ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
FIXAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Sumário


1. Na fixação de indemnização a título de danos não patrimoniais, incumbe ao julgador uma dupla dimensão valorativa: tem não só de atender às especificidades do caso concreto, como também a critérios de justiça relativa, decorrentes do que foi fixado em casos tendencialmente idênticos.
2. Na indemnização a este título está em causa, não propriamente, o ressarcimento, mas antes o valor monetário que permita atingir patamares hedonísticos compensatórios.
3. O dano biológico traduz-se numa agressão da integridade física e/ou psicológica de uma pessoa, valorizável médico-legalmente, com reflexos na sua vida pessoal e profissional, quer haja, ou não, perda ou diminuição de rendimentos laborais. É um prejuízo com reflexos na qualidade de vida da lesada, suscetível de a afetar em todas as suas dimensões da vida corrente.
4. Considerando a factualidade provada, designadamente a constante nas alíneas z) a ttt), a gravidade do acidente e sequelas sofridas pela autora, nascida em ..., e que padeceu de um Período de Défice Funcional Temporário Total de 32 dias; de um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 700 dias; de um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 732 dias; de um quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de 1 a 7; de um Dano Estético Permanente fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7; de uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7; de uma Repercussão Permanente na Atividade Sexual, fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7; de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 37 pontos, afigura-se adequada a indemnização de €90.000,00 a título de danos não patrimoniais e de €150.000,00 por dano biológico na vertente da perda da capacidade de ganho e da gestão do seu dia-a-dia doméstico.

Texto Integral


 Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

AA veio propor contra Companhia de Seguros EMP01..., S.A. a presente ação declarativa de condenação, peticionando que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global líquida de € 171.778,32, como indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram do acidente descrito na petição inicial, acrescida dos juros de mora que se vencerem após a citação, à taxa legal de 4%, até integral pagamento, e a indemnização que, por força dos factos vertidos nos artigos 276º a 288º, desta petição inicial, viesse a ser fixada em decisão ulterior ou em incidente de liquidação.
Alegou, para o efeito e em síntese, que no dia 21.07.2018 foi vítima de um atropelamento por um veículo ligeiro de passageiros quando se encontrava no acesso ao logradouro da casa de turismo rural, com o número de polícia ...0, situada no ... do lugar da BB, freguesia ..., concelho ..., tendo sofrido danos na sua saúde e no seu património que ascendem ao valor peticionado.
O Centro Distrital de ... do Instituto de Segurança Social, I.P. veio deduzir pedido de reembolso no valor de € 12.367,00, a título de subsídio de doença, acrescido dos respetivos juros de mora vincendos e, ainda, do valor que viesse a ser pago à beneficiária, também a título de subsídio de doença direta, após 03.12.2020, acrescida dos juros de mora vincendos a apurar em execução de sentença.
Regularmente citada, contestou a Ré, assumindo a responsabilidade pelo acidente dos autos, mas defendendo-se por impugnação.
Foi proferido despacho saneador, definiu-se o objeto do processo e procedeu-se à seleção dos temas de prova.
Foi realizado o exame médico-legal na pessoa da autora e junto aos autos o correspondente relatório pericial.
..A Autora apresentou dois articulados supervenientes, com ampliação do pedido, que foram admitidos, passando a nova factualidade a integrar os temas de prova e o pedido ampliado passou a cifrar-se, na parte líquida, no montante de € 343.099,17, e na parte ilíquida também por referência à factualidade constante dos artigos 13º a 34º do articulado superveniente de fls. 432 a 437 e dos artigos 6º a 21º do articulado superveniente de fls. 440 a 444.
Procedeu-se a julgamento com observância de todas as formalidades legais.
Nessa sequência, veio a ser prolatada sentença com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, julgo a ação proposta por AA contra Companhia de Seguros EMP01..., S.A., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia global líquida de € 208.585,84, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 118.585,84, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 90.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efetivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que a Autora comprovar ter despendido, até ao fim da vida, com (i) medicação analgésica e antidepressiva, (ii) tratamentos de médicos/fisioterapia e hidroginástica, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, com regularidade a definir em consulta anual de medicina física e de reabilitação e de dor crónica, (iii) com uma canadiana para se deslocar, de forma a obter uma maior autonomia e independência nas atividades da vida diária, e (iv) tratamentos médicos em face da evolução certa e segura do agravamento da artrose em ambas as ancas.
Custas na proporção do decaimento, dispensando as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, atento o respetivo comportamento processual e a ausência de incidentes dilatórios.
Registe e notifique.

