INCUMPRIMENTO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário

I – O regime de suspensão da instância previsto no art.º 272.º do Código de Processo Civil, C.P.C., integra um juízo valorativo a efetuar pelo tribunal a quo, na medida em que o tribunal pode suspender a instância (não estatuindo a norma uma obrigatoriedade no caso de se verificar uma das duas hipóteses que prevê), devendo esse juízo pautar-se pela moderação na aferição da premência da suspensão.
II – As normas atinentes à competência por conexão (e apensação de diferentes processos), constantes do art.º 11.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, R.G.P.T.C. e dos artigos 80.º e 81.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, L.P.C.J.P. têm uma dupla função, factual e jurídica: por um lado, permitir uma visão holística da realidade factual e, em consequência, habilitar o tribunal a decidir com melhor conhecimento de causa e a concertar as decisões nos diferentes processos.
III – Litiga de má-fé, pelo menos com negligência grave, um progenitor que intenta sucessivos incidentes (no âmbito deste recurso estão em causa 14) de incumprimento do regime de convívio paterno-filial, fundando-os num pretenso incumprimento da progenitora, apesar de saber que o convívio não se verifica por o adolescente, de 15 anos e meio, não os pretender a não ser em regime livre e fazendo-os depender de uma mudança de atitude por parte do pai – deduzindo assim pretensões cuja falta de fundamento não devia ignorar, nos termos do disposto no art.º 542.º, n.º 1, al. a), do C.P.C., justificando-se por isso a condenação em multa e em indemnização à parte contrária.

Texto Integral

APELAÇÃO N.º 2182/14.5TBVFR.25.P1

SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.):

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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relator: Jorge Martins Ribeiro;

1.º Adjunto: António Mendes Coelho e

2.ª Adjunta: Anabela Mendes Morais.

ACÓRDÃO([1])

            I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais, no atinente ao convívio paterno-filial, são progenitores AA (titular do N.I.F. ...46, com domicílio profissional em Rua ... ..., Vila Nova de Gaia([2]e BB (titular do N.I.F. ...60, residente em R. ..., Santa Maria da Feira, sendo criança CC, nascido aos .../.../2008.


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           Procedemos agora a uma síntese do processado, e factual, destinada a facilitar a compreensão do objeto do presente recurso([3]), sem prejuízo de darmos por reproduzido o exato teor dos itens que referiremos.

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           A) No apenso U, aos 28/03/2022, foi proferido despacho a, entre o mais, alterar a título provisório o regime de convívio paterno-filial entre o recorrente e o filho CC.

           A1) De acordo com esse despacho, o regime de convívio passou a ser o seguinte:

“Em face do exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 4.º, 42.º, n.º1 e 28.º, n.º1, 2, 3 e 4 do RGPTC, decide-se alterar o regime provisório de convívios entre o progenitor e o jovem CC, alterando-se, neste aspeto e a título provisório, o exercício das responsabilidades parentais fixado em 8 de janeiro de 2018 e posteriormente em 14 de dezembro de 2022, nos seguintes termos:

- O progenitor AA estará com o filho CC sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo e seja essa a sua vontade, sem prejuízo dos períodos de descanso e escolares do jovem;

- Nas férias da Páscoa o progenitor estará com o filho sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo e seja essa a sua vontade, sem prejuízo dos períodos de descanso do mesmo;

- No dia de Páscoa e demais festividades o progenitor estará com o filho sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo e seja essa a sua vontade, sem prejuízo dos períodos de descanso;

- Sempre que o CC tenha jogo ao sábado ou domingo e esteja em convívios com o pai, o pai deverá a conduzir o CC ao local onde irá decorrer o jogo de basquetebol, caso o CC queira participar em tal jogo”([4]).

           A2) Esse despacho foi notificado ao recorrente, advogado em causa própria, por notificação eletrónica, efetuada aos 29/03/2023, tendo sido acompanhado de cópia.

           A3) Na sequência de o recorrente ter considerado que a notificação anterior padecia de várias irregularidades interpôs recurso, com efeito devolutivo, que viria a ser julgado improcedente por acórdão desta Secção([5]), datado de 23/10/2023 (no apenso AH) cujo sumário passamos a transcrever([6]):

           “I_ Mostra-se acompanhada de todos os elementos necessários à plena compreensão do seu objecto a notificação, feita pela Secção, por transmissão electrónica, para o Ilustre Mandatário, com a menção «Assunto: Despacho, data da Audiência de Julgamento e art.º 151.º CPC», seguida do texto «Fica V. Exa. notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, do despacho ora proferido de que se junta cópia, e de que se encontram designados os dias 22-05-2023, pelas 09:30 e 13:30 horas, e 25-05-2023, às 09:30 horas, para a Audiência de Discussão e Julgamento», e com cópia digitalizada do referido despacho, enviada em anexo. II_ Aos Ilustres Mandatários é exigível a leitura integral do texto que consta da notificação, no acto do seu recebimento, bem como da cópia das decisões que fazem parte integrante dessa notificação”.


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           B) O terceiro dia útil após a notificação atrás referida em A2) ocorreu na segunda-feira 02/04/2023.

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           C) No dia 13/04/2023 o recorrente deu entrada ao incidente de incumprimento n.º 25 (o primeiro dos que estão em apreço neste recurso), imputando à requerida o incumprimento do regime de convívio paterno-filial, reportando-o ao dia 09/04/2023 (Domingo de Páscoa).

          C1) No mesmo dia o recorrente interpôs o incidente de incumprimento n.º 26, em termos idênticos ao anterior, mas reportando-o à primeira semana de férias escolares de Páscoa.

          C2) Os incidentes referidos em C) e C1) tinham por base, segundo o recorrente, o regime de convívio que havia sido fixado aos 08/01/2018.


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           D) O ora recorrente interpôs ainda os incidentes de incumprimento n.º 27 (aos 20/04/2023), n.º 28 (aos 04/05/2023), n.º 29 (aos 17/05/2023), n.º 30 (aos 31/05/2023), n.º 31 (aos 16/06/2023), n.º 32 (aos 21/06/2023), n.º 33  (aos 26/06/2023), n.º 35([7]) (aos 03/07/2023), n.º 36 (aos 24/07/2023), n.º 37 (aos 02/08/2023), n.º 38 e n.º 39 (aos 28/09/2023).

