CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Sumário


Face ao artigo 3.º do Código do Trabalho a convenção coletiva pode afastar-se da lei tanto em sentido mais favorável, como menos favorável, em relação ao montante da retribuição e do subsídio de férias.

Texto Integral



Processo n.º 6517/19.6T8MTS.P1.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


AA intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Associação GPL – Empresa de Trabalho Portuário do Douro e Leixões requerendo que a Ré seja “condenada a pagar ao autor a quantia € 92.732,52 ( noventa e dois mil setecentos e trinta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos ), acrescida de juros, à taxa legal, contados sobre € 80.683,00 ( oitenta mil seiscentos e oitenta e três euros ), desde a citação até efetivo e integral pagamento”, sendo:


- € 21.818,70 relativos a trabalho suplementar pago nos anos de 2013 a 2018, mas não refletido no pagamento de férias e subsídio de férias;


- € 52.562,25 relativos a créditos salariais por trabalho prestado em violação da regra legal que impõe o cumprimento do descanso de 11 horas entre dois períodos de trabalho consecutivos (pedido que o autor reduziu para € 15.977,93 por requerimento de 17/01/2021);


- € 3.380,41 relativos a créditos por formação não ministrada de 2015 a 2018;


- € 14.521,16 referentes a folgas por trabalho prestado aos domingos e feriados, não gozadas e não pagas pela Ré.


A Ré contestou.


O Autor apresentou articulado de resposta.


Foi proferido despacho saneador tabelar e foi proferida decisão julgando improcedente a exceção da prescrição dos créditos do autor e julgando procedente a exceção da caducidade do crédito relativo à formação não ministrada no ano de 2015, absolvendo-se a Ré dessa parte do pedido.


O Autor, por requerimento de 17.01.2021, veio reduzir o pedido relativo a créditos salariais por trabalho prestado em violação da regra legal que impõe o cumprimento do descanso de 11 horas entre dois períodos de trabalho consecutivos de € 52.562,25 para € 15.977,93.


Por sua vez, após junção pela Ré dos mapas demonstrativos de ganhos que havia sido determinada pelo tribunal na sequência de deferimento de requerimento do autor, veio este ampliar aquele mesmo pedido para o valor de € 16.836,83, ao que a Ré se opôs.


Por despacho de 11.05.2021, foi admitida a redução do pedido nos termos requeridos pelo autor em 17.01.2021, mas indeferida a ampliação do mesmo pedido requerida em 06.04.2021.


Procedeu-se à audiência final.


Por Sentença de 22.12.2021 foi decidido o seguinte:


Decisão


Por todo o exposto julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência decido:


- condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 1 008,00 (mil e oito euros) a título de retribuição correspondente ao número de horas de formação não ministrada, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato até integral pagamento.


- absolver a Ré de todos os restantes pedidos contra ela formulados.”.


O Autor interpôs recurso de apelação.


O Tribunal da Relação do Porto confirmou a Sentença recorrida por Acórdão de 03.10.2022


O Autor interpôs recurso de revista excecional.


O recurso foi admitido pela Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto desta Secção Social.


O seu recurso apresenta as seguintes Conclusões:


“I. Nos presentes autos estão em causa factos relacionados com a possibilidade de os valores das prestações complementares ou acessórias poderem, ou não, revestir a natureza de retribuição e, em caso de resposta afirmativa, saber se tais prestações devem ser incluídas nos pagamentos de férias e subsídio de férias, conforme resulta da lei – artºs.255º do CT/2003 e 264º CT/2009 -, ou se tal pagamento pode ser afastado por um IRCT.


II. As divergências da jurisprudência - e também da doutrina -, sobre esta matéria são profundas, circunstância foi, aliás, expressamente reconhecida pelo Venerando Tribunal a quo na própria decisão aqui em crise.


III. Acresce, ainda, que a situação em apreço tem uma particularidade especial, na medida em que está em causa um regime de prestação de trabalho suplementar especificamente criado para um sector de atividade – sector portuário – o qual, conforme infra melhor se verá, não está abrangido pelas regras previstas no Código do Trabalho, quer no que concerne às condições em que pode ser prestado, quer em termos de limites máximos.


IV. A natureza específica da situação já foi de resto reconhecida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que em Setembro de 2022 decidiu de forma contrária ao da douta decisão recorrida, precisamente por ter considerado que as particularidades do sector portuário justificam uma aplicação distinta do direito relativamente aos princípios jurídicos básicos relativos ao trabalho suplementar.


V. Os dois casos estão totalmente interligados, uma vez que os CCTs aplicáveis em ambos os casos tiveram como origem primeira o Pacto de Concertação Social No Sector Portuário, celebrado em 12 de Julho de 1993; aliás o CCT aplicável ao recorrente, revisto globalmente em 2012, foi publicado no BTE nº6, de 15/02/1994, no qual foram publicados dois CCTs e um ACT para aplicação em três portos portugueses (Lisboa, Leixões e Figueira da Foz ).


VI. Para além disso, e sempre com referência ao sector portuário, a controvérsia também se verifica ao nível dos tribunais de 1ª instância, na medida em os Juízos do Trabalho de Lisboa têm entendido no mesmo sentido da Relação de Lisboa, enquanto que os Juízos do Trabalho de Matosinhos têm entendido em sentido idêntico ao do Acórdão aqui em crise.


VII. Tal significa, por si só, que se está perante uma situação que carece de uma clarificação em termos jurídicos, até porque existem outros sectores de atividade em que esta questão se poderá colocar em termos similares.


VIII. Face ao supra exposto, requer seja admitido o presente recurso, tudo com as legais consequências.


IX. Será perante o caso concreto que o julgador terá que verificar se, em face da factualidade provada, a prestação complementar ou acessória em causa reveste a natureza de retribuição. Caso a resposta seja positiva, a mesma corresponderá à parte variável da retribuição certa, e estará abrangida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição. Caso a resposta seja negativa, estar-se-á perante uma simples prestação complementar e acessória tout court e, como tal, não estará protegida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição.


