JUSTO IMPEDIMENTO
FALTA DE MANDATÁRIO
ADIAMENTO DE DILIGÊNCIA
Sumário


A situação do advogado que no dia do julgamento recorreu a urgência hospitalar, tendo-lhe sido diagnosticada lombalgia e recomendado repouso, facto que comunicou ao tribunal, integra o conceito de justo impedimento e justifica o adiamento da audiência final.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

EMP01..., S.A. veio requerer a declaração de insolvência de EMP02..., LDA.

A requerida deduziu oposição.

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Em 31.7.2023, a requerida apresentou requerimento no qual requereu a suspensão da instância até que se decida, com trânsito em julgado, a ação de separação de bens com o nº 5468/19.....
O referido requerimento não foi objeto de decisão.
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Foi designada como data para a realização da audiência final o dia 13.11.2023, pelas 14 h.
Por requerimento de 13.11.2023, enviado às 12.02.03, o Dr. AA, mandatário da requerida, informou “da impossibilidade superveniente de comparecer na diligência agendada” para esse dia, solicitando “que seja a mesma reagendada em data a designar”.
Com esse requerimento juntou um comprovativo de pagamento emitido pelo Hospital ... e emitido em nome de AA no qual se refere que dele receberam a importância abaixo indicada correspondente ao pagamento da taxa moderadora do episódio de urgência nº ...37, efetuado nesse Hospital em 13.11.2023.
Por requerimento de 13.11.2023, enviado às 14.22.26, o Dr. AA, mandatário da requerida, apresentou requerimento de teor idêntico ao anteriormente referido e juntou cópia do Diário Clínico relativo ao episódio de urgência nº ...37 onde consta que foi assistido pelo Dr. BB e que se trata de:

“Doente M, 43 anos
lombalgia após mau jeito
sem red flags, sem défices
dor na coluna lombar sem irradiação para os membros inferiores
medicado
recomendo repouso
ensino de cuidados e sinais de alarme.”
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A audiência final foi aberta pelas 15.02 h, e não antes em virtude de o tribunal se encontrar a aguardar pela presença do representante da requerida, sendo que a essa hora se verificou que não se encontravam presentes nem o administrador da devedora nem o seu mandatário.
Foi, então, proferido despacho com o seguinte teor:

“No que se refere à falta do ilustre mandatário da Requerida, no requerimento apresentado nos presentes autos pelo mandatário da requerida, no dia de hoje, com a referência ...39, vem aquele ilustre mandatário alegar ou informar o Tribunal da “impossibilidade superveniente” de comparecer na diligência agendada para o dia de hoje, alegando que a mesma deve ser dada sem efeito e solicitando que a mesma seja reagendada em data a designar, junta o que chama de comprovativo de presença nas urgências.
Ora, o documento que foi junto consubstancia um recibo, alegadamente, emitido pelo Hospital ..., de ..., onde refere "Recebemos do Senhor AA, no dia 13/11/2023, a importância abaixo indicada, correspondente ao pagamento da taxa moderadora do episódio de Urgência nº ...37, efectuado neste Hospital em 13/11/2023.
O requerimento apresentado pelo ilustre mandatário só alega a impossibilidade superveniente de comparecer, não dizendo em que se verifica tal impossibilidade, ou seja, o ilustre mandatário não diz porque é que está impossibilitado de comparecer, sendo certo que do recibo que é junto apenas se retira o facto de, eventualmente, o ilustre mandatário ter recorrido à urgência do hospital, onde efectuou o pagamento da taxa moderadora, não se percebe quando é que foi feito esse pagamento, em que momento e se o mesmo fez o pagamento é porque o eventual episódio de urgência que refere ter existido já teve o seu término.
Por isso, e porque não é alegada qualquer doença ou qualquer motivo que o impossibilite de estar nesta diligência, salvo melhor opinião, não há qualquer justo impedimento, pelo que o Tribunal julga não existir qualquer motivo que leve à não realizar a diligência para hoje designada.
Assim, indefiro o requerido adiamento da diligência, pelo que a mesma será então realizada.
Notifique.
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Verifica-se, então, que não se encontra presente nem o ilustre mandatário da Requerida, conforme decorre do que se disse anteriormente e também não se encontra presente nenhum dos legais representantes da devedora, sendo que o Tribunal aguardou até esta hora (15:09 horas) com vista a que se aguardasse pela presença de algum legal representante da devedora nas instalações do Tribunal, o que não se verificou.
Sendo assim, e nos termos do que dispõe o artº 35º, nº 2 do CIRE, que estabelece que não comparecendo o devedor nem o seu representante têm-se por confessados os factos alegados na petição inicial, o Tribunal julga verificados todos os factos alegados na petição inicial, sendo, de seguida, proferida sentença.
Notifique.”

