AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
Sumário

I - A prova produzida deve ser conjugada, harmonizada e ponderada no seu conjunto enquanto base da convicção formulada pelo Tribunal, não sendo legítimo valorizar meios probatórios isolados em relação a outros, sopesando os critérios de valoração, numa perspectiva racional, de harmonia com as regras de normalidade e verosimilhança, mas sempre com referência às pessoas em concreto e à especificidade dos factos em apreciação.
II - Os requisitos da acessão industrial imobiliária são: A realização de uma obra; A sua implantação em terreno alheio; A formação de um todo único entre o terreno e a obra; Um maior valor da obra em relação ao terreno; A boa-fé do autor da obra.
III - É pressuposto da boa fé que o R. desconheça que o terreno era alheio ou se foi autorizado pelos AA., autorização essa que tanto pode ser atribuída através de uma declaração de vontade expressa, como pode revestir a forma tácita
IV - A teoria do abuso de direito, na formulação adoptada pela nossa lei, apresenta-se como um verdadeiro limite intrínseco do exercício dos direitos subjectivos.

Texto Integral

PROC. N.º[1] 1722/21.8T8LOU.P1


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Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este

Juízo Local Cível de Lousada

RELAÇÃO N.º 108

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Rui Moreira

              Artur Dionísio Oliveira


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


AA.: AA, e marido

        BB e

        CC

R.: DD.


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Os[2] AA. intentaram a presente ação declarativa de condenação contra o R., peticionando o reconhecimento do direito de propriedade do prédio que identificam e de que a parcela de terreno com a área de 130 m2 referenciada no artigo 25.º da sua petição integra esse prédio, com a condenação do réu a restituir aos autores essa parcela, livre de pessoas e coisas, repondo-a no estado anterior às obras que nela levou cabo, com a construção de muros e aterro, e a abster-se de perturbar a posse e direito dos autores sobre o prédio e parcela mencionadas, com o pagamento da quantia de € 1.500,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais que a defesa do seu direito de propriedade implicaria.

Invocaram para o efeito, em resumo, ter o réu ocupado um espaço de terreno que descrevem, confinante com um prédio do réu, ao ali efetuar um aterro e construir um muro, tendo previamente existido negociações para permuta de espaço naquele local com o réu envolvendo a cedência de terreno por um terceiro proprietário confinante que não se concluíram, passando posteriormente o réu a ocupar esse espaço ao realizar os trabalhos acima citados, retirando essa parcela do prédio de que os autores se arrogam proprietários, o que conduziu à formulação dos pedidos atrás descritos.

Concretizada a sua citação, foi apresentada contestação pelo réu, em suma, negando a posição dos autores, porquanto das negociações em causa teria efetivamente resultado uma permuta de parcelas de terreno, agindo o réu conforme tal acordo, só se insurgindo os autores da ação do réu 29 meses depois, em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, invocando ainda a aquisição da parcela por acessão industrial imobiliária, pois teria agido de boa fé, verificando-se os respetivos pressupostos, conforme prevê o art.º 1343.º do Código Civil, imputando-lhes litigância de má fé e concluindo pugnando pela improcedência da ação.

Responderam os autores, em súmula, reiterando a sua posição e negando a efetivação da permuta invocada pelo réu.

Em sede de audiência prévia enunciaram-se despacho saneador e temas de prova.

Foi posteriormente realizada audiência de julgamento.


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DA DECISÃO RECORRIDA


Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando parcialmente procedente a demanda, nos seguintes termos:

Pelo acima exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, reconhecendo-se o direito de propriedade do prédio dos autores sobre o prédio referido em 1, onde se integra a parcela de terreno com a área de 97 m2 referenciada em 15, condenando-se o réu a restituir aos autores essa parcela, livre de pessoas e coisas, repondo-a no estado anterior às obras que nela levou cabo, com a construção de muros e aterro, e a abster-se de perturbar a posse e direito dos autores sobre o prédio e parcela mencionadas.

Mais se absolve o réu do demais peticionado.

Custas na proporção do decaimento das partes.“.


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DAS ALEGAÇÕES

O R., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

“(…), deverá ser dado provimento ao presente recurso, sendo a Douta Decisão recorrida alterada por outra nos termos pugnados nas presentes alegações.“.


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O ora recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

1. Por sentença de 11.09.2023 proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, o Recorrente foi condenado a reconhecer o direito de propriedade do prédio dos Recorridos sobre o prédio referido em 1., onde se integra a parcela de terreno com a área de 97 m2 referenciada em 15., e a restituir aos Recorridos essa parcela, livre de pessoas e coisas, repondo-a no estado anterior às obras que nela levou a cabo, com a construção de muros e aterro, e a abster-se de perturbar a posse e direito dos Recorridos sobre o prédio e parcela mencionadas.

2. Com o presente recurso visa o Recorrente questionar a apreciação da prova feita do que resultará ser posta em crise a douta decisão na parte respeitante à condenação do Recorrente, visando, assim, evidenciar vários erros de julgamento.

3. Salvo melhor entendimento, os factos 13., 14., 15. e 16. encontram-se erradamente dados como provados.

4. Para tal, o Meritíssimo Juiz a quo fundamenta a sua decisão com base na prova documental junta aos autos, em particular, as fotografias, as plantas topográficas e os elementos camarários trazidos à presente lide pelas partes.

5. Ademais, o Tribunal a quo apoia-se na prova testemunhal, designadamente, no depoimento das testemunhas EE, FF e nas declarações dos Autores, não tendo atribuído valor às declarações do Réu, nem aos depoimentos das testemunhas GG, HH e II.

6. Pois bem, face ao depoimento da testemunha FF, que ora se transcreveu, o Meritíssimo Juiz a quo não poderia concluir, salvo melhor entendimento, que a testemunha em causa não assistiu à conclusão do acordo, uma vez que a mesma depôs precisamente no sentido inverso.

7. O Tribunal a quo alicerçou a sua decisão, entre outros meios de prova, nas declarações dos Autores BB e AA, não obstante esta última, durante todo o seu depoimento, ter necessitado sempre da “aprovação” do marido, ora Recorrido, olhando para o mesmo constantemente, tendo inclusive o Meritíssimo Juiz intervindo nesse sentido, conforme transcrição constante das alegações.

8. Ademais, e ainda quanto à permuta, o núcleo da discussão que originou a sentença ora objeto do recurso, a testemunha HH apresentou um relato coerente, isento e imparcial, quanto a uma reunião presenciada numa outra ocasião no local em causa, confirmando na própria pessoa que jamais fora parte do negócio de permuta.

9. Face aos depoimentos transcritos, era forçoso que o Tribunal a quo tivesse concluído que a permuta foi celebrada entre os Autores e o Réu, relativamente a parcelas de terreno pertencentes a estes, e nunca com a intervenção de um “vizinho e familiar”.