Inconformada com a decisão, a autora apelou, formulando as seguintes conclusões:
1. A Recorrente discorda da douta decisão da matéria de facto, na parte em que não incluiu no leque dos factos provados a factualidade alegada nos arts. 7.º, 8.º, 9.º e 9.º (repetido) do articulado superveniente, com ampliação do pedido, apresentado nos autos em 03/01/2023, pois entende que tal factualidade deveria ter sido dada como provada.
2. Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são o relatório pericial apresentado nos autos em 07/10/2022 e os esclarecimentos prestados pela Senhora Perita na sessão de 07/06/2023 da audiência final, no excerto gravado no sistema "Habilus Media Studio", de minutos das 11h.21.59 às 11h.31.30.
3. Daí que imponha julgar procedente o presente recurso, com o consequente aditamento à decisão da matéria de facto dos factos alegados nos arts. 7.º, 8.º, 9.º e 9.º (repetido) do articulado superveniente, com ampliação do pedido, apresentado nos autos em 03/01/2023, acima transcritos – o que se requer.
4. No final da audiência final, os mandatários de Autora e Ré ditaram para ata um requerimento com o seguinte teor: “Requer-se a V. Exa. que fique consignado em ata que através do cheque nº ...73, sacado pela Ré EMP01... sobre o Banco 1... e passado à ordem da Autora, a Ré por conta da indemnização a fixar neste Tribunal já pagou à Autora no dia 20.05.2022 a quantia de 50.000,00€, que deverá ser deduzida ao montante a fixar a título indemnizatório.”
5. Esse requerimento deu origem ao ponto pppp) dos factos provados, com o seguinte teor: “A Ré pagou à Autora, por conta da indemnização a fixar judicialmente, a quantia de € 50.000,00”.
6. A Autora entende que esse ponto da decisão da matéria de facto deveria conter, também, a data em que o referido pagamento de 50 000,00 € foi feito, já que a mesma se revela necessária para o cômputo dos juros moratórios devidos.
7. Estando em causa um facto aceite por acordo das partes, requer-se, pois, a V. Exas. que, julgando procedente o recurso, ordenem a alteração do ponto pppp) dos factos provados, que deverá passar a ter a seguinte redação: “Em 20/05/2022, a Ré pagou à Autora, por conta da indemnização a fixar judicialmente, a quantia de € 50.000,00”.
8. A indemnização pelo dano corporal contempla as seguintes vertentes:
a) indemnização pela perda de capacidade de ganho, traduzida no montante indemnizatório destinado a ressarcir o lesado pela perda de capacidade de criação de rendimento, quer na vertente profissional quer pessoal, independentemente da sua tradução em efetivas reduções ou perdas salariais (considerando que, ainda que não haja perda salarial, o sinistrado, por força da sua incapacidade, terá de fazer maior esforço para obter o mesmo rendimento);
b) indemnização pelo dano biológico, correspondente à perda parcial da disponibilidade do uso do corpo para os normais afazeres do dia-a-dia (que não os profissionais) e fixados numa incapacidade geral ou anátomo-funcional/fisiológica e um dano autónomo que não se confunde com o dano patrimonial futuro;
c) indemnização pelo dano moral, destinada a compensar as dores, os incómodos e o sofrimento causados ao lesado pelo evento lesivo, tanto no momento subsequente ao sinistro (período de recuperação) como ao longo da sua vida.
9. Num tal quadro factual vertido na douta sentença recorrida, a fixação da indemnização por danos de natureza não patrimonial em 90 000,00 € peca por defeito.
10. No que diz respeito aos danos de natureza não patrimonial (de elevada monta, como resulta da matéria de facto dada como provada), tendo sempre presente o limite do pedido formulado pela Autora, deveria ter sido fixada indemnização de valor não inferior a 100 000,00 €.
11. A douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 496.º, n.º 1 e 562.º do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora quantia de 90 000,00 €, a título de danos de natureza não patrimonial, e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que condene a Ré a pagar à Autora 100 000,00 €, a título de danos de natureza não patrimonial, acrescidos de juros moratórios.
12. O Tribunal recorrido fixou a indemnização devida à Autora, para ressarcimento do parâmetro perda de capacidade de ganho e do parâmetro dano biológico, no montante de 150 000,00, valor que se afigura reduzido, face ao quadro factual acima transcrito.
13. Tendo presente a dicotomia perda de capacidade de ganho / dano biológico e reportando-nos ao caso concreto, constata-se que o Tribunal recorrido fixou uma parca indemnização de 150 000,00 €, que, depreende-se, compreende tanto a indemnização pela perda de capacidade de ganho, como a indemnização pelo dano biológico traduzido na repercussão que a incapacidade para o trabalho trará, como trouxe, para a Autora, no quadro dos atos da sua vida diária, que não profissional ou geradora de rendimento.
14. Face à factualidade dada como provada, no que diz respeito à indemnização pela perda de capacidade de ganho e pelo dano biológico, essa indemnização deveria ter sido fixada em montante não inferior a 200 000,00 €, conforme peticionado.
15. Nesta parte, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 562.º e 564.º, n.º 1, do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que condenou a Ré a pagar a quantia de 150 000,00 €, a título de indemnização por perda de capacidade de ganho e dano biológico, e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que condene a Ré a pagar aos Autores, a esse título, indemnização não inferior a 200 000,00 €.
16. Por fim e quanto à indemnização por dano futuro, a douta sentença recorrida condenou a Ré a pagar à Autora “quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que a Autora comprovar ter despendido, até ao fim da vida, com (i) medicação analgésica e antidepressiva, (ii) tratamentos de médicos/fisioterapia e hidroginástica, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, com regularidade a definir em consulta anual de medicina física e de reabilitação e de dor crónica, (iii) com uma canadiana para se deslocar, de forma a obter uma maior autonomia e independência nas atividades da vida diária, e (iv) tratamentos médicos em face da evolução certa e segura do agravamento da artrose em ambas as ancas.”
17. Na indemnização pelo chamado dano futuro, contudo, não foram incluídos os danos e despesas que resultarão da factualidade vertida nos arts. 7.º, 8.º, 9.º e 9.º (repetido) do articulado superveniente, com ampliação do pedido, apresentado nos autos em 03/01/2023, acima transcritos – cujo aditamento à factualidade provada resultará da procedência do recurso da decisão da matéria de facto.
18. Ao não o fazer, a douta sentença recorrida violou, além de outras, a disposição do art. 483.º, n.º1, 496.º, n.º 1, 562.º e 564.º, n.º 1 do Cód. Civil, pelo que, nessa parte, julgando-se procedente o presente recurso, se adite ao segmento decisório também, a título de indemnização por dano futuro, indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que a Autora irá sofrer em consequência do agravamento das coxartroses nas ancas, incluindo todos os danos decorrentes de intervenção cirúrgica de artroplastia das ancas, incluindo o agravamento do défice funcional permanente de que ficará a padecer, bem como as despesas medicamentosas associadas.”
19. Tendo sido feito um adiantamento de 50 000,00 €, pela Ré, em 20/05/2022, tal deveria ter reflexo no cômputo dos juros respeitantes à indemnização por danos patrimoniais, que deveriam ter sido fixados desde a citação, mas nos seguintes termos:
a) sobre a quantia de 168 585,85 €, à taxa de 4 % ao ano, desde a citação até ao dia ../../2022 (data em que foi pago o referido adiantamento de 50 000,00);
b) sobre a quantia de 118 585,85 €, à taxa de 4 % ao ano, desde ../../2022 (dia seguinte ao adiantamento de 50 000,00 €) até integral pagamento.
20. Nesta parte, a douta sentença recorrida violou, além de outras, a disposição do art. 562.º do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por Douto Acórdão que fixe juros nos moldes acima referidos.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Sentença recorrida, na parte visada por este recurso, e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!
A ré Companhia de Seguros EMP01..., S.A., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto e interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
1. Considerando a afetação da vida sexual da A. graduada em 3 numa escala máxima de 7 pontos, o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pela Exma. Sra. Perita Médico-Legal Dra. CC em sede de audiência final, deve o ponto ddd) da matéria de facto dada como provada ser julgado como não provado.
2. A retribuição a ser tida em consideração na indemnização fixada a título de perda de capacidade de ganho deve limitar-se às atividades produtoras de rendimento exercidas pelo lesado, onde não se inclui a execução de lides domésticas para o agregado familiar.
3. Considerando, entre o mais, a idade da A. (facto provado uuu) o seu défice funcional permanente (facto provado lll), a sua retribuição (facto provado dddd), a possibilidade de manter a sua atividade habitual com esforços suplementares (facto provado nnn e bbbb) e o recebimento imediato da prestação (com a possibilidade de rentabilizar o rendimento e sem ter o esforço da sua obtenção) sempre se dirá que a indemnização devida à A. a título de perda de capacidade de ganho deverá ser fixada no montante de Eur. 100.000,00.
4. Sem prejuízo do supra exposto, ainda que se considere adequado considerar uma retribuição anual de Eur. 13.831,16, sempre se dirá que a indemnização fixada a título de perda de capacidade de ganho não deverá ultrapassar os Eur. 140.000,00.
5. Considerando os valores jurisprudencialmente fixados pelo direito à vida, a idade da Recorrida subordinada à data do acidente, as lesões e sequelas sofridas, as intervenções cirúrgicas e tratamentos, o quantum doloris de grau 5, o dano estético de grau 3, a repercussão permanentes nas atividades desportivas e de lazer de grau 3, a repercussão na atividade sexual no grau 3 (e a alteração à matéria de facto peticionada quanto a esta matéria) e os padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, sempre se dirá que a indemnização devida a título de danos não patrimoniais deve ser fixada em Eur. 70.000,00.
6. A sentença em crise violou o disposto nos artigos 342.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil e o artigo 414.º do Código de Processo Civil.
Termos em que, sem prejuízo do sempre douto suprimento que se espera de V. Exas. 1. Deve o recurso interposto pela A. ser julgado integralmente improcedente, com as demais consequências legais.
2. Deve o recurso subordinado interposto ser julgado integralmente procedente,
A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.
Os autos foram aos vistos das excelentíssimas adjuntas.

