TRL de 11-10-2017, citado pelo acórdão do STJ de 08-07-2020, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) – negrito nosso.

36. “Dado o carácter absoluto do dever de lealdade, a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos materiais, nem da existência de culpa grave do trabalhador: por isso, a simples materialidade desse comportamento lesivo do dever em apreço, aliado a um moderado grau de culpa do Trabalhador pode, em determinado contexto, levar a um efeito redutor das expectativas de confiança” (Ac. do STJ de 11/10/95, publicado na CJ, tomo III, pág. 277 – negrito nosso).

37. No tocante às consequências da conduta do Trabalhador, como ensina Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 951), “…estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a Autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador”, o que se observa in casu.

38. Assim, a violação do dever de lealdade e a consequente violação da relação de confiança constitui justa causa de despedimento, por comprometer de forma prática e irremediável a subsistência da relação de trabalho.

39. A existência de justa causa de despedimento, nos termos do art. 351.º nº. 1 do CT, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:

- Um comportamento ilícito e culposo imputável ao Trabalhador;

- A impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho;

- E o nexo de causalidade entre aquele comportamento e tal impossibilidade.

40. A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o Trabalhador está contratualmente vinculado e a culpa deve ser apreciada, segundo o critério plasmado no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

41. Nesta esteira, não merece censura a Douta Sentença de 1ª instância, ao considerar que o Autor violou, culposamente, o dever acessório de cuidado, decorrente do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações (cf. artigos 126.º nº do CT e 762.º nº 2 do CC), o qual tem por subjacente o dever de lealdade consignado no artigo 128.º nº 1 alínea f) do CT, quebrando definitivamente qualquer confiança que a Ré nele pudesse depositar.

42. Assim, a decisão a quo, assumindo uma posição oposta, faz uma incorreta subsunção legal dos factos valorados como provados.

43. Não pode ser exigível à Recorrente, manter ao seu serviço um Trabalhador que viu ser-lhe transferida a quantia de € 8.123,10, pelo I.S.S., bem sabendo ou cogitando que a mesma não lhe pertence, mas sim àquela, omitindo tal realidade por mais de três anos, não tendo diligenciado pela reposição da verdade.

44. Não se vislumbra como possível o desenvolvimento da relação laboral no contexto concreto desta entidade empregadora, fundado nos factos dados como provados nos autos, atenta a sua gravidade e consequências.

45. Tanto mais que a manutenção do contrato de trabalho acarretaria consequências nefastas para a organização empresarial, já que fará transparecer uma imagem de impunidade e de desrespeito pela violação de princípios fundamentais de probidade para com a Entidade Empregadora, junto dos demais colaboradores, pondo em causa a sua credibilidade e autoridade.

46. Posto isto, pela decisão ora em crise foram violados o princípio da boa fé, plasmado no artigo 762.º n.º 2 do CC, e artigos 126.º n.º 1, 128.º alínea f) e 351.º todos do CT, motivo pelo qual deverá ser revogada, mantendo-se a Douta Sentença prolatada em 1.ª Instância.

Não procedendo, mas sem prescindir,

Da condenação no pagamento das retribuições intercalares.

47. O TRG condenou a Ré “No pagamento da importância correspondente às «retribuições intercalares», deduzida do valor correspondente ao subsídio de desemprego que o autor recebeu/venha a receber.”

48. No entanto, olvidou-se de aplicar o artigo 98-N, n.º 1 do CPT, o qual dispõe que a responsabilidade pelo pagamento das retribuições intercalares cabe ao Estado, após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário (02-08-2022),

49. Nesta esteira, impunha-se ao Tribunal a quo o dever de determinar que o pagamento das retribuições intercalares fosse efetivado pela entidade competente da área da Segurança Social, notificando-a em consequência para os devidos efeitos.

E concluía pedindo a revogação do Acórdão recorrido.

O Trabalhador contra-alegou.

O recurso de revista foi admitido como recurso interposto ao abrigo do artigo 671.º, por não existir “dupla conformidade” nas decisões das instâncias e com efeito meramente devolutivo.


Em conformidade com o disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.


O empregador respondeu ao Parecer.


Fundamentação


De Facto


Foram os seguintes os factos provados nas instâncias:


1. A Ré constitui uma pessoa jurídica canónica, à qual o Estado Português reconhece personalidade jurídica e dispõe da capacidade civil que o Direito Português atribui às pessoas colectivas de direito privado, sem fins lucrativos, gozando dos direitos e benefícios atribuídos às Instituições Particulares de Solidariedade Social.


2. A Ré tem como fins principais a concessão de bens, a prestação de serviços e de outras iniciativas de promoção do bem-estar e qualidade de vida das pessoas idosas através da Estrutura Residencial para Pessoas Idosas.


3. Correu termos neste Juízo, sob o n.º 411/15.7..., ação declarativa comum, instaurada por AA contra a Casa de Santa Marta.


4. Na petição inicial do processo n.º 411/15.7... AA peticionou a condenação da Casa de Santa Marta:


“(…) a reintegrar o Autor nas suas funções na ERPI da Ré, sem prejuízo da sua categoria, retribuição e antiguidade;


- a pagar o valor correspondente à sanção pecuniária compulsória à taxa diária de pelo menos 60,0 € por cada dia em que não se realize de modo total e perfeito a reintegração do Autor;


- a reconhecer que a relação de trabalho subordinado existente com o Autor se iniciou no dia 17 de Setembro de 2011;


- a reconhecer a invalidade do pretenso contrato de trabalho a termo certo (…)


- a pagar ao Autor as seguintes quantias:


. as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude da cessação do contrato de trabalho;


. os subsídios de alimentação correspondentes aos dias úteis trabalhados pelo Autor de 17 de Setembro de 2011 a 31 de Dezembro de 2012, no montante de 1.409,10 €;


. os subsídios de férias correspondente ao período de 17 de Setembro de 2011 a 31 de Dezembro de 2012, no montante de 1.184,45 €;


. o valor da compensação correspondente ao triplo da retribuição dos períodos de férias não gozados no ano de 2011 e 2012, no montante de 3.553,37 €;


. o valor correspondente aos proporcionais do subsídio de Natal do ano de 2011 e à totalidade do subsídio de Natal do ano de 2012, no montante de 1.184,45 €;


. o valor correspondente ao subsídio de férias do ano de 2013, no montante devido de 917,00 €;


. a indemnização correspondente aos danos morais sofridos pelo Autor, em montante não inferior a 2.500,00 €;


. os juros vincendos (…)”.