Após, foi proferida sentença, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo sido declarada a insolvência da requerida.
A audiência foi encerrada pelas 15 h 15 m e o legal representante da devedora CC compareceu na secretaria quando eram 15 h 30 m.
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Em 13.11.2023 foi lavrada cota onde consta que o requerimento ref. ...59 apesar de constar como entrado em 14.22.26 apenas ficou visível quando eram 15:17 minutos.

Em 21.11.2023 foi proferido despacho que, na parte que aqui releva, tem o seguinte teor:

“refª ...59, de 13-11-2023:
Fique nos autos, nada havendo a ordenar face ao decidido na audiência de julgamento.
Consigna-se que atenta a informação plasmada na cota com a referência ...37, de 13-11-2023 (“Consigno que o requerimento refª ...59 apesar de constar como entrado em 14:22:26 apesar ficou visível quando eram 15:17 minutos”), o requerimento em apreço só ficou visível após o encerramento da audiência, que ocorreu pelas 15h15, conforme consta da respectiva acta.
Acresce que do registo clínico junto consta que o requerente foi admitido em 13-11-2023, às 8:59, na urgência do Hospital, “com lombalgia após mau jeito”, foi medicado e recomendado repouso. Não resulta de tal registo clínico que estivesse impossibilitado de comparecer à audiência designada para às 14h00 do referido dia.
Assim, nada mais há a ordenar.
Notifique.”
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A requerida EMP02..., LDA. não se conformou com o despacho e sentença proferidos em 13.11.2023 na audiência final e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“Por despacho proferido pelo Tribunal recorrido, no dia 13 de novembro de 2023 foi decidido o seguinte:
Assim, indefiro o requerido adiamento da diligência, pelo que a mesma será então realizada.

O tribunal ad quo, ainda antes da sessão de julgamento ter iniciado, foi informado, mediante requerimentos enviados pelo mandatário da Recorrente, que este se encontra impedido de comparecer na referida diligência, mais tendo requerido o seu reagendamento, vejamos:
- através de requerimento dirigido aos autos, no próprio dia, às 12:02:03, com a referência citius 15323439, foi este tribunal informado de que o mandatário se encontrava impedido de comparecer na referida diligência, por impossibilidade superveniente, tendo sido junto com o seu requerimento um recibo do serviço de urgência do Hospital ..., E.P.E, de ....
- através de requerimento dirigido aos autos, no mesmo dia, ás 14:22:26 com a referência citius 15324359, o mandatário procedeu à junção de atestado médico emitido na consulta de urgência a que compareceu, no qual consta que o mesmo compareceu ao serviço de urgência por “lombalgia após mau jeito”, queixando-se de “dor na coluna”. Tendo sido medicado e recomendado repouso.

Com efeito, a simples junção aos autos de declaração ou recibo do serviço de urgência já comprova, por si só, que o mandatário teve uma emergência médica, não se encontrando no seu perfeito estado de saúde.

No entanto, para dissipar qualquer tipo de dúvidas, o mandatário, através do seu escritório, procedeu à junção aos autos do histórico da consulta de urgência a que compareceu, onde consta que o mesmo foi medicado e recomendado repouso.
Ora, a recomendação e repouso não se coaduna com a condução desde o seu escritório até ao tribunal judicial de ..., nem tanto a comparência à sessão de julgamento em causa nos autos.

De modo que, efetivamente entendemos estar demonstrado que o mandatário não tinha qualquer possibilidade, nem condições de comparecer à Audiência de Julgamento.

Por outro lado, conforme resulta dos autos, a procuração encontra-se outorgada apenas a favor de um mandatário, não existindo qualquer substabelecimento nos autos, de modo que apenas o mandatário poderia intervir na audiência de discussão e julgamento nos presentes autos.

Não existindo ainda, qualquer indício por parte do tribunal a quo de se trataria de um expediente dilatório para adiar a diligência, nem este fez tal referência no despacho, nem a parte foi acusada de má-fé,

De modo que, andou mal o Tribunal a quo, por um lado por não se pronunciar sobre questões que devia apreciar e que forçosamente conhecia e por outro lado ter conhecido de questões que não podia tomar conhecimento;

Pelo que, o indeferimento do incidente de justo impedimento, por despacho proferido no mesmo dia, salvo devido respeito é nulo por várias ordens de razão, nos termos do art.º 195.º, 615.º, n.º 1 aliena b) e d) do CP Civil, devendo ser anulado com todos os seus efeitos legais;

Ora, o Tribunal não põe em causa a veracidade do documento do Hospital, conhecendo-o, mesmo que forçosamente, o episódio de urgência do mandatário, a sua doença e os motivos do seu impedimento ora informados pelo mandatário.