10. As partes efetivamente celebraram uma permuta, a qual consistia em os Autores cederem uma parcela de terreno ao Réu e este, em consequência, cedia uma outra da qual era proprietário.

11. Não envolvendo tal acordo qualquer cedência de uma parcela de terreno propriedade do Sr. HH.

12. As questões que ficam por responder são: Como poderia o Réu ceder algo que não lhe pertencia e como é que poderiam os Autores aceitar um negócio cuja conclusão dependia da aceitação de um terceiro que não se encontrava presente e que, conforme confirmado pelo próprio, nunca tinha ouvido falar em tal coisa?

13. Face ao que ficou demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os factos 13., 14., 15. e 16., e como não demonstrados os pontos A. e B.

14. A decisão constante da sentença ora objeto do presente baseou-se, sobretudo, na prova documental junta aos autos pelos Autores referentes à área total do terreno do Recorrente, mais concretamente, à que se encontra registada junto dos Serviços Públicos competentes.

15. Porém, como bem explica a testemunha GG, o facto de não haver uma correspondência entre os m2 inscritos nos documentos e a realidade, deve-se ao facto de, antigamente, ser habitual a celebração de cedências verbais, sendo inclusive prática recorrente dos Recorridos celebrar negócios verbais e, como tal, não registados devidamente,

16. Aliás, tal é confirmado pelo próprio Autor no seu depoimento e, ainda, pela testemunha II, a qual, bem como os seus antecessores, já celebrou este tipo de negócios com os Recorridos.

17. Deste modo, impunha-se ao Tribunal a quo uma valoração diversa da prova constante dos autos, e consequentemente uma decisão também ela diversa, dado que este ponto foi consensual entre todos os intervenientes na presente lide.

18. Ademais, ainda que existam documentos dos quais constem áreas distintas das áreas reais, tal motivo não pode, forçosamente, conduzir à decisão que foi tomada, ou seja, a do reconhecimento do direito de propriedade com todas as prerrogativas a tal direito inerentes.

19. Acresce que, consta da douta sentença que “o referido em C. e D. careceu de prova que o demonstrasse”.

20. Ora, quanto ao facto C., o Tribunal a quo, no nosso entendimento, apenas poderia consolidar a sua decisão na prova testemunhal produzida ao longo das várias sessões da audiência final.

21. Isto porque, as declarações do Recorrido BB apresentam diversas contradições e incongruências quando comparadas com as da sua testemunha FF.

22. Do depoimento desta testemunha, funcionário dos Recorridos, não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto ao facto de os mesmos terem tido efetivo conhecimento da construção do muro em 2018, isto é, no ano de construção do mesmo.

23. De entre a factualidade dada como provada deveria constar o seguinte facto: de que os Autores tomaram conhecimento da construção do muro em 2018, posteriormente à reunião no local para tal efeito, na qual deram a sua anuência.

24. Aliás, o funcionário e testemunha FF referiu, de forma perentória, que limpa os seus terrenos dos Recorridos anualmente, pelo que mais óbvio se torna que tiveram conhecimento da referida construção em 2018, não podendo dúvidas restar no espírito do julgador.

25. Resulta ainda do depoimento da referida testemunha que, não obstante limpar todos os anos os terrenos, só viu o dito muro quando o mesmo já estava concluído, tendo este sido construído “de repente”.

26. Acontece que, o muro em causa tem dimensões bastantes que levam qualquer pessoa, nomeadamente o homem-médio, a chegar à conclusão de que tal construção não poderá ter sido feita de um dia para outro, sendo algo que leva tempo.

27. Face às regras da experiência comum, não se apresenta verosímil que um muro com as dimensões que estão aqui em causa e que foram constadas na inspeção ao local, tenha surgido repentinamente.

28. Ninguém se opôs à existência do muro naquele local durante 29 meses precisamente porque tal resultava de um acordo verbal entre as partes, tendo o Recorrente feito fé na palavra dos Recorridos, o que, afinal de contas, lhe valeu de muito pouco.

29. Perante tal circunstancialismo, e apenas podendo o Tribunal a quo basear-se nos depoimentos e declarações das partes, bem como na prova testemunhal, tais incongruências nunca poderiam, com a certeza e segurança que o Direito exige, ter conduzido à prova do facto 17.

30. Pelo que, também o facto 17. foi erradamente dado como provado.

31. Da análise de toda a prova produzida e gravada decorre, portanto, que a decisão proferida deveria ter sido outra, mais concretamente, a de que foi efetivamente celebrado o contrato de permuta e que, como tal, a parcela de terreno em causa é propriedade do Recorrente.

32. O Tribunal a quo considerou ainda, no que à acessão do espaço de terreno diz respeito, que o Recorrente não se encontrava de boa-fé.

33. Pois que, face à demonstração de que a permuta efetivamente se deu entre uma parcela pertence ao Recorrente e uma outra pertencente aos Recorridos, está, in casu, forçosamente, verificada a boa-fé do Recorrente.

34. Sem prescindir, caso assim não se entenda, o Recorrente construiu o muro na convicção de que a permuta se concretizou na primeira reunião no local, nunca agindo com a intenção de prejudicar os Recorridos.

35. Não tendo, aliás, por hábito ocupar terreno alheio, caso o considerasse como tal, nunca o teria feito!

36. Ainda, e tendo em conta todas as “cedências de boca” já abordadas, é completamente compreensível que os limites dos terrenos estejam confundidos e que, por sua vez, não correspondam à realidade atual

37. Sendo certo que, durante toda a vida do Recorrente, sempre lhe terá sido dito que os limites do terreno do seu pai eram aqueles, como aliás corroboraram os vizinhos, tendo como tal, alinhado o seu muro em função disso.

38. Deste modo, é mais que evidente a boa-fé do Recorrente, estando, por sua vez, preenchidos os requisitos que de que depende a acessão.

39. Quanto ao abuso de direito, ficou mais que provado pelo Tribunal a quo que os Recorridos, tal como o seu funcionário, tiveram conhecimento da existência do muro aquando da sua construção, ou seja, 2018, e que não tomaram qualquer atitude perante tal facto.

40. Porém, e convenientemente, passados 29 meses, lembraram-se de implicar com a construção do dito muro.

41. Ora, parece-nos que, a não exigência da remoção do muro e restituição da parcela durante aquele período de tempo é suscetível de criar a convicção subjetiva de que tal direito não será exercido, que foi o que sucedeu.

42. Sempre se dirá ainda que, à luz do instituto do abuso de direito deveria ficar impossibilitado o exercício do direito dos Recorridos, o qual implica a demolição do muro, bem como de tudo o resto que, entretanto, fora surgindo, por estar em causa um desequilíbrio grave entre o benefício que advém para os Recorridos e o correspondente sacrifício imposto ao Recorrente pelo exercício de tal direito.