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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, apurar da correção da matéria de facto fixada, na parte impugnada, e da adequação dos montantes fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais e por perda da capacidade de ganho, apreciando ainda, a jusante, da correção do momento temporal a partir do qual são devidos juros moratórios.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
a) No dia ../../2018, pelas 16.08 horas, ocorreu um acidente de viação, no ... do lugar da BB, no Acesso ao logradouro da casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”, freguesia ..., concelho ...;
b) Nesse acidente, foram intervenientes: (i) o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-..; (ii) o peão AA;
c) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-.. estava, à data, inscrita a favor de EMP02... – Sucursal em Portugal na Conservatória do Registo Automóvel, conforme se retira do teor da respetiva certidão junta aos autos a fl. 44 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) E estava cedido através de contrato de aluguer à sociedade EMP03..., Lda.;
e) E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era conduzido por DD, residente em ..., ..., ..., ...;
f) O DD conduzia o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-.., em consequência de contrato de aluguer que havia, previamente, celebrado com a sociedade EMP03..., Lda.;
g) E o DD, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, conduzia por um itinerário que a sociedade EMP03..., Lda. lhe havia, previamente, determinado;
h) O Acesso ao logradouro da casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”, freguesia ..., concelho ..., é delimitado por pilares de granito, com uma altura de 02,20 metros;
i) O referido Acesso ao logradouro da casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10” apresentava e apresenta uma largura, entre os dois supra-referidos pilares de granito, de 02,85 metros;
j) E esse Acesso ao logradouro da casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10” era e é servido por um portão de ferro de abertura e fecho elétrico automático, através de comando de controlo remoto, de raios infravermelhos e, ainda, com sistema de fecho automático, através de sistema temporizador;
k) A Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10” situava-se e situa-se do lado Nascente do supra-referido ... do lugar da BB, freguesia ..., concelho ...;
l) No dia ../../2018, momentos antes da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, pelas 16,08 horas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-.. encontrava-se, imobilizado e estacionado, no ... do lugar da BB;
m) O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..- SX-.. pretendia retirar o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-.. do local onde o mesmo se encontrava, imobilizado e estacionado, no supra-referido largo do lugar da BB;
n) Conduzir o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..- SX-.. para o interior do logradouro da Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”;
o) E proceder ao estacionamento do referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-.., no interior do logradouro da casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”;
p) Para o efeito, o filho da Autora EE procedeu à abertura do portão de ferro do acesso ao logradouro da Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”;
q) Uma vez aberto o referido portão de ferro do acesso ao logradouro da Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”, a Autora colocou-se, a pé, junto e totalmente encostada ao pilar de granito que ladeia o referido acesso ao logradouro da Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”, pelo lado direito, tendo em conta o sentido Poente-Nascente – do lado direito, para quem entra no referido logradouro;
r) Com a sua perna direita por forma e intercetar o facho de raios infravermelhos do sistema de abertura e fecho do portão ferro, existente no Acesso ao interior do logradouro da Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”, para evitar que o referido portão de ferro se fechasse de forma automática;
s) A Autora – AA – encontrava-se, assim, apeada, junto e totalmente encostada ao pilar de granito que ladeia o referido Acesso ao logradouro da Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”, pelo lado direito, tendo em conta o sentido Poente-Nascente – do lado direito, para quem entra no referido logradouro;
t) Há um período de tempo superior a trinta segundos, quando foi embatida pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-..;
u) Conduzido pelo referido DD;
v) Que conduzia de forma totalmente distraída e sem prestar atenção à condução que executava;
w) O referido condutor mediu mal as distâncias e embateu com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-.. contra o corpo da Autora, numa altura em que esta se encontrava a pé, junto e totalmente encostada ao pilar de granito que ladeia o referido Acesso ao logradouro da Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”, pelo lado direito, tendo em conta o sentido Poente-Nascente – do lado direito, para quem entra no referido logradouro;
x) O condutor do SX entalou e esmagou o corpo da Autora entre a parte frontal direita do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..- SX-.. contra o pilar de granito que ladeia o referido acesso ao logradouro da Casa de Turismo Rural, com o número de polícia “10”, pelo lado direito, tendo em conta o sentido Poente-Nascente – do lado direito, para quem entra no referido logradouro – e, também, contra a estrutura da esquina do portão de ferro, ali fixo no referido pilar de granito.
y) O embate ocorreu, assim, entre a parte frontal direita do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-SX-.., ao nível do canto e do farol, do mesmo lado, e a anca/bacia e a coluna lombar, da Autora AA, com entalamento e esmagamento do corpo da Autora – incluindo o seu membro inferior esquerdo e a sua coxa esquerda -, contra o supra-referido pilar de pedra e contra a estrutura da esquina do portão de ferro, ali fixo no referido pilar de granito;
z) Como consequência direta e necessária do atropelamento supra descrito resultaram para a Autora traumatismo lombar, traumatismo da bacia e da anca, com esmagamento, fratura bilateral do ramo ísquio púbico, fratura do ramo superior do púbis, fratura do púbis esquerdo, fratura vertical esquerda do sacro, fratura das articulações sacroilíacas, fratura da asa direita do sacro, fratura da base do ramo iliopúbico direito, com atingimento da superfície acetabular ântero-inferior, fratura sem desalinhamento da vertente esquerda da sínfise púbica, fratura da base do ramo iliopúbico, fratura sem desvio da cortical interna da base do ramo ísquio púbico esquerdo, fratura do ramo esquio púbico direito, traumatismo dos membros inferiores, traumatismo e escoriações da coxa esquerda;
aa) A Autora foi transportada pela ambulância do I.N.E.M. para o Hospital ..., de ..., EPE -, em maca, imobilizada e em plano duro;
bb) Foram, aí, prestados os primeiros socorros, à Autora, no Serviço de Urgência do Hospital ...;
cc) Foram-lhe, aí, efetuados exames radiológicos, às regiões da coluna lombar e dorsal e da anca/bacia.
dd) E foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos - Naprozyn, Ziopen, Lovenox e Tramadol -, que a Autora se viu na necessidade de ingerir;
ee) A Autora manteve-se no Serviço de Urgência do Hospital ..., de ..., EPE -, durante um dia e uma noite;
ff) No dia seguinte – dia 22 de julho de 2018 -, a Autora obteve alta do Serviço de Urgência do Hospital ..., de ..., EPE;
gg) Regressada à sua casa de habitação, a Autora manteve-se, acamada, ao longo de um período de tempo de quatro meses;
hh) Durante esse período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação, a Autora manteve-se deitada, algaliada e com fraldas até ../../2018;
ii) Durante esse período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação, a Autora tomou todas as suas refeições no leito, que lhe foram servidas por terceira pessoa, e fez as suas necessidades no leito, também com auxílio de terceira pessoa;
jj) Durante esse período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação, a Autora recebeu serviços, prestados pela Cruz Vermelha Portuguesa, cujos profissionais - duas pessoas - lhe fizeram a higiene pessoal - banho - e lhe ministraram a medicação, de que a Autora carecia, diariamente;
kk) Os profissionais da Cruz Vermelha Portuguesa dirigiram-se à casa de habitação da Autora, para lhe prestarem os supra-referidos serviços, todos os dias, ao longo do período de tempo de três meses;
ll) Durante a primeira semana de convalescença, na sua casa de habitação, a Autora desenvolveu uma infeção na bexiga, ocasionada pela aplicação e pelo uso da algália;
mm) Para o que a Autora se viu na necessidade de tomar e de ingerir medicação antibiótica - Levofloxacina 500 mg, bem como se viu na necessidade de substituir regularmente a algália;
nn) No dia 14 de agosto de 2018, a Autora dirigiu-se à vila de ..., onde fez uma T.A.C., na Clínica ... - aconselhada pelo Médico Dr. FF;
oo) Ao fim do período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação – Avenida ... -, a Autora dirigiu-se para uma outra sua casa, sita na freguesia ..., concelho ..., onde passou a locomover-se, dentro de casa, com o auxílio de um andarilho, ao longo de um período de tempo de dois meses;
pp) Mais tarde, a Autora passou a utilizar um par de canadianas, como auxiliar de locomoção, as quais se viu na necessidade de usar, ao longo de um período de tempo de cinco meses.
qq) Posteriormente, a Autora passou a utilizar uma só canadiana, como auxiliar de locomoção, que usa atualmente para se movimentar;
rr) A partir de 24 de agosto de 2018, a Autora passou, também, a frequentar a consulta nos Serviços Clínicos da Ré, na cidade ..., tendo sido consultada dezassete vezes, tendo feito várias TAC’s;
ss) Foi também consultada pelo seu médico de família por duas vezes;
tt) A Autora recorreu, ainda, à enfermeira GG, do Centro de Saúde ..., a qual lhe ministrou os tratamentos tendentes à cura da infeção de que a Autora foi vítima devido ao uso da algália;