Ocorre que o Tribunal, conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, conhecendo da não doença súbita e respetivo impedimento que o Hospital conheceu e atestou ao mandatário,

Escusando-se o Tribunal de apreciar esse justificado obstáculo ao início pontual das diligências, não as comunicando ao advogado da requerida e restantes intervenientes processuais e a secretaria às partes e demais intervenientes dentro dos 30 minutos subsequentes á hora designada para o seu início, violando em consequência o disposto no n.º 6 do 151.º do CPC;

A diligencia, conforme resulta da ata de audiência, alegadamente teve a sua chamada pelas 14h00, mas iniciou-se somente pelas 15h02 e não antes em virtude de o Tribunal se encontrar a aguardar pela chegada do representante da Requerida e não pelo supra exposto;

Além do mais, o Tribunal na chamada de início das diligências, conheceu da não presença do mandatário, mas não conheceu do justificado obstáculo pela comunicação e justo impedimento do mandatário;

Não comunicando esse referido e justo obstáculo ao início pontual das diligências, o que por si só implicaria a dispensa automática dos intervenientes processuais, escusando-se de práticas de atos obrigatórios em violação do disposto 152.º do CPC, dos deveres de administrar a justiça
Não apreciando as questões e factos do mandatário ter comunicado atempadamente ao Tribunal a sua impossibilidade de comparecer antes da abertura do início da audiência;

Praticando consequentemente por essas questões que não apreciou e não deveria ter conhecido um ato que a lei não admite, bem como omissões de atos e formalidades que a lei prescreve, que manifestamente influía no exame ou boa decisão da causa, gerador de vícios insanáveis com atos e omissões impeditivos a produção determinados efeitos;

Além do mais o despacho não especifica os fundamentos de direito que justificam a decisão,

Razões essas pela quais são nulas, nos termos do disposto nos disposto todos do 615.º aliena 1-d e 195.º do C.P.C.
Nulidade essas que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

Dispõe o nº1, do artº205º da CRP, que “as decisões do stribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

A fundamentação das decisões deve apresentar uma densidade suficiente para que se possam dar por satisfeitos os objetivos constitucionais (artº205º, nº1 da CRP) e legais (artº154º do C.P.C.): permitir aos destinatários exercitar com eficácia os meios legais de ração ao seu dispor e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo, e não apenas impondo.

Sucede que, ao contrário do que a lei prescreve, a decisão não se encontra fundamentada, ainda que mínima e sucintamente, nem principalmente nas razões de direito,

Razão pela qual é nula, nos termos do disposto nos artºs 205º, nº1 da CRP e 154º, 615º, nº1, al. b) e 613º, nº3 todos do C.P.C.,
Nulidade essas que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

Ora, as situações de doença súbita de parte ou mandatário constituem justo impedimento quando configurem um obstáculo razoável e objetivo à prática do ato, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa.

Aplicando estas disposições legais e considerações jurídicas ao caso vertente, verifica-se que, na data aprazada para a audiência final, o mandatário da Requerida informou o tribunal ad quo da sua impossibilidade superveniente de comparência, mais requerendo a reagendamento de nova data para a realização da audiência de discussão e julgamento, no entanto a audiência de discussão e julgamento foi realizada na sua ausência.

Tendo sido as intensas dores das costas, o que motivaram as indicações médicas de repouso, devido à diminuição da sua capacidade física e anímica, que não lhe permitam assegurar os direitos do seu constituinte.

Tal sem que exista qualquer culpa ou comportamento indiligente por parte do mesmo, uma vez que de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do ato se tratou.

Tratando-se efetivamente de uma situação fortuita e imprevista, enquadrável na noção de justo impedimento, para os fins previstos nos art.º 140.º e 603.º do CP Civil.

No entanto, entendeu o Tribunal a quo, prosseguir com a audiência, passando posteriormente à prolação da sentença.

Não só não adiou a audiência, como em momento algum nomeou advogado oficioso à Requerida nos termos do artigo 51º do CPC, o que viola o princípio constitucional consagrado no artigo 20º da CRP, que refere que todos têm direito ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. Impedido, deste modo, a defesa da recorrente no plano probatório.

