GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EM INSOLVÊNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
PENHOR
Sumário

I - O privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros, cfr. art.º 733.º do C.Civil.
II - E podem ser mobiliários e imobiliários. Os mobiliários são gerais se abrangem o valor de todos os bens móveis, cfr. n.º 2 do art.º 735.º do C.Civil, e especiais se compreendem só o valor de determinados bens móveis.
III - Os credores pignoratícios como são os ora apelantes, por força da lei, têm o direito de, com preferência sobre os demais credores, satisfazer os seus créditos pelo valor de uma coisa móvel, de créditos ou de direitos (desde que não suscetíveis de hipoteca) pertencentes ao devedor ou a um terceiro.
IV - Considerando o que resulta do n.º 2 do art.º 204.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social não podem restar dúvidas que o crédito da Segurança Social é graduado à frente de qualquer crédito pignoratício.

Texto Integral

Apelação
Processo n.º 439/18.5 T8AVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 1



Recorrente – Instituto da Segurança Social, IP
Recorridos – Credores da insolvência de A..., SA.



Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Anabela Miranda
Desemb. Márcia Portela





Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – Nos presentes autos de insolvência que correm termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro foi, por sentença proferida em 14.06.2018, e transitada em julgado a 26.02.2020, declarada a insolvência de A..., SA.
Na sentença de declaração da insolvência foi fixado o prazo de 20 dias o prazo para reclamação de créditos. Findo tal prazo e por apenso aos autos principais de insolvência, veio o AI juntar a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, ao abrigo do disposto no art.º 129.º do CIRE, tendo procedido, ainda, à junção de comprovativo do cumprimento das notificações efetuadas aos credores, nos termos dos n.ºs 4 e 5, do mesmo preceito legal. Decorrido o prazo previsto no art.º 130.º, n.º 1, do CIRE, foram apresentadas impugnações por:
1. B... – Unipessoal, Ld.ª pedindo que lhe fosse reconhecido um crédito no valor de €1.584,78, ao invés de €1.426,00;
2. C..., SA pedindo que o montante de €773.009,15, reconhecido como sujeito a condição, seja reconhecido sem qualquer condição;
3. D..., Ld.ª pedindo que lhe fosse reconhecido um crédito no valor de €11.495,27, ao invés de €8.852,42;
4. A..., SA
5. E..., SA pedindo, a 12.10.2018, que lhe seja reconhecido um crédito no valor de €19.561,97, ao invés de €8.966,40.