           D1) Os incidentes referidos em D) reportam-se a diferentes datas e tinham por base o incumprimento do regime de convívio fixado aos 14/12/2022, sendo que a partir do apenso 30 o regime invocado foi já o de 28/03/2023.

           D2) Nestes incidentes o requerente pede:

II. Que a requerida remissa seja condenada em multa e em indemnização de valor a considerar pelo tribunal a favor do menor CC, com entrega desse valor ao requerente que o depositará na conta bancária do menor, sempre e quando aquela requerida remissa incumpra no dever de entregar o menor CC ao requerente nos exatos termos da sobredita sentença, a que acrescem juros de mora à taxa em vigor até efetivo e integral pagamento.

III. A condenação da requerida remissa, nos termos do disposto pelo art.º 624.º do C. Civil, no depósito de uma caução que será retida pelo tribunal e por este determinado o valor, sempre que subtraia o menor CC ao contacto com o requerente para efeitos de convívios nos termos doutamente sentenciados.

OU,

IV. A condenação da requerida remissa, nos termos do disposto nos art.ºs 624.º e 686.º do C. Civil, na prestação de garantias reais, em valor a definir pelo tribunal, quando aquela subtraia o menor CC ao contacto com o requerente para efeitos de convívios nos termos doutamente sentenciados.

OU,

V. A condenação da requerida remissa na fixação de uma cláusula penal a fixar no acordo ou na sentença, em valor a determinar pelo tribunal, para quando aquela subtraia o menor CC ao contacto com o requerente para efeitos de convívios nos termos doutamente sentenciados.

OU,

VI. A condenação da requerida remissa a título de Sanção Pecuniária Compulsória, prevista no art.º 829.º-A do C. Civil, numa quantia a determinar pelo tribunal, por cada incumprimento do período de convívio do menor CC com o requerente, correspondente a cada um dos dois fins de semana alternados de cada mês e igual valor, a que acrescem juros de mora à taxa em vigor até efetivo e integral pagamento.

VII. A condenação da requerida remissa, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 496.º do C.Civil, por danos patrimoniais causados ao requerente em razão dos incómodos e frustração do não convívio do menor CC, no valor de € 1.000,00 ( mil euros ), a que acrescem juros de mora à taxa em vigor até efetivo e integral pagamento”.


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 E) Nos diferentes incidentes a requerida exerceu o contraditório (tendo-o feito neste apenso n.º 25 aos 02/05/2023) e, entre o mais, não só negou qualquer responsabilidade pelos incumprimentos, uma vez que é o menor quem não pretende conviver com o pai, e pediu a condenação deste como litigante de má-fé, bem como a sua condenação em multa e em pagamento de uma indemnização.

 E1) Em conformidade, neste a requerida concluiu pelo seguinte:

- Deve ser julgada procedente a invocada exceção de caso julgado e, em consequência, liminarmente indeferido o presente incidente, com a consequente absolvição da Requerida da instância;

- Caso, assim, se não entenda, deve o presente incidente por inutilidade superveniente da lide, e, em consequência, absolvida a Requerida dos pedidos;

- Sem prescindir, sempre será de julgar o presente incidente totalmente improcedente por não provado, e em consequência absolvida a Requerida dos pedidos, com as demais consequências legais.

-Deve, porém, ser o Requerente condenado, como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização, cuja quantificação se deixa ao prudente arbítrio de V. Exa., mas que não deverá ser inferior a 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) – artigos 542º, n.º1 e 545º ambos do C.P.C.-, devendo ainda a indemnização incluir todas as despesas com o presente processo, nomeadamente, os honorários à mandatária, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 543º do C.P.C., com as demais consequências legais”.


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           F) Foi cumprido o contraditório quanto ao pedido de condenação do ora recorrente como litigante de má-fé.

F1) Damos por integralmente reproduzida a síntese processual constante do despacho saneador-sentença recorrido.


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           G) Como referido no acórdão de 19/02/2024, relativo ao apenso U, os incidentes (e apensos) sucedem-se ininterruptamente ao longo dos anos, mantendo-se, no fundo, a questão de o regime de convívio não estar a ser cumprido por o jovem CC manifestar, reiteradamente, que não quer estar com o pai, explicando os seus motivos.

           G1) Lançando mão da síntese já efetuada no acórdão proferido no dia 19/02/2024 no apenso U([8]):

           “Ao longo de diferentes apensos é relatada a posição da criança: em suma, diz que a mãe lhe diz para estar com o pai, que não quer um regime de convívio pré-determinado mas estar com o pai quando lhe apetecer, manifestando desagrado com a atitude continuada de o pai estar sempre a falar mal da mãe, de passar muito tempo sozinho quando ia ao pai e de ele ser ríspido, dando como exemplo que «não» é «não» sem mais explicar([9]).

           Os factos provados n.º 14 a 18, 64 a 66 e 69 a 72 no apenso E (sendo o acórdão, transitado em julgado, datado já de 08/01/2018) têm o seguinte teor:

          “14. O relacionamento entre os progenitores após 2003 foi pautado por conflitos e agressões físicas, com exposição até direta do filho DD, conflitos e agressões que persistiram após a separação do casal, pelo menos até Janeiro de 2014, data em que ocorreu um episódio no local de trabalho de ambos, que culminou com a intervenção dos OPC´s e que deu origem ao inquérito-crime 11/14.9GAVNG.

15. Nesse mesmo inquérito em 04.03.2014 foi proferido despacho de indiciação do requerido por crime de violência doméstica e aplicação de medida de coação de proibição de contactar com a requerida e de frequentar ou permanecer na residência da mesma (fls. 209 a 212 do apenso D).

16. A requerida beneficiou de teleassistência.

17. Em 23.01.2015 o requerido foi acusado pelo crime de violência doméstica, tendo vindo a ser julgado e condenado por sentença datada de 15.07.2015, transitada em julgado em 17.08.2015, por crime de violência doméstica, em pena de prisão de 3 anos, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de submissão a regime de prova e a afastamento do contacto com a ofendida, com exceção do estritamente necessário ao exercício comum das responsabilidades parentais dos filhos.