X. As prestações complementares ou acessórias que correspondam a uma contrapartida da execução da prestação laboral, que sejam pagas ao trabalhador pelo menos 11 (onze) meses por ano, correspondem à parte variável da retribuição certa, e estão abrangidas pelo princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no artº.129º, nº1, alínea d), do Código do Trabalho.


XI. As questões jurídicas têm que ser analisadas em função de factos especificamente provados no processo, devendo o julgador aplicar a lei a um caso concreto e não desvirtuar a realidade consubstanciada por este de maneira a levar a que o mesmo se enquadre naquilo que são os conceitos da lei.


XII. Não é a lei que molda a realidade, é a realidade que tem de ser analisada pelo julgador e, em função da mesma, este deve interpretar a lei de acordo com as regras previstas no artº.9º, nº1, do Cód. Civil, numa perspetiva atualista, e enquadrar o regime legal a aplicar à situação, tendo em atenção as particularidades do caso concreto.


XIII. A natureza retributiva dos valores pagos pela entidade empregadora ao trabalhador implica que os mesmos gozem de uma maior proteção da lei relativamente àqueles que sendo igualmente pagos por força da relação jurídica laboral não revestem natureza retributiva.


XIV. Será perante o caso concreto que o julgador terá que verificar se, em face da factualidade provada, a prestação complementar ou acessória em causa reveste a natureza de retribuição. Caso a resposta seja positiva, a mesma corresponderá à parte variável da retribuição certa, e estará abrangida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição. Caso a resposta seja negativa, estar-se-á perante uma simples prestação complementar e acessória tout court e, como tal, não estará protegida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição.


XV. Uma prestação complementar ou acessória só pode ser classificada como retribuição quando o seu pagamento ocorre em pelo menos 11 (onze) meses do ano, devendo, cumulativamente, corresponder a uma contrapartida da execução da prestação laboral.


XVI. As prestações complementares ou acessórias que correspondam a uma contrapartida da execução da prestação laboral, que sejam pagas ao trabalhador pelo menos 11 (onze) meses por ano, correspondem à parte variável da retribuição certa, e estão abrangidas pelo princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no artº.129º, nº1, alínea d), do Código do Trabalho.


XVII. Desde há cerca de 39 (trinta e nove) anos que o legislador considera que o trabalho prestado fora do horário de trabalho é, em regra, trabalho suplementar, não sendo a sua prestação exigível fora dos casos tipificados na lei, a qual baliza de forma imperativa os limites temporais de prestação do mesmo, quer em termos diários, quer em termos anuais.


XVIII. Resulta claro do regime legal do trabalho suplementar, é que o mesmo se encontra inserido num Código que, desde logo e como limite máximo, impede que o trabalho suplementar possa ultrapassar em mais de cerca de 10% o total do trabalho anual normal, tendo como referência 48 (quarenta e oito) semanas de trabalho, a 40h de trabalho normal prestado em cada semana.


XIX. A natureza taxativa das condições de prestação do trabalho suplementar, fazem com que uma situação de normalidade, regularidade e periodicidade daquele seja algo que, por si só, possa afastar a sua prestação, na medida em que a lei considera que só nos casos de acréscimo eventual e transitório do trabalho é que um trabalhador pode ser obrigado a prestar trabalho suplementar, e desde que não se justifique para tal a admissão de trabalhador. ( cfr. artº.227º, nº1, CT ).


XX. Mais, mesmo nos casos em que não há acréscimo eventual e transitório do trabalho, o trabalho suplementar só pode ser prestado em situações excecionais, o que, desde logo, afasta a possibilidade de o mesmo ser prestado com a mesma regularidade e periodicidade do trabalho normal.


XXI. Teoricamente, nunca, ou quase nunca, ao abrigo do disposto no Código do Trabalho, um trabalhador prestará normalmente trabalho suplementar 11 (onze) meses por ano, e mesmo quando tal se verifique dificilmente ocorrerá durante anos a fio, pois estar-se-ia perante uma flagrante violação do disposto no n.º 1 do artigo 227.º do CT.


XXII. Tal como se encontra definido e regulado no Código do Trabalho, o trabalho suplementar é claramente um tipo de trabalho excecional, com limites temporais diários e anuais delimitados pela lei, cuja prestação apenas é lícita nas situações expressamente previstas pelo legislador, não se encontrando entre estas a laboração normal das empresas.


XXIII. No que concerne ao trabalho suplementar, a Lei nº3/2013, de 14 de Janeiro trouxe algumas inovações, as quais, por si só, demonstram que a prestação de trabalho suplementar nos portos portugueses é passível de ser considerada como uma prestação de trabalho com carácter normal, e não de excecionalidade tal como está previsto no Código do Trabalho.


XXIV. Com base no mapa demonstrativo de ganhos, que é um documento elaborado pela recorrida do qual constam todos os turnos em que o recorrente foi colocado, bem como todos os montantes que foram pagos em cada mês, o recorrente indicou, um a um, os dias em que não foi respeitado o descanso compensatório.


XXV. Para contraditar a alegação do recorrente a recorrida requereu a notificação da APDL no sentido de juntar os registos de entradas e saídas do recorrente do porto de Leixões.


XXVI. Alicerçando-se na factualidade resultante dos registos de entradas e saídas do porto de Leixões, juntos aos autos a requerimento da recorrida, o recorrente apresentou um requerimento no qual indicava, dia a dia, as horas de entrada e de saída do porto de Leixões, tendo reduzido o seu pedido para € 56.557,10 (cinquenta e seis mil quinhentos e cinquenta e sete euros e dez cêntimos).