Quanto aos trabalhadores
§ AA defendendo que apenas aceita dever o montante de €4.400,00;
BB apenas aceita dever o montante de €1.532,00;
CC apenas aceita dever o montante de €1.866,00;
DD apenas aceita dever o montante de €5.678,00;
EE apenas aceita dever o montante de €1.500,00;
FF apenas aceita dever o montante de €1.648,00;
GG apenas aceita dever o montante de €2.754,73;
HH nada dever por ter abandonado o posto de trabalho;
II apenas aceita dever o montante de €1.523,21;
JJ apenas aceita dever o montante de €1.749,68;
KK nada dever por ter abandonado o posto de trabalho;
LL nada dever por ter já recebido os seus créditos por parte do FGS, que já se habilitou em sua substituição;
MM apenas aceita dever o montante de €1.633,67;
NN nada dever por não ter celebrado contrato de trabalho com a insolvente, tendo sido admitido apenas a exercer funções de Diretor Geral, mas a desemprenhar o cargo de administrador de facto;
Outros credores
▪ F... SA nada dever por se encontrarem prescritos os créditos reclamados;
▪ G... nada dever por se encontrarem prescritos os créditos reclamados;
▪ H... Ld.ª apenas aceita dever o montante de €24.393,00, por já ter entregue, em sede de execução, os montantes de €5.000,00 e de €3.000,00;
▪ I..., SA que deve ser eliminado o crédito reclamado, por ter sido cedido à J...;
▪ K..., Unipessoal, Ld.ª e IAPMEI - Agência Para a Competitividade e Inovação, I.P. que nada deve;
▪ C..., SA que não é devido o valor reconhecido sob condição, no montante de €773.009,15;
▪ Autoridade Tributária que, a título de IVA, apenas é devido o montante de €10.000,000 e não o montante reclamado de €134.877,95.
Foram deduzidas as seguintes respostas:
Pela insolvente A..., SA quanto às impugnações:
Da B... – Unipessoal, Ld.ª e da D..., Ld.ª. defendendo não terem legitimidade para impugnar, por não terem reclamado o respetivo crédito, sendo que os créditos reconhecidos estão corretos e assim se devem manter.
Da C..., SA desistindo da impugnação deduzida quanto ao reconhecimento do crédito, no montante de € 773.009,15 como sem condição.
Pelo trabalhador JJ pugnando pelo reconhecimento do seu crédito nos termos que constam da lista apresentada pelo AI, no montante de €4.470,10;
Pelo trabalhador HH pugnando pelo reconhecimento do seu crédito nos termos que constam da lista apresentada pelo AI, no montante de €3.680,99 e pela condenação da insolvente como litigante de má-fé;
Pela F... SA defendendo não se encontrarem prescritas as faturas que deram origem ao crédito reclamado, sendo que a Fatura n.º ...52 foi objeto de uma ação e, depois de uma execução, pelo que é-lhe aplicável o prazo ordinário de 20 anos e não o de 6 meses.
Pela H... Ld.ª pugnando pelo reconhecimento do seu crédito nos termos que constam da lista apresentada pelo AI, no montante de €36.248,19, porquanto no processo executivo mencionado pela insolvente, a mesma apenas procedeu ao pagamento do montante de €3.000,00;
Pelo trabalhador MM pugnando pelo reconhecimento do seu crédito nos termos que constam da lista apresentada pelo AI, no montante de € 7.210,02 e pela condenação da insolvente como litigante de má-fé;
Pela G... Clientes S.A.U. defendendo não se encontrarem prescritas as faturas que deram origem ao crédito reclamado, sendo que ao caso é aplicável o prazo 6 meses, contados dos fornecimentos, e não o prazo de 2 meses invocado pela insolvente; e
Pela J... defendendo manter-se o crédito reconhecido à I..., SA, na medida em que, do valor global de €9.994,98, apenas lhe foi cedido o montante de €8.495,73;
Pelos K..., Unipessoal, Ld.ª e IAPMEI - Agência Para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão] pugnando pelo reconhecimento do seu crédito nos termos que constam da lista apresentada pelo AI, no montante de €318.612,27; e
Pela trabalhadora DD, pugnando pelo reconhecimento do seu crédito nos termos que constam da lista apresentada pelo AI, no montante de €11.772,29, sendo o montante de €6.094,52 sob condição.
Pelo trabalhador NN defendendo nunca ter desempenhado funções de administrador – de facto ou de direito, e pugnando pelo reconhecimento do seu crédito nos termos que constam da lista apresentada pelo AI, no montante de €56.247,50.
Pela Fazenda Nacional/Autoridade Tributária pugnando pelo reconhecimento do seu crédito nos termos que constam da lista apresentada pelo AI.

Por decisão proferida 14.11.2021 (com as retificações operadas a 17.12.2021 e a 07.02.2022) foram julgadas procedentes as impugnações apresentadas por:
- C..., SA no sentido de o seu crédito, no montante de €773.009,15, ser reconhecido como não sujeito a qualquer condição;
- A..., SA.:
- AA no sentido de apenas dever o montante de €4.400,00;
- BB no sentido de apenas dever o montante de €1.532,00;
- CC no sentido de apenas dever o montante de €1.866,00;
- EE no sentido de apenas o montante de €1.500,00;
- FF no sentido de apenas dever o montante de €1.648,00;
-GG no sentido de apenas dever o montante de € 2.754,73;
-II no sentido de apenas dever o montante de € 1.523,21;
-LL no sentido de nada dever.
E foi, ainda, julgada improcedente a impugnação apresentada por E..., SA, a 12.10.2018, por extemporânea.