5. Em 21/09/2016 foi proferida sentença no processo n.º 411/15.7..., na qual se decidiu:


“(…) 1) - Declarar que a relação de trabalho subordinado existente entre Autor e Ré se iniciou a 17 de Setembro de 2011;


2) - Declarar a nulidade do contrato de trabalho a termo certo celebrado entre o Autor datado de 1 de Janeiro de 2013, declarando-se celebrado por tempo indeterminado;


3)- Declarar a ilicitude do despedimento do autor promovido pela Ré através da comunicação datada de 28 de Novembro de 2014, com efeitos a 31 de Dezembro de 2014 e, em consequência, condenar a Ré:


a. -a reintegrar a Autor/trabalhador no seu posto de trabalho e funções na IRPI, sem prejuízo da sua categoria, retribuição e antiguidade;


b. – a pagar ao Autor as retribuições que o autor deixou de auferir desde 09/02/2015, e as que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão final, deduzida dos montantes que o autor tenha eventualmente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido e a quantia de €1.146,25 (mil centos e quarenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), já recebido pelo Autor a título de “fim do contrato – indemnização”, tudo a liquidar em sede de execução de sentença;


c. – a pagar ao Autor a quantia de €1.409,10 (mil quatrocentos e nove euros e dez cêntimos), a título de subsídio de alimentação correspondente aos dias úteis trabalhados pelo autor de 17/09/2011 a 31/12/2012;


d. – a pagar ao Autor a quantia de €1.184,45 (mil cento e oitenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de subsídio de férias correspondente ao período de 17/09/2011 a 31/12/2012;


e. – a pagar ao Autor a quantia de €1.184,45 (mil cento e oitenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de retribuição de férias não gozadas no ano de 2011/2012;


f. – a pagar ao Autor a quantia de €1.184,45 (mil cento e oitenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de subsídio de Natal correspondente aos anos de 2011 e 2012;


g. - a pagar ao Autor a quantia de €917,00 (novecentos e dezassete euros), a título de subsídio de férias do ano de 2013;


h. – a pagar ao Autor a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais.


j. – a pagar ao Autor juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, desde a citação até integral pagamento.


4) Fixar em €60,00 (sessenta euros) o valor da sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na reintegração efetiva do Autor.


5. – Absolver no demais peticionado a Ré.


6.- Julgar improcedente o pedido reconvencional e, consequentemente, absolver o Autor do respetivo pedido (…)”.


6. Na sentença de 21/09/2016 ficaram provados os seguintes factos:


“(…) A Ré é titular da estrutura residencial para pessoas idosas (de ora em diante ERPI) que gira na economia social como “Casa Santa Marta”, situado na Rua ....


2. Ainda estudante do último ano da licenciatura em ..., o Autor realizou o estágio curricular na ERPI da Ré, de Fevereiro a Junho de 2010.


3. Após a conclusão da licenciatura, o Autor realizou na ERPI da Ré o estágio profissional como ..., financiado pelo IEFP, no período compreendido entre 16.12.2010 e 16.09.2011.


4. Concluído o estágio profissional, sem qualquer interrupção ou descontinuidade temporal, o Autor continuou a exercer em exclusivo para a Ré as funções de ... na ERPI desta, que consistiam em planear, organizar, promover e desenvolver atividades de carácter educativo, cultural, desportivo, social, lúdico, turístico e recreativo, no contexto da ERPI, tendo em conta as necessidades dos utentes da ERPI e com vista a melhorar a sua qualidade de vida e a qualidade da sua inserção e interação social, bem como organizava, coordenava e desenvolvia atividades de animação e desenvolvimento sociocultural junto dos utentes da ERPI e no âmbito dos objetivos desta e acompanhava e procurava desenvolver o espírito de pertença, cooperação e solidariedade dos utentes, bem como proporcionar o desenvolvimento das suas capacidades de expressão e realização, utilizando para tal métodos pedagógicos e de animação.


5. Funções que o Autor desempenhava, sob as ordens, instruções e disciplina da Ré e eram exercidas no horário semanal fixado pela Ré de 35 horas (…)


6. Este horário semanal, por determinação da Ré, era cumprido pelo Autor diariamente, nos dias úteis, das 9:30 horas às 18:00 horas, com interrupção para almoço das 12:30 horas às 14:00 horas.


7. O Autor sempre cumpriu o referido horário, desde 17 de Setembro de 2011 até 31 de Dezembro de 2014, nas instalações da ERPI da Ré.


8. Todos os instrumentos de trabalho que o Autor utilizou no desempenho da sua função foram fornecidos pela Ré.


9. O Autor partilhava um gabinete, nas instalações da ERPI da Ré, com a assistente social e a fisioterapeuta, técnicos superiores em funções na Ré.


10. Nesse gabinete da Ré, o Autor tinha ao dispor, fornecidos pela Ré, uma secretária, um computador, ligação à Internet, telefone e todos os materiais necessários ao exercício da planificação das atividades, tais como papel, canetas, cartolinas, adereços, livros, etc...