Em tal sentença deu-se como provado que:

- A relação conjugal foi pautada por discussões, o requerido apelidava  a requerida de puta e vaca, ameaçou-a de morte, com exibição de faca, agredia-a com murros, pontapés, empurrões, puxões de cabelo, calcadelas, arremesso de objetos, muitas vezes na presença do filho DD.

- No dia 06.01.2014 apelidou-a de puta, vaca, escroque, porca, cuspiu-lhe na cara, anunciou que a mataria, projetou uma cadeira contra a ofendida, desferiu murros e pontapés, empurrou a ofendida, prostrando-a no chão, colocou um pé na face esquerda da mesma, fazendo pressão, colocou as mãos no pescoço da ofendida e apertou como se quisesse estrangulá-la, bateu no corpo da ofendida com um cinto até o mesmo se partir.

- Seguiram-se outros episódios de ameaças, inclusive de morte.

(fls. 265 a 269 e 488 a 498 do apenso D).

18. A comunicação entre os requeridos a partir de Janeiro de 2014 passou a ser quase nula, salvo algumas mensagens e/ou mails enviados pelo requerido, embora o progenitor aluda a uma melhoria dessa comunicação nos últimos meses, mantendo-se, no entanto, latente uma forte conflituosidade.

[64]. Foi proposto aos progenitores serem alvo de terapia familiar, a realizar pelo CAFAP, o progenitor rejeitou colaborar por entender que é «um pai quase perfeito» (sic), sem necessidade de melhorar o exercício das responsabilidades parentais, tendo-se mostrado, no entanto, disponível para realizar mediação.

65. A progenitora foi alvo de intervenção pelo CAFAP entre Janeiro e Outubro de 2017, tendo o CAFAP dado por cumprida e finda tal intervenção (relatório de fls. 301 a 303 do apenso E).

66. A requerida sempre considerou o requerido como um pai interessado, com forte vinculação aos filhos e vice-versa, tendo mantido uma postura de promoção dos contactos dos menores com o pai, permitindo que os mesmos ocorressem para além do que estava estipulado.

[69]. Realizada avaliação às capacidades parentais da progenitora, resulta do respetivo relatório pericial que a mesma não revela presença de psicoterapia e/ou padrões comportamentais indicadores de disfuncionalidade que sugiram incapacidade…. deu mostras de estar emocionalmente ligada às crianças, de estar motivada, interessada e disponível para o exercício das responsabilidades parentais … capacidade de gestão e de organização da vida doméstica e familiar… (fls. 272 a 279 do apenso D).

70. Realizada avaliação psiquiátrica da progenitora, resulta do respetivo relatório pericial que a mesma não apresenta sintomas de padecer de doença psiquiátrica descompensada ou psicopatologia aguda que interfiram nas suas capacidades parentais (fls. 465 a 667 do apenso D).

71. Realizada avaliação às capacidades parentais do progenitor, resulta do respetivo relatório pericial que o mesmo não colaborou no âmbito da realização da perícia, o que condicionou a recolha de dados clínicos.

Não obstante, revelou-se egocêntrico, superior, impulsivo, reativo, excessivamente sensível perante críticas ou desaprovações, com elevada confiança interpessoal. Adotou um discurso excessivamente impressionável e deficiente em detalhes. Demonstrou um humor disfórico, com modelação afetiva inadequada, instabilidade psicoemocional, incapacidade de gerir e integrar de forma adaptativa o fim do relacionamento conjugal, incapacidade de separar o subsistema conjugal do subsistema parental, responsabilização unilateral da progenitora de todos os problemas vivenciados, estando demasiado centrado na mesma.

No decurso das sessões com vista à realização da referida avaliação o requerido verbalizou, no que para aqui particularmente importa: Em 2003 ela teve um caso extraconjugal com um do cartório…ela é uma mentirosa compulsiva…deixei um gravador que era ativado por voz e ouvi os telefonemas entre eles…a partir de setembro de 2011…iniciou relacionamento com um formando…apanhei-a em Gondomar com ele…ela é uma vadia…basta ir à página do facebook para perceber que ela não é em condições…em Agosto de 2014 fui com os meus filhos a Cabo Verde…quando cheguei soube que a mãe foi de viagem atrás de um indivíduo que conheceu na internet…para Marrocos…que tipo de mulher faz isto…corrupção moral total…quero que ela se meta debaixo do comboio o mais rapidamente possível…é uma vadia, ninguém sabe onde ela anda…se ela morresse os meus filhos iam viver comigo e iam ter um futuro garantido…o DD é assim porque ele moldou a personalidade desde os 5 anos de idade, com as neuroses da mãe, etc… (fls. 280 a 287 do apenso D).

72. Realizada avaliação psiquiátrica do progenitor, resulta do respetivo relatório pericial que o mesmo não revela evidência de doença psiquiátrica, porém é possível detetar alguns traços disfuncionais da personalidade, que se traduzem por impulsividade acentuada, instabilidade afetiva, bom desempenho intelectual e boa capacidade de argumentação e persuasão, não se evidencia nenhuma circunstância que lhe prejudique o exercício responsável das competências parentais (fls. 462 a 664 do apenso D)([10]).


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           H) Tendo o jovem CC nascido aos .../.../2008 tem, neste momento, cerca de 15 anos e meio.

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           I) No dia 21/12/2023 foi proferido o despacho saneador-sentença objeto de recurso, constando do dispositivo o seguinte:

            “Decisão:

- Em face do supra exposto, decide-se:

- Julgar improcedentes os incidentes de incumprimento deduzidos por AA contra BB com os n.ºs 25 a 33 e 35 a 39, absolvendo-se a requerida dos pedidos formulados;

- Condenar o requerente AA como litigante de má-fé na multa de quatro unidades de conta e indemnização à parte contrária no montante de €400,00;

- Condenar o requerido nas custas dos incidentes.

Valor: €30 000,01.

Registe e notifique.

Junte cópia da presente sentença aos incidentes 26 a 33 e 35 a 39 para melhor esclarecimento”.