XXVII. No requerimento de 06/04/2021 é possível comprovar de forma clara os dias em que o autor saiu para jantar na sua viatura, uma vez que constam centenas de dias em que há registos de entradas e saídas, sendo claramente percetível a saída à hora de jantar do carro do recorrente, sendo todos os factos suportados e comprovados pelos registos da APDL.


XXVIII. Os documentos juntos aos autos pela APDL em 18/12/2020 foram notificados à recorrida nesse mesmo dia, nunca tendo a mesma colocado em causa o seu teor ou impugnado os mesmos por qualquer via, tendo invocado nos autos cerca de 5 (cinco) meses após a junção que só os registos da APDL permitem aquilatar, ainda que de forma aproximada e indicativa, os efetivos períodos de trabalho do Autor.


XXIX. Constando a prova de um facto de documento cuja junção teve origem num requerimento apresentado pela parte que pretende contraditar a factualidade alegada pela contraparte na ação, se esta aceitar, como efetivamente aceitou, o teor do tal documento, a livre apreciação da prova do julgador quanto ao documento fica arredada em tal situação, passando a funcionar a regra constante do artigo 37.6º do Cód. Civil.


XXX. Tendo o recorrente aceite que os factos constantes dos documentos juntos aos autos por iniciativa da recorrida, e não tendo esta impugnado o teor de tais documentos, os factos por eles demonstrados têm que se ter por aceites.


XXXI. Ao não entender assim, violou o Venerando Tribunal a quo o disposto nos artigos 374.º e 376.º do Cód. Civil.


XXXII. O recorrente indicou em concreto os Domingos por si trabalhados relativamente aos quais a recorrida não lhes concedeu as devidas folgas, tendo tal alegação tido como suporte probatório os chamados Mapas Demonstrativos de Ganhos, que são da autoria da própria recorrida, e contêm toda a informação relativa ao trabalho prestado em cada mês pelos trabalhadores da recorrida, dia a dia, turno a turno, sendo assinalados com códigos os dias em que os trabalhadores não prestam trabalho.


XXXIII. Dos Mapas Demonstrativos de Ganhos constam também todos os valores pagos aos trabalhadores, e a que título.


XXXIV. A materialidade considerada como provada em matéria de folgas não tem qualquer correspondência com os Mapas Demonstrativos de Ganhos.


XXXV. Para além disso existem ainda outras situações em que foi considerado como provado que o recorrente gozou folgas, quando dos Mapas Demonstrativos de Ganhos resulta claramente que o mesmo se encontrava a trabalhar.


XXXVI. Conjugando a factualidade provada com os Mapas Demonstrativos de Ganhos, constata-se que com base em todos os códigos constantes destes últimos, o recorrente teria gozado mais do quíntuplo das folgas a que tinha direito.


XXXVII1. Relativamente ao supre dito o Recorrente suscitou especificamente as questões acima descritas na sua alegação de recurso, bem como nas conclusões XXV a XXXV do recurso que interpôs da douta sentença de 1ª instância.


XXXVIII. Apesar disso, na douta decisão aqui em crise não há uma só palavra sobre tais questões, relativas aos códigos constantes dos Mapas Demonstrativos de Ganhos, nem tão pouco é referido qual, ou quais, os elementos analisados pelo Venerando Tribunal a quo que lhe permitiram concluir que a análise dos referidos mapas foi feita corretamente pelo Meritíssimo Tribunal de 1ª instância.


XXXIX. Do mesmo modo, no que concerne aos alegados dias de folga dados como provados pelo Meritíssimo Tribunal de 1ª instância, em que resulta claramente do Mapa Demonstrativo de Ganhos que o recorrente prestou trabalho, não há uma só palavra na douta decisão recorrida.


XL. Uma vez que os Mapas Demonstrativos de Ganhos são da autoria da própria recorrida, e que o recorrente não impugnou o teor dos mesmos, os factos alegados por este e comprovados por aqueles deveriam ter sido provados.


XLI. Assim sendo, mostram-se violados a cláusula 51ª, nº. 3 do CCT conjugada com o artº.376º, nº1, do Cód. Civil, enfermando também a decisão em crise do vício de Nulidade por Omissão de Pronúncia (cfr. artº.615º, nº1, alínea d)).


XLII. Considerando a factualidade dada como provada nos presentes autos relativamente ao trabalho suplementar prestado pelo recorrente e pago pela recorrente, o recorrente sempre teria direito a ver incluído nos pagamentos relativos a férias e subsídio de férias, o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado de forma regular e periódica durante anos a fio, sendo que, para além desses dois elementos - regularidade e periodicidade do trabalho suplementar prestado -, o volume total de horas anuais de prestação de trabalho suplementar por parte do mesmo sempre foi muito superior aos limites legais impostos pelo artigo 200.º do Código do Trabalho de 2003, e pelo artigo 228.º do Código do Trabalho de 2009.


XLIII. Pela factualidade provada relativa ao trabalho suplementar prestado pelo recorrente e pago pela recorrida, pode-se concluir que a prestação de trabalho suplementar no sector portuário é uma regra geral de prestação do trabalho, e não uma exceção como prevê o Código do Trabalho, pelo que o seu pagamento, enquanto contrapartida do próprio trabalho e, cumulativamente, também como compensação pelo modo específico da execução da prestação, constitui, de facto, a parte variável da retribuição certa.


XLIV. Resultou provado, no caso concreto do recorrente, que num período de referência é de 72 (setenta e dois meses), tendo aquele prestado trabalho suplementar em 62 desses meses, e tendo estado com baixa por doença em 5 (cinco) meses.


XLV. Considerando que 72 (setenta e dois) meses correspondem a 6 (seis) anos, e que o recorrente tinha direito a 1 mês de férias por cada ano, é desde logo possível concluir que o recorrente também prestou trabalho suplementar pelo menos num dos meses de gozo de férias.