43. Posto isto, dada a diminuta importância da parcela ocupada e o seu pequeno valor, salvo melhor entendimento, parece-nos que o direito à restituição in natura da mesma é excessivamente oneroso para o Recorrente.

44. A douta sentença violou, por má interpretação, o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do C.P.C “.


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Os AA. apresentaram CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso.

Apresentou as seguintes conclusões:

I- Não se afigura aos recorridos que a sentença objeto do presente recurso enferme de erro de julgamento nos pontos e alíneas citados pelos Recorrentes, sendo que o Tribunal a quo fez uma análise correta, sensata, congruente e objetiva de toda a prova produzida e conclui quer nos factos provados quer nos não provados de forma irrepreensível.

II- Acresce que o Recorrente ao aceitar o ponto 11. dos factos provados não pode colocar em causa os factos reportados no ponto 15. uma vez que a matéria de facto de cada um dos aludidos pontos está interligada.

III- O que resulta do ponto 11 é o limite norte do prédio do recorrente, tal como definido pelo próprio, na planta que apresentou na Câmara Municipal ... aquando do licenciamento, sendo que essa planta, elaborada por técnico e com escala, fornece todos os elementos para a sua implantação no terreno.

IV O que ficou consignado no ponto 15 dos factos provados foi que o recorrente quando efetuou obras, com o aterro e levantamento do muro de suporte e de limite do prédio mencionado em 10, ocupou uma parcela do terreno referido em 1 (prédio das AA.) com cerca de 97 m2, ultrapassando a linha a que se alude em 11.

V- A área ocupada do prédio das autoras referido em 1, pelo recorrente, tem por pressuposto a linha referida no ponto 11 da matéria de facto provada e a determinação da área foi tarefa de trabalho topográfico realizado pela testemunha e topógrafo, JJ, cujo depoimento se encontra gravado na sessão da audiência de julgamento do dia 11-01-2023, com início às 14:42 e fim às 14:53 sendo que quer o trabalho de topografia, quer o depoimento do topografo não mereceram qualquer reparo ou crítica por parte do Recorrente.

VI- Dai que se conclua não haver razão válida ou fundamento consistente para alterar o ponto 15 dos factos provados que deve manter-se nos seus precisos termos ocorrendo mesmo uma impossibilidade racional e técnica pela posição incoerente do Recorrente, relativamente ao ponto 11. dos factos dados como provados.

VII- No que respeita aos pontos 13., 14. e 16., bem assim ao que resulta não provado nas alíneas A) e B) o Tribunal fundamentou a decisão no depoimento dos autores BB e AA, conjugados com o depoimento das testemunhas EE e FF e ainda com o que foi percecionado na inspeção ao local, como aliás resulta da fundamentação constante da sentença.

VIII- Os depoimentos dos AA. BB e AA encontram-se gravados na sessão da audiência de julgamento do dia 11-01-2023, com início respetivamente às 11:16 e fim às 12:07 e Início às 12:10 e fim às 12:40 e quer um quer o outro depuseram com serenidade, de modo coerente, e com conhecimento direto dos factos e por isso, os respetivos depoimentos mereceram credibilidade ao tribunal.

IX Ambos confirmaram a reunião entre eles no local dos factos e sem contradições referiram que esteve presente e ambos afirmaram não terem chegado a conclusões sobre a permuta de terreno para endireitar o terreno do DD (recorrente) e ficaram a aguardar uma nova reunião para com o terceiro definirem as parcelas a permutar.

X- É o que resulta do depoimento quer da autora AA do minuto 1:37 ao minuto 8:29 e do depoimento do autor BB do minuto 2:32 ao minuto 7:29.

XI - A convicção do tribunal relativamente aos factos sindicados no presente recurso - pontos 13., 14. e 16. dos factos provados e alíneas A) e B) dos factos não provados assentou também nos depoimentos das testemunhas EE e FF os quais se encontram gravados na sessão da audiência de julgamento do dia 11-01-2023 respetivamente aos minutos 15:51 a 16:06 e15:30 a 15:51, os quais depuseram de modo sereno, desinteressado e objetivo tendo merecido credibilidade por parte do Tribunal.

XII- A testemunha EE é filho de um antigo caseiro do pai das autoras, conhecia os limites, do prédio em causa e como tal o limite sul junto às casas e a nascente em direção à presa e às carvalhas, por acompanhar o pai quando iam ao mato e à lenha, facto que se manteve durante alguns anos após o pai ter deixado a quinta onde se integrava a dita mata.

XIII- A testemunha FF procede anualmente a mando dos autores à limpeza dos matos e vegetação que cresce no prédio, facto que sucede há mais de 10 anos, confirmou os limites do prédio por onde realiza a limpeza nomeadamente junto às casas, asseverou ainda a realização da reunião com vista à permuta e da qual esteve presente no seu início e que quando saiu ou se ausentou da reunião ainda estavam a "falar".

XIV Da conjugação entre si do teor destes depoimentos, (autores e das aludidas testemunhas), com o que o tribunal visualizou na inspeção ao local e que se encontra reportado no respetivo auto, e ainda com a prova documental junta, designadamente o levantamento topográfico apresentado pelo R. no processo municipal de obras, resulta clarividente quais os limites do prédio dos AA. por contraponto com o prédio do R. não merecendo qualquer censura a matéria de facto sindicada pelo Recorrente quer no que reporta aos factos provados quer no que reporta ao factos não provados.


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II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:

A) Modificação da matéria de facto nos pontos 13 a 17 dos factos provados e alíneas A, B dos factos não provados. Mais, sustenta que dever ser dado como provado outro facto.

B) Alteração da decisão de direito, em consequência da alteração da matéria de facto.


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OS FACTOS


A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade.

São considerados provados os seguintes factos:

1. A autora AA adquiriu ¼ do prédio rústico denominado ..., sito no Lugar ... ou ... da Freguesia ... do concelho de Lousada, descrito na Conservatória do Registo predial de Lousada sob o n.º ...-... e inscrito na respetiva matriz no artigos ... e ..., por doação que lhe fez a sua avó, KK, por escritura realizada no cartório notarial de Lousada no dia 31 de julho de 1970, e o outro ¼ indiviso por ter sido adjudicado ½ do aludido prédio em comum a si e a sua irmã (a autora CC) na partilha realizada por óbito dos seus pais, LL e MM, a qual teve lugar por escritura outorgada no dia 16 de março de 2015.

2. Por sua vez a autora CC adquiriu ¼ do aludido prédio por doação que lhe fizeram os seus pais, LL e MM, por escritura realizada no cartório notarial de Lousada no dia 16 de novembro de 1988, e o outro ¼ por partilha por óbito dos seus pais.

3. A autora AA registou na Conservatória do Registo Predial a aquisição por doação da sua avó KK pela Ap. ... de 1972/2/23, e de ¼ daquele mesmo prédio que adquiriu por partilha da herança de seus pais, pela Ap. ... de 2015/05/06.