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I1) Os factos dados como provados em tal decisão são os seguintes([11]) ([12]):

“1) O CC nasceu no dia ../../2008 é filho de BB e de AA.

2) No dia 8 de janeiro de 2018 no apenso D foi proferida sentença, transitada em julgado, referente ao exercício das responsabilidades parentais de CC, na qual foi fixado, além do mais, o seguinte: «- O menor CC fixa a residência com a mãe. O exercício das responsabilidades parentais relativo às questões de vida corrente do menor cabe a cada um dos progenitores que em cada momento estiver com o filho, não podendo, no entanto, o progenitor contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor. O exercício das responsabilidades parentais em matérias de particular importância para a vida do menor ficam atribuídas em exclusividade à progenitora, com exceção da decisão de efetuar saídas do CC para o estrangeiro, seja para emigrar, seja para passar férias (com a mãe ou com o pai), matéria única que será exercida por ambos os progenitores, de comum acordo.- O progenitor AA estará com o filho nos primeiros três fins de semanas de cada mês, de sexta-feira do fim do horário das atividades letivas a segunda-feira, com cumprimento do horário escolar, sendo as conduções a realizar por referência à escola ou ao ATL frequentado pelo menor, sem prejuízo de as entregas e os horários das mesmas poderem, por acordo entre os progenitores, ser realizados em outros locais e/ou em outras horas. As conduções serão sempre a assegurar pelo requerido/progenitor. - Nas festividades (véspera de Natal, dia de Natal, véspera de Ano Novo, dia de Ano Novo, Domingo de Páscoa) o CC estará alternadamente com cada um dos progenitores, começando com o progenitor com os próximos dias de Natal e de Ano Novo e o próximo Domingo de Páscoa.- O progenitor estará com o filho alternadamente a primeira e a segunda semanas de férias escolares do Natal e da Páscoa, começando pelas primeiras semanas. - Estará ainda com o filho nas férias escolares de verão, em semanas alternadas, fazendo-se a troca à sexta-feira, no fim do dia, pelas 19.00 horas.- No dia de aniversário de cada um dos progenitores, dia do pai e dia da mãe, o CC estará com o progenitor respetivo, sem prejuízo das suas atividades.- No dia de aniversário do CC este almoçará com um dos progenitores e jantará com o outro, alternada e sucessivamente, começando o progenitor com o próximo jantar.».

3) Em 14 de dezembro de 2022 foi proferida decisão provisoria e cautelar, nos seguintes termos: ao abrigo do disposto nos artigos 4.º, 42.º, n.º1 e 28.º, n.º1, 2, 3 e 4 do RGPTC, fixar, a título provisório, o seguinte regime de convívios entre o progenitor e o jovem CC, alterando-se, neste aspeto e a título provisório, o exercício das responsabilidades parentais fixado em 8 de janeiro de 2018, nos seguintes termos: «- O progenitor AA estará com o filho dois fins-de-semana por mês, intercalados, de sábado a domingo, com início no primeiro fim-de-semana de cada mês. O progenitor recolherá e entregará o menor às 10:00 horas de sábado e às 19:00 horas de domingo no MC Donald’s de Santa Maria da Feira (junto ao ...). - Nas férias de Natal, o menor estará com o progenitor em regime livre. - A véspera de Natal o CC passará com o progenitor em cumprimento do acordo definitivo. - Sempre que o CC tenha jogo ao sábado ou domingo que corresponda ao fim-de-semana que esteja com o pai, este compromete-se a conduzir o CC ao local onde irá decorrer o jogo de basquetebol.».

4) Em 28 de março de 2023 no apenso U de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais foi proferida a seguinte decisão provisória na qual foi decidido: «Em face do exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 4.º, 42.º, n.º1 e 28.º, n.º1, 2, 3 e 4 do RGPTC, decide-se alterar o regime provisório de convívios entre o progenitor e o jovem CC, alterando-se, neste aspeto e a título provisório, o exercício das responsabilidades parentais fixado em 8 de janeiro de 2018 e posteriormente em 14 de dezembro de 2022, nos seguintes termos: - O progenitor AA estará com o filho CC sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo e seja essa a sua vontade, sem prejuízo dos períodos de descanso e escolares do jovem; - Nas férias da Páscoa o progenitor estará com o filho sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo e seja essa a sua vontade, sem prejuízo dos períodos de descanso do mesmo; - No dia de Páscoa e demais festividades o progenitor estará com o filho sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo e seja essa a sua vontade, sem prejuízo dos períodos de descanso;- Sempre que o CC tenha jogo ao sábado ou domingo e esteja em convívios com o pai, o pai deverá a conduzir o CC ao local onde irá decorrer o jogo de basquetebol, caso o CC queira participar em tal jogo.».

5) A decisão de 28 de março de 2023 proferida no apenso U foi notificada ao progenitor por via de ofício datado de 29 de março de 2023.

6) O requerente arguiu a irregularidade da notificação de tal decisão.

7) Por decisão proferida em 9 de junho de 2023 não se atendeu à irregularidade invocada.

8) O requerente progenitor recorreu da decisão que não atendeu à irregularidade invocada.

9) O recurso foi admitido e subiu ao Venerando Tribunal da Relação do Porto que em 23 de outubro de 2023 proferiu douto acórdão que confirmou a decisão e não atendeu à irregularidade de notificação invocada pelo requerente progenitora (apenso AH).

A factualidade supra elencada resulta da análise dos requerimentos iniciais dos incidentes apreço, das decisões proferidas no apenso U e douto acórdão apenso AH”.


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J) Aos 17/01/2024 o recorrente interpôs recurso da referida decisão e formulou as seguintes conclusões([13]):

31. Na prossecução dos vários incidentes de incumprimento apensados de 13-04-2023, de 20-04-2023, de 04-05-2023, de 17-05-2023, de 31-05-2023, de 16-06-2023, de 21-06-2023, de 26-06-2023, de 03-07-2023, de 24-07-2023, de 02-08-2023 e 28-09-2023, por douta sentença, de 21-12-2023, decidiu o Tribunal a quo, julgar improcedentes os sobreditos incidentes deduzidos pelo recorrente contra a progenitora guardiã do filho menor de ambos, CC, absolvendo-a dos pedidos formulados.