Realizou-se tentativa de conciliação, no âmbito da qual a a G... Clientes S.A.U. reduziu o seu pedido para a quantia de €5.002,74, acrescida de juros que, calculados até à data da declaração a insolvência, ascendiam ao montante de €91,20, o que perfaz a quantia global de €5.093,94.

Foi proferido despacho-saneador, no âmbito do qual foram julgadas improcedentes as impugnações apresentadas por:
- A..., SA,
- G... Clientes S.A.U.; e
- Autoridade Tributária.
Foi fixado valor à causa e o objeto do processo e elencados os temas da prova.

As credoras B... – Unipessoal, Ld.ª e da D..., Ld.ª desistiram das respetivas impugnações – desistências que foram homologadas por sentença, proferidas a 24.10.2022 e a 03.11.2022.

A 06.09.2023, o AI veio esclarecer a que bens correspondia penhor mercantil de que beneficiam os credores K..., Unipessoal, Lda. e IAPMEI - Agência Para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão] – verbas n.ºs 1, 2 e 3.

Para a massa insolvente foram apreendidos os bens móveis e o imóvel descritos nos autos de apreensão junto ao apenso E, a 31.07.2018, a 15.03.2023 e a 25.09.2023.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença de onde consta:
“Considerando o que supra se deixou exposto:
▪ Tendo sido já julgadas procedentes as impugnações deduzidas pela C..., SA no sentido de o seu crédito, no montante de €773.009,15, ser reconhecido como não sujeito a qualquer condição; e pela A..., SA:
• AA no sentido de apenas dever o montante de €4.400,00;
• BB no sentido de apenas dever o montante de €1.532,00;
Quanto aos trabalhadores
- CC no sentido de apenas dever o montante de €1.866,00;
- EE no sentido de apenas o montante de €1.500,00;
- FF no sentido de apenas dever o montante de €1.648,00;
- GG no sentido de apenas dever o montante de €2.754,73;
- II no sentido de apenas dever o montante de €1.523,21;
- LL no sentido de nada dever;
- G... Clientes S.A.U.; e
- Autoridade Tributária.
▪ Tendo sido já julgadas improcedentes as impugnações deduzidas pela E..., SA e pela A..., SA:
Quanto aos credores
▪ E tenho as credoras B... – Unipessoal, Ld.ª e da D..., Ld.ª desistido das respetivas impugnações – desistências que foram homologadas por sentenças proferidas a 24.10.2022 e a 03.11.2022.
Cumpre agora:
▪ Homologar a lista de credores apresentada pelo Administrador da Insolvência a junta a 29.08.2018 e dos esclarecimentos prestados a 16.12.2021 e a 06.09.2023, no que respeita aos créditos não impugnados, e, consequentemente, julgo verificados os demais créditos nela descritos.
▪ Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pela devedora relativamente aos créditos de F... SA e, consequentemente, julgo verificado o crédito no montante de €2.140,20.
▪ Julgar improcedente a impugnação deduzida pela devedora relativamente aos créditos de DD, HH, JJ, MM e NN, H... Ld.ª, I..., SA, K..., Ld.ª e do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão].
▪ Absolver a devedora dos pedidos de condenação como litigante de má-fé, deduzidos por MM e por HH.
Deve, assim, proceder-se ao pagamento dos créditos, através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem:
As custas da insolvência e as que devam ser suportadas pela massa insolvente, bem como as despesas de administração saem, nos termos do art.º 172.º do CIRE, precípuas de todo o produto da massa;
A) Do produto da venda do bem imóvel que constitui a verba n.º 14 que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - O crédito da Autoridade Tributária, relativo ao IMI deste prédio, até onde chegar o produto da venda do bem; 2.º - O crédito garantido da C..., SA, garantido por hipoteca, com o que se esgotará o produto da venda.
B) Do produto da venda dos bens móveis que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 3, que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - Os créditos da K..., Ld.ª e do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão] garantidos por penhor, com o que se esgotará o produto da venda.
C) Do produto da venda do veículo de matrícula ..-BD-.. que constitui a verba n.º 6 que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - O crédito garantido da Autoridade Tributária, relativo a IUC, no valor de €64,08, até onde chegar o produto da venda do bem;
2.º - Os créditos LABORAIS, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda do bem;
3.º - Rateadamente, os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, referentes a IRS e IVA, e do Instituto da Segurança Social, I.P., referentes a contribuições, identificados na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
4.º O crédito privilegiado da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., id. na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
5.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente, até onde chegar o produto da venda do bem;
6.º - Os créditos subordinados, rateadamente, e sempre até onde chegar o produto da venda do bem.
D) Do produto da venda do veículo de matrícula ..-AO-.. que constitui a verba n.º 7 que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - O crédito garantido da Autoridade Tributária, relativo a IUC, no valor de €131,86, até onde chegar o produto da venda do bem;
2.º - Os créditos LABORAIS, id. na lista, rateadamente, e até onde chegar o produto da venda do bem;