4. A autora CC registou na Conservatória do Registo Predial a aquisição de ¼ do prédio por doação de seus pais pela Ap. ... de 2015/02/05 e ¼ daquele mesmo prédio que adquiriu por partilha da herança de seus pais, pela Ap. ... de 2015/05/06.

5. Há mais de 20 anos que os autores, por si e antecessores, curam daquele prédio, dele retirando matos e lenhas e cortando árvores para madeira enquanto aquele esteve arborizado, e procedem à sua limpeza, suportando os respetivos custos.

6. Fazendo-o sem oposição, à vista de toda a gente, na convicção de que assim o foram fazendo porque o prédio lhes pertencia e que não prejudicaram nem prejudicam interesses ou direitos alheios.

7. A área do prédio dos autores tem a configuração constante da fotografia de satélite junta como documento sete, confinando do norte com terra de paróquia e outros, do nascente com HH e outros, do sul com estrada e outros e do poente com estrada.

8. Confinando a sul com o limite norte de vários prédios, que encostam por esse lado ao limite sul do prédio referido em 1.

9. Os prédios urbanos que pelo seu lado norte confinam com o prédio referido em 1 estão murados ou têm muretes encimados por rede que os separam deste prédio, na parte em que esta não confina com a Avenida ... e confina com aqueles prédios.

10. Um desses prédios urbanos que confina a norte com o prédio referido em 1 é o prédio urbano do réu sito na Avenida ..., composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, com a área coberta de 140 m2 e descoberta de 612 m2, descrito na C. R. P. de Lousada sob o n.º ...- ... e inscrito na respetiva matriz no artigo ....

11. Confronta pelo lado norte com as autoras tendo como linha limite a linha oblíqua resultante do levantamento junto pelos autores como documento 9.

12. Cerca de 2 anos e meio antes da interposição desta ação, o réu solicitou às autoras a permuta de uma parcela de terreno do prédio referido em 1, com 1 a 2 m de largura pelo comprimento da largura correspondente ao seu prédio, para endireitar a extrema do logradouro.

13. Propondo-se ser tal parcela permutada com terreno de um vizinho e familiar do réu, cujo terreno confinava a sul com o prédio referido em 1 até à sua extrema do lado nascente.

14. Ficando acordado que antes de efetuar qualquer obra o réu convocaria os autores para marcação no local na presença destes, do réu e do dito vizinho, identificado como sendo de nome HH.

15. O réu efetuou obras, com o aterro e levantamento de muro de suporte e de limite do prédio mencionado em 10, ocupando uma parcela do terreno referido em 1 com cerca de 97 m2, ultrapassado a linha a que se alude em 11.

16. Até esta obra, os autores agiam sobre esta parcela como se descreve em 6 e 7.

17. Em dezembro de 2020 o autor marido tomou conhecimento dos trabalhos descritos em 15, contactando então o réu para discussão do ocorrido.

18. E com o referido em 15 e a subsequente lide os autores suportam despesas com o seu mandatário, deslocações ao local e ao escritório do mandatário e a repartições públicas, destinadas a obter certidões e consultar documentos.


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Não considera o tribunal demostrado:

A. Que na ocasião referida em 12 foi acordado que o Réu cedia uma pequena parcela do seu terreno mediante, com 3,43 m2, contra a cedência de uma outra parcela, inserida no prédio referido em 1, com 13,94 m2.

B. Que o réu fez o aterro e levantou os muros que rodeiam o prédio de sua propriedade, descrito em 10, conforme o acordo atrás referido em A.

C. Que antes do referido em 17 os autores tomaram conhecimento dos trabalhos efetuados pelo réu

D. Que as despesas a que se alude em 18 excedem € 1.500,00.“, realçado nosso.


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DE DIREITO.

A)


Modificação da matéria de facto nos pontos 13 a 17 dos factos provados e alíneas A, B dos factos não provados. Mais sustenta que dever ser dado como provado outro facto (os Autores tomaram conhecimento da construção do muro em 2018, posteriormente à reunião no local para tal efeito, na qual deram a sua anuência.).

Os factos em discussão.

13. Propondo-se ser tal parcela permutada com terreno de um vizinho e familiar do réu, cujo terreno confinava a sul com o prédio referido em 1 até à sua extrema do lado nascente.

14. Ficando acordado que antes de efetuar qualquer obra o réu convocaria os autores para marcação no local na presença destes, do réu e do dito vizinho, identificado como sendo de nome HH.

15. O réu efetuou obras, com o aterro e levantamento de muro de suporte e de limite do prédio mencionado em 10, ocupando uma parcela do terreno referido em 1 com cerca de 97 m2, ultrapassado a linha a que se alude em 11.

16. Até esta obra, os autores agiam sobre esta parcela como se descreve em 6 e 7.

17. Em dezembro de 2020 o autor marido tomou conhecimento dos trabalhos descritos em 15, contactando então o réu para discussão do ocorrido.

Dos factos não provados:

A. Que na ocasião referida em 12 foi acordado que o Réu cedia uma pequena parcela do seu terreno mediante, com 3,43 m2, contra a cedência de uma outra parcela, inserida no prédio referido em 1, com 13,94 m2.

B. Que o réu fez o aterro e levantou os muros que rodeiam o prédio de sua propriedade, descrito em 10, conforme o acordo atrás referido em A.

C. Que antes do referido em 17 os autores tomaram conhecimento dos trabalhos efetuados pelo réu.

Deveria ser dado como provado: os Autores tomaram conhecimento da construção do muro em 2018, posteriormente à reunião no local para tal efeito, na qual deram a sua anuência.

Argumenta o recorrente (R.) que tais os factos 13, 14, 15, 16 e 17 dos factos provados e as alíneas A) e B) dos factos não provados, estão mal julgados, devendo ser julgados não provados e provados, respectivamente. Mais pugna, para ser dado como provado um outro facto (cls. 23.ª).

Sustenta que haverá que ocorrer a alteração da decisão da matéria de facto com base na consideração do depoimento da testemunha FF, na desconsideração no depoimento de parte/declarações de parte da A. mulher, AA, na consideração do depoimento da testemunha HH, e por fim, na valoração positiva no depoimento de parte/declarações de parte do R., DD.

Conclui: “Face aos depoimentos acima transcritos, facilmente se conclui que a permuta foi celebrada entre os Autores e o Réu, e nunca com a intervenção do Sr. HH.(…)

Face ao demonstrado em sede de audiência e julgamento nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como provado os factos 13., 14., 15. e 16., como não demonstrados A. e B.” – artigo 14.º e 20.º das alegações de recurso e conclusão 13ª.

Mais argumenta, quanto à desconformidade dos m2 nos diversos documentos, áreas distintas das reais, deve ser considerado o depoimento da testemunha GG, no depoimento de parte do A., BB, e do depoimento da testemunha II.