uu) A Autora foi submetida a tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia, com início no dia 26 de novembro de 2019, na EMP04..., S.A., com sede em ..., ao longo de cento e setenta e oito (178) sessões, entre o dia ../../2018 e o dia 28.03.2019 e onde foi consultada por três vezes pela Especialidade de Fisiatria (Dra. HH);
vv) Os tratamentos fisiátricos incluíram calores, ao nível das costas, anca e membros inferiores, massagens, ao nível das costas, anca e membros inferiores, locomoção orientada, no interior da Clínica, e subida e descida de espaldares, com vista a exercitar o membro inferior esquerdo;
ww) A Autora passou, também, a frequentar tratamento de Hidroginástica, na Piscina Municipal de ..., em ..., uma vez por semana, cuja frequência mantém neste momento;
xx) Desde a data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, a Autora passou a tomar e a ingerir, diariamente, medicação analgésica e anti-inflamatória: Iboprufeno, Tramadol e, ainda, Voltaren, em situações de crises mais agudas e, ainda, medicação do foro psiquiátrico – antidepressivos;
yy) Na presente data, a Autora ainda continua a tomar e a ingerir, diariamente, medicação analgésica e anti-inflamatória, para debelar as dores de que passou a ser acometida;
zz) No momento do acidente a Autora assustou-se e, com as dores, desmaiou;
aaa) Na sequência das lesões sofridas passou a ter dificuldade em se deslocar, fazendo-o com a ajuda de uma canadiana e de uma terceira pessoa por ter medo de subir e descer degraus;
bbb) Passou a não conseguir fletir o tronco por ter sensação de vómito e de desmaio;
ccc) Passou a ter dificuldade em adormecer, tendo um sono com muitas interrupções, sendo necessária a toma de medicação para o efeito, assim como antidepressivos por ter dificuldade em aceitar a sua situação durante o repouso absoluto;
ddd) Deixou de ter relações sexuais por sentir dor ao nível da bacia;
eee) Sente aumento de dores ao nível das ancas e do pélvis com movimentos repentinos e ao permanecer sentada ou em pé;
fff) Deixou de fazer caminhadas e praticar dança de salão, a que se dedicava antes do acidente;
ggg) Não voltou a trabalhar após o acidente;
hhh) A Autora apresenta as seguintes sequelas: (i) no membro inferior direito: palpação dolorosa na região púbica; mobilidades da anca dolorosas; limitação dos arcos de movimento: flexão de 0º a 90º, abdução de 0º a 45º, adução completa, rotação interna e externa com arcos de 0º a 40º; dores difusas na virilha, coxa e sacroilíaca; (ii) no membro inferior esquerdo: palpação dolorosa na região púbica; mobilidades da anca dolorosas; limitação dos arcos de movimento: flexão de 0º a 90º, abdução de 0º a 45º, adução completa, rotação externa com arcos de 0º a 35º e rotação interna quase abolida, devido às queixas álgicas; dores difusas na virilha, coxa e sacroilíaca;
iii) Passou a padecer de perturbação de stress pós-traumático, com ideação suicida;
jjj) Passou a ter marcha claudicante e está impossibilitada de levantar pesos;
kkk) As dores sofridas pela Autora ao nível da anca e do pélvis são crónicas;
lll) As lesões sofridas pela Autora determinaram-lhe:
 Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 32 dias;
 Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 700 dias;
 Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 732 dias;
 Um quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de 1 a 7;
 Um Dano Estético Permanente fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7;
 Uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7;
 Uma Repercussão Permanente na Atividade Sexual, fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7;
 Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 37 pontos;
mmm) A Autora obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 21.07.2020;
nnn) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares, no caso, analgesia para conseguir estar sentada ou na mesma posição e medicação psiquiátrica para lidar com o stress;
ooo) Passou a depender regularmente, e até ao fim da vida, de medicação analgésica e antidepressiva, sem a qual a Autora não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária;
ppp) Passou a depender regularmente, e até ao fim da vida, de tratamentos de médicos/fisioterapia e hidroginástica, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, com regularidade a definir em consulta anual de medicina física e de reabilitação e de dor crónica;
qqq) Passou a depender, regularmente e até ao fim da vida, de uma canadiana para se deslocar, de forma a obter uma maior autonomia e independência nas atividades da vida diária;
rrr) Necessitará de ser submetida a tratamentos médicos em face da evolução certa e segura do agravamento da artrose em ambas as ancas;
sss) A Autora era, antes do acidente, uma pessoa vaidosa, ativa, com amor próprio e confiante;
ttt) A Autora sente-se deprimida, desgostosa e infeliz com as lesões e sequelas de que ficou a padecer;
uuu) A Autora nasceu no dia ../../1965, conforme se retira da certidão da Conservatória do Registo Civil junta aos autos a fls. 174-175 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
vvv) A Autora efetuou as seguintes despesas: (i) obtenção do Relatório Médico junto aos autos 410,00 €; (ii) consultas médicas 150,00 €; (iii) medicamentos 412,11 €; (iv) taxas moderadoras 250,50 €; (v) exames de diagnóstico (TAC) 12,00 €; (vi) tratamentos de fisioterapia 46,00 €; (vii) tratamentos de enfermagem (Cruz Vermelha Portuguesa) 36,30 €; (viii) deslocações pelos Bombeiros Voluntários ... 761,58 €; (ix) 7 deslocações em veículo automóvel próprio, à cidade ..., no Hospital ... 504,00 €; (x) serviço domiciliário prestado pelo Centro Humanitário da Cruz Vermelha Portuguesa 420,50 €; (xi) custo de uma (1) certidão de nascimento Registo Civil 20,00 €; (xii) custo de 1 certidão – GNR – da Participação de Acidente de Viação 68,00 €;
www) A Autora era e é sócia-gerente da sociedade “EMP05..., Lda.”, com sede na Avenida ..., em ..., com estabelecimento comercial aberto ao público na mesma morada;
xxx) Na qual a Autora tem uma quota de € 1.800,00, no capital social;
yyy) A referida sociedade comercial dedica-se à atividade comercial, de venda com fins lucrativos, de materiais destinados ao sector da construção civil, artigos de bricolage, decoração, produtos para a agricultura, nomeadamente sulfatos, produtos químicos e adubos;
zzz) Para o que a Autora está habilitada com o respetivo curso;
aaaa) A referida sociedade comercial tinha, à data do acidente de trânsito que deu origem à presente ação e tem, na presente data, oito empregados ao seu serviço;
bbbb) Como sócia-gerente da referida sociedade comercial, a Autora contratava e contrata a venda dos materiais de construção civil, com os clientes da sociedade comercial, presta trabalho de balcão, no atendimento e serventia de clientes, contacta os fornecedores, organiza e faz as compras de todos os produtos para revenda no estabelecimento comercial sito na vila de ..., organiza e gere os stocks do estabelecimento comercial da referida sociedade, dirige-se aos bancos com que a referida sociedade comercial trabalha, contacta e dirige-se ao gabinete de contabilidade, para tratamento contabilístico da referida sociedade comercial;
cccc) A Autora desempenhava, antes do acidente de trânsito dos presentes autos, as suas referidas funções, diariamente, de segunda-feira a sábado, das 09.00 horas às 13.00 horas e das 15.00 horas às 19.00 horas, de cada dia;
dddd) A Autora, na sua qualidade de trabalhadora e como sócia-gerente da referida sociedade, auferia, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, o ordenado mensal líquido de € 627,94;
eeee) A Autora está, desde a data da ocorrência do acidente que a vitimou, sem receber o supra referido vencimento;
ffff) A Autora foi sócia-gerente da sociedade EMP06... – Venda e Aluguer de Máquinas, Lda.;
gggg) A Autora explorava, ainda, uma casa de Alojamento Local (Turismo de Habitação), sita na freguesia ..., concelho ...;
hhhh) A Autora exercia, também, como exerce na presente data, a atividade de doméstica, na sua casa de habitação, cujo agregado familiar é composto por ela própria, pelo seu marido II e pelo seu filho EE;
iiii) E era, como é, a Autora que executava a generalidade das tarefas domésticas, na sua casa de habitação, para todos os elementos que compõem o seu agregado familiar nomeadamente: a) confecionar e servir as refeições diárias; b) pôs e levantar a mesa; c) lavar a arrumar a loiça; d) lavar e passar a roupa a ferro; e) aspirar a casa; f) limpar o pó da casa e dos móveis; g) fazer as camas; h) mudar a roupa das camas; i) e de um modo geral, desempenhar todas as demais tarefas inerentes ao seu lar;
jjjj) E, ainda, auxiliar o seu marido II a calçar e descalçar – apertar e desapertar - as botas e os sapatos e a cortar as unhas dos pés, além de outras tarefas do seu dia-a-dia, tendo em conta que o seu referido marido sofre de limitações físicas e funcionais, em consequência das sequelas de AVC de que foi vítima;
kkkk) Uma mulher assalariada doméstica, na vila de ..., auferia, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, como aufere, na presente data, a quantia média de € 7,00 por cada hora de trabalho;
llll) Depois de regressar a casa, vinda do hospital, a Autora contou com a ajuda de JJ, prima direita do marido da Autora, que lhe confecionou e serviu refeições e fez a lide doméstica;
mmmm) A Segurança Social pagou à Autora, a título de subsídio de doença direta e correspondente aos períodos de 23.07.2018 a 03.12.2020, a quantia de € 10.342,00;
nnnn) Em medicamentos, despendeu a Autora, ainda, a quantia de € 302,60 em medicamentos;
oooo) E a quantia de € 462,25 em consultas médicas de psiquiatria, psicologia e ortopedia;
pppp) A Ré pagou à Autora, por conta da indemnização a fixar judicialmente, a quantia de € 50.000,00;
qqqq) Para a Ré estava transferida, à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula ..-SX-.., através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...82, conforme se retira da cópia do documento junto aos autos a fl. 313 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Factos Não Provados

O tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
Da petição inicial: artigos 79º, 80º, 107º (relativamente ao período de tempo), 115º, 142º e 143º, 151º a 152º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aaa) a hhh), 156º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea fff), 159º a 174º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aaa) a ttt), 192º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea ffff), 199º, 200º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea kkkk), 202º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea lll), 230º a 248º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas nnn) a rrr), 257º, 258º, 259º a 273º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea llll), 276º a 290º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea rrr).
Da contestação da Ré: artigos 4º a 10º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aaa) a ttt).
Do articulado da Autora de fls. 431 a 437: artigos 26º a 34º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas nnn) a rrr).
Do articulado da Autora de fls. 440 a 444: artigos 6º a 13º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas nnn) a rrr), e 20º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea oooo).
**********
B. Fundamentos de direito

A recorrente/autora impugnou a matéria de facto dada como não provada, alegando que deveriam ter sido dados como provados os factos alegados nos artigos 7º, 8º, 9º, e 9º (repetido) do articulado superveniente apresentado nos autos em 3 de janeiro de 2023.
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, “

Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Resulta desta norma que à apelante se impõem diversos ónus em sede de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida.
No que toca à especificação dos meios probatórios, estabelece o artigo 640º, nº2, alínea a), que: “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Compulsados os autos, consideramos cumpridos os requisitos legais.
Por facilidade expositiva, recordemos a redação dos factos que a recorrente pretende ver dados como provados:
“7.º A Autora irá sofrer uma evolução das coxartroses das ancas.
8.º O que a obrigará a ser submetida a intervenção cirúrgica de artroplastia das ancas.
9.º O que levará a um agravamento do défice funcional permanente de que ficará a padecer, em consequência do acidente dos autos.
9.º Bem como à necessidade de novos tratamentos cirúrgicos e respetivos períodos de recobro, com cuidados médicos e medicamentosos associados, decorrentes da evolução das coxartroses das ancas que podem vir a necessitar de artroplastia das ancas.”
A recorrente alegou que os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são o relatório pericial apresentado nos autos em 07/10/2022, e os esclarecimentos prestados pela senhora perita na sessão de 07/06/2023 da audiência final, no excerto de minutos 07:40 a 08:25.
No relatório pericial datado de 17 de agosto de 2022, subscrito pela senhora perita médica CC, na referida página 9, penúltimo parágrafo, consta o seguinte:
Na situação em apreço é de perspetivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso. Neste caso, é previsível a evolução das coxartroses das ancas que podem vir a necessitar de artroplastia das ancas, o que pode motivar a reabertura do processo.
Ouvida a gravação, a mesma senhora perita, em sede de audiência de julgamento, referiu que “Temos uma artrose pós-traumática que neste momento ainda não carece de cirurgia, mas que nós, pela patologia levantamos a questão do dano futuro porque já tem a artrose estabelecida.
Da conjugação do relatório pericial e posteriores esclarecimentos em audiência resulta a evolução das coxartroses das ancas que podem vir a necessitar de artroplastia das ancas, não resulta que tal artroplastia seja inevitável. Ora, o tribunal recorrido deu como provado na alínea rrr) que a autora “Necessitará de ser submetida a tratamentos médicos em face da evolução certa e segura do agravamento da artrose em ambas as ancas.” E, nessa sequência, no dispositivo, condenou a recorrida seguradora a pagar à autora as despesas que a mesma comprovar ter despendido quanto a: (iv) tratamentos médicos que em face da evolução certa e segura do agravamento da artrose em ambas as ancas.”
E no relatório de esclarecimentos de 3 de março de 2023, a senhora perita referiu:
 “Na situação em apreço é de perspetivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso.”
Esta fase tem relação com a existência de queixas de artrose em ambas as ancas decorrente das lesões traumáticas do acidente. A evolução da artrose é previsível, mas o tipo de tratamentos que virá mais tarde a necessitar ou mesmo a incapacidade final que poderá vir a ter após esses eventuais tratamentos não é passível de ser respondida, neste momento, com igual certeza. Assim será necessário deixar em aberto a necessidade de revisão futura”
Face a este dano futuro, hipotética(s) intervenção(ões) cirúrgicas estão necessariamente contidas na condenação da sentença que refere “tratamentos médicos”. Esta última expressão, constante do dispositivo, é, e tem de ser, suficientemente ampla, por forma a acomodar as soluções terapêuticas que a legis artis aconselhe e/ou imponha, na altura em que o tratamento desses danos futuros seja necessário. E o estado das artes, nessa altura, pode até conduzir à conclusão de que existam para a autora outras alternativas, para si mais vantajosas, a hipotéticas cirurgias.
Consideramos, assim, que neste ponto se encontra corretamente fixada a matéria de facto, razão pela qual improcede a pretensão da recorrente.
Prossegue, depois, a autora/recorrente alegando que na audiência final os mandatários da autora e da ré ditaram para a ata um requerimento com o seguinte teor: “Requer-se a V. Exa. que fique consignado em ata que através do cheque nº ...73, sacado pela Ré EMP01... sobre o Banco 1... e passado à ordem da Autora, a Ré por conta da indemnização a fixar neste Tribunal já pagou à Autora no dia 20.05.2022 a quantia de 50.000,00€, que deverá ser deduzida ao montante a fixar a título indemnizatório.”
Esse requerimento deu origem ao ponto pppp) dos factos provados, com o seguinte teor: “A Ré pagou à Autora, por conta da indemnização a fixar judicialmente, a quantia de €50.000,00”.
A Autora entende que esse ponto da decisão da matéria de facto deveria conter, também, a data em que o referido pagamento de €50 000,00 foi feito, já que a mesma se revela necessária para o cômputo dos juros moratórios devidos.
Aqui, é manifesta a razão que assiste à recorrente. Como bem refere a mesma, a referida data é necessária para efeitos do cálculo dos juros decorrentes da condenação.
Assim, tornando-se desnecessárias outras considerações, delibera-se aditar ao ponto pppp) dos factos provados a data de 20 de maio de 2022, passando a referida alínea a ter a seguinte redação:
pppp) Em 20 de maio de 2022, a ré pagou à autora, por conta da indemnização a fixar judicialmente, a quantia de €50.000,00.
Procede, assim, nos sobreditos termos, a impugnação da matéria de facto deduzida nesta parte.
**********
Tendo a ré interposto recurso subordinado, onde também impugnou matéria de facto, o conhecimento desta, e respetiva estabilização factual, revela-se pressuposto lógico necessário das considerações de direito que façamos em sede de recurso independente, face às concretas questões neste levantadas.
Assim, antes de mais, conhecer-se-á da impugnação da matéria de facto deduzida pela ré.

Da impugnação da matéria de facto pela ré em sede de recurso subordinado:

Reproduzindo as considerações que efetuamos sobre os requisitos de admissibilidade da impugnação de matéria de facto, também aqui consideramos cumpridos aqueles.

A recorrente/ré insurgiu-se contra a consideração como provado do facto ddd), com a seguinte redação:
Deixou de ter relações sexuais por sentir dor ao nível da bacia
Alegou a recorrente que tal facto, dado como provado de forma aberta e perentória, leva a que se conclua que a autora, devido às sequelas do acidente em causa nos autos, teria uma incapacidade absoluta para o ato sexual, o que não corresponde à prova produzida nem à demais matéria de facto dada como provada.
Desde logo, discordamos em absoluto da recorrente quando retira a conclusão de que a redação do facto inculca a ideia de uma incapacidade absoluta para o ato sexual. Deixar de ter relações sexuais não equivale a estar absolutamente incapacitada para as ter.
Sem embargo do exposto, analisemos os elementos probatórios constantes dos autos.

No relatório pericial, página 6, e na parte do exame objetivo, refere-se o seguinte:

Membro inferior direito: bacia: ausência de assimetrias aparentes macroscopicamente; palpação dolorosa da região púbica; articulações sacroilíacas e cristas ilíacas; refere como dolorosas todas as mobilidades da anca, apresentando limitação dos arcos de movimento, foram constatados os seguintes arcos: flexão de 0º a 90º, abdução de 0º a 45º, adução completa, rotação interna e externa com arcos de 0º a 40º. Dores difusas a virilha coxa e sacroilíaca.
Membro inferior esquerdo: bacia: ausência de assimetrias aparentes macroscopicamente; palpação dolorosa da região púbica; articulações sacroilíacas e cristas ilíacas; refere como dolorosas todas as mobilidades da anca, apresentando limitação dos arcos de movimento, foram constatados os seguintes arcos: flexão de 0º a 90º, abdução de 0º a 40º, adução completa, rotação externa com arcos de 0º a 35º e rotação interna quase abolida, devido às queixas álgicas. Dores difusas a virilha coxa e sacroilíaca.”
(…)
Repercussão Permanente na Atividade Sexual (correspondendo à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e/ou psíquicas, não se incluindo aqui os aspetos relacionados com a capacidade de procriação; trata-se do dano anteriormente designado por Prejuízo Sexual). É fixável no grau 3.
A senhora perita referiu em audiência que a autora tinha dores associadas ao ato sexual, dor física e também a decorrente de depressão, conseguindo ter relações com medicação analgésica, designadamente em períodos de maior melhoria das dores.
Em que é que isto infirma a redação do tribunal recorrido? Em nada. O tribunal recorrido não considerou provada uma absoluta incapacidade para o ato sexual, mas apenas que a autora deixou de ter relações sexuais por sentir dores, o que é manifestamente diferente.
Mantemos assim inalterada a redação do referido facto, improcedendo a impugnação da matéria de facto deduzida em sede de recurso subordinado.
**********
Assente a matéria de facto, importa agora conhecer do demais alegado em sede de Direito.