3.º - Rateadamente, os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, referentes a IRS e IVA, e do Instituto da Segurança Social, I.P., referentes a contribuições, identificados na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
4.º O crédito privilegiado da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., id. na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
5.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente, até onde chegar o produto da venda do bem;
6.º - Os créditos subordinados, rateadamente, e sempre até onde chegar o produto da venda do bem.
E) Do produto da venda do veículo de matrícula ..-IL-.. que constitui a verba n.º 8 que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - O crédito garantido da Autoridade Tributária, relativo a IUC, no valor de € 158,86, até onde chegar o produto da venda do bem;
2.º - Os créditos laborais, id. na lista, rateadamente, e até onde chegar o produto da venda do bem;
3.º - Rateadamente, os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, referentes a IRS e IVA, e do Instituto da Segurança Social, I.P., referentes a contribuições, identificados na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
4.º O crédito privilegiado da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., id. na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
5.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente, até onde chegar o produto da venda do bem;
6.º - Os créditos subordinados, rateadamente, e sempre até onde chegar o produto da venda do bem.
F) Do produto da venda do veículo de matrícula ..-IF-.. que constitui a verba n.º 9 que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - O crédito garantido da Autoridade Tributária, relativo a IUC, no valor de € 801,38, até onde chegar o produto da venda do bem;
2.º - Os créditos laborais, id. na lista, rateadamente, e até onde chegar o produto da venda do bem;
3.º - Rateadamente, os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, referentes a IRS e IVA, e do Instituto da Segurança Social, I.P., referentes a contribuições, identificados na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
4.º O crédito privilegiado da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., id. na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
5.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente, até onde chegar o produto da venda do bem;
6.º - Os créditos subordinados, rateadamente, e sempre até onde chegar o produto da venda do bem.
G) Do produto da venda do veículo de matrícula ..-..-UO que constitui a verba n.º 13 que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - O crédito garantido da Autoridade Tributária, relativo a IUC, no valor de € 74,50, até onde chegar o produto da venda do bem;
2.º - Os créditos laborais, id. na lista, rateadamente, e até onde chegar o produto da venda do bem;
3.º - Rateadamente, os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, referentes a IRS e IVA, e do Instituto da Segurança Social, I.P., referentes a contribuições, identificados na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
4.º O crédito privilegiado da AICEP - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., id. na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
5.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente, até onde chegar o produto da venda do bem;
6.º - Os créditos subordinados, rateadamente, e sempre até onde chegar o produto da venda do bem.
H) Do produto da venda do veículo de matrícula ..-..-SV que constitui a verba n.º 18 que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - O crédito garantido da Autoridade Tributária, relativo a IUC, no valor de € 57,70, até onde chegar o produto da venda do bem;
2.º - Os créditos laborais, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda do bem;
3.º - Rateadamente, os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, referentes a IRS e IVA, e do Instituto da Segurança Social, I.P., referentes a contribuições, identificados na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
4.º O crédito privilegiado da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., id. na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
5.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente, até onde chegar o produto da venda do bem;
6.º - Os créditos subordinados, rateadamente, e sempre até onde chegar o produto da venda do bem.
I) Do produto da venda dos demais bens móveis que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - Os créditos laborais, id. na lista, rateadamente, e até onde chegar o produto da venda do bem;
2.º - Rateadamente, os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, referentes a IRS e IVA, e do Instituto da Segurança Social, I.P., referentes a contribuições, identificados na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
3.º O crédito privilegiado da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., id. na lista, até onde chegar o produto da venda do bem;
4.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente, até onde chegar o produto da venda do bem;
5.º - Os créditos subordinados, rateadamente, e sempre até onde chegar o produto da venda do bem.
Custas pela massa insolvente [cfr. art.º 304.º do CIRE].
Valor da ação - o correspondente ao valor do ativo [cfr. art.º 301.º, parte final do CIRE].
Registe. Notifique”.