11. Era nas instalações da Ré que o Autor dinamizava as atividades planificadas para os utentes da ERPI, tais como jogos, peças de teatro, leituras, manualidades, artesanato, festas de Natal, atividades físicas, viagens.


12. Como contrapartida pelas funções exercidas pelo Autor, a Ré pagava-lhe mensalmente a quantia de 917,00€.


13. Por expressa exigência da Ré, o Autor passava “recibos verdes” como quitação das quantias recebidas mensalmente daquela.


14. Para o efeito, e também por exigência da Ré, o Autor inscreveu-se como profissional liberal junto da autoridade tributária em 16.11.2011.


15. O Autor, desde 17 de Novembro de 2011 e até 31 de Dezembro de 2012, data em que cessou a atividade na autoridade tributária e aduaneira, apenas emitiu recibos verdes eletrónicos para a Ré.


16. O Autor, de 17 de Novembro de 2011 a 31 de Dezembro de 2012, apenas auferiu rendimento de trabalho da Ré.


17. No período compreendido entre 17 de Setembro de 2011 e o dia 31 de Dezembro de 2012, a Ré jamais pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de refeição.


18. Nos anos de 2011 e 2012, a Ré pagava aos demais trabalhadores em exercício de funções na ERPI o valor de diário mínimo de 4,27 €, a título de subsídio de refeição.


19. No período de 17 de Setembro de 2011 a 31 de Dezembro de 2012, a Ré jamais pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de férias.


20. Nem, no mesmo período, proporcionou ao Autor férias remuneradas.


21. Ainda no mesmo período, a Ré não pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de Natal.


22. No final do ano de 2012 a Ré foi objeto de ação inspetiva por parte da Segurança Social.


23. Nessa ação inspetiva a Segurança social entendeu que a situação laboral do Autor não era a correcta, aplicou uma coima à Ré e deu instruções para que fosse alterado o regime contributivo para a Segurança Social do Autor.


24. No seguimento dessa ação inspetiva, levada a efeito em finais de 2012 pela Segurança Social, a Ré apresentou ao Autor o documento epigrafado de “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, com os seguintes dizeres:


“Entre a CASA SANTA MARTA (…) como primeiro outorgante, e AA (…), como segundo outorgante, é assinado o presente contrato de trabalho, que se regerá pelas cláusulas seguintes:


1. O segundo outorgante é contratado para prestar ao primeiro outorgante serviços de ..., sendo o local de prestação dos serviços na sede da Instituição, Em ..., a tempo completo, durante doze meses (12) com início no dia 01 de Janeiro de 2013 e termo – termo certo – em 31 de Dezembro de 2013.


2. O segundo outorgante é contratado para prestar serviço durante 35 horas semanais, sendo a retribuição mensal ilíquida de 917,00 Euros, correspondente à categoria, segundo a tabela vigente para as Instituições Particulares de Solidariedade Social.


3. O presente contrato de trabalho caducará no termo do prazo estabelecido, não tendo o segundo outorgante direito a qualquer indemnização, desde que o primeiro outorgante lhe comunique até quinze dias (15) antes de o prazo expirar, e por forma escrita, a vontade de o não renovar: caso contrário, entender-se-á que o contrato é renovado por igual prazo.


4. A extinção do contrato, depois de decorridos quinze (15) dias de vigência sobre o mesmo, antes de decorrido o prazo porque foi celebrado, por denúncia de qualquer uma das partes, sem justa causa confere à outra parte o direito a uma indemnização equivalente ao total das mensalidades vincendas.


5. Durante os primeiros quinze (15) dias de vigência do contrato, qualquer uma das partes poderá denunciá-lo, sem prévio aviso nem alegação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização.


6. O presente contrato é emitido em duplicado, ficando um exemplar na posse do primeiro outorgante e outro na posse do segundo (…)


25. O denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, foi integralmente pré-elaborado pela Ré, sem qualquer intervenção do Autor.


26. O Autor apenas subscreveu esse documento por exigência da Ré e para conservar o posto de trabalho.


27. A ré tem mais de 100 utentes residentes. 28. A necessidade da Ré de um ..., que disponibilize a respetiva força de trabalho para as tarefas atrás alegadas, é uma necessidade permanente, que existe, pelo menos, desde a admissão do Autor ao serviço da Ré em 17 de Setembro de 2011.


29. Esta necessidade resulta também de uma exigência legal que a Ré está obrigada a cumprir para manter a ERPI em funcionamento regular a ERPI, atendendo ao número de utentes residentes.


30. No âmbito do acordo que a Ré mantém com a Segurança Social, a estrutura de recursos humanos exige a contratação de técnico superior com as qualificações do Autor.


31. A Ré não pagou ao Autor o subsídio de férias no ano de 2013.


32. No dia 05.12.2014, o Autor recebeu da Ré uma missiva datada de 28 de Novembro de 2014, remetida por via postal registada no dia 04.12.2014, assinada pela Presidente da Direção da Ré, a Madre BB, com os seguintes dizeres: “Assunto: Caducidade do contrato de trabalho a termo certo. Registada com A/R. A Santa Casa Marta, Instituição Particular de Solidariedade Social (…), vem comunicar a V.Excª que o seu contrato de trabalho a termo, existente entre Vª Excª e a Casa Santa Marta, está preste a concluir no dia 31 de Dezembro de 2014. Venho por este meio comunicar que pelas condições atuais da instituição, o dito contrato não será renovado. No entanto, se surgir uma nova oportunidade, teremos em conta os bons serviços prestados por V. Excª a esta casa. (…). ..., 28 de Novembro de 2014.”