Do recurso independente:
A recorrente/autora começa por se insurgir quanto ao montante fixado na sentença recorrida a título de danos não patrimoniais, defendendo que deveriam ter sido fixados €100.000,00 acrescidos de juros moratórios, ao invés dos €90.000,00 decididos.
O tribunal recorrido, a este propósito, e além do mais, fez as seguintes considerações:
Assim, atendendo ao número de dias em que a Autora esteve com um défice funcional temporário total (32 dias), o número de dias com um défice funcional temporário parcial (700 dias), ao período de repercussão temporária na atividade formativa total (732 dias), ao défice permanente (37 pontos), às dores sofridas (5/7), ao dano estético permanente (3/7), à repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer (3/7), sendo de sublinhar a circunstância de ter ficado com dor crónica, ter visto a sua qualidade de vida, quer do ponto vista físico, quer do ponto de vista social e psiquiátrico, afetada, de ter ficado limitada funcionalmente na vida ativa, e, em qualquer juízo de prognose que fizer quanto ao seu futuro, se concluirá que nas atividades mais quotidianas e normais do dia-a-dia necessitará de desenvolver esforços suplementares e de se submeter a tratamentos regulares, consideramos justo, proporcional, adequado e equitativo fixar uma indemnização, para ressarcimento dos danos não patrimoniais decorrentes do evento, de € 90.000,00.
Importa realçar, desde logo, que as partes põem em causa somente o montante da indemnização arbitrada, tornando-se supérfluas, por isso, considerações doutrinais aprofundadas sobre o caráter da indemnização e respetivos requisitos.
Assim, dir-se-á, somente, que a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais pressupõe, nos termos do artº 496º, nº 1, do Código Civil, que aqueles, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo calculados, essencialmente, com base na equidade, de acordo com o nº 4 do mesmo preceito.
Por outro lado, e como assinala o STJ no seu recente acórdão de 14 de março p.p., processo nº 1008/19.8T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, tal como os demais sem indicação diversa, “Quando se trata de fixar indemnização por danos não patrimoniais está em causa, não propriamente, o seu ressarcimento, visto que, por sua natureza são insuscetíveis de avaliação económica, mas um esforço de compensação. Quer dizer, a função da indemnização, nestes casos, traduz-se em facultar ao lesado uma compensação pelo sofrimento, angústia ou incómodos relevantes que suportou em consequência do facto produtor dos danos”.
Na fixação de indemnização a este título, incumbe ao julgador uma dupla dimensão valorativa: tem não só de atender às especificidades do caso concreto, como também a critérios de justiça relativa, decorrentes do que foi fixado em casos tendencialmente idênticos.
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 6 de março p.p., processo nº 13390/18.0T8PRT.P1.S1, elencou comparativamente um conjunto de decisões para concluir pela justeza do montante que havia sido fixado nas instâncias. Todavia, “tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma questão de direito, importa essencialmente (…) verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis.” – AcSTJ de 14/09/2023, processo nº 1974/21.3T8PNF.P1.S1.
Sendo uma evidência a inexistência de dois casos iguais, façamos um curto excurso jurisprudencial relativo a decisões recentes.
- No AcSTJ de 7 de março de 2023, processo nº 766/19.4T8PVZ.P1.S1, em que o lesado, nascido em 1947, ficou com sequelas que lhe determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 37 pontos, padeceu de um quantum doloris de 6 pontos numa escala de 7, sofreu um dano estético de 3 pontos numa escala de 7, com repercussão permanente de tais sequelas na atividade desportiva e de lazer do autor correspondente a 5 pontos, numa escala de 7, com um período de défice temporário total fixável em 39 dias, e um período de défice temporário parcial fixável em 39 dias, foi fixada a indemnização de €40.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a data do acórdão.
- No AcSTJ de 5/09/2023, processo nº 549/16.3T8LRA.C2.S1, em que o lesado tinha 35 anos à data do acidente, ficou com sequelas que lhe determinaram um défice funcional permanente de 37 pontos, sofreu e sofre um enorme desgosto e angústia de se ver inutilizado para o resto da vida, perdeu a alegria de viver, se sente inútil e desmotivado para continuar a viver e a lutar por si e sua família, incluindo dois filhos menores, já não convive com os seus amigos, perdeu completamente a sua libido e não consegue ter relações sexuais, padecendo de disfunção sexual grave, com grave compromisso da libido e disfunção erétil, foi fixada uma indemnização por danos não patrimoniais de €75.000,00.
- No AcSTJ de 11/01/2024, processo nº 25713/15.9T8SNT.L1.S1, em que a lesada, nascida em 1964, ficou a padecer de défice funcional da integridade física de 45 pontos, ficou a padecer de dano estético fixado em grau 5 de 7, sofreu um quantum doloris quantificável num grau 6 de uma escala de 7, e sofre de um prejuízo em termos de repercussão permanente na atividade sexual fixável em termos médico-legais no grau 3, sofrendo um prejuízo em termos de repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixado em termos médico-legais no grau 5 numa escala de 7, foi fixada (confirmada) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €70.000,00.
- No AcSTJ de 21/06/2022, processo nº 1991/15.2T8PTM.E1.S1, em que o lesado tinha 30 anos à data do acidente, tendo ficado a padecer de um défice funcional permanente de 39 pontos, com um quantum doloris de 5 em 7, um dano estético fixado no grau 3 de 7, com repercussões negativas na sua atividade sexual fixadas num grau 3 de 7, tendo sido reformado por invalidez e necessitando no futuro de continuação de acompanhamento médico, com novas consultas e tratamento, foi fixada uma indemnização por danos não patrimoniais de €85.000,00.