Em face do exposto, conclui-se que o indeferimento do adiamento requerido (despacho proferido em 13/11/2023), a não suspensão da causa e realização da audiência de discussão e julgamento na ausência do mandatário da Requerente e dos seus legais representantes, constituiu violação do disposto nos artigos 603º, nº 1, 140º do CPC, o que constitui nulidade, nos termos do art.º 195º do CPC, dado contender com os princípios do contraditório e da igualdade entre as partes, sendo suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, a implicar a anulação de todos os termos subsequentes que dele dependem absolutamente, designadamente da audiência final e da sentença

Lendo a decisão recorrida não podemos deixar de reconhecer que a mesma enferma de nulidade no que toca à falta de pronúncia sobre o requerimento apresentado com a juízo a 21 de julho de 2023, com referência Citius 14884725.

Ora, no referido requerimento foi requerido, em traços gerais, a suspensão da instância da presente ação até que se decida com trânsito em julgado a ação de separação de bens, a correr termos no Juízo de Comércio, Juiz ..., deste Tribunal, sob o processo número 5468/19.....

Desta forma, este Tribunal não se pronunciou sobre o requerimento em apreço, concretamente sobre o pedido de suspensão dos presentes autos por causa prejudicial com aqueles autos do processo n.º 5468/19.....

Na medida em que, os presentes autos não continham todos os elementos essenciais para a prolação de uma sentença que considerasse toda a prova existente para o efeito.

No entanto, apesar da necessidade dos presentes autos serem instruídos com os documentos que se encontram apreendidos à ordem daquele apenso, o certo é que este Tribunal nada disse sobre a sua essencialidade e, consequentemente não se pronunciou sobre o pedido de suspensão por causa prejudicial, o que era essencial para a descoberta da verdade material e justa composição do litígio dos presentes autos, para a própria estabilidade da instância e da causa.

Além disso, estas questões que o tribunal deveria ter conhecido e se pronunciado, decidido, certamente, visto a não oposição da requerente a tal suspensão por causa prejudicial, por si só e primariamente, tinham obrigatoriamente que ser determinado a suspensão da causa por causa prejudicial.

A requerente não se opôs a suspensão da causa por causa prejudicial e o Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
A causa prejudicial foi intentada em 2022, sendo a causa aqui em discussão intentada em 2023, pelo que o não ordenamento da suspensão da causa, nunca caberia a faculdade do tribunal de não a suspender prevista na primeira parte do artigo272.º, aliena 2, nem na segunda parte, pois além da requerente não se opor, atento aos autos, nenhum prejuízo a suspensão causaria á Requerente, muito menos ao Tribunal, decorrente inclusive do conhecimento dos documentos extraídos ao processo 6502/20....;

Aliás, este processo acompanha os autos 5468/19...., pelo que poderia saber que no dia seguinte se encontrada agendada tentativa de conciliação no âmbito do apenso W e do qual a decisão desse ato e causa no dia seguinte, poderia e previa-se que iria influenciar de forma direta nesta causa e causa dependente, inclusive na restituição do património e documentos aprendidos, do qual provavelmente levariam a extinção desta causa por inutilidade superveniente por pagamentos á requerente e demais credores.

Apesar de se poder entender que é conferido ao Juiz a possibilidade de ordenar ou não a suspensão da causa por causa prejudicial, tem sido entendido pelos tribunais superiores que a razão de ser da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial reside na economia e coerência de julgamentos e que é fundamental que o motivo justificativo da suspensão decretada nos termos da 2ª parte do nº 1 do art.º 272º do CPC seja ponderoso e contribua para a justa composição do litígio, sem beliscar o princípio da igualdade das partes.

Assim, conforme é possível analisar pela leitura da sentença proferida, a mesma não procedeu à análise do pedido formulado o que se determina que a sentença seja nula, nulidade expressamente se argui para todos os devidos efeitos legais.

Pelo exposto, entendemos que a decisão recorrida é nula por violação do disposto no artigo 615.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.

No entanto, não podemos concordar com a declaração de insolvência, pois que se considera que a sociedade em apreço não se encontra em situação de insolvência, senão vejamos.

Assim sendo, não se mostram preenchidos quaisquer “factos índices” mencionados pela Requerente, previstos no art.º 20.º do CIRE.

A Requerida não se encontra numa situação de incumprimento total, reiterado e generalizado para ser declarada insolvente, pelo que inexiste fundamento, de facto e de direito, para que se declare a sua insolvência.

