Enferma de nulidade sentença que não se pronuncie sobre a totalidade das pretensões formuladas.
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
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AS PARTES
Rqtes: AA e
BB
Rqdos: CC (cabeça de casal)
Inventariados: DD
EE
Foi nomeada como cabeça de casal CC.
Por morte da inventariada DD sucederam como seus herdeiros:
O Cônjuge EE, e quatro filhos, CC, BB, AA e FF (falecida a ../../2014), que deixou como herdeiros dois filhos, GG e HH.
O cabeça de casal e herdeiro, EE, foi declarado interdito por sentença de 06.07.2011, com efeitos reportados a Fevereiro de 2010, tendo sido nomeada sua tutora a requerida CC.
Por morte do inventariado EE sucederam como seus herdeiros:
Os já citados quatro filhos.
Os autos correram os seus termos no Cartório Notarial Dra II, sendo que desde 06.08.2020, passou a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto - Juiz 6.
Por apenso a este processo de inventário, a 05.09.2017, vieram AA e BB, requerer a prestação de contas da cabeça de casal, da cabeça de casal, CC.
Após citação, a requerida, cabeça de casal, a 15.04.2021, veio apresentar voluntariamente as contas, tendo alegado:
“As contas são apresentadas desde a data dos óbitos respectivos- de DD e de EE- e até 31.12.2020, vão juntas a este requerimento, dando-se por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
Estão deduzidas em forma de conta corrente, nelas se especifica a proveniência das receitas e a aplicação das despesas.
A receita provém de rendas habitacionais e agrícolas, subsídios de funeral e venda de madeira.
As despesas resultam de pagamentos, nomeadamente, dos funerais, de prestação de serviços essenciais, de impostos, de manutenção de equipamentos, de limpeza de terrenos, de reparação e conservação dos bens imóveis, de despesas extra judiciais e judiciais.
Encontram-se acompanhadas de todos os documentos justificativos, excepto no tocante às despesas de que não é costume cobrar recibo.
Apresentam as contas da herança de DD, até à data de 31.12.2020, o saldo negativo de 2.001,08€ (dois mil e um euro e oito cêntimos) e as da herança de EE, até à data de 31.12.2020, o saldo negativo de 6.711,93€ (seis mil, setecentos e onze euros e noventa e três cêntimos), ambas a favor da cabeça de casal e que esta pretende lhe seja pago tal saldo pelos requerentes ou pelos bens da herança, acrescido de juros legais até pagamento integral.“
Acabando por pedir “as contas que a ré apresenta e os documentos que as acompanham, sejam aprovadas, se digne considerar justificadas as sem documentos (verbas de despesas) em que não é costume exigi-los.
Mais requer a V. Exª. que, apuradas as contas e mantendo-se os saldos negativos, os requerentes e os chamados sejam notificados para repor/pagar à ré, a quota parte respectiva dos saldos negativos apurados e aprovados.
E se sigam os ulteriores termos, julgando-se a final o mesmo saldo e as verbas de receitas e despesas como exactas. “
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Após tramitação, foi o processo saneado, tendo de seguida sido proferida SENTENÇA julgando a demanda, nos seguintes termos:
“Termos em que, e por tudo o que atrás deixo dito, consideram-se bem prestadas as contas apresentadas e julga-se exacta a despesa no montante de €6 711,93 – seis mil, setecentos e onze euros e noventa e três cêntimos –, condenando-se os demais interessados no pagamento à cabeça de casal.“.
A requerida, cabeça de casal, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir a declaração de nulidade da sentença proferida nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
“A -As contas dos autos, foram prestadas, relativamente à herança de DD - apresentando um saldo negativo de 2 001,08 € - e à herança de EE - apresentando um saldo negativo de 6.711,93 €.
B -Considerou a douta sentença recorrida, terem sido as contas, de ambas as heranças, documentalmente instruídas e estarem em condições de ser julgadas, como foram;
C -Não obstante, a douta sentença, na sua parte decisória - em oposição com os fundamentos dela -, abrangeu apenas as contas da herança de EE, demitindo-se de proferir decisão, relativamente às contas da herança de DD;
D -Decidindo apenas sobre as contas da herança de EE, violou a douta sentença o disposto no art. 615º.-1 c) CPC, pelo que é nula, devendo ser substituída por outra que profira decisão, também, sobre as contas apresentadas, respeitantes à herança de DD, (…) “.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:
A) Enferma a sentença de nulidade nos termos o artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
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Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.
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Pugna, a recorrente, por ver declarada a nulidade, por omissão de pronúncia quanto às contas por si apresentadas e que não foram contestadas.
O que está em causa nos presentes autos de prestação de contas é a qualidade da R. relativamente à sua actividade enquanto cabeça de casal das heranças de DD de EE, seus pais.
Claramente, foi essa a pretensão manifestada pelos requerentes – cfr. artigo 3.º do requerimento inicial da prestação de contas.
Mais, resulta do requerimento inicial, que as contas a prestar dizem respeito à herança por morte de Maria Magnólia, pois que a requerida era, à data, tutora do cabeça de casal, seu marido, EE.
Por fim, os requerentes dos presentes processo de prestação de contas pretendem que requerida preste contas até à liquidação da partilha, leia-se de ambas as heranças.
Vejamos.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, o seguinte:
“1- É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, 3.ª ed., pág. 735 e seguintes, em anotação ao artigo 615.º, afirmam os citados autores: “Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença: ver o n.º 2 desta anotação) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade.
Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação). c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronuncia) e e) (pronúncia ultra petitum). (…)
Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608).”.
“Em obediência ao comando do nº 2 do artº 608, deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer.
Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de uma qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.“, Direito Processual Civil, Vol II, 2015, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, pág 371.
Notoriamente, a apontada nulidade encontra-se verificada.
A M.ma Juíza pronunciou-se, expressamente, sobre as contas que a requerida prestou relativamente à herança aberta por morte de EE, mas já não quanto às contas por morte de Maria Magnólia.
Deste modo, é claro que a sentença está ferida de nulidade, pois deixou de se pronunciar sobre questão e pedido que foi formulado e que não viu por parte do Tribunal qualquer pronúncia.
Está assim, verificada a apontada omissão de pronúncia sobre objecto da pretensão dos requerentes e das contas apresentadas pela requerida e que não foram contestadas
Pelo exposto procede à apontada nulidade.
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Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação, declarando a nulidade da sentença proferida, com devolução dos autos ao Tribunal recorrido para que elabore nova sentença desprovida da nulidade apontada e verificada.
Sem custas, por não serem devidas (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).