E, nesta Relação, procurando casos tendencialmente idênticos:
- No AcRG de 2/02/2023, processo nº 1678/18.4T8VCT.G1, em que o lesado, nascido em 1949, ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade física de 36 pontos, padeceu de um período de défice funcional temporário total de 201 dias, de um período de défice funcional temporário parcial de 371 dias, de um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 572 dias, de um quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de 1 a 7, de um dano estético permanente fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7, de uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7, foi fixada (confirmada) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €100.000,00 acrescidos de juros de mora desde o trânsito em julgado do acórdão.
- No AcRG de 16/03/2023, processo nº 5172/18.5T8BRG.G1, em que o lesado, com 50 anos à data do acidente, ficou a padecer de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 31 pontos, em que o quantum doloris foi fixado no grau 5 em 7, em que padeceu de um período de défice funcionário temporário parcial fixável em 137 dias, em que o dano estético permanente foi fixado no grau 4 numa escala de 7, em que a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixado no grau 3 em 7,  em que a repercussão permanente na atividade sexual foi fixada no grau 5 de 7, foi fixada (confirmada) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €100.000,00, acrescidos de juros contados desde o trânsito em julgado do acórdão.
Balizado o quadro jurisprudencial de situações tendencialmente idênticas, haverá, então, que determinar se se justifica o aumento da indemnização de €90.000,00 para €100.000,00, como pretende a autora.
Ora, “Sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral sofridas pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, quanto possível, a intensidade dessa dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória, fazendo funcionar a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, de forma que se tenha em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.” – cfr. AcSTJ de 14/09/2023, processo nº 1974/21.3T8PNF.P1.S1.
Mas, a utilização de critérios de equidade na fixação da indemnização não impede que se tenham em conta as exigências decorrentes do princípio da igualdade e a inerente uniformização de critérios, pelo que devem sempre ser considerados os padrões indemnizatórios geralmente adotados pela jurisprudência em casos análogos.  - cfr. AcRG de 11/05/2023, processo nº 1236/18.3T8VRL.G1.
Resulta à saciedade da factualidade provada, designadamente da constante nas alíneas z) a ttt), a gravidade do acidente e sequelas sofridas pela autora, que se traduziram, conclusivamente, num défice funcional permanente de 37 pontos numa escala médico-legal de 100, bem como num quantum doloris fixado no grau 5 de uma escala de 7, num dano estético permanente fixável num grau 3 de uma escala de 7, numa repercussão na sua atividade sexual fixável num grau 3 em 7 e com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixadas no grau 3 de uma escala médico-legal de 7 pontos.
Ponderada tal factualidade, e no cotejo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, bem como com as demais considerações que expendemos, temos de considerar inexistir fundamento para aumentar a peticionada indemnização em €10.000,00, improcedendo assim a pretensão recursória nesta parte, o que se delibera.
A recorrente insurge-se, depois, contra o montante fixado de €150.000,00 a título da perda de capacidade de ganho/dano biológico - sic, alegando que deveria ter sido fixada indemnização no montante de €200.000,00.
A recorrente não explica concretamente a razão pela qual o montante fixado fica aquém do devido, fundamentando-a genericamente na factualidade dada como provada (conclusão 14). Fica assim por perceber a razão pela qual entende que a questão não foi bem decidida, nem quais os critérios que entende que deveriam ter sido seguidos.
Não obstante, far-se-ão breves considerações.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2016, processo nº 175/05.2TBPSR.E2.S1, refere-se o seguinte:
“A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar: na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis diminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais; e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em lesada com 18 anos de idade, ficando as perspetivas de evolução no campo profissional plausivelmente afetadas pelas irremediáveis sequelas, físicas das gravosas lesões corporais sofridas.
E, nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis diminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional – considerando-se, em termos de equidade, que representará compensação adequada desse dano biológico o valor de € 15.000, que acrescerá assim ao montante de €85.000 arbitrado pelo acórdão recorrido”.
Ou seja, a limitação funcional em que se consubstancia o denominado dano biológico tem como fundamento a efetiva redução das capacidades físicas e psicológicas do sinistrado, constituindo grave lesão do direito fundamental do lesado à sua integridade física, da qual pode derivar, ou não, conforme os casos, a correspondente perda da capacidade de ganho.
(Sobre esta matéria, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2017 (relator Oliveira Vasconcelos), proferido no processo nº 1862/13.7TBGDM.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2019 (relatora Rosário Morgado), proferido no processo nº 2706/17.6T8BRG.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2021 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 730/17.8T8PVZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 2545/18.7T8VNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2018 (relator Hélder Almeida), proferido no processo nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2013 (relator Salazar Casanova), proferido no processo nº 565/10.9TBPVL.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2011 (relator Gregório de Jesus), proferido no processo nº 7449/05.0TBVFR.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 298/06.0TBSJM.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2011 (relator Vieira Cunha), proferido no processo nº 26422/18.2T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2023 (relator António Barateiro Martins), proferido no processo nº 5986/18.6T8LRS.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo nº 2517/16.6T8AVR.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo nº 9957/19.7T8VNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 1046/15.0T8PNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2022 (relatora Maria da Graça Trigo), proferido no processo nº 1082/19.7T8SNT.L1.S1,  - tudo apud  AcSTJ de 1 de março de 2023, processo nº 10849/17.0T8SNT.L1.S1.
Na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho futuro, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes fatores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro fator que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, ou da previsível atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, encontrando, assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração critérios objetivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, enunciados na precedente alínea.” – cfr. AcSTJ de 14/09/2023, processo nº 1974/21.3T8PNF.P1.S1.
Na sentença recorrida, e para aferir da perda da capacidade de ganho, o tribunal recorrido tomou em consideração o valor do rendimento médio anual da autora. E, para determinar este, o tribunal considerou o rendimento anual enquanto trabalhadora de uma sociedade no montante de €8.791,16 somando-lhe o valor do trabalho doméstico desenvolvido em casa, à razão de 2 horas diárias, no valor de €5.040, perfazendo um rendimento global de €13.831,16.
O tribunal recorrido tomou ainda em consideração o tempo provável de vida ativa da autora, no cotejo com a sua idade, de forma a obter um capital produtor desse rendimento perdido. Considerou ainda uma esperança média de vida de 83 anos, uma taxa de juro de remuneração do capital de 3% ao ano, uma taxa de inflação de 1% ao ano, uma taxa de 1% para os ganhos de produtividade e uma taxa de 1% ao ano para progressão profissional. Tomou também em consideração o défice permanente da integridade físico-psíquica fixado em 37 pontos.
A recorrente nada alegou que infirmasse o critério utilizado, designadamente propondo outro (vide as considerações efetuadas no AcRG de 9/11/2023, processo nº 2984/22....), ou explicando qual a incorreção cometida.
Torna-se, assim, ininteligível a razão da pretendida alteração do montante fixado que, como se verá em sede de apreciação do recurso subordinado, sempre se revelaria desajustado, por excesso, face aos critérios seguidos pelo STJ, improcedendo, desta forma, a pretensão da recorrente, o que se delibera.
A recorrente alegou, seguidamente, que na indemnização do dano futuro não foram incluídos os danos e despesas que resultarão da factualidade vertida nos artigos 7º, 8º, 9º, e 9º (repetido) do articulado superveniente apresentado em 3 de janeiro de 2023.
A questão foi já abordada em sede de decisão da impugnação da matéria de facto, onde, além do mais, referimos já que “o tribunal recorrido deu como provado na alínea rrr) que a autora “Necessitará de ser submetida a tratamentos médicos em face da evolução certa e segura do agravamento da artrose em ambas as ancas.” E, nessa sequência, no dispositivo, condenou a recorrida seguradora a pagar à autora as despesas que a mesma comprovar ter despendido quanto a: (iv) tratamentos médicos que em face da evolução certa e segura do agravamento da artrose em ambas as ancas.”
Face a este dano futuro, hipotética(s) intervenção(ões) cirúrgicas estão necessariamente contidas na condenação da sentença, no ponto (iv) que refere “tratamentos médicos”. Esta última expressão, constante do dispositivo, é, e tem de ser, suficientemente ampla, por forma a acomodar as soluções terapêuticas que a legis artis aconselhe e/ou imponha, na altura em que o tratamento desses danos futuros seja necessário. E o estado das artes, nessa altura, pode até conduzir à conclusão de que existam para a autora outras alternativas, para si mais vantajosas, a hipotéticas cirurgias.”
Inexiste, assim, qualquer aditamento a fazer ao dispositivo, improcedendo esta pretensão da recorrente, o que se delibera.
Por último, a recorrente/autora alega que o dispositivo deve ser alterado, na sequência da aposição de data na alínea pppp) dos factos provados.
Como já se referiu em sede de decisão da impugnação da matéria de facto, a data em que foi feito o adiantamento pela ré de €50.000,00 releva para efeito da contagem dos juros, razão pela qual haverá que contar os juros à taxa de 4% desde a citação até ../../2022 sobre a quantia condenatória (excluindo o montante relativo a danos não patrimoniais, atualizado à data da decisão, e que só vencerá juros desde o trânsito em julgado da decisão que os fixa), vencendo-se esta mesma taxa de 4% a partir de 21 de maio de 2022 sobre o remanescente deduzido dos referidos €50.000,00.
Delibera-se, assim, julgar procedente o recurso quanto a este ponto.

Do Recurso Subordinado
Decidida que foi a impugnação da matéria de facto, a recorrente subordinada insurge-se depois contra a indemnização fixada a título de perda da capacidade de ganho, defendendo que esta se deve limitar às atividades produtoras de rendimento exercidas pela lesada, onde não se inclui a execução de lides domésticas.
Mais alegou que considerando a idade da autora, o seu défice funcional permanente, a sua retribuição, a possibilidade de manter a sua atividade habitual com esforços suplementares e o recebimento imediato da prestação, a indemnização não deveria exceder €100.000,00.
Sem prejuízo do exposto, ainda que se considerasse adequado pressupor a retribuição anual nela incluindo o trabalho decorrente da execução das lides domésticas, sempre a indemnização a título de perda da capacidade de ganho não deveria ultrapassar os €140.000,00.
       