É ao credor que requeira a declaração de insolvência do devedor incumbe alegar e provar algum ou alguns dos factos-índice enumerados no n.º 1 do artigo 20.º, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Efectivamente, a mera alegação de que o devedor não pagou ao credor e se desconhece património do devedor é insuficiente para preencher os factos-índice do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Relativamente ao preenchimento de algum dos factos elencados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os indícios consubstanciam verdadeiras presunções ilidíveis de insolvência que estão a coberto da esfera de protecção dos artigos 349.º e 350.º do Código Civil.
Na realidade, o preenchimento dos conceitos contidos no artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não pode ser concretizado apenas por uma indexação formal remissiva para as diversas alíneas em que são estabelecidos os factos-índice, antes é exigível que exista um mínimo de determinabilidade de um quadro caracterizador da impossibilidade de cumpriras obrigações vencidas,sendo precisa alguma consistência descritiva e um suporte probatório mínimo que, sem indagações aprofundadas sobre a existência ou não do direito a que o requerente se arroga, permita fazer um juízo perfunctório simples que valide o prosseguimento dos autos.

Ora, no caso em apreço, nada é alegado pela Requerente no sentido de provar a insolvência da ora Recorrente, sendo que na própria oposição a Recorrente alega a sua solvabilidade, tendo sido junta prova documental que nem tão pouco foi apreciada pelo tribunal a quo, o que não se pode aceitar.

Além disso, dos factos dados como provados na sentença não é de todo possível aferir da situação de insolvência da sociedade Recorrente.

Não tendo sido considerado provado qualquer facto que incida sobre a insolvência da sociedade Recorrente.

Assim, atenta a prova documental junta na oposição, só por si, não podia o Tribunal a quo dar considerar que a Recorrente se encontrava impossibilitada de satisfazer as suas obrigações.

Assim, o Tribunal ao ter decidido como decidiu violou o disposto nos artigos 140.º, 150.º, 152.º, 272.º e 603.º do CPC, 20.º do CIRE e 12.º, 13.º, 20.º e 202.º da CRP.

Por tudo acima exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue as invocadas nulidades procedentes e, consequentemente seja dada baixa à primeira instância para proferir despacho em conformidade, ou caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada com as legais consequências daí advenientes.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir em separado, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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O tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade, nos termos do despacho de 30.1.2024 (ref. Citius 188606294), considerando que a mesma não se verifica.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - saber se ocorre nulidade processual, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 151º, nº 6, do CPC;
II - saber se o despacho proferido em 13.11.2023 é nulo, face ao disposto no art. 615º, nº 1, als. b) e d), do CPC;
III – na hipótese negativa, saber se ocorre uma situação de justo impedimento de comparência do mandatário da requerida justificativa do adiamento da audiência final;
IV – na hipótese negativa, saber se ocorre nulidade por o tribunal não se ter pronunciado sobre o pedido de suspensão da instância até que exista decisão, com trânsito em julgado, na ação de separação de bens com o nº 5468/19...., formulado no requerimento de 31.7.2023;
V – na hipótese negativa, saber se no caso não se encontram verificados os factos índice justificativos da declaração de insolvência da requerida.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes para a questão a decidir são os que se mostram descritos no relatório e resultam do iter processual.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I - Nulidade processual, por incumprimento ao disposto no art. 151º, nº 6, do CPC

A recorrente defende que foi cometida uma nulidade processual por incumprimento do disposto no art. 151º, nº 6, do CPC.
Alega, no essencial, sobre esta questão que o tribunal se escusou “de apreciar esse justificado obstáculo ao início pontual das diligências, não as comunicando ao advogado da requerida e restantes intervenientes processuais e a secretaria às partes e demais intervenientes dentro dos 30minutos subsequentes á hora designada para o seu início, violando em consequência o disposto no n.º 6 do 151.º do CPC;
A diligencia, conforme resulta da ata de audiência, alegadamente teve a sua chamada pelas 14h00, mas iniciou-se somente pelas 15h02 e não antes em virtude de o Tribunal se encontrar a aguardar pela chegada do representante da Requerida e não pelo supra exposto;
Além do mais, o Tribunal na chamada de início das diligências, conheceu da não presença do mandatário, mas não conheceu do justificado obstáculo pela comunicação e justo impedimento do mandatário;
Não comunicando esse referido e justo obstáculo ao início pontual das diligências, o que por si só implicaria a dispensa automática dos intervenientes processuais, escusando-se de práticas de atos obrigatórios em violação do disposto 152.º do CPC, dos deveres de administrar a justiça
Não apreciando as questões e factos do mandatário ter comunicado atempadamente ao Tribunal a sua impossibilidade de comparecer antes da abertura do início da audiência;
Praticando consequentemente por essas questões que não apreciou e não deveria ter conhecido um ato que a lei não admite, bem como omissões de atos e formalidades que a lei prescreve, que manifestamente influía no exame ou boa decisão da causa, gerador de vícios insanáveis com atos e omissões impeditivos a produção determinados efeitos”.