XLVI. Resultou igualmente provado que o recorrente estava abrangido por um IHT total, que cobria todo o trabalho suplementar prestado durante os dias de semana, o que significa que todo trabalho suplementar prestado pelo recorrente à recorrida e pago por esta como tal, diz apenas respeito ao trabalho suplementar prestado em Sábados, Domingos e Feriados, circunstância que, por si só, demonstra que o trabalho suplementar prestado pelo recorrente é claramente confundível com trabalho normal.


XLVII. O trabalho suplementar foi prestado pelo recorrente de forma contínua e permanente em todos os meses de duração da vigência do seu contrato de trabalho, apenas com exceção dos períodos de doença.


XLVIII. Sendo neste caso o pagamento do trabalho suplementar uma parte variável da retribuição certa, o mesmo beneficia da proteção do princípio da irredutibilidade da retribuição, não obstando a isso o facto de o seu montante poder ser variável.


XLIX. Sempre que houver lugar a prestação de trabalho suplementar de forma periódica e regular, durante um lapso de tempo que, como regra geral, deverá ser de, pelo menos 11 (onze) meses em cada ano, a remuneração do mesmo preenche totalmente o conceito de retribuição certa, gozando, nesse período, da proteção prevista no n.º 4 do artigo 258.º, conjugada com o disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código do Trabalho de 2009, pelo que deve integrar quer o pagamento de férias, quer o respetivo subsídio.


L. Ao não entender assim violou o Venerando Tribunal a quo o disposto nos artigos 129.º, n.º 1, alínea d), 264.º, e 3.º, n.º 3, alínea j), do CT de 2009.


LI. No que concerne ao CT de 2009, por força do disposto no arts.39, nº 3, alínea j), conjugado com o estipulado no arts.2589, nº 4, ambos do CT de 2009, as normas relativas ao pagamento de férias e subsídio de férias revestem a natureza de normas imperativas mínimas, pelo que apenas poderão ser derrogadas por IRCT no caso de este conter um regime mais favorável para o trabalhador.


LII. Do teor das próprias normas legais relativas a férias e subsídio de férias, tanto no CT de 2003 - artigo 255.º -, como no CT de 2009 - artigo 264.º - resulta claramente que as mesmas são normas imperativas mínimas.


LIII. Por isso, as normas de um IRCT que contrariem o disposto no Código do Trabalho relativamente ao pagamento de férias e subsídio de férias são nulas, por virtude do disposto no artigo 533.º do Cód. do Trabalho de 2003 (artigo 478.º do Cód. do Trabalho de 2009).


LIV. Quer o CT de 2003, quer o CT de 2009, foram aprovados por Leis da Assembleia da República e contêm matéria de competência exclusiva da mesma, salvo autorização desta ao Governo.


LV. Em ambos os Códigos foram previstas várias situações que o legislador tipificou como sendo passíveis de constituir contraordenação, sendo que, por opção daquele, tais ilícitos são classificados em leves, graves e muito graves, classificação essa que é idêntica àquela que vigorava no Código do Trabalho de 2003.


LVI. Do mesmo modo, em ambos os Códigos as contraordenações laborais estão subsidiariamente sujeitas ao regime geral de contraordenações.


LVII. Tal como se verifica no direito penal, no direito contraordenacional, por ser um direito sancionatório, também vigoram os princípios da legalidade, da não retroatividade e da tipicidade.


LVIII. Quer no Código do Trabalho de 2003 (artigo 669.º, n.º 1), quer no Código do Trabalho de 2009 (artigo 264.º, n.º 4), o incumprimento das regras neles previstas em matéria do pagamento de férias e subsídio de férias constitui contraordenação muito grave.


LIX. Se o legislador entendeu que a violação do disposto nas referidas normas constitui um ilícito de mera ordenação social muito grave, não faz qualquer sentido de um documento com origem em quem não tem poder legislativo, nem tão pouco executivo, possa eximir os seus subscritores de responsabilidade contraordenacional.


LX. No que concerne à possibilidade de um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dispor em sentido complementar ou contrário da lei sem que isso constitua contraordenação o legislador teve o cuidado de fazer a indicação expressa e concreta de cada uma dessas situações, podendo citar-se, v.g., 84.º, 99.º, 106.º, 108.º, 152.º, 194.º, 203.º, 204.º, 206.º, 208.º, 224º, havendo também situações em que não está tipificada qualquer contraordenação para o caso de o IRCT tiver um conteúdo contrário ao que a lei impõe (cfr. v.g. artigo 236.º) – todos os artigos citados são do CT/2009.


LXI. No que concretamente diz respeito ao trabalho portuário, o artº.7º, nº7, do D.L. nº280/93, de 13 de Agosto, na redação dada pela Lei nº3/2013, de 14 de Janeiro, o legislador previu expressamente que em termos de trabalho suplementar o regime de prestação do mesmo e os limites anuais podem ser fixados por IRCT.


LXII. Tendo como referência o disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, se o legislador quisesse afastar a existência de um ilícito contraordenacional em todas as situações em que um instrumento de regulamentação coletiva afasta as normas do Código do Trabalho que tipificam tal ilícito, tê-lo-ia dito no artigo 3.º, n.º1, deste, o que não fez; bem pelo contrário, aquilo que o legislador fez foi incluir no referido nº1, a expressão “salvo quando delas resultar o contrário” prevendo, simultaneamente e de forma expressa, em certas normas que a violação das mesmas constitui contraordenação.


LXIII. Nos casos em que o legislador não previu que o instrumento de regulamentação coletiva podia dispor de forma diferente do estipulado no Código do Trabalho e, paralelamente, incluiu na norma uma regra específica no sentido de que o incumprimento da mesma constitui contraordenação, não pode um CCT dispor em sentido diverso da injunção imposta pela norma.


LXIV. Daí que, também nesta parte – primado da lei sobre um IRCT em matéria de férias e subsídio de férias – a douta decisão recorrida tenha violado o disposto nos artigos 129.º, n.º 1, alínea d), 264º, e 3º, nº3, alínea j), do CT de 2009.