33. Em virtude de tal comunicação, desde 1 de Janeiro de 2015, ao Autor não mais foi permitido pela Ré que continuasse a exercer as funções que vinha desempenhando até ao dia 31 de Dezembro de 2014 na ERPI desta, altura em que a Ré deixou de pagar qualquer retribuição ao Autor.


34. A Ré não instaurou contra o Autor qualquer processo disciplinar, nem invocou qualquer justa causa para a cessação do contrato de trabalho.


35. O Autor ficou nervoso e angustiado com a receção em 05.12.2014 da carta da Ré.


36. Durante muito tempo, mais de um mês, viveu com muita ansiedade a situação comunicada pela Ré.


37. O Autor teve que suportar o vexame perante os colegas de trabalho e os utentes do lar de dar explicações sobre a sua saída da ERPI da Ré.


38. A Ré pagou por transferência bancária para a conta do Autor o valor de 1.146,25 €, a título de fim contrato – indemnização. (…)”.


7. Na fundamentação da sentença de 21/09/2016 expendeu-se que:


“(…) Como se mostra provado, os factos reportam-se ao ano de 2011, ou seja, na vigência do actual Código do Trabalho de 2009, devendo a questão da qualificação da relação estabelecida entre autor e ré e da sua cessação serem aferidas à luz do respectivo regime jurídico-laboral. Importa apurar nos autos, em primeiro lugar, se a relação contratual entre o autor e a ré “Irmãzinhas dos Anciãos Desemparados, Casa Santa Marta”, deve ou não qualificar-se como sendo de trabalho subordinado, sendo certo que é sobre o autor que impende, neste domínio, o correspondente ónus da prova (…) No caso dos autos, considerando os factos dados como provados, é de concluir no sentido de que esses factos permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre o autor e a ré foi de trabalho subordinado, imediatamente à conclusão do estágio profissional realizado pelo autor na ré e que ocorreu entre 16/12/2010 e 16/09/2011. Efectivamente, a matéria factual dada como provada, aponta, claramente, que: a)a ré, a partir de 17/09/2011, admitiu ao seu serviço o autor, para desempenhar as funções de ..., sendo que a partir dessa data, o autor sob a orientação, instruções e disciplina dos superiores hierárquicos da ré, passou a planear, organizar, promover e desenvolver actividades de carácter educativo, desportivo, social, lúdico, turístico e recreativo, no contexto da ERPI, tendo em conta as necessidades dos utentes da ERPI e com vista a melhorar a sua qualidade de vida e a qualidade da sua inserção e interacção social (…) b) a ré determinou ao autor um horário de trabalho de 35 horas semanais, que o autor cumpria nos dias úteis da semana – pelo menos - das 9H30 às 18H00, com interrupção para almoço das 12H30 às 14H00 (…) c) todos os instrumentos de trabalho utilizados pelo autor no desempenho da sua função foram fornecidos pela ré (…) d) – Como contrapartida pelas funções exercidas pelo autor, a ré pagava-lhe mensalmente a quantia de €917,00 (…) Com efeito, analisadas conjunta e globalmente estes pontos e ainda os que constam dos pontos 9º, 10º e 11º da referida matéria de facto dada como provada, facilmente se conclui que o autor sempre prestou à ré, uma actividade de ... -, materializada nas funções correspondentes à categoria de ..., designadamente a planear, organizar, promover e desenvolver actividades de carácter educativo, desportivo, social, lúdico, turístico e recreativo, no contexto da ERPI, tendo em conta as necessidades dos utentes da ERPI e com vista a melhorar a sua qualidade de vida e a qualidade da sua inserção e interacção social. Por outro lado, como se verá, essa actividade tinha que ser prestada num determinado contexto organizacional condicionante do tempo – um horário semanal de 35 horas, distribuído, nos dias úteis das 9H30 às 18H00, com interrupção para o almoço das 12H20 às 14H00 -, a que o autor estava obrigado, do espaço da prestação – instalações da ré – e dos instrumentos utilizados nessa actividade – exclusivamente pertencentes à ré -, bem assim como o facto toda essa actividade ser desenvolvida pelo autor segundo instruções e ordens dos superiores hierárquicos da ré e que eram condicionantes do modo como a actividade tinha que ser prestada, estando o autor integrado numa cadeia hierárquica de que dimanavam ordens e instruções que tinha de acatar. O autor estava, assim, obrigado a uma actividade cujo contexto e programa de prestação era organizado, no seu núcleo essencial (tempo, lugar e modo de execução), pelo respectivo credor, como é típico acontecer numa relação de trabalho subordinado. Ora, assim sendo, não pode sustentar-se que à ré apenas interessava, como era suposto acontecer se estivesse em causa uma relação de mera prestação de serviço, o resultado da actividade do autor; para lá dele, interessava-lhe, também, o local, o tempo e o modo como era desempenhada a actividade a que o autor se tinha obrigado com vista à consecução daquele resultado que igualmente era desejado, aliás, até imposto, pelo protocolo que a ré havia celebrado com a Segurança Social, que lhe impunha ter nos seus quadros um determinado número de trabalhadores com a categoria e conteúdo funcional de ... e que levou a quês esta Instituição fizesse uma acção inspectiva à ré, no âmbito lhe foi levantado um auto de contra-ordenação