Quanto à factualidade da alínea C) dos factos não provados, conhecimento por parte dos AA. da realização do muro, deverá ser alterado com base no depoimento de parte /declarações de parte do A. BB, no depoimento da testemunha FF,

Deveria ser dado como provado que “os Autores tomaram conhecimento da construção do muro em 2018, posteriormente à reunião no local para tal efeito, na qual deram a sua anuência”, com base no depoimento da testemunha FF (e que por sua vez confirma a inveracidade do ponto 17 dos factos provados).


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Como vimos são as conclusões do requerimento de recurso quem fixa o objecto do recurso.

Vejamos.

Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)“.

A Doutrina tem vindo a expor, de modo repetido e claro, quais os requisitos que o recurso de apelação, na sua vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, terá de preencher para que possa ocorrer uma nova decisão de matéria de facto.

Nesta sede, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação à norma supratranscrita importa reter o seguinte.

a) Em primeiro lugar, deve o recorrente obrigatoriamente indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;

b) Em segundo lugar, tem o recorrente que indicar “os concretos meios probatórios” constantes dos autos que impõe sobre aqueles factos (alínea a)) decisão distinta da recorrida;

c) Em terceiro lugar, em caso de prova gravada, terá de fazer expressa menção das passagens da gravação relevantes;

d) Por fim, recai o ónus sobre o recorrente de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de factos impugnadas (alínea a)).

Com a imposição destes requisitos o legislador faz recair sobre o recorrente o ónus de alegação, de modo reforçado, para que a instância de recurso não se torne aleatória e imprevista, ie, que os recursos possam ter natureza genérica e inconsequente (neste sentido o autor citado, in ob. cit., pág. 166).


*

Ponderando e apreciando a instância de recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente, quanto aos pontos de facto indicados preenche os apontados requisitos.

Quanto aos pontos de facto, como se aludiu, pretende o recorrente que tais factos sejam dados como não provado e provado, respectivamente. O recorrente indica claramente o sentido que pugna por ver alterado por este Tribunal da Relação do Porto. De igual modo, indica, qual o meio de prova que sustenta a alteração peticionada dos factos.

Pelo exposto o recorrente, nesta parte, preenche os apontados requisitos, pelo que se impõe o seu conhecimento.

Passemos então a apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto.

Em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, a Relação tem, efectivamente, poderes de reapreciação da matéria de facto, procedendo a julgamento sobre a factualidade, assim garantindo um verdadeiro duplo grau de jurisdição.

Quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal, tal matéria encontra-se regulada no artigo 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, que preceitua no seu n.º 1 que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento.

Não se ignora o papel relevante da imediação na formação da convicção do julgador e que essa imediação está mais presente no tribunal da 1.ª instância. Todavia, ainda assim, o resultado dessa imediação deve ser objetivado em argumento probatório, suscetível de discussão racional, além do mais, para evitar os riscos da arbitrariedade“, in Ac. Supremo Tribunal de Justiça, 62/09.5TBLGS.E1.S1, de 02.11.2017, relatado pelo Cons. TOMÉ GOMES, in dgsi.pt.

Por isso, passa-se a reapreciar a matéria de facto impugnada.

A primeira instância fundamentou do seguinte modo os factos aqui em discussão:

“(…) Contudo, não residia nestes elementos factuais o fulcro principal da discórdia entre as partes. Este jaz na alegada apropriação e utilização dada à parcela em disputa ao longo do tempo. E no concernente à matéria controvertida, a decisão do tribunal fundou-se na apreciação da prova apresentada, na sua singularidade e no modo como se conjugaram os diferentes componentes probatórios entre si.

Invocou o réu DD ter existido uma reunião no local em que, para além de si e dos autores, estariam presentes o seu pai, GG, NN, presidente da Associação ..., OO, Presidente da Junta de Freguesia ..., PP, vice presidente da mesma associação, e ainda FF, e onde se discutiu, em primeiro lugar, a possibilidade de colocação no terreno de terras que vinham de um desaterro de uma obra da associação realizada nas cercanias.

Resolvida tal discussão, teriam os autores, ele próprio, aqui réu, e seu pai, bem como o Sr. FF, a pessoa que cuidava da limpeza do terreno referido em 1 por conta dos autores, se deslocado ao local da questão, na confinância dos prédios, ali acertando a troca de parcelas de terreno para acerto da extrema.

Ouvidas as testemunhas NN, OO e PP, nenhum percecionou a concretização do dito acordo, e não tendo acompanhado autores e réu ao sítio em apreço, não sabem se tal acordo então se materializou.

FF, tratorista que por conta dos autores foi limpando o terreno em causa, retirou-se sem que esse acordo nascesse.

Ora, o tribunal ouviu os autores BB e AA, e estes admitiram a existência de reunião, com a discussão da possibilidade de se “endireitar” o terreno, mas em que se alvitrou a cedência de terreno por parte do Sr. HH, outro vizinho confinante e parente do réu, para se concretizar o negócio, com a prévia marcação entre todos das áreas cedidas reciprocamente. E nada disso ocorreu posteriormente.

E o tribunal creu nos autores, pelas razões que passa a expor.

De acordo com os réus, a linha que servia de delimitação do seu prédio, a que se faz referência em 1, é a que se determina observando a linha formada pelos muros erguidos pelos vizinhos a sul, nomeadamente pelo pai do réu, proprietário do prédio confinante com o do réu, como se extrai da foto 3 da inspeção ao local, e que teria como referências o ponto descrito na foto 4, em contraste com a posição do réu quanto a esta delimitação, percetível nas fotos 1 e 2 da citada diligência instrutória.

Em planta, as duas linhas surgem bem delineadas na planta junta como documento 3 pelo réu na sua contestação, com a ilustração da invocada permuta na planta apresentada como documento 5.

E analisando a posição do réu, a permuta de parcelas teria como fim acertar estremas, reduzindo a “obliquidade” do limite do seu terreno.

Contudo, da audição das testemunhas EE, filho de um antigo caseiro do pai das autoras, anterior proprietário, que descreveu com detalhe e segurança o limite como sendo o que os autores invocam, e do tratorista FF, que ali costuma fazer limpezas de terrenos por conta dos autores há mais de dez anos, limpando a área até aos muros, conduziram o tribunal a formar a convicção de que efetivamente o limite da confinância seria definido do modo invocado pelos autores, conforme, aliás, o pai das autoras havia descrito no local, em vida, aos autores.

E, acrescente-se, os próprios muros ali existentes seriam indícios que apontariam para o acerto desta posição. É verdade que uma das propriedades confinantes, precisamente a que margina o o prédio do pai do réu a poente, estaria a ultrapassar este limite, mas como explicaram autores e a testemunha EE, esta vizinha comprou aquele espaço para ampliar a sua propriedade.

O próprio réu teria apresentado uma planta no âmbito do processo de licenciamento camarário, de fls. 66, onde teria seguido a linha do muro sequentemente ao prédio de seu pai, localizado a poente do seu, de acordo com aposição dos autores.