LXV. A cláusula 55.ª do CCT de 2012 remete todas as matérias relativas às férias pra a regulamentação prevista no Código do Trabalho de 2009.


LXVI. A cláusula 67ª também do CCT de 2012 apenas contém referências ao subsídio de férias nos seus nºs.1 e 2, inexistindo qualquer referência ao método de cálculo dos valores devidos em férias.


LXVII. O CCT de 2012 é uma Revisão Global do CCT de 1994, publicado no BTE 1.ª Série, n.º 6, de 15-02-1994, o qual já tratava separadamente as matérias relativas ao pagamento de férias e do subsídio de férias, estando a matéria relativa ao pagamento de férias regulada na cláusula 46.ª, enquanto a matéria relativa ao pagamento do subsídio de férias constava da cláusula 61.ª


LXVIII. No que concerne a férias o CCT de 2012 manteve a mesma destrinça, regulando na cláusula 55ª a matéria relativa a férias, e na cláusula 67.ª a matéria relativa ao subsídio de férias.


LXIX. Daí a remissão para a lei totalmente abrangente efetuada na cláusula 55.ª do CCT de 2012, “todas as demais matérias sobre férias contempladas no Código do Trabalho”, sendo que, caso a intenção fosse excluir a retribuição relativa a férias, uma vez que se tratava de uma só matéria, que está regulada no CT, a mesma teria sido feita no texto da cláusula ou ressalvada no texto da cláusula 67.ª


LXX. Face ao supra exposto, e também a título subsidiário constata-se que aplicando o CCT de 2012 o recorrente sempre teria direito a ver repercutido no valor relativo a férias as médias anuais de trabalho suplementar, pelo que, ao não entender assim, violou o Venerando Tribunal a quo o disposto na cláusula 55.ª. do Contrato Coletivo entre a Associação dos Operadores Portuários dos Portos do Douro e Leixões e outra e o Sindicato dos Estivadores, Conferentes e Tráfego dos Portos do Douro e Leixões — Revisão Global, publicado no BTE n.º 20, de 29/05/2012”.


E concluía, pedindo que fosse revogada a decisão recorrida e “substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências”.


Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.


Tanto o Autor como a Ré responderam ao Parecer.


Fundamentação


De Facto


Foram provados nas instâncias os seguintes factos:


1) A ré é uma empresa de trabalho portuário que reveste a forma de pessoa coletiva (associação) de direito privado e utilidade pública que tem como objeto exclusivo a cedência temporária de trabalhadores portuários para o exercício de diferentes tarefas portuárias de movimentação de cargas nos portos do Douro e Leixões, tendo por única e exclusiva atividade a cedência de mão de obra às empresas de estiva que operam no porto de Leixões.


2) A cedência de mão de obra feita pela ré às empresas de estiva, é levada a cabo mediante duas modalidades:

• as empresas de estiva requisitam trabalhadores ao turno, ou ao dia, para os mesmos prestarem o seu trabalho nas operações portuárias efetuadas pelas empresas durante o período de aquisição;

• no caso de trabalhadores históricos, pelo menos até ao final de 2018, as empresas efetuavam aquilo a que no porto de Leixões se denomina de requisição prolongada, a qual, na prática, se traduz na afetação exclusiva da prestação de trabalho por parte do trabalhador requisitado, durante um determinado período de tempo o qual, regra geral, era de 1 (um) ano.

3. O autor manteve uma relação laboral com a ré desde o dia 15 de Outubro de 1990 até ao dia 31 de Dezembro de 2018, data em que o respetivo contrato de trabalho cessou por caducidade, em face da sua passagem à reforma, tendo sido filiado no Sindicato dos Estivadores, Conferentes e Tráfego dos Portos do Douro e Leixões.

4. Salvo raras exceções, todos os trabalhadores históricos do porto de Leixões, que são aqueles que já se encontravam no sector em 1993 aquando da celebração do Pacto de Concertação Social para o Sector Portuário, foram sempre abrangidos por requisições prolongadas das empresas de estiva, as quais foram sempre objeto de sucessivas renovações.

5. Sendo que no caso do autor a requisição deste era feita pela empresa TCL -
Terminal De Contentores De Leixões, S.A. (Yilport Leixões).

6. Os referidos trabalhadores históricos, incluindo o autor, encontravam-se abrangidos pelo regime de IHT total, que cobria todo o trabalho suplementar prestados durante a semana.

7. O trabalho no porto de Leixões está organizado por turnos, estando instituídos e a funcionar regularmente os turnos das 8h às 17h e das 17h às 24h, não tendo ainda sido colocado em prática, com carácter regular e permanente, o turno das 00h às 8h.

8. O autor teve sempre a categoria de trabalhador portuário base, foi sempre objeto de requisição prolongada pela TCL.

9. No ano de 2013 a ré pagou ao autor a título de trabalho suplementar os seguintes montantes:

• Fevereiro: € 245,59;

• Março: € 1 588,92;

• Abril: € 1 616,20;

• Maio: € 1893,15;

• Junho: € 2 119,26;

• Julho: € 1 770,44;

• Agosto: € 1 940,19;

• Setembro: € 905,66;

• Outubro: € 2 141,79;

• Novembro: € 2 079,56.

10) No ano de 2014 a ré pagou ao autor a título de trabalho suplementar os seguintes montantes:

• Janeiro: € 807,61;

• Fevereiro: € 2 325,13;

• Março: € 2 051,46;

• Abril: € 2 182,49;

• Maio: 2 585,40;

• Junho: 2 522,98;

• Julho: 1 964,67;

• Agosto: € 1601,82;

• Setembro: € 1 609,72;

• Outubro: pelo menos € 367,48.

11) Nos meses de Novembro e Dezembro de 2014 o autor esteve de baixa por doença.