precisamente por ter detectado que a situação laboral do autor não era é de um mero prestador de serviços, mas sim a de um trabalhador subordinado, sujeito a ordens, instrução e fiscalização da ré. Outrossim, não se vislumbra como possa razoavelmente sustentar-se, nesse enquadramento e como era suposto acontecer numa relação de mera prestação de serviço, que o autor estava apenas obrigado à prossecução, em regime de plena autonomia, de um determinado resultado, adoptando os meios e as técnicas por si livremente escolhidas como sendo aquelas que, segundo os seus conhecimentos e capacidades, melhor se adaptavam à consecução do resultado a prestar, com gestão livre e autónoma do tempo e do espaço do desempenho da actividade, facto que claramente não resulta da matéria factual dada como provada, nem nenhum indício resulta, na apreciação global feita, que o contrato que se havia estabelecido entre autor e ré tenha sido um contrato de mera prestação de serviço. Visto quanto vem de referir-se, afigura-se-nos que os factos dados como provados apontam inequivocamente para uma situação de subordinação do autor em relação à ré, sendo que esses factos de forma alguma apontam no sentido de o autor, no desempenho das suas funções, beneficiar de qualquer autonomia económico-organizativa, mas antes, apontam claramente que o autor estava sujeito a medidas organizativas e administrativas, bem assim como a uma disciplina de trabalho imposta pela ré. Resulta de quanto vem de referir-se que, como é típico nas relações de trabalho subordinado, a ré era a credora da prestação e era esta quem determinava o núcleo essencial do local, do tempo e do modo da prestação a que estava obrigado o devedor, no caso o aqui autor. Por outro lado, considerando a forma efectiva pela qual foi sendo executada a relação entre o autor e a ré, a conclusão vai, igualmente, no sentido de que os factos demonstrados apontam no sentido que essa relação deve ser qualificada como de trabalho subordinado (…) Para lá disso, importa atentar, igualmente, em que dos factos provados resulta inequivocamente que o autor estava integrado na estrutura organizativa da ré, sendo que todos equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo autor no desempenho da sua actividade pertenciam à ré. O autor recebia uma remuneração mensal fixa, de que dependia economicamente para subsistir, sendo certo que também resultou provado que o autor exercia as suas funções exclusivamente para a ré. O facto de o autor ter emitido os denominados “recibos verdes” e de ter sido ele quem suportou as contribuições obrigatórias para a segurança social não relevam aqui especialmente, pois que tal resulta necessária e consequencialmente do enquadramento formal dado à relação entre o autor e a ré e à imposição desta (o que também resultou provado), para que fosse essa via seguida após a conclusão do estágio profissional. Resulta, assim, da factualidade dada como provada e da apreciação global efectuada, que se verificam, sem margem para dúvidas, nomeadamente as características enunciadas nas alíneas a), b), c) e d), do nº. 1 do art. 12º do Código do Trabalho, designadamente, no que se refere ao local da realização da actividade desenvolvida pelo autor e à sua determinação pela ré; da exclusividade dos equipamentos e instrumento de trabalho utilizados pelo autor; da observação de um horário diário e semanal determinado pela ré ao autor, e do pagamento de uma quantia certa e mensal pela ré ao autor, como contrapartida da actividade deste prestada àquela, colhendo-se, da verificação e características dessa prestação a indicação clara no sentido de que está em causa uma relação de trabalho subordinado. Ora, no caso concreto, face à factualidade dada como provada, evidente se nos antolha que se mostram verificados todos esses elementos caracterizadores de um contrato de trabalho subordinado e que afastam, de forma definitiva, o alegado contrato de prestação de serviços. Mostram-se, por conseguinte, verificados todos os requisitos da presunção de laboralidade consignada no transcrito art. 12.º do Código do Trabalho de 2009. Por outro lado, a ré não demonstrou qualquer facto com virtualidade para, de algum modo, ilidir a presunção legal de subordinação jurídica inerente à verificação cumulativa daqueles requisitos, sendo, para o efeito, irrelevantes o facto de o autor, no período em questão, não ter auferido o respectivo subsídio, nem o subsídio de Natal e de ao autor nunca terem sido efectuados descontos pela ré para a segurança social. Nesta conformidade, resta concluir que a relação estabelecida entre o autor e a ré, com início a 17/09/2011, tem de ser qualificada como uma relação de trabalho subordinado, ou seja, como contrato de trabalho. Face à conclusão acabada de enunciar, logo se verifica que o regime a convocar para efeitos de enquadramento dos factos dados como provados e para apreciação das pretensões do autor deduzidas contra a ré é o regime jurídico do contrato individual de trabalho, que não o regime do contrato de prestação de serviço, relação esta de trabalho subordinado que se iniciou entre o autor e ré, tal como pugnado pelo autor, na data de 17 de Setembro de 2011, sem subordinação a qualquer termo. (…)”.