32. Mais decidiu o Tribunal a quo condenar o recorrente como litigante de má fé em multa de quatro unidades de conta e indemnização à parte contrária no montante de € 400,00.

33. E ainda, condenar o recorrente nas custas dos incidentes.

ACONTECE QUE:

Por um lado;

34. O recorrente pugna, nos termos do disposto no art.º 272.º do CPC pela suspensão das respetivas instâncias individualmente consideradas por incidente deduzido, com fundamento de prejudicialidade, considerando que em 05-12-2023 intentou um recurso para este Venerando Tribunal da decisão a quo proferida no Apenso U destes autos 2182/14.5TBVFR ainda não subido, em cujo objecto subjazem fundamentos de direito e de inconstitucionalidade e que na sua opinião justificam a predita suspensão.

35. Por outro lado, entende o recorrente não estarem preenchidos os pressupostos que consubstanciam a má-fé material no sentido em que o seu comportamento processual não foi de modo a concluir-se que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, sequer alteração da verdade dos factos ou ainda omissão de factos relevantes para a decisão da causa.

36. «Observado o que dispõe o artigo 542º, do Código de Processo Civil resulta que a litigância de má fé se traduz na violação do dever de probidade que esta disposição do Código do Processo Civil impõe às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, não requerer diligências meramente dilatórias, não fazer um uso manifestamente reprovável do processo.

Face à alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro e pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, o artigo 456º, actual 542º, do Código de Processo Civil, passou a referir-se quer ao dolo quer à negligência grave como tipificadores da litigância de má fé. Assim, passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária, de forma a atingir-se uma maior responsabilização das partes (veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 04B2279, de 30 de Setembro de 2004, relatado pelo Conselheiro Araújo Barros, disponível em www.dgsi.pt). Note-se, antes de mais, que com a referida Reforma de 1995 se pretendeu instituir uma nova filosofia de colaboração, consagrando-se «expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (…)» (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro).

A litigância de má fé consiste, assim, numa utilização abusiva do processo, cujos traços fundamentais são definidos no artigo em causa, atentas as quatro situações que a integram e aí previstas»  Vd Ac.da Relação de Lisboa, de 26-10-2023, no Proc. 15096/20.0T8PRT.L1-6.

37. Ora, no caso em concreto nenhum dolo pode ser imputado ao recorrente no seu comportamento processual, admitindo sem esforço que, quando muito terá sido negligente face à notificação do despacho do Tribunal a quo de 28-03-2023 não se apercebeu, porque não é normal, que seja notificada uma data para Audiência de Discussão e Julgamento e que nela se incorpore um despacho com a relevância de uma alteração ao regime de convívios para o qual nunca foi «ouvido nem achado enquanto requerente e parte interessada.

38. Porém admitindo ter sido negligente na abordagem à notificação, contudo nunca tal negligência pode ser considerada grave. E não o sendo, falece a imputação de má fé, pugnando o recorrente pela revogação da sentença a quo, na parte em que julga não haver fundamento para o condenar como litigante de má-fé.

39. Por fim e valendo-nos da doutrina nesta matéria, importa referir que, segundo Paula Costa e Silva, in «A litigância de Má Fé», 2008, pag. 354, quando refere que para que ocorra litigância de má-fé é necessário que a parte altere a verdade dos factos que sejam essenciais e relevantes para a decisão da causa. O que significa que o comportamento da parte, embora sendo censurável em si, porque alterou a verdade dos factos, não o é censurável à luz do instituto da litigância de má-fé, só porque mente ou omite factos. O seu comportamento apenas será censurável se puder influenciar a decisão. (Aliás, neste sentido, veja-se o ac. do STJ, de 18/03/2004, Salvador da Costa; ac. TRL, de 18/01/2011, Luís Lameiras).

ASSIM:

40. A decisão que aqui se coloca em crise, padece neste âmbito de erros de julgamento, nulidades inultrapassáveis, violações de dispositivos legais e normas de direito.

41. Praticou o Tribunal a quo uma nulidade processual por omissão de ato e/ou formalidade que a lei prescreve, em violação do disposto no artigo 195.º , n.º 1 ex vi art.º 272.º ambos do Código de Processo Civil, que devendo ser declarada, impõe a sua declaração e consequente revogação da decisão proferida neste trecho decisório, ordenando-se a suspensão da instância com fundamento na supra alegada prejudicialidade que se invoca e requer.

42. Como requer e invoca erro de julgamento da Mm.ª Juiz a quo porquanto na sentença ora recorrida, entende que dos factos apurados resulta a consequência jurídica consubstanciada no instituto da litigância de má fé e tal entendimento é expresso na sua fundamentação com a qual o recorrente não se conforma nem aceita por não estarem preenchidos os seus pressupostos materiais nem instrumentais que levam a sua condenação, termos em que, pelo exposto, impõe-se a revogação do douto acórdão ora recorrido e, em consequência, absolver o recorrente da litigância de má-fé.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o presente recurso procedente e proferindo-se douto acórdão que revogue a douta decisão sindicada nos termos propostos, ordenando-se a suspensão da instância com fundamento na sobredita prejudicialidade e a sua total e absoluta absolvição, com todas as consequências legais, da litigância de má-fé em que foi condenado.

Assim, se respeitando o Direito e fazendo a sempre esperada

JUSTIÇA”.


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K) Nem a recorrida, nem a defensora do menor apresentaram contra--alegações.

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L) O Ministério Público, aos 06/02/2024, respondeu ao recurso e concluiu pela seguinte maneira([14]):

1- O Ministério Publico não adere ao teor das conclusões.

2. O recorrente insiste não ter tido conhecimento da decisão que fixou regime provisório de regulação de responsabilidades parentais quanto aos convívios de CC com o progenitor datada de 28/3/2023.

3. Nessa medida sustentou os incumprimentos 25 a 29 no regime de 14/12/2022 alegando agora que só teve conhecimento muito mais tarde do regime fixado em 28/3/2023.