Vejamos se foi cometida a nulidade invocada.

As denominadas nulidades principais encontram-se previstas nos arts. 186º a 194º, do CPC (diploma ao qual pertencem as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem) e consistem:

a) na ineptidão da petição inicial;
b) na falta de citação;
c) na nulidade da citação;
d) no erro na forma de processo;
e) na falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória.

Fora destas situações, ficam as denominadas nulidades secundárias as quais se encontram genericamente reguladas no art. 195º o qual estatui que:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.

Dispõe o art. 151º, nº 6, sob a epígrafe “Marcação e início pontual das diligências”, que se ocorrerem justificados obstáculos ao início pontual das diligências, deve o juiz comunicá-los aos advogados e a secretaria às partes e demais intervenientes processuais, dentro dos trinta minutos subsequentes à hora designada para o seu início.
A falta desta comunicação implica a dispensa automática dos intervenientes processuais, como estatuído no nº 7 do art. 151º.
Como resulta da sua epígrafe, o art. 151º tem como fundamento o reconhecimento de que as diligências devem ser agendadas e realizadas por forma a que seja pontualmente respeitada a hora prevista para o seu início.
Nesta norma contêm-se manifestações do princípio da cooperação e do dever de recíproca correção plasmados nos arts. 7º a 9º.
Em particular, a estatuição constante dos nºs 6 e 7 visa evitar que os intervenientes processuais que compareceram à diligência tenham que esperar indefinidamente que a mesma se inicie, sem que lhes seja dada qualquer explicação relativa ao atraso existente, permitindo que, decorridos trinta minutos da hora marcada sem que lhes tenha sido comunicado o atraso, os intervenientes se possam livremente ausentar sem qualquer comunicação ou consequência processual, porquanto ficam dispensados automaticamente.

No caso em análise, não se pode considerar que não houve cumprimento da comunicação imposta pelo nº 6.
Na ata não consta que essa comunicação foi efetuada. Porém, essa falta de menção não significa necessariamente que a comunicação não tenha ocorrido, pois a mesma pode ter tido lugar e não ter sido consignada na ata a sua realização.
Por outro lado, consta da ata que a diligência apenas se iniciou pelas 15 h 02 m porque o Tribunal se encontrava a aguardar pela chegada do representante da Requerida. Uma vez que os demais intervenientes que se encontravam presentes não se ausentaram no período que mediou entre as 14 h, hora para a qual se encontrava marcada a diligência, e as 15 h 02 m, hora a que a diligência se iniciou, é de presumir que lhes terá sido comunicado o motivo pelo qual a diligência não se iniciou na hora designada.
Assim, estando por demonstrar que não foi efetuada a comunicação a que alude o no art. 151º, nº 6, não ocorre a nulidade invocada.

II – Nulidade do despacho proferido em 13.11.2023 face ao disposto no art. 615º, nº 1, als. b) e d), do CPC

Dispõe o art. 615º, nº 1 que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Esta norma é aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos (art. 613º, nº 3) aplicando-se ao processo de insolvência ex vi art. 17º, nº 1, do CIRE.

As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
As nulidades da decisão, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, Relatora Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt).

O vício da sentença decorrente da não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, abreviadamente designado como vício de falta de fundamentação, e previsto na al. b), encontra-se diretamente relacionado com a obrigação de o juiz fundamentar as suas decisões que não sejam de mero expediente, obrigação essa que lhe é imposta pelos arts. 154º e 607º, nºs 3 e 4 e pelo art. 205º, nº 1, da CRP.
A exigência de fundamentação exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional (José Lebre de Freitas, in A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, pág. 317).
Impõe-se ao juiz não só que explicite o que decidiu, mas também que indique os motivos que determinaram tal decisão, esclarecendo porque assim decidiu.
Na verdade, só sabendo os concretos fundamentos que justificaram a prolação da decisão as partes terão a possibilidade real e efetiva de proceder à sua impugnação e suscitar a sua sindicância por um tribunal superior. E o tribunal superior só pode sindicar a decisão se conhecer os fundamentos de facto e de direito que subjazem à decisão proferida.
Todavia, é entendimento pacífico e consolidado quer da doutrina, quer da jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa, não ocorrendo tal vício nas situações de mera deficiência, insuficiência ou mediocridade de fundamentação.
Assim, como já afirmava o Prof. Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140) “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”.
Em idêntico sentido, referem Antunes Varela e outros (in Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 687), que, “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
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A recorrente alega que a decisão recorrida é nula porquanto não contém a fundamentação de facto e de direito.