12) No ano de 2015 a ré pagou ao autor a título de trabalho suplementar os seguintes montantes:

• Janeiro: € 1 394,24;

• Fevereiro: € 2 246,55;

• Março: € 1 285,35;

• Maio: € 1 899,62;

• Junho: € 2 830,39;

• Julho: € 821,12;

• Agosto: € 2 344,50;

• Setembro: € 804,93;

• Outubro: € 1059,30;

• Novembro: € 2 036,12;

• Dezembro: € 2 154,21.

13. No mês de Abril de 2015 o autor esteve de baixa por doença.

14. No ano de 2016 a ré pagou ao autor a título de trabalho suplementar os seguintes montantes:

• Janeiro: € 1 731,27;

• Fevereiro: € 2 601,20;

• Março: € 1 407,12;

• Abril: € 2 056,66;

• Maio: € 2 466,88;

• Junho: € 256,72;

• Agosto: € 1 167,69;

• Setembro: € 305,94;

• Outubro: pelo menos € 2 112,17;

• Novembro: € 2 326,59;

• Dezembro: € 3 130,06.

15. No mês de Julho de 2016 o autor esteve de baixa por doença.

16. No ano de 2017 a ré pagou ao autor a título de trabalho suplementar os seguintes montantes:

• Janeiro: € 1 911,27;

• Fevereiro: € 2 266,84;

• Março: € 2 190,21;

• Abril: € 2 761,53;

• Maio: € 2 286,15;

• Junho: € 21,48;

• Agosto: € 1 353,92.

• Setembro: € 1 523,46;

• Outubro: € 2 337,21;

• Novembro: € 2 722,53;

• Dezembro: € 2 142,90.

17) No ano de 2018 a ré pagou ao autor a título de trabalho suplementar os seguintes montantes:

• Janeiro: pelo menos € 1 853,59;

• Fevereiro: € 2 509,57;

• Março: € 2 835,04;

• Abril: pelo menos € 2 671,09;

• Maio: € 3 169,08;

• Junho: € 1 272,85;

• Agosto: € 749,36;

• Setembro: € 670,19.

• Outubro: € 1 483,23.

18) No mês de Dezembro de 2018 o autor esteve de baixa por doença.

19) Para além das quantias pagas a título de trabalho suplementar supra referidas e do subsídio de alimentação, a ré pagava ao autor mensalmente no ano de 2013 até maio:

• vencimento base mensal: € 1 343,60;

• subs. de turno: € 255,54;

• sub. col. prolongada: € 472,53;

• sub. antiguidade: € 101,00;

• remuneração extra – IHT: € 1 211,10;

• diuturnidade p/ antiguidade: € 131,00;

20) A partir de Junho de 2013 até Julho de 2015, além das quantias pagas a título de trabalho suplementar e do subsídio de alimentação, a ré pagava ao autor mensalmente:

• vencimento base mensal: € 1 383,91;

• subs. de turno: € 263,21;

• sub. col. prolongada: € 486,71;

• sub. antiguidade: € 104,13;

• remuneração extra – IHT: € 1 247,45;

• diuturnidade p/ antiguidade: € 134,95.

21) A partir de Agosto de 2015 até Janeiro de 2017, além das quantias pagas a título de trabalho suplementar e do subsídio de alimentação, a ré pagava ao autor mensalmente:

• vencimento base mensal: € 1 404,67;

• subs. de turno: € 267,16;

• sub. col. prolongada: € 494,01;

• sub. antiguidade: € 105,69;

• remuneração extra – IHT: € 1 266,16;

• diuturnidade p/ antiguidade: € 136,97.

22) A partir de Fevereiro de 2017 até Fevereiro de 2018, além das quantias pagas a título de trabalho suplementar e do subsídio de alimentação, a ré pagava ao autor
mensalmente:

• vencimento base mensal: € 1 432,76;

• subs. de turno: € 272,50;

• sub. col. prolongada: € 503,89;

• sub. antiguidade: € 205,00;

• remuneração extra – IHT: € 1 311,03;

• diuturnidade p/ antiguidade: € 167,64.

23) A partir de Março de 2018 até à cessação do contrato, além das quantias pagas a título de trabalho suplementar e do subsídio de alimentação, a ré pagava ao autor
mensalmente:

• vencimento base mensal: € 1 490,07;

• subs. de turno: € 283,40;

• sub. col. prolongada: € 524,05;

• sub. antiguidade: € 213,20;

• remuneração extra – IHT: € 1 663,48;

• diuturnidade p/ antiguidade: € 174,36.

24. A ré nunca integrou no valor pago ao autor a título de retribuição das férias e de subsídios de férias a média da remuneração paga a título de trabalho suplementar.

25. No ano de 2013 o autor trabalhou no domingo dia 22/12.

26. No ano de 2014 o autor trabalhou:

• em Janeiro: nos domingos 19 e 26;

• em Fevereiro: nos domingos 2, 9 e 16, tendo gozado folga no dia 25;

• em março: nos domingos 2, 9, 16, 23 e 30 e na terça feira de carnaval, dia 4, tendo gozado folgas nos dias 13, 27 e 31;

• em Abril: nos domingos 6, 13, e 27, tendo gozado folga no dia 29;

• em Maio: nos domingos 4, 11 e 25 e no feriado, dia 1, tendo gozado folga no dia 26;

• em Junho: nos domingos 1, 8, 15, 22 e 29, e no feriado dia 10, tendo gozado folga nos dias 2, 23, 24, 26, 27 e 30;

• em Julho: no domingo 6, tendo gozado folgas nos dias 10, 14 e 23;

• em Agosto: nos domingos 3, 10, 17, 24, 31, tendo gozado folga no dia 5, pelo menos duas folgas no mês de Setembro e nos dias 1, 2, 3, 6 e 8 de Outubro;

• em Dezembro: no domingo 28, tendo gozado folga no dia 29.