8. Mediante acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 14/06/2017, transitado em julgado, foi decidido julgar improcedente o recurso interposto da sentença de 21/09/2016 pela Casa de Santa Marta.


9. Em 04/05/2022, a Ré nomeou a Sr.ª Dr.ª CC como instrutora do procedimento disciplinar relativo ao Autor.


10. Em 04/05/2022 foram juntos ao procedimento disciplinar os documentos da ref. n.º 3048949 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).


11. (…) em 04/05/2022 foram inquiridas, na qualidade de testemunhas, DD e EE.


12. Em 20/05/2022 foi enviada pela Ré ao Autor uma missiva (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que este rececionou em 27/05/2022, informando-o de que tinha sido instaurado um processo disciplinar, tendente ao seu despedimento com justa causa, e de que dispunha do prazo de 10 dias úteis para consultar o procedimento disciplinar e apresentar a sua defesa.


13. A missiva de 20/05/2022 foi acompanhada de nota de culpa (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).


14. Em 09/06/2022 o Autor apresentou resposta à nota de culpa (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).


15. Em 15/07/2022 foi enviada pela Ré ao Autor uma missiva (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que este rececionou em 18/07/2022, informando-o da decisão de proceder ao seu despedimento com justa causa.


16. A missiva de 15/07/2022 foi acompanhada do relatório final (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).


17. Mediante transferência bancária, no dia 28/07/2022, a Ré transferiu para o Autor o montante global de € 3.062,72.


18. A Ré emitiu o seguinte recibo, datado de 28/07/2022, respeitante ao Autor, no qual consta, no que ora releva:








19. Através de cheque, datado de 24/11/2017, com o n.º ........44, sacado sobre uma conta da Ré da Caixa Geral de Depósitos, S.A., foi pago ao Autor o montante global de € 27.645,12.


20. O Autor subscreveu um documento, datado de 24/11/2017, com a epígrafe “Quitação”,


Contendo o seguinte teor, no que ora releva:














21. Mediante missiva datada de 18/06/2018, o I.S.S. notificou o Autor para proceder à restituição da quantia global de € 8.123,10, decorrendo dessa comunicação, no que ora releva:











22. No dia 09/07/2018, pelas 17h41m, o Sr. Dr. FF (na qualidade de Mandatário forense do Autor) enviou um email ao Sr. Dr. GG (na qualidade de Mandatário forense da Ré), com o seguinte teor, no que ora releva:








23. No dia 10/07/2018, pelas 10h05m, o Sr. Dr. GG enviou um email ao Sr. Dr. FF, com o seguinte teor, no que ora releva:





24. No dia 17/07/2018, pelas 13h09m, DD (na qualidade de contabilista certificado da Ré) enviou um email ao Sr. Dr. FF, com o seguinte teor, no que ora releva:





25. No dia 17/07/2018, pelas 17h07m, e com “data-valor” de 18/07/2018, a Ré procedeu ao pagamento ao I.G.F.S.S. do montante de € 8.123,10, utilizando para o efeito as referências de pagamento bancário indicadas na missiva de 18/06/2018.


26. Mediante missiva datada de 26/01/2022, rececionada em 02/02/2022, o I.G.F.S.S. citou a Ré para os termos do processo executivo com vista à cobrança coerciva da quantia global de € 8.294,01 (compreendendo € 8.123,10, € 30,53 e € 140,38, a título capital, juros de mora e custas), decorrendo dessa comunicação, no que ora releva:

















27. O ato de citação de 26/01/2022 foi acompanhado de certidão de dívida, contendo o seguinte teor:

















28. Mediante email, enviado em 20/04/2022, pelas 10h32m, HH, na qualidade de Técnica do NAF de Vila Real da Segurança Social, informou a ré nos seguintes termos:





29. Mediante missiva datada de 18/07/2018, o autor apresentou exposição/requerimento junto do I.S.S., com o seguinte teor, no que ora releva:




















30. A equipa de prestações de desemprego e prestações financeiras do Centro Distrital de Segurança Social de ... determinou que se procedesse de acordo com a seguinte proposta, na sequência da missiva de 18/07/2018:


31. O Núcleo Administrativo e Financeiro do Centro Distrital de ... da Segurança Social decidiu de acordo com a seguinte proposta:








32. Mediante transferência bancária, no dia 16/12/2018, o I.S.S. procedeu ao pagamento ao autor do montante de € 8.123,10.


33. O Autor não comunicou à Ré o reembolso a seu favor do montante de € 8.123,10, efetuado pelo I.S.S.


34. Em 24/02/2022 a Ré procedeu ao pagamento ao I.S.S. do valor global de € 8.294,01.


35. O Autor responde diretamente à Coordenadora Técnica da Ré e à Direção da instituição.


36. O Autor representou a Ré junto de diversos organismos públicos, como o I.S.S. e o Município de ..., bem como de diversas entidades privadas.


37. O Autor exercia as suas funções diretamente junto dos utentes da Ré, pessoas idosas bastante vulneráveis e sensíveis às alterações de rotina.


38. O Autor emitiu os seguintes emails, datados respetivamente de 16/01/2019 e 18/09/2019:








39. No dia 16/07/2018, pelas 11h25m, o Sr. Dr. FF enviou um email a DD, com o seguinte teor, no que ora releva:





40. No dia 16/07/2018, pelas 13h22m, DD enviou um email ao Sr. Dr. FF, com o seguinte teor, no que ora releva:





41. No dia 17/07/2018, pelas 13h07m, o Sr. Dr. FF enviou um email a DD, com o seguinte teor, no que ora releva:





42. A Ré emprega mais de 10 trabalhadores.


43. O I.S.S. não foi notificado do decidido no processo n.º 411/15.7...


Factos dados como não provados nas instâncias


Matéria de facto não provada:


1. Em consequência da dívida à Segurança Social, a Ré encontrava-se inelegível para a atribuição de subsídios e apoios estatais e europeus, destinados à prossecução do seu escopo social.


2. O Autor agiu de forma deliberada e consciente, com a única intenção de se apropriar daquela quantia de € 8.123,10, que sabia não ser sua e que caberia à Ré o direito sobre a mesma.


3. O Autor assume um carácter primordial no alcance dos objetivos da Ré, da sua boa gestão e concretização da sustentabilidade nas operações do quotidiano dos idosos, encontrando-se a ocupar na estrutura organizacional um cargo cimeiro no grau de autonomia técnica e responsabilidade, motivo pelo qual aufere um dos salários mais elevados.


4. Por diversas vezes, o Autor, junto dos demais colaboradores da Ré afirmou que “(…) nunca ninguém o poderia despedir, pois tinha sido lá colocado pelo tribunal, fizesse o que fizesse (…)”.


5. O regresso do Autor causará uma confusão e instabilidade emocional aos utentes, por quem à Ré compete zelar pelo bem-estar não só físico, como emocional.


6 . DD, através de e-mails trocados com o Sr. Dr. FF, informou-o do pagamento da quantia de € 8.123,10.