Lendo a decisão recorrida, cujo teor supra deixámos transcrito, conclui-se que a mesma não padece de absoluta falta de fundamentação de facto e de direito estando devidamente explicado o motivo pelo qual se considerou que não existe justo impedimento de comparência do mandatário da requerida e, por consequência, se entendeu não existir motivo para a não realização da diligência, com o subsequente indeferimento do requerido adiamento da diligência.
Salienta-se que, em sede de nulidade, não releva aferir do acerto ou desacerto dessa decisão, pois tal é matéria que se prende com o mérito da decisão e que só pode ser apreciada e sindicada enquanto erro de julgamento.
Assim, uma vez que a decisão não contém uma absoluta falta de fundamentação fáctico-jurídica, não padece do vício de nulidade previsto na al. b) do nº 1 do art. 615º.
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Na al. d) comina-se com o vício de nulidade a decisão que não se pronuncie sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A recorrente invoca que “o Tribunal na chamada de início das diligências, conheceu da não presença do mandatário, mas não conheceu do justificado obstáculo pela comunicação e justo impedimento do mandatário”.

Com o devido respeito por opinião contrária, não se acompanha este entendimento.
O tribunal no início da diligência não conheceu da não presença do mandatário, limitando-se a consignar em ata essa não comparência e ficou a aguardar a comparência do legal representante da requerida.
Decorrida uma hora sem que o legal representante chegasse, conheceu então da existência de justo impedimento de comparência do mandatário da requerida, que considerou não ocorrer, e indeferiu o consequente pedido pelo mesmo formulado de adiamento da diligência.
Por conseguinte, o tribunal não omitiu pronúncia sobre questão que devesse conhecer, não padecendo a decisão recorrida do vício de nulidade previsto na al. d) do nº 1 do art. 615º.
Como já anteriormente referimos, o acerto ou desacerto dessa decisão só pode ser apreciado e sindicado enquanto erro de julgamento, não relevando em matéria de nulidade.

Por conseguinte, conclui-se que o despacho proferido em 13.11.2023 não padece de nulidade, improcedendo esta questão recursória.

III - Existência de justo impedimento de comparência do mandatário da requerida justificativo do adiamento da audiência final

De acordo com o disposto no art. 603º, nº 1, verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento.
Estabelece o art. 140º, nº 1, que se considera «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
Uma das situações de justo impedimento que frequentemente é invocada consiste na doença do mandatário das partes.
Sobre esta matéria e “[c]omo desde há muito tem sido entendimento jurisprudencial a doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato – v. a título meramente exemplificativo, Ac. STJ, de 26.2.1960: BMJ, 294.°-271, de 18.03.1993 (Pº 085089), no qual se decidiu que O interessado não pode colocar-se ao abrigo de justo impedimento quando tenha havido de sua parte, negligência, culpa ou imprevidência, se o evento era susceptível de previsão e ele não se acautelou contra a sua possível verificação - sibi imputet.
Na verdade, sempre se tem entendido que as doenças dos mandatários judiciais só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade – v. g., substabelecimentos, com ou sem reserva, pedidos de substituição – podem ser constitutivas de justo impedimento” (Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.6.2017, P 285/14.5TJLSB.L1-2 in www.dgsi.pt).

No caso em apreço, a audiência final encontrava-se designada para 13.11.2023, pelas 14 h.
Por requerimento de 13.11.2023, enviado às 12.02.03, ou seja, antes da audiência, o Dr. AA, mandatário da requerida, informou “da impossibilidade superveniente de comparecer na diligência agendada” para esse dia, solicitando “que seja a mesma reagendada em data a designar”.
Com esse requerimento juntou um comprovativo de pagamento emitido pelo Hospital ... e emitido em nome de AA no qual se refere que dele receberam a importância abaixo indicada correspondente ao pagamento da taxa moderadora do episódio de urgência nº ...37, efetuado nesse Hospital em 13.11.2023.
Assim, embora no requerimento não se refira expressamente o motivo da alegada impossibilidade superveniente de o mandatário comparecer na diligência agendada, atenta a junção do recibo de pagamento de um episódio de urgência hospitalar emitido em seu nome, percebe-se, sem necessidade de recurso a grandes esforços interpretativos, que esse motivo tem a ver com uma situação de saúde que justificou o recurso à urgência.
Entretanto, foi junto um segundo requerimento, em 13.11.2023, enviado às 14.22.26, de teor idêntico ao anteriormente referido, com o qual foi junta cópia do Diário Clínico relativo ao episódio de urgência nº ...37 onde consta que o Dr. DD foi assistido pelo Dr. BB e que se trata de:

“Doente M, 43 anos
lombalgia após mau jeito
sem red flags, sem défices
dor na coluna lombar sem irradiação para os membros inferiores
medicado
recomendo repouso
ensino de cuidados e sinais de alarme.”