Admitindo o tribunal que tal poderá ter resultado de um mero lapso de quem cuidou de fazer o levantamento, seguindo o que lhe pareceu ser o correto, não deixa de representar um ato incoerente com a posição aqui assumida pelo réu.

Perante as explicações dos autores referidos e destas testemunhas, perdeu relevância em contraponto o depoimento de GG, pai do réu, que nos autos secundou a versão do seu filho, não sendo capaz de trazer uma explicação convincente para não ter alterado o seu muro ou executado uma abertura para o espaço de terreno situado para lá do seu muro e que, de acordo com a sua posição e do seu filho, lhe pertenceria.

HH, o proprietário do terreno cercano, familiar do réu e antagonista judicial noutra lide dos autores, mencionando nada saber de uma permuta que o envolveria, também apoiou a posição do réu, nada adiantando para além do que já havia sido colhido pelo tribunal com aptidão a fazer alterar a sua convicção.

II, vizinha do réu e do pai deste, proprietária da edificação retratada parcialmente nas fotos 2 e 4 da inspeção ao local, teria pedido ao pai do réu para ali colocar os aparelhos exteriores de ar condicionado, não sendo este elemento, contudo, capaz de alterar a convicção do tribunal.

JJ, topógrafo, deslocando-se ao local onde fez um levantamento do erigido pelo réu, pôde produzir a planta junta a fls. 67 dos autos após cotejo com a planta apresentada pelo réu no processo camarário, apurando a área referenciada em 15.

A autora CC, tendo estado na reunião, nada de concreto pôde elucidar o tribunal pois deixava as questões em discussão ao cuidado da sua irmã e do seu cunhado.

Consequentemente, destes elementos, rejeitou o tribunal o referido em A e B, aceitando o mencionado em 5 a 9 e 11 a 16.

O descrito em 18 deduz-se das regras da experiência e dos labores presentes no próprio processo.

Analisou o tribunal a restante matéria de cariz documental junta, designadamente as fotos, planta e elementos camarários trazidos pelas partes.

O referido em C e D careceu de prova que o demonstrasse.

A restante matéria alegada e não mencionada representa substância irrelevante, conclusiva ou de argumentação jurídica, insuscetível de aproveitamento como facto.“, realçado nosso.

Este Tribunal de recurso quanto à factualidade em discussão, não pode acompanhar a argumentação do apelante. Trazendo à colação os meios de prova, expressamente invocados, ou chamados em auxílio pretensão apresentada pelo apelante, os mesmos não são suficientes para atingir tal desiderato.

Importa ter presente que a prova produzida deve ser conjugada, harmonizada e ponderada no seu conjunto enquanto base da convicção formulada pelo Tribunal, não sendo legítimo valorizar meios probatórios isolados em relação a outros, sopesando os critérios de valoração, numa perspectiva racional, de harmonia com as regras de normalidade e verosimilhança, mas sempre com referência às pessoas em concreto e à especificidade dos factos em apreciação.

Com vista a este Tribunal ficar habilitado a conhecer dos factos em discussão, e deste modo formar a sua convicção autónoma, própria e fundamentada, teve de analisar todos os meios de prova produzidos em 1.ª instância.

Tendo presente os elementos documentais juntos aos autos, plantas, fotografias do “Google maps”, fotografias do local, designadamente, a tiradas aquando da inspecção ao local, valorando os depoimentos de parte e das testemunhas, todas elas, a convicção a que este Tribunal de recurso chegou, é a mesma a que chegou o Tribunal a quo.

Na realidade, o A. BB e mulher, AA, apresentam um discurso calmo, espontâneo e coerente, em contraponto daquele que foi apresentado pelo R. DD.

Apresentados estes dois relatos da realidade antagónicos, quanto à existência do acordo de permuta, o Tribunal a quo decidiu que tal acordo nunca teve lugar. Que, efectivamente, ocorreu uma reunião com tal finalidade, mas que entre AA. e R. não se logrou obter um acordo.

Quanto à efectiva ocorrência do acordo de permuta ou troca de terrenos, por um lado, a versão factual retratada pelos AA. é mais consistente com os elementos documentas atrás citados. Por outro lado, as várias testemunhas ouvidas, FF (caseiro dos AA. e que esteve no lugar aquando da reunião), NN, OO e PP (que também estiveram no lugar na reunião), nada vieram relatar quanto a se ter obtido um acordo de permuta. Todas estas testemunhas apresentaram discurso coerente e lógico, tendo-o feito de modo espontâneo e livre, pelo que se lhe atribui valor probatório relevante no sentido da versão apresentada pelos AA.. Inclusive a testemunha OO afirmou que não se conseguiu qualquer acordo, ou a testemunha NN afirmou que poderiam colocar terra no terreno do R. mas que não o estavam no terrenos do sr BB.

Já quanto à desconsideração do depoimento da testemunha GG, acompanhamos o decidido pelo M.mo Juiz a quo. O seu depoimento enferma de falta de sustentação com as regras de experiência e da vida e, bem como, da prova produzida. As testemunhas EE, filho de antigo “caseiro” dos AA. e de FF, pessoa que procede à limpeza do terreno dos AA., apresentaram um depoimento coerente entre si. Relatam de modo espontâneo e límpido, que as extremas do terreno dos AA. é pelos muros que existem das várias construções existentes – tal como se vê pelas fotografias tiradas na inspecção ao local (acta de 07.03.2022) – incluindo do terreno da testemunha GG. Esta testemunha veio relatar que o seu terreno é para além do seu muro, sem que apresente explicação capaz e suficiente do porquê de não ter feito o muro até à extrema, como é normal e habitual. Ainda apresentou versão de que tal faixa de terreno foi comprada em tempos pelo seu pai. Não se percebe tal relato de quem diz que comprou, e vem apresentar uma versão de que era preciso uma permuta. E, aqui, é de chamar à atenção da planta do destaque do seu terreno que agora é do seu filho, R., pois, que da mesma resulta que o limite do terreno é pelo seguimento dos muros existentes nas traseiras dos terrenos (cfr. documentos juntos com requerimento datado de 27.04.2022 e fotografias atrás citadas). Por último, uma outra razão para que o seu depoimento não ter merecido credibilidade, quer por este Tribunal, quer pelo Tribunal a quo, é o seu relato de que foi a A. mulher, AA que decidiu a permuta dos terrenos – flui do depoimento da parte da A. AA, à saciedade, que quem decide e tem a palavra última é o seu marido, ele é que decide. Em suma, a versão que foi apresentada pela testemunha GG é aquela que melhor se ajustaria à alegação do R., seu filho. É patente que esta testemunha apresenta ao longo do seu depoimento alguma animosidade para com o A. BB, o que lhe retira credibilidade, que ainda poderia restar.