 Vejamos se assiste razão ao recorrente.
Considerar que o dano biológico se confunde exclusivamente com a perda da capacidade de ganho consubstancia uma interpretação excessivamente restritiva.
O que se trata aqui, é “da aplicação unicamente de juízos de equidade, nos termos gerais do artº 566º, nº 3, do Código Civil, que permitam calibrar um montante indemnizatório que abranja a menor potencialidade do acidentado no desempenho das funções laborais que, não obstante as lesões sofridas e respetivas sequelas, consegue desenvolver na mesma área económica ou empresarial. O sinistrado é, deste modo, compensado no âmbito do próprio dano biológico, pelo esforço acrescido ou suplementar que implica agora o desempenho da sua atividade laboral, que mantém em posição profissional (categoria) similar à que antes do acidente detinha, bem como pela perda de potencialidade para se alcandorar a um patamar superior de rentabilidade relativamente à sua atual prestação, com reflexo necessário na diminuição de nível remuneratório a que poderia, noutras circunstâncias e com razoável probabilidade, ascender.” – cfr. AcSTJ de 1/03/2023, processo nº 10849/17.0T8SNT.L1.S1.        
O mesmo STJ, em acórdão de 21/04/2022, processo nº 96/98.9T8PVZ.P1.S1, fez as seguintes considerações:
Este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais. É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, suscetível de afetar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos.
(…) Com efeito, uma incapacidade permanente parcial não se esgota na incapacidade para o trabalho, constituindo em princípio um dano funcional, mas sempre, pelo menos, um dano em si mesmo que perturba a vida da relação e o bem-estar do lesado ao longo da vida. Pelo que é de considerar autonomamente esse dano, distinto do referido dano patrimonial, não se diluindo no dano não patrimonial, na vertente do tradicional pretium doloris ou do dano estético.
O lesado não pode ser objeto de uma visão redutora e economicista do homo faber. A incapacidade permanente (geral) de que está afetada a vítima constitui, nesta perspetiva, um dano em si mesmo, cingindo-se à sua dimensão anátomo-funcional.
A incapacidade permanente geral (IPG) corresponde a um estado deficitário de natureza anatómica-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente comuns a todas as pessoas. Pode ser valorada em diversos graus de percentagem, tendo como padrão máximo o índice 100. Esse défice funcional pode ter ou não reflexo direto na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho
Decorre do supra exposto que a consideração para efeitos de indemnização dos reflexos que o défice funcional permanente da lesada teve na sua vida extraprofissional, designadamente em termos das tarefas domésticas, afigura-se-nos correta, ainda que com um enquadramento não coincidente.
Questão diferente é a de saber se o montante da indemnização de €150.000,00 fixada a este título se afigura excessiva, devendo ser reduzida, como pretende a recorrente subordinada.
Também aqui se impõem critérios de justiça relativa, importando verificar o que a jurisprudência tem fixado a tal título, designadamente no Supremo Tribunal de Justiça, servindo-nos, para tanto, do respigado jurisprudencial constante do já citado AcSTJ de 1/03/2023, processo nº 10849/17.0T8SNT.L1.S1:
“— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 25/05/2017, para uma incapacidade de 25%, sinistrado com 41 anos, indemnização de € 170.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/2017, para uma incapacidade de 27%, sinistrado com 21 anos, indemnização de € 108.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 11/02/2016, para uma incapacidade de 32 pontos, sinistrado com 26 anos, indemnização de € 140.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 19/09/2019, para uma incapacidade de 32 pontos, sinistrado com 45 anos, indemnização de € 200.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 09/07/2015, para uma incapacidade de 36 pontos, sinistrado com 58 anos, indemnização de € 100.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 26/01/2012, para uma incapacidade de 40%, sinistrado com 28 anos, indemnização de € 80.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 21/01/2016, para uma incapacidade de 40,35 pontos, sinistrado com 21 anos, indemnização de € 136.500,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 16/03/2017, para uma incapacidade de 41 pontos, sinistrado com 19 anos, indemnização de € 250.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 29/01/2019, para uma incapacidade de 44 pontos, sinistrada com 24 anos, indemnização de € 95.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 07/03/2017, para uma incapacidade de 45 pontos, sinistrado com 24 anos, indemnização de € 190.000,00;
—Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 19/06/2019, para uma incapacidade de 65 pontos, sinistrada com 45 anos, indemnização de € 195.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 17/11/2015, para uma incapacidade de 65 pontos, sinistrada com 20 anos, indemnização de € 400.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 12/12/2017, para uma incapacidade de 70 pontos, sinistrada com 31 anos, indemnização de € 238.879,10
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 23/10/2018, para uma incapacidade de 72 pontos, sinistrado com 54 anos, indemnização de € 350.000,00
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 12/03/2015, para uma incapacidade de 73 pontos, sinistrada com 20 anos, indemnização de € 280.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 06/07/2017, para uma incapacidade de 87%, sinistrado com 44 anos, indemnização de € 150.000,00;
— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 10/09/2019, para uma incapacidade de 100 pontos, sinistrado com 7 anos, indemnização de € 450.000,00”.
E, atendo-nos a jurisprudência mais recente:
- No AcSTJ de 5/09/2023, processo nº 549/16.3T8LRA.C2.S1, em que o lesado tinha 35 anos à data do acidente, ficou com sequelas que lhe determinaram um défice funcional permanente de 37 pontos, foi fixada uma indemnização por danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico, de €400.000,00.
- No AcSTJ de 11/01/2024, processo nº 25713/15.9T8SNT.L1.S1, em que a lesada, nascida em 1964, ficou a padecer de défice funcional da integridade física de 45 pontos, foi confirmada uma indemnização por dano biológico de €150.000,00.
- No AcSTJ de 21/06/2022, processo nº 1991/15.2T8PTM.E1.S1, em que o lesado tinha 30 anos à data do acidente, tendo ficado a padecer de um défice funcional permanente de 39 pontos, foi confirmada uma indemnização por dano biológico de €75.550,00.
Atenta a factualidade provada, no cotejo com as considerações e cálculos expendidos na sentença, considerando ainda a idade da autora, o seu défice funcional permanente, a sua retribuição, a possibilidade de manter a sua atividade habitual com esforços suplementares e o recebimento imediato da prestação, afigura-se-nos que o montante de €150.000,00 (a recorrente entendia que deveria ser fixado um valor não superior a €140.000,00) se encontra correto.
Delibera-se, assim, manter o mesmo.
Insurge-se, depois, a recorrente subordinada quanto ao valor fixado a título de danos não patrimoniais, alegando que o mesmo deve ser fixado em €70.000,00.
Damos aqui por reproduzidas as considerações que fizemos sobre os danos não patrimoniais em sede de recurso independente. Acrescentaremos, somente, que no cálculo dos danos não patrimoniais decorrentes de acidente de viação estando em causa critérios de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, sendo que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Ora, como vimos aquando da apreciação do recurso independente, a quantia fixada de €90.000,00 não se afigura desproporcionada, mormente tendo em consideração decisões anteriores desta Relação (não há dois casos iguais), que citámos.
Assim, considerando o quadro fáctico dado como provado, e o inquestionável sofrimento e sequelas de que padece a autora, entendemos inadequada a pretensão da seguradora recorrente de baixar a indemnização para os €70.000,00 pedidos, mantendo-a, ao invés, no valor de €90.000,00 fixado na sentença recorrida.
Improcede, assim, o recurso subordinado.
Considerando a conduta processual das partes e não revestindo a causa especial complexidade, nos termos do artº 6º, nº 7, do RCP, delibera-se dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça que exceda o valor de €275.000,00.

V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso independente interposto pela autora, alterando o dispositivo da sentença quanto ao cômputo dos juros relativos à indemnização por danos patrimoniais, que vencerá juros à taxa de 4% ao ano sobre a quantia de cento e sessenta e oito mil, quinhentos e oitenta e cinco euros, e oitenta e cinco cêntimos (€168.585,85), contados desde a citação até ao dia ../../2022 (data em que foi pago o adiantamento de cinquenta mil euros), e desde ../../2022 vence juros contados sobre a quantia de cento e dezoito mil quinhentos e oitenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos (€118.585,85) até integral pagamento.
Mais se delibera julgar improcedente quanto ao mais o recurso independente, julgando também totalmente improcedente o recurso subordinado, confirmando-se a sentença recorrida no demais.
Custas pelos recorrentes, na proporção do respetivo decaimento – artº 527º, nº1, e 2, do CPC, dispensando-se as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça excedente a €275.000,00, nos termos do artº 6º, nº7, do RCP.
Notifique.
Guimarães, 4 de abril de 2024.

Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1ª Adjunta: Maria João Marques Pinto de Matos.
2ª Adjunta: Rosália Cunha.