4. Porém, assim não será pois o Ministério Publico invocou na sua promoção datada de 26/4/2023 no apenso de incumprimento 27, o teor do despacho judicial que fixou em 28/3/2023 o regime provisório de convívios com o progenitor, o que tornava infundada a providência em questão e o recorrente foi notificado da promoção em 28/4/2023.

5. Afigura-se que desde a data mencionada em 4, o recorrente tem conhecimento do regime estabelecido pelo tribunal a 28/3/2023, o que não só invalida fundamentos dos incidentes posteriores a tal data, como os fundamentos que invocou para impugnar a condenação como litigante de má fé.

6. Por outro lado, a partir do incidente de incumprimento nº 30, instaurado em 30/5/2023, o próprio recorrente já invocava o regime de 28/3/2023 como sendo objeto de incumprimento, pelo que era, insiste-se, do seu conhecimento.

7. Acresce, como salienta a sentença recorrida, o mesmo não podia ignorar a vontade do filho como elemento crucial quanto ao regime de convívios pretendido com o pai.

8. Ora, o recorrente não alegou nos incidentes - como salientou a sentença recorrida – que nas datas assinaladas era vontade do CC conviver com o pai e que a progenitora obstaculizou os mesmos.

9. Acrescenta-se também que o menor, através de sua advogada, alegou que não houve contatos do progenitor com esse propósito.

10. Não há, pois, fundamentos para revogar a decisão proferida.

11. Ainda, o recorrente entende que o Tribunal deveria ter suspendido a instância nos termos do art. 272º, n.º 1 do Cód. Processo Civil até trânsito em julgado da sentença sobre alteração de regulação de responsabilidades parentais proferida no APENSO U em 16/11/2023 (após julgamento) e da qual interpôs recurso.

17. Para tanto, alega que nesse recurso no apenso U invoca questões de direito que podem colocar em crise o regime livre de convívios estabelecido na sentença.

18. Contudo, o tribunal, nos apensos de incumprimento 25 a 33 e 35 a 39, proferiu decisão no sentido de e os autos aguardarem «o trânsito em julgado» da decisão do dia 9 de junho de 2023 no apenso U, que julgou não verificada a irregularidade da notificação da decisão de 28 de março de 2023 (artigo 628.º do Código de Processo Civil).

Com efeito, entendeu que tal questão devia ficar «estabilizada» e só após o Tribunal estaria «em condições de proferir decisão» nos incidentes de incumprimentos.

19. Assim nos incidentes ora abrangidos pela sentença recorrida, resulta que - de fato - o tribunal já tinha entendido que existia um motivo fundamentado que impedia a decisão da causa.

E implementou uma verdadeira suspensão da instância até o recurso interposto do despacho de 9/6/2023 no apenso U ser objeto de acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, em 23 de outubro de 2023, confirmou a decisão e não atendeu à irregularidade de notificação invocada pelo requerente progenitora ( cfr. apenso AH).

20. Perante a decisão do tribunal superior, deixou de existir quaisquer dúvidas quanto à regularidade da notificação e quanto ao trânsito em julgado da decisão de 28/3/2023 relativa a fixação de regime provisório de convívios de CC com o progenitor.

22. Os incidentes de incumprimento fundam-se em ausências de convívios após a data de tal decisão.

23. Pelo exposto, após a cessação da suspensão da instância já implementada pelo Tribunal, não existe qualquer outro regime de convívios a considerar – como o fixado na sentença final da causa em 16/11/2023 e que está em reapreciação em sede de recurso de que a decisão proferida nos incidentes 25 a 33 e 35 a 39 pudesse estar dependente.

24. Não de verifica qualquer nulidade processual por omissão de ato e/ou formalidade que a lei prescreve, em violação do disposto no artigo 195.º, n.º 1 ex vi art.º 272.º ambos do Código de Processo Civil.

25. Não foi violada qualquer norma legal invocada pelo recorrente ou se verifica nulidade por omissão, pelo que deve a decisão ser mantida”.


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           M) O requerimento de interposição de recurso foi admitido por despacho datado de 12/02/2024, no qual foi observado o disposto no art.º 641.º, n.º 1, do C.P.C., pronunciando-se o tribunal a quo sobre a arguida nulidade, considerando não a ter cometido.

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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).

           Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.


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            II – FUNDAMENTAÇÃO

         De facto:

           Os factos relevantes para a decisão da causa são os que constam já da sinopse processual, e factual, antes referidos – que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena.

O Direito aplicável aos factos:

A matéria do recurso é apenas de Direito.

Começamos por uma pequena nota, atinente à pretensão do recorrente (na conclusão n.º 34 e na n.º 41 – sobre a subjetivamente configurada nulidade por omissão de ato, art.º 195.º do C.P.C., que seria a suspensão da instância) em que se proceda à suspensão da instância nos apensos 25 a 33 e 35 a 39 (objeto da decisão em apreço), nos termos do art.º 272.º, n.º 1, do C.P.C.

Apenas agora, em sede de recurso, é a mesma peticionada, não o tendo sido antes, pelo que o tribunal da primeira instância não poderia ter-se pronunciado sobre tal.

No entanto, e não obstante o que atrás referimos no último parágrafo de I – Relatório, a invocada norma, ao estatuir que “[o] tribunal pode ordenar a suspensão [da instância] quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado” não confina o seu destinatário à primeira instância([15]), como resulta até do disposto no art.º 652.º, n.º 1, al. g), do C.P.C.

Todavia (e tendo presente a longa resposta do Ministério Público a tal respeitante, nas conclusões n.º 11 e nas n.º 17.º a n.º 23), e sem considerandos desnecessários, tendo em conta as duas hipóteses da norma (quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra ou quando ocorrer outro motivo justificado), é patente que não se verifica nem uma nem outra, num juízo hermenêutico linear, pois que não existe nenhuma dependência desta(s) causa(s) relativamente à do apenso U (em que o recorrente interpôs recurso, aos 05/12/2023, da sentença nele proferida – sem prejuízo de, como já dito, o mesmo ter sido decidido nesta Instância por acórdão datado de 19/02/2024), nem há qualquer motivo justificado.