A testemunha HH, se, por um lado, quanto à concretização da permuta nada pode adiantar por nada ter presenciado, por outro lado, veio relatar que ele nada iria ceder ou permutar. Veio relatar tudo aquilo que consta dos autos, fotografias e documentos (plantas), não apresentando depoimento de modo a colocar em causa a credibilidade das testemunhas que vieram sustentar a versão apresentada pelos AA..

Já a testemunha II, quanto aos aparelhos do ACs, veio relatar que foi a testemunha que os colocou. Aceita que os mesmos ocupam terreno que não é seu. Que terá pedido autorização ao vizinho, testemunha GG, para colocar os aparelhos. Refere que lhe foi relatado que tal pertencia ao sr GG, mas não podendo apresentar mais argumentos ou relatos que sustentam tal “relato de ouvir dizer”.

Deste modo, a fundamentação elaborada pelo M.mo Juiz de julgamento, supratranscrita, não merece qualquer reparo por parte deste Tribunal face à sua clareza e lógica.

Com efeito, de modo consistente, coerente e espontânea, a prova testemunhal, supracitada, afirmou a realidade que o Tribunal a quo deu como demonstrada e provada, e bem como na sua vertente de não provada, como é o caso dos presentes autos. Do meio de prova testemunhal, supra-referido, e que foi produzido em audiência de julgamento, não há dúvidas que a realidade factual que resulta do mesmo, é a que foi dada como provada e não provada, pelo que deverá manter-se.

Por último, quanto aos factos não provados da alínea C) – data que os AA. tomaram conhecimento da existência do muro construído pelo R. – nada da prova produzida se pode concluir por tal realidade ter ficado demonstrada por qualquer meio de prova, designadamente, testemunhal. Não resulta com a certeza devida e necessidade que tal facto tenha ficado provado, pela precisas razões e fundamentos expostos na sentença em crise.

Pelo exposto improcede o recurso do apelante, R., quanto à sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto.


**

*

B)


Alteração da decisão de direito, em consequência da alteração da matéria de facto.

O apelante no seu requerimento de recurso, alegações e conclusões, alega que sempre agiu sem intenção de prejudicar os AA., pois, estava convencido que a permuta se concretizou (cls 34ª), tendo agido de boa fé (cls 38ª).

Sem que este Tribunal se debruce sobre tal questão, importa que o recorrente coloque a questão tal como ela dever ser. É o recorrente que sustenta e alega em sede de recurso que “durante toda a vida do Recorrente, sempre lhe terá sido dito que os limites do terreno do seu pai eram aqueles, como aliás corroboraram os vizinhos, tendo como tal, alinhado o seu muro em função disso” (cls 37ª). Ora, isto é completamente antagónico com a existência de uma alegada ou arguida aquisição de uma parte de tereno por acessão.

Define o artigo 1325.º do Código Civil como acessão, “Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.” E é acessão imobiliária, aplicável ao caso, “Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações”, artigo 1340.º, n.º 1 do Código Civil.

É afirmado pela sentença em crise, de modo acertado o seguinte:

Impõe esta norma, para a verificação de um fenómeno de acessão industrial imobiliária:

 A realização de uma obra;

 A sua implantação em terreno alheio;

 A formação de um todo único entre o terreno e a obra;

 Um maior valor da obra em relação ao terreno;

 A boa-fé do autor da obra.

Ora, naufraga a pretensão do apelante no que diz respeito ao requisito da boa fé. Não se tendo dado como provada a existência do acordo de permuta de terrenos, “de boca”, não se pode concluir por o R. ter agido de boa fé.

Tal como se refere na sentença em crise:

Assim se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-10-2014 (processo 1143/06.2TBCLD.L1-2, in www.dgsi.pt):

«A boa-fé do autor da incorporação, a que aludem os artigos 1340º e 1343º do C.C., diz respeito ao conceito de boa-fé psicológico, à semelhança do que sucede no artigo 1260º do C.C., no âmbito possessório.

Como, de resto, já alertava QUIRINO SOARES, ob. cit. loc. cit. a respeito do conceito de boa-fé definido no n.º 4 do artigo 1340º “não quis o legislador neste capítulo dedicado à aquisição da propriedade, desviar-se da ideia de boa-fé que adoptou em matéria possessória (n.º 1 do Art.º 1260º). Dizer-se que age da boa-fé, para efeitos de acessão, o que desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio, ou que interveio debaixo de autorização do dono do terreno, é, pois o mesmo que dizer que assim age (de boa-fé) aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro”. v. neste mesmo sentido MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, II, 719, nota 1118, Acs. STJ de 08.11.2007 (Pº 07B3545), acessível em www.dgsi.pt.»

Ora, perante a factualidade demonstrada, falhando o esteio factual sobre o qual o réu assentava a sua alegada boa fé, o dito acordo, não pode o tribunal concluir que atuou bona fides. Não se clarificou que no espírito do réu jazia uma convicção de que ao efetuar as construções sob contenda não prejudicava os interesses dos autores.

É pressuposto da boa fé que o R. desconheça que o terreno era alheio ou se foi autorizado pelos AA.. Autorização essa que tanto pode ser atribuída através de uma declaração de vontade expressa, como pode revestir a forma tácita.

Nos autos não decorre dos factos que se possa afirmar que o R. tenha agido de boa fé – nem que desconhecia que estava a ocupar terreno alheio, nem que tenha obtido qualquer autorização para tal. Neste sentido entre muito outros, Ac do Supremo Tribunal de Justiça 4982/15.0T8GMR.G1.S1, de 10.01.2019, relatado pela Cons ROSA TCHING, e doutrina e jurisprudência aí citada, e Ac do Supremo Tribunal de Justiça 45/1999.L1.S1, de 09.02.2012, relatado pelo Cons GRABRIEL CATARINO e Ac do Supremo Tribunal de Justiça 2189/20.3T8VFR.P1.S1, de 15.12.2022, relatado pelo Cons OLIVEIRA ABREU.

Ainda que assim não fosse, sempre estaria votada ao fracasso a pretensão do R., pois que não foi sequer alegada factualidade atinente aos demais requisitos, designadamente, os valores dos terrenos e obras em causa.


*

Por fim, quanto ao alegado abuso de direito, é de dizer o seguinte.

Argumenta o R. que os AA. desde 2018 tinham conhecimento da existência da construção do muro por parte do R., e que por apenas terem reagido em 2022 a tal construção criou “a convicção subjectiva de que tal direito não será exercido” (cls 41ª). Que o direito dos AA. “deveria ficar impossibilitado o exercício do direito dos Recorridos, o qual implica a demolição do muro, bem como de tudo o resto que, entretanto, fora surgindo, por estar em causa um desequilíbrio grave entre o benefício que advém para os Recorridos e o correspondente sacrifício imposto ao Recorrente pelo exercício de tal direito“ (cls 42ª). E que “dada a diminuta importância da parcela ocupada e o seu pequeno valor, salvo melhor entendimento, parece-nos que o direito à restituição in natura da mesma é excessivamente oneroso para o Recorrente” (cls 43ª).