27) No ano de 2015 o autor trabalhou:

• em Janeiro: nos domingos 4 e 25, tendo gozado folga no dia 14;

• em Fevereiro: nos domingos 1, 8, 15, 22 e na terça feira de carnaval, dia 17, tendo gozado folga nos dias 5 e 27;

• em Março: no domingo dia 1;

• em Abril: no domingo dia 26;

• em Maio: nos domingos 3, 10, 17, 24 e 31 e nos feriados dias 1 e 26, tendo gozado folga no dia 28;

• em Junho: nos domingos 7 e 14 e no feriado dia 10, tendo gozado folga nos dias 11, 22, 23 e 30.

• em outubro: nos domingos 4, 11, 18, e 25, tendo gozado folgas nos dias 12 e 28 e nos dias 10 e 19 de Novembro.

• em Dezembro: nos domingos 20 e 27, tendo gozado folga nos dias 15 e 23.

28) No ano de 2016 o autor trabalhou:

• em Janeiro: no domingo 10;

• em Agosto: nos domingos 7 e 14, tendo gozado folga nos dias 16 e 17;

• em Outubro: nos domingos 2, 9 e 23, e no feriado dia 5, tendo gozado folga pelo menos nos dias 11 e 26;

• em Novembro: nos domingos 6, 13, 27 e no feriado dia 1, tendo gozado folgas pelo menos nos dias 7 e 10;

• em Dezembro: nos domingos 4 e 18 e nos feriados dias 1 e 8, tendo gozado folgas pelo menos nos dias 12, 14 e 20.

29. Em 2016 o autor gozou ainda, pelo menos as seguintes folgas: 22 de Fevereiro, 17 de Março e 10 de Maio.

30. No ano de 2017 o autor trabalhou:

• em Janeiro: nos domingos dias 15, 22 e 29, tendo gozado folgas nos dias 10 e 19;

• em Fevereiro: nos domingos 5, 12 e 19 e na terça feira de carnaval, dia 28, tendo gozado folgas nos dias 06, 16 e 22 de Março;

• em Abril: nos domingos dias 9, 23 e 30 e nos feriados dias 14 e 25, tendo gozado folgas nos dias 3, 19 e 26 de Abril e no dia 03 de Maio;

• em Agosto: no domingo dia 27 e no feriado dia 15;

• em Outubro: nos domingos 1, 8, 15 e 29 e no feriado dia 5, tendo gozado folgas nos dias 4, 12, 19 e 26;

• em Novembro: nos domingos 5, 12, 19 e 26 e no feriado dia, tendo gozado folgas nos dias 16, 23 e 30;

• em Dezembro: nos domingos 3, 17, 24 e 31 e no feriado dia 1, tendo gozado folga no dia 4, 7, 9, 10 de Janeiro de 2018.

31. No ano de 2017 o autor ainda, pelo menos as seguintes folgas: 24 de Fevereiro, 9 e 16 de Março, 2 de Maio.

32. No ano de 2018 o autor trabalhou:

• em fevereiro: nos domingos 4, 11, 18 e 25 e na terça-feira de carnaval dia 13, tendo gozado folgas nos dias 14, 15 e 20.

• em março: nos domingos: 4, 11, 18 e 25 e no sábado dia 31, tendo gozado folgas nos dias 1, 15, 16 e 26;

• em setembro: no domingo dia 30, tendo gozado folga no dia 4 de outubro.

33. Dentro de cada turno, o trabalho efetivo é intercalado por períodos sem qualquer tarefa para desempenhar, porquanto a prestação efetiva de trabalho varia em função das necessidades que, ao longo do dia, se vão registando no Porto de leixões e que permitiam ao autor períodos de descanso, entre as operações exigidas pela estiva dos diferentes navios.

34. Ao longo de toda a relação laboral o autor nunca reclamou da ré o que quer que fosse quanto ao pagamento de férias, subsídio de férias, descansos diários, folgas e formação.

35. O Sindicato no qual o autor era filiado, sempre pugnou pela preferência na atribuição de trabalho suplementar aos chamados “trabalhadores históricos”, que o reivindicavam, em detrimento dos trabalhadores mais recentes da ré, com consagração na CCT aplicável (cláusula 47ª, nº 2).

36. O autor nunca se recusou a prestar trabalho que implicasse a diminuição do período de 11 horas de descanso diário entre jornadas de trabalho.

37. A ré nunca concedeu ao autor qualquer descanso compensatório relativo a trabalho prestado durante o período de descanso diário entre jornadas de trabalho, nem pagou ao autor qualquer acréscimo por trabalho prestado naquelas circunstâncias.

38. A ré não deu ou facultou ao autor qualquer formação nos anos de 2016, 2017 ou 2018.


De Direito


O Recorrente invoca uma nulidade por omissão de pronúncia (Conclusão XLI), bem como a violação pelo Acórdão recorrido dos artigos 374.º e 376.º do Código Civil. Analisado o Acórdão verifica-se que este, à semelhança da sentença de 1.ª instância, considerou que os Mapas Demonstrativos de Ganhos eram documentos particulares que não provavam trabalho efetivamente realizado pelo Autor, ao contrário do que este pretende no seu recurso (Conclusões XXXII, XXXV e XXXIX) e, por conseguinte, não dispensavam o recurso a outra prova mormente testemunhal, sendo que da prova realizada e na livre apreciação da mesma concluiu que não existia prova suficiente do trabalho efetuado, cabendo o ónus da prova do mesmo ao Autor quanto á ausência de folgas e ao trabalho prestado em dias de descanso. Em primeiro lugar destaque-se que não há qualquer omissão de pronúncia, tendo a questão sido expressamente tratada pelo Acórdão recorrido. E nos termos dos artigos 674.º n.º 3 e 682.º n.º 2 do CPC, um eventual erro de apreciação da prova não é suscetível de recurso de revista, uma vez que não há ofensa de uma disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.