7. A Ré tomou conhecimento dos factos imputados ao Autor na nota de culpa em 02/02/2022.


8. Os emails de 16/01/2019 e 18/09/2019 foram rececionados pelo I.S.S.


9. O Autor procurou saber junto do I.S.S., por diversas vezes, o motivo/razão de transferência do montante de € 8.123,10.


10. Desde que a Ré foi condenada no âmbito do proc. n.º 411/15.7... que esta vem criando ao Autor um ambiente laboral hostil, intimidativo, perturbador e desestabilizador do Autor, com o intuito de o levar a cessar a relação laboral, sendo destruídas as suas condições de trabalho, designadamente, procurando a Ré alterar constantemente os horários de trabalho do Autor, tratando-o com frieza e distanciamento, fazendo-lhe notar que a sua presença é indesejada e procurando destabilizar, perturbar, hostilizar e intimidar o Autor.


11. O processo disciplinar movido ao Autor insere-se ele próprio na estratégia de isolar, destabilizar, hostilizar perturbar e intimidar o Autor, levando-o a adotar os comportamentos que a Ré pretende que assuma, mormente, aceite a desvinculação da instituição.


12. Em consequência, desde pelo menos o início de 2022 que o Autor apresenta sintomatologia de perturbação ansiosa e perturbação do sono devido à recorrente pressão que sobre o mesmo vinha a ser feita pelos membros dos órgãos dirigentes da Ré.


13. O Autor, face ao processo disciplinar de que foi alvo e, sobretudo, atentos os factos que lhe são imputados, viu aumentado o desgaste emocional e físico, com elevados níveis de ansiedade, sentimentos de revolta intensos, frustração e angústia profundas.


14. O Autor sente-se impotente, preocupado, vexado, humilhado, frustrado, nervoso, injustiçado, desesperado, angustiado e ansioso, bem como pressionado pela exposição e humilhação pública que sofreu, uma vez que o despedimento do Autor foi comentado entre utentes da instituição, familiares de utentes, fornecedores e demais pessoas que com a instituição interagem.


15. Como sintomas físicos, o Autor passou a sofrer de cefaleias, anedonia, astenia, insónias e perda significativa do apetite, e, a nível social, abandonou as suas atividades regulares, como ir às compras ou outras tarefas simples, estando, pois, num crescente isolamento socio-afetivo que se agravou com a receção da notificação da decisão de despedimento.


16. Com a receção por parte do Autor da decisão de despedimento, toda a sintomatologia que apresenta agravou-se de forma acentuada e o seu ambiente familiar ficou comprometido.


17. Quando em 24/11/2017 pagou ao Autor a quantia de € 27.645,12, a ré apenas não logrou, nessa data, efetivar a restituição do subsídio de desemprego referente aos anos de 2015 e 2016 desse trabalhador, porque a tal não foi autorizada pelo I.S.S., tendo recebido instruções que teria que aguardar pela respetiva notificação.


De Direito


As questões que se colocam no presente recurso, atendendo às Conclusões do mesmo, são duas:


Haverá justa causa para o despedimento do Autor pela Ré?


E, caso se conclua que não existiu essa justa causa e que, por conseguinte, o despedimento foi ilícito, terá o Acórdão recorrido aplicado incorretamente o artigo 98.º-N, n.º 1 do CPT?


O Autor foi despedido por pretensamente ter violado com gravidade os deveres de lealdade e de honestidade. Foi, com efeito, acusado de pretender apropriar-se de uma quantia que “pertenceria” ao seu empregador e de não ter durante anos avisado este último da “restituição” pela Segurança Social a favor do Autor de uma quantia a que o Autor não tinha direito.


Para avaliar, contudo, a gravidade tanto objetiva como subjetiva da conduta do Autor há, todavia, que atentar aos factos dados como provados.


O Empregador, e ora Recorrente, foi já condenado previamente à reintegração do Autor por um anterior despedimento ilícito de que o Autor foi alvo (facto 5). Como resulta do facto 20 e da quitação do Autor, no montante que o empregador então pagou de salários de tramitação deduziu o valor correspondente ao subsídio de desemprego pago ao Autor, no montante de € 8.123,10. O ISS, que não foi notificado do decidido no processo n.º 411/15.7... (facto 43), veio exigir ao Autor o reembolso da referida quantia de € 8.123,10 correspondente aos montantes pagos por subsídio de desemprego (facto 21: “Mediante missiva datada de 18/06/2018, o I.S.S. notificou o autor para proceder à restituição da quantia global de € 8.123,10 (…)”). Sucede que o Empregador já tinha deduzido esse valor, cabendo-lhe a ele a respetiva entrega à Segurança Social. Na sequência desta exigência do ISS o Mandatário do Autor contactou por email o Mandatário da Ré, a 09/07/2018, informando este último do pedido do ISS, e afirmando que esperava que a Ré já tivesse cumprido a sentença e procedido à entrega da quantia e pedindo o envio do comprovativo (facto 22). “No dia 17/07/2018, pelas 17h07m, e com “data-valor” de 18/07/2018, a ré procedeu ao pagamento ao I.G.F.S.S. do montante de € 8.123,10, utilizando para o efeito as referências de pagamento bancário indicadas na missiva de 18/06/2018” (facto 25) e, nesse mesmo dia o contabilista certificado da Ré enviou ao Mandatário do Autor u email afirmando que nesse mesmo dia lhe seria enviado o comprovativo do pagamento (facto 24) – só que não se provou qualquer envio do referido comprovativo. O Trabalhador, por seu turno, e por missiva datada de 18/07/2018 explicou ao ISS que não lhe cabia a ele proceder à referida entrega (facto 29).