Entendemos que foi bem sentenciado.

Haverá comportamento, por parte dos AA., que se possa concluir por estar em abuso de direito – tal como vem alegado pelo apelante, R.?

Vejamos.

O abuso de direito tem lugar quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – artigo 334.º do Código Civil.

O abuso de direito, pressupondo a existência de um direito subjectivo, existe quando o seu titular exorbita dos fins próprios desse direito ou do contexto em que é exercido. Mas, esse excesso há-de ser claro e manifesto, clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, no dizer de Vaz Serra, sem se exigir, todavia, a consciência de se estarem a exceder os limites do direito, dado ter sido adoptada pelo Código Civil uma concepção objectivista do abuso de direito. O abuso de direito existe quando o direito é exercido fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e com o fim de causar dano a outrem [É este o ensinamento que se colhe, entre outros dos Acs. S.T.J., de 98/11/12 e 00/05/10, in B.M.J., 497º-343 e C.J., VI-3º, 110 (S.T.J.)].

A teoria do abuso de direito, na formulação adoptada pela nossa lei, apresenta-se como um verdadeiro limite intrínseco do exercício dos direitos subjectivos ou, nas palavras de MANUEL ANDRADE [in R.L.J., Ano 87º, pág. 307], serve como válvula de segurança para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação das normas legais obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.

É que todas as relações jurídicas entre as pessoas implicam um princípio de confiança e de auto-vinculação, criando expectativas futuras. E é precisamente esta confiança vinculativa que proíbe que alguém exerça o seu direito em manifesta oposição a uma tomada de posição anterior em que a outra parte acreditou e aceitou. Mas esta situação de confiança tem de radicar num comportamento que de facto possa ser entendido como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada situação futura [cfr. BAPTISTA MACHADO, in R.L.J., Ano 117º, pág. 321 e segs].

Como é referido no citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2010 (ALVES VELHO), “O instituto do abuso de direito, como princípio geral moderador dominante na globalidade do sistema jurídico, apresenta-se como verdadeira «válvula de segurança» vocacionada para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, de tal forma que se reveste, ele mesmo, de uma forma de antijuridicidade cujas consequências devem ser as mesmas de qualquer acto ilícito.

Quando tal sucede, isto é, quando o direito que se exerce não passa de uma aparência de direito, desligado da satisfação dos interesses de que é instrumento, e se traduz «na negação de interesses sensíveis de outrem» (COUTINHO DE ABREU, “Do Abuso de Direito”, pp. 43), então haverá que afastar as normas que formalmente concedem ou legitimam o poder exercido. (…)

Importa, pois, determinar se os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes saem ofendidos, designadamente de forma clamorosa, face às concepções ético-jurídicas dominantes, pois que é no âmbito da conduta tida por contrária à boa fé que há-de emergir o “venire”.

A boa fé, como princípio normativo de actuação – que é o conceito em que aqui releva (art. 762º-2 CCiv.) -, encerra o entendimento de que as pessoas devem ter um comportamento honesto, leal, diligente, zeloso, tudo em termos de não frustrar o fim prosseguido pelo contrato e defraudar os legítimos interesses ou expectativa da outra parte.””.

2. Uma primeira prevenção: para que estejamos perante abuso de direito, ponto é que o agente tenha algum direito; se se tratar de uma conduta a que não subjaz qualquer direito, ela poderá ser ilícita, mas não abusiva no exercício de um direito.

Por outro lado, o preceito não se aplica apenas a direitos subjetivos proprio sunsu: nele se incluem posições jurídicas ativas, como faculdades, poderes, liberdades (incluindo a liberdade contratual consagrada no art. 405.º). (…)

4. Dos limites ao exercício de um direito subjetivo destaca-se, em primeiro (e importante) lugar, a boa fé, cláusula geral que o CC refere com alguma frequência e que, se, nos primeiros tempos após a entrada em vigor do diploma, foi pouco utilizada (quando não praticamente ignorada pela jurisprudência), é hoje objeto de estudos doutrinários e não raro invocada pelos tribunais.

A paradoxal aparente descrença do legislador nesta noção - ou a convicção, como era frequente ao tempo, de que abuso do direito apenas tinha oportunidade de invocação a propósito da propriedade - levou a que, no n.º 2 do art. 762.º, se repita que o exercício do direito de crédito deve conformar-se com a boa fé.

5. Os bons costumes constituem a segunda limitação ao exercício de um direito: estamos perante uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (que não, longe disso, necessariamente sexuais, religiosos ou ético-individuais) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringindo, os económicos.

6. Outra importante limitação ao exercício de um direito subjetivo é o fim social ou económico do direito. E fácil compreender que assim seja: se o direito objetivo (hoc sensu) é sinteticamente um poder jurídico para realizar um interesse, está-se fora do domínio de permissão jurídica sempre que o interesse tutelado pelo direito não é aquele que é prosseguido pelo seu titular. Não significa isto necessariamente que cada direito tenha uma só finalidade, escopo ou razão de ser, mas que a permissão jurídicas tem objetivos que, defraudados, não se contêm nela. A violação desse fim, como qualquer outra situação de abuso, resulta em regra dos efeitos do exercício e não dele próprio em abstrato. Pode-se, naturalmente, formular esta ideia dizendo que a norma jurídica que confere o direito leva, na sua interpretação, ao recorte de poder (ou liberdade) que atribui ao respetivo titular.”, in Código Civil Anotado, 2ª ed., Coord. ANA PRATA, anotação ao artigo 334.º, pág. 441, 442.

Ora, da factualidade dada como provada, mormente, os factos atinentes à conduta dos AA., não acode dos factos qualquer comportamento antijurídico ou antiético que possa configurar, nos termos da Lei supracitada, um exercício abusivo do direito de exercer este direito.

O exercício do direito de sequela sobre o bem imóvel em causa, não comporta no caso uma desproporcionalidade. Não se nos afigura que ocorra um desequilíbrio ou desproporção intolerável do exercício do direito dos AA: e a sua pretensão em ver declarado o seu direito de propriedade sobre o bem imóvel.

E aqui face à clareza do decido, à qual aderimos na integra, soçobra a pretensão.

Apelou o réu ainda à figura do abuso de direito, estatuída pelo art.º 334.º do Código Civil, na modalidade do venire contra factum proprium, uma vez que os autores teriam aceitado a troca de parcelas para depois de decorridos vinte e nove meses se insurgirem contra a ocupação do espaço pelo réu em consequência desse pacto.

Todavia, essa combinação ficou por comprovar, pelo que não é acolhida esta pretensão do réu.“.

Carece, pois, por este fundamento a pretensão do R..


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo R., apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 05 de Março de 2024
Alberto Taveira
Rui Moreira
Artur Dionísio Oliveira
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.