A questão principal que ainda se suscita no presente recurso é, pois, a de saber se a remuneração de trabalho suplementar deveria ter sido considerada no cálculo da retribuição e do subsídio das férias do Autor, mormente tendo em conta a regulamentação coletiva aplicável. Com efeito a Cláusula 67.ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Operadores Portuários dos Portos do Douro e Leixões e outra e o Sindicato dos Estivadores, Conferentes e Tráfego dos Portos do Douro e Leixões — Revisão global, publicado no BTE de 2012, n.º 20, de 29-05-2012, com a epígrafe “Retribuição do período de férias e subsídio de férias” dispõe o seguinte: “1 — Os trabalhadores têm direito anualmente a um subsídio de férias correspondente à retribuição do respetivo período. 2 — A retribuição a que se refere o número anterior integrará a remuneração base mensal correspondente e, se devido, as diuturnidades, o valor do subsídio de turno e por trabalho noturno, bem como o subsídio previsto na cláusula 63.ª [respeitante à isenção de horário de trabalho]


Para que uma prestação efetuada pelo empregador ao trabalhador seja considerada retribuição é necessário que a mesma seja contrapartida do trabalho, obrigatória para o empregador, regular e periódica. Em regra, o trabalho suplementar é excecional pelo que a sua remuneração não será regular e periódica, não sendo, por conseguinte, retribuição. Mas no caso dos autos resulta que o trabalhador prestava regularmente trabalho suplementar e a jurisprudência deste Tribunal tem-se pronunciado no sentido de que a regularidade não é afastada quando apesar de existir pagamento de trabalho suplementar praticamente em todos os meses do ano, o mesmo sofre grandes variações – veja-se, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2003, processo n.º 999/02: “[o] facto de o trabalhador só receber em conformidade com a quantidade de trabalho desta natureza [trabalho suplementar] que prestava não exclui a regularidade, apenas fazendo variar o montante da prestação pecuniária”. Ainda assim, em suma, pode falar-se de uma prestação regular na sua existência, mesmo que não o seja na sua grandeza.


Sendo, pois, neste caso, o pagamento de trabalho suplementar uma componente da retribuição, tal pagamento deveria, em princípio, ser tido em conta para o cálculo da retribuição durante as férias.


No entanto, a resposta não pode deixar de atender à contratação coletiva aplicável.


Como este Tribunal já teve ocasião de afirmar, “[a] retribuição por trabalho suplementar pago, pelo menos, em 11 meses por ano integra a retribuição do trabalhador e deverá refletir-se na retribuição de férias e nos subsídios de férias dos trabalhadores do sector portuário, à luz dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, com exceção do período em que o Contrato Coletivo de Trabalho para o sector, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 6, de 15 de Fevereiro de 1994, coincidiu na sua vigência com a dos Códigos do Trabalho, sobre eles prevalecendo nesta matéria, até à verificação da respetiva caducidade, em Novembro de 2014” (Acórdão de 23-06-2023, proferido no processo n.º 17605/21.9T8LSB.L1.S1, Relator Mário Belo Morgado; também, no sentido de que “[a] retribuição por trabalho suplementar pago, pelo menos, em 11 meses por ano integra a retribuição do trabalhador e deverá refletir-se na retribuição de férias, subsídios de férias e subsídio de natal até 2008, dos trabalhadores do sector portuário, à luz do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969; do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de dezembro, e alterações; dos Código do Trabalho de 2003 e de 2009, em conjugação com os Contratos Coletivos de Trabalho, BTE n.º 6, de 15 de fevereiro de 1994, e BTE n.º 37, de 08 de janeiro de 2016”, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-07-2023, processo n.º 16462/21.0T8LSB.L1.S1, Relator Domingos José de Morais). A convenção coletiva pode afastar-se da lei, a não ser que se trate de uma norma absolutamente imperativa, tanto em sentido mais favorável para o trabalhador como em sentido desfavorável, sendo que a retribuição durante as férias não consta do elenco legal de matérias (constantes do artigo 4.º do CT de 2003 e do artigo 3.º do CT de 2009) em que a convenção coletiva só pode afastar-se em sentido mais favorável. E a letra da cláusula atrás referida é inequívoca quanto às prestações que integram a retribuição durante as férias.


Quanto ao subsídio de férias, com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, este deixou de ser de montante igual ao da retribuição, solução mantida, aliás, pelo Código de 2009. Não se torna, contudo, necessário discutir se, face à letra dos preceitos legais, o subsídio de férias deveria ou não ter em conta o pagamento do trabalho suplementar – como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar (Acórdão de 16-01-2008, processo 07S3790: “[o] pagamento de trabalho suplementar a motorista de veículos pesados de transporte de mercadorias, que presta, regularmente, trabalho suplementar, configura-se como contrapartida do modo específico da execução do trabalho”) – mas, mais uma vez, de aplicar a convenção coletiva. O cálculo do subsídio de férias não é uma das matérias excluídas desta possibilidade de variação in peius, nem resulta da letra do artigo 264.º n.º 2 do Código de 2009 que haja um mínimo inderrogável por contratação coletiva.


É certo que a cláusula da convenção coletiva é anterior à possibilidade conferida em geral pelo Código de Trabalho de 2003 de a convenção coletiva introduzir soluções menos favoráveis para o trabalhador do que aquelas que resultariam de normas legais, mas ainda que fosse nula – e, como assinala o Autor a nulidade é de conhecimento oficioso – deveria considerar-se a sua convalidação porque o seu teor passou a ser compatível com a lei.


Decisão: Negada a revista.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 12-04-2024


Júlio Gomes (Relator)


Ramalho Pinto


Domingos José de Morais





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1. Por lapso evidente esta Conclusão tem o número XXXII em vez de XXXVII, estando a numeração errada a partir daqui, tendo-se optado pela renumeração das Conclusões.↩︎