Além de os recursos terem o seu regime, incluindo quanto à admissibilidade e seus efeitos (devolutivo, no caso dos alegados pelo recorrente), regulado na lei, acresce que a suspensão invocada, nos termos do art.º 272.º do C.P.C., integra um juízo valorativo a efetuar pelo tribunal a quo, na medida em que o tribunal pode suspender a instância (não estatuindo a norma uma obrigatoriedade no caso de se verificar uma das duas hipóteses que prevê), devendo esse juízo pautar-se pela moderação na aferição da premência da suspensão.

A este propósito, citamos António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, segundo os quais “[a] suspensão da instância fora dos casos referidos nos preceitos anteriores constitui uma vicissitude que, face aos efeitos que projeta, deve ser interpretada com [moderação]. De outra banda, não é o facto de estar pendente uma ação que deve determinar automaticamente a suspensão, sendo esta avaliada pelo juiz em função das circunstâncias que se [verificarem]. A suspensão da instância em geral pode encontrar outros motivos cuja justificação é sujeita ao escrutínio do juiz, o qual, neste campo, goza de uma larga margem de discricionariedade, devendo aquilatar se efetivamente se justifica tal medida([16]).

Ressalvando o devido respeito por diferente entendimento, cremos que a falácia argumentativa do recorrente é demonstrada pela atitude processual do mesmo, dado que (entre o mais) não considerou fundamento para suspender a contínua interposição de incidentes o facto de antes ter interposto recurso quanto à notificação do despacho de 28/03/2023 – o do apenso AH, cujo acórdão viria a ser proferido em outubro de 2023…

Segundo o disposto no art.º 195.º do C.P.C., “[f]ora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, pelo que, tendo em conta a norma e o que dissemos antes, concluímos que não se verificou a invocada nulidade.

Posto isto, a questão (e não razões ou argumentos) a decidir fica confinada à aferição da justificabilidade da condenação do recorrente como litigante de má-fé.

Como sabido, nos processos tutelares cíveis, o principal critério decisório é o da prossecução do superior interesse da criança ou jovem, como previsto, entre outros, nos artigos 4.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.), e no 4.º, n.º 1, al. a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, L.P.C.J.P. – entre os demais enunciados neste artigo([17]).

Referimo-lo porquanto tal, juntamente com a valoração da vontade do menor([18]) ([19]) em não estar com o pai enquanto este não mudar a sua atitude, foi considerado pelo tribunal a quo na decisão recorrida([20], o que determinou a absolvição da requerida dos pedidos de condenação pelo incumprimento do regime de convívio paterno-filial, concluindo o tribunal a quo pela verificação da manifesta improcedência dos incidentes de incumprimento.

Assim foi por o tribunal a quo ter tido presente a globalidade da situação processual, pois que as normas atinentes à competência por conexão (e apensação de diferentes processos), constantes do art.º 11.º do R.G.P.T.C. e dos artigos 80.º e 81.º da L.P.C.J.P. têm uma dupla função, factual e jurídica: por um lado, permitir uma visão holística da realidade factual e, em consequência, habilitar o tribunal a decidir com melhor conhecimento de causa e a concertar as decisões nos diferentes processos.

Segundo o disposto no art.º 542.º do C.P.C., “1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé”.

Na Doutrina e na Jurisprudência distingue-se a má-fé substantiva da processual. Citando José Lebre de Freitas, “[é] corrente distinguir má fé material (ou substancial) e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo”([21]).

O tribunal a quo condenou o requerente por má-fé substantiva, por deduzir pretensões (os sucessivos incidentes de incumprimento) cuja falta de fundamento não devia ignorar (imputando-os à requerida mas sabendo que o convívio não se verifica por o adolescente não os pretender a não ser em regime livre – fazendo-os depender de uma mudança de atitude por parte do pai); como referido na decisão recorrida, “[n]ão há dúvida que a conduta do requerente é manifestamente reprovável e censurável, pois, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, pelo que não poderá deixar de ser condenado como litigante de má-fé, o que, desde já, se faz, condenando o mesmo na multa de quatro unidades de conta([22]) – ou seja, a condenação fundou-se no disposto no 542.º, n.º 2, al. a), do C.P.C.

O recorrente foi igualmente condenado a pagar à recorrida a indemnização de 400 Euros, “pelo que atendendo ao disposto nos artigos 1158.º, n.2 do Código Civil e 100.º do EOA, julga-se equitativa indemnização à parte contrária no montante de €400,00([23]).

A recorrida não recorreu.

Como referido no acórdão proferido no apenso U, “[p]erante os sucessivos incumprimentos alegados nos autos, é patente que o recorrente pretende a manutenção de um regime desadequado, que não funciona. De nada adianta a fixação de um regime de convívio que, antecipada e seguramente se sabe, não será viável, que é inexequível. Ademais, e como é o caso dos autos, os incidentes continuados têm provocado mau estar psicológico no [jovem]. Assim, e sabendo o pai o que vem desagradando ao menor, ao longo de anos, seria mais producente enveredar por uma mudança de atitude e ir ao seu encontro (por exemplo, não dar azo a que o filho se queixe de estar só, de não o levar a eventos, de o pai estar sempre a falar mal da mãe, entre o mais já referido) do que prosseguir numa senda de incidentes processuais, pois os afetos conquistam-se, não se impõem por sentença. [Os] factos, os autos (e todos os apensos…), falam por si, pois que ao longo dos anos o pai não logrou alterar a sua atitude perante o filho. Nomeadamente não corrigindo o discurso de crítica dirigido à progenitora do menor em termos que afetam a estabilidade deste, como os factos provados o evidenciam. O progenitor tem conhecimento da perturbação que tal atitude provoca no menor e não corrige a sua atuação”.

Assim sendo, concordamos com a primeira instância ao decidir pela má-fé substantiva, uma vez que o comportamento do recorrente é “censurável, pois, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar”.

Ao dizermos que é censurável estamos a entrar no domínio da culpa, que a norma refere na sua dupla vertente, dolo ou negligência (no caso, o legislador exigiu que seja grave).