Inconformado com tal decisão, dela veio o credor Instituto da Segurança Social, IP recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que se pronuncie sobre o privilégio creditório mobiliário geral do ISS, IP por contraposição ao penhor mercantil detido pelos demais credores e que, na ordem da graduação dos créditos, por referência ao produto da venda dos bens móveis identificados nas verbas n.ºs 1, 2 e 3, dê primazia aos créditos reclamados pelo ora recorrente em detrimento dos créditos pignoratícios, dos créditos laborais e dos créditos reclamados pela Autoridade Tributária a título de IVA e IRS.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. O ora recorrente reclamou créditos no montante global de €257.174,94 (duzentos e cinquenta e sete mil cento e setenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos).
2. Parte dos créditos reclamados, por se encontrarem vencidos nos 12 meses anteriores ao início do processo de insolvência, beneficiam, também, dos privilégios creditórios imobiliário e mobiliário geral (€165.817,00) – cf. artigo 97.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CIRE e artigos 204.º e 205.º do CRCSPSS.
3. Tais créditos – assim como os créditos da Autoridade Tributária, dos trabalhadores e da K..., Lda. E IAPMEI - Agência Para A Competitividade E Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão] – foram objeto de reconhecimento pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos termos do artigo 129.º do CIRE.
4. Por sentença proferida pelo Tribunal a quo, foram os aludidos créditos reconhecidos e, relativamente às verbas n.ºs 1, 2 e 3, foram graduados da seguinte forma: “1.º - Os créditos da K..., Ld.ª. E IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão] garantidos por penhor, com o que se esgotará o produto da venda”.
5. Acontece que a ordem de graduação da douta sentença, não tem, com o devido respeito, qualquer correspondência com as normas legais previstas porquanto, na graduação do produto da venda dos bens móveis das verbas n.ºs 1, 2 e 3, considerou, exclusivamente, os créditos garantidos por penhor mercantil, omitindo (ou ignorando) a existência do crédito da Segurança Social com privilégio mobiliário, que se sobrepõe ao primeiro.
6. Ao decidir desta maneira, violou o disposto na norma legal prevista no artigo 204.º do CRCSPSS, conjugada com as normas legais previstas nos artigos 666.º, 747.º e 749.º do CC e no artigo 333.º do CT.
7. De acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 204.º do CRCSPSS, os créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral detêm preferência sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior,
8. Acontece que os créditos da Segurança Social, relativos a quotizações e contribuições, os créditos da Autoridade Tributária, relativos a IVA, IRS e IRC, bem como os créditos salariais dos trabalhadores gozam de privilégios idênticos, nos termos das normas anteriormente referidas.
9. No entanto, quer o crédito dos trabalhadores emergente de contrato de trabalho, quer o crédito da Autoridade Tributária relativamente a IVA, IRS e IRC, cederiam face ao penhor, nos termos do artigo 749.º, n.º 1, do CC.
10. Mas tal não sucede com os créditos da Segurança Social que gozam de privilégio mobiliário geral, na medida em que o artigo 