Se algumas dúvidas persistissem sobre o que ocasionou a necessidade de recurso à urgência hospitalar elas ficaram dissipadas com a junção deste documento de onde decorre que o mandatário da recorrida teve uma lombalgia, causadora de dor na coluna lombar e que foi medicado, tendo-lhe sido recomendado repouso.

Ora, perante este quadro clínico e prescrição de repouso é manifesto que o mandatário, por razões de saúde, não podia comparecer nem intervir no julgamento, posto que quer a deslocação, quer a participação no julgamento são atividades que não se coadunam nem compatibilizam com a recomendação médica de repouso. Assim, resulta efetivamente do registo clínico que o mandatário estava impossibilitado de comparecer à audiência designada para o dia 13.11.2024, pelas 14 h.

Por assim ser, considera-se que a situação descrita constitui um evento imprevisível e inesperado, não imputável ao mandatário, que obstou à comparência ao julgamento, constituindo justo impedimento e, consequentemente, fundamento para o adiamento da audiência.
A circunstância deste segundo requerimento apenas ter ficado visível no sistema informático quando eram 15:17 minutos, ou seja, depois de a audiência final ter sido encerrada, conforme consta da cota lavrada em 13.11.2023, não tem qualquer relevância jurídica para a aferição da existência de justo impedimento pois o mandatário é completamente alheio a tais vicissitudes, não lhe podendo ser imputada qualquer consequência processual decorrente de a visualização do requerimento só ter sido possível em momento posterior ao do envio.
A situação descrita na cota apenas tem relevância enquanto explicação para o tribunal não poder ter tido em conta o documento apresentado no requerimento, visto que o mesmo não podia ser visualizado no sistema enquanto a audiência decorreu e só ficou visível após o seu encerramento; mas, independentemente da hora a que ficou disponível, tem que ser tido em conta para efeitos de aferir da existência de justo impedimento porque foi enviado atempadamente pelo mandatário que invocou esse impedimento.
Não obstante o tribunal a quo, confrontado com o requerimento de 13.11.2023 e com o diário clínico, no despacho proferido em 21.11.2023 ter mantido o entendimento de nada mais havia a ordenar face ao decidido na audiência de julgamento pois do registo clínico relativo ao mandatário da requerida não resulta que estivesse impossibilitado de comparecer à audiência, já acima referimos que esta posição não é de sufragar uma vez que o mandatário não se podia deslocar ao tribunal para intervir no julgamento por tal ser incompatível e inconciliável com a recomendação médica de repouso.

Do antedito resulta que procede esta questão recursória visto que, dada a existência de justo impedimento de comparência, a audiência final deveria ter sido adiada. O que significa que o despacho proferido em 13.11.2023 tem que ser revogado, e, consequentemente, fica sem efeito a sentença de declaração de insolvência e os demais atos subsequentes praticados nesse pressuposto, devendo ser designada nova data para a realização da audiência final, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
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Perante esta conclusão fica prejudicado o conhecimento das restantes questões recursórias.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Embora o recurso tenha sido julgado procedente, uma vez que não foram apresentadas contra-alegações e nenhum interveniente sustentou no processo posição justificativa da prolação da decisão recorrida, a recorrente é responsável pelo pagamento das custas, porque dele tirou proveito, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam o despacho proferido em 13.11.202 e a sentença de declaração de insolvência que se lhe seguiu, ficando também sem efeito todos os atos subsequentes praticados com base nessa sentença, e determinam que, dada a existência de justo impedimento de comparência do mandatário da requerida à audiência do dia 13.11.2023, situação que constitui fundamento legal do seu adiamento, seja designada nova data para a realização da audiência final, seguindo-se, após, os ulteriores termos processuais.
Custas da apelação pela recorrente.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

A situação do advogado que no dia do julgamento recorreu a urgência hospitalar, tendo-lhe sido diagnosticada lombalgia e recomendado repouso, facto que comunicou ao tribunal, integra o conceito de justo impedimento e justifica o adiamento da audiência final.
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Guimarães, 4 de abril de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
(2º/ª Adjunto/a) José Alberto Moreira Dias