Como José Lebre de Freitas explica, “[a]s partes têm o dever de pautar a sua actuação processual por regras de conduta conformes à [boa fé]. A lide diz-se temerária, quando essas regras são violadas com culpa grave ou erro grosseiro, e dolosa, quando a violação é intencional ou consciente. A litigância temerária é mais do que a litigância imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, actuando culposamente, mas apenas com culpa [leve]([24]).

Citando António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[a]través da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer como um meio de impedir a descoberta da verdade, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes dilatórios” ([25]).

Além do processo principal, correram termos os apensos A a Z (incluindo o K, W e Y), os apensos AA a AH e os sob os números 1 a 39, num total de 73.

Afigura-se-nos que a primeira instância ajuizou com parcimónia, quer quanto à multa (quatro unidades de conta), quer quanto à indemnização (fixada em 400 Euros), tendo em conta o critério de equidade a que se reporta a parte final do n.º 2 do art.º 1158.º do C.C. e o do prudente arbítrio referido no art.º 543.º, n.º 3, do C.P.C.

Pelos motivos expostos, não merece censura a decisão recorrida ao condenar o recorrente como litigante de má-fé, condenando-o na multa de quatro unidades de conta e na indemnização à recorrida no montante de 400 Euros.

Como resulta dos autos e dos seus apensos, a contínua atuação do recorrente não tem só a ver com o ensejo de estar com o filho e que o regime de exercício das responsabilidades parentais seja cumprido, pois passa também por denegrir a progenitora do filho – referência que fazemos tendo em conta o disposto no art.º 90.º, n.º 1, al. g), do Estatuto da Ordem dos Advogados([26]).

Tendo em conta o disposto nos artigos 545.º do C.P.C., 90.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e g) do Estatuto da Ordem dos Advogados, uma vez ocorrido o trânsito em julgado, deverá este acórdão (no tocante à condenação do recorrente, advogado em causa própria, como litigante de má-fé) ser comunicado à Ordem dos Advogados, bem como à Segurança Social, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 34/2004, de 09/06([27]).

Pelo exposto, improcedem todas as conclusões do recorrente.

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo recorrente e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

As custas na primeira instância e desta apelação serão a suportar pelo recorrente, nos termos do art.º 527.º, n.º 2, do C.P.C.

Após trânsito em julgado efetue-se as comunicações atrás referidas, à Ordem dos Advogados e à Segurança Social.

Porto, 04/03/2024.

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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.º Adjunto: António Mendes Coelho e
2.ª Adjunta: Anabela Mendes Morais.
___________________________
[1] No pretérito dia 19/02/2024 foi proferido nesta Secção o acórdão que recaiu sobre o recurso interposto pelo progenitor no apenso U, sendo o relator desse acórdão o deste, pelo que seguiremos, mutatis mutandis, a estrutura do mesmo.
[2] Conforme morada indicada ao apenso U no requerimento de 08/02/2024.
[3] Mais detalhada do que, em rigor, seria indispensável…, mas que cremos ser necessária dada a complexidade da situação.
[4] Itálico nosso.
[5] Relatado por Anabela Mendes Morais (aqui segunda adjunta), tendo sido segundo adjunto António Mendes Coelho (aqui primeiro adjunto).
[6] Sublinhado e aspas no original.
[7] Não há erro de numeração ao avançarmos do n.º 33 para o n.º 35.
[8] Pois que importa ter presente a história do caso (a anamnese familiar), até por estar em causa a absolvição da requerida pelos alegados incumprimentos, e para se poder enquadrar a postura dos diferentes intervenientes, mormente do requerente recorrente e do jovem CC, daí transcrevermos tais factos – tanto mais que, tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, nos termos do art.º 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.)., as decisões regem-se por critérios de oportunidade e de conveniência, investigando o julgador livremente os factos, como resulta do disposto nos artigos 986.º, n.º 2, e 987.º do Código de Processo Civil (C.P.C.).
[9] Facto C) da sinopse processual nesse acórdão (aspas no original).
[10] Interpolação nossa e aspas no original (transcrito do acórdão proferido no apenso U).
[11] Negrito, itálico e aspas no original.
[12] Não obstante o teor da sinopse efetuada, consideramos curial, ainda assim, reproduzi-los.
[13] Cuja numeração seguiu a das alegações; itálico, aspas e parênteses no original.
[14] Negrito e aspas no original; há erro de numeração das conclusões, pois a seguir à 11.ª segue-
-se a 17.ª.
[15] Interpolação nossa.
[16] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 349-350 (interpolação e itálico nosso).
[17] Os considerandos Doutrinais e Jurisprudenciais atinentes a tal foram já tecidos no acórdão proferido no apenso U, pelo que nos abstemos de os reproduzir neste – tanto mais que, lidas as conclusões de recurso, a relevância de tal está como que consumida pela discussão da justeza da condenação do recorrente como litigante de má-fé.
[18] O direito da criança a participar no processo e em que medida as suas declarações devem, ou não, ser valoradas pelo tribunal, são matérias que, igualmente, foram esclarecidas no apenso U.
[19] A p. 10 da sentença recorrida consta: “[n]a verdade, só tal entendimento do regime acautela os interesses do jovem, tendo presente, repita-se, as razões que determinaram a alteração do regime e a prolação da decisão provisória de 28 de março de 2023, para as quais se remete”.
[20] Como lemos a p. 10 da sentença recorrida, “[o] progenitor já conhecia a vontade do CC, que o mesmo não desejava, conforme comunicou ao Tribunal, um regime de convívios com o pai em dias estipulados, vontade que o progenitor conhecia”.
[21] Cf. José Lebre de FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 196 (negrito no original).
[22] Cf. p. 11 da decisão recorrida.
[23] Cf. p. 12 da decisão recorrida.
[24] Cf. José Lebre de FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 194 (interpolação nossa e negrito no original).
[25] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 642 (interpolação e itálico nosso).
[26] A Lei n.º 145/2015, de 09/09, na redação em vigor, está acessível em:
https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=2440A0090&nid=2440&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=#artigo [21/02/2024].
[27] A Lei n.º 34/2004, de 09/06, na redação em vigor, está acessível em:
https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=80A0010&nid=80&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=#artigo [21/02/2024].