Aqui chegados há que concluir que foi o Empregador quem se comportou de modo pouco diligente e pouco transparente: atrasou-se a cumprir a Sentença, procedeu ao pagamento com as referências que tinham sido enviadas ao Autor criando a aparência junto da Segurança Social que tinha sido o Autor a pagar e não cumprindo a obrigação que assumira de enviar ao Autor o comprovativo do pagamento (o que lhe teria permitido aperceber-se de que o pagamento fora efetuado utilizando as referências que lhe tinham sido enviadas).


Face à aparência criada pelo próprio Empregador é natural que o ISS tenha devolvido a quantia – “Mediante transferência bancária, no dia 16/12/2018, o I.S.S. procedeu ao pagamento ao autor do montante de € 8.123,10 (facto 32)” – por acreditar que esta fora paga pelo Autor que não tinha obrigação de a pagar. Gerou-se uma situação de repetição do indevido em que o Trabalhador tinha a obrigação de restituir a quantia indevidamente recebida, mas, evidentemente de a restituir a quem a pagou, ou seja, à Segurança Social. E decorre dos factos provados que o Trabalhador não teve qualquer intenção de se apropriar da quantia, tendo emitido os emails referidos no facto 38.


Nas suas Alegações de recurso de revista a Ré vem afirmar que emitir não seria sinónimo de enviar e que, por conseguinte, não estaria provado o envio dos emails. Reitera um argumento que já invocara junto do Tribunal da Relação, tendo este afirmado, a respeito do n.º 38 dos factos provados que “desse ponto da matéria de facto provada já consta que o recorrente enviou os email em questão à recorrida, pois que “emitir” significa, “mandar”, “expedir”, “pôr em circulação”1, não se vislumbrando, desde logo na motivação da matéria de facto, que o Tribunal a quo tenha utilizado essa palavra, “emitir”, com um diferente significado (não é correto, assim, o que diz a recorrida quanto a naquele ponto 38. apenas constar que o recorrido redigiu os referidos emails)”. Só podemos sufragar esta interpretação: escrever um email e não o enviar não é emiti-lo.


Sublinhe-se, aliás, que a questão já foi tratada pela nossa doutrina civilista, a respeito, designadamente, do artigo 226.º do Código Civil, afirmando a propósito HEINRICH EWALD HÖRSTER/EVA SÓNIA MOREIRA DA SILVA2: “podemos aqui distinguir muito bem as seguintes fases (1.ª) a exteriorização, quando o promitente redige ou formula a promessa; (2.ª) a expedição, quando a promessa é enviada ou entregue à redacção do jornal – coincidindo a expedição com a emissão; (3.ª) a eficácia, quando se publica (não quando se imprime) o jornal – é agora que a vontade se manifesta “na forma adequada”. Transpondo para o caso presente escrever um email corresponde à fase da exteriorização, mas o a sua emissão ocorre com o seu envio.


Não havendo qualquer indício de uma intenção do Autor de se apropriar da quantia que lhe fora entregue indevidamente, poderá afirmar-se a existência de um comportamento culposo da sua parte por não ter informado o Empregador do sucedido?


Como já afirmamos, o Trabalhador não sabia, nem tinha obrigação de saber, que o pagamento pela Ré tinha sido realizado com as referências para pagamento Multibanco que ele, Autor, tinha recebido, tanto mais que o comprovativo prometido do pagamento nunca lhe foi enviado. Apercebeu-se, outrossim, de um erro da Segurança Social, mas este podia ter na sua origem muitas causas.


O Acórdão recorrido afirma que “[este] é um caso em que tudo parece ter corrido mal, mas não por causa do trabalhador/autor”.


Só podemos concordar: se o Empregador tivesse pontualmente cumprido a sentença ou se tivesse efetuado o pagamento sem recorrer às referências Multibanco enviadas ao Trabalhador ou se tivesse cumprido o que prometera (enviar-lhe o comprovativo) não teria sofrido qualquer dos prejuízos que invocou (alguns, aliás, não provados – veja-se o facto 1 não provado).


Há, pois, que concluir que não existiu qualquer justa causa para o despedimento, tanto mais que, em rigor, o Trabalhador não cometeu qualquer infração disciplinar.


No seu recurso o Empregador veio invocar que o Acórdão recorrido teria “ignorado” o artigo 98.º-N, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho. Este preceito contém, todavia, uma solução que apenas é aplicável à morosidade do processo na 1.ª Instância, sendo que a única hipótese nele contemplada é aquela em que decorrem mais de doze meses (tendo em conta, além disso, as deduções a esse prazo previstas no artigo 98.º-O) entre a apresentação do formulário previsto no artigo 98.º-C e a notificação da decisão de 1.ª Instância.


E, como se pode ler no douto Parecer do Ministério Público:

“Conforme se verifica do processo, o formulário para a ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento deu entrada em juízo no dia 03.08.2022 (referência 3010346).

Por seu turno, o tribunal procedeu à notificação da sentença de 1.ª instância às partes em 17.07.2023, pelo que a respetiva notificação considera-se efetuada em 20.07.20232 (referência 38514556).

Daqui facilmente resulta que a notificação da decisão de 1.ª instância às partes aconteceu antes de terem decorrido 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C do CPT.”

Há, pois, que concluir que o artigo 98.º-N n.º 1 do CPT não foi ignorado pelo Acórdão recorrido, mas simplesmente não é aqui aplicável.

Decisão: Negada a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 12 de abril de 2024

Júlio Gomes (Relator)

Mário Belo Morgado

Domingos José de Morais

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1. Cf. Dicionário da Língua Portuguesa, 7.ª Ed., Porto Editora↩︎

2. HEINRICH EWALD HÖRSTER/EVA SÓNIA MOREIRA DA SILVA, A Parte Geral do Código Civil, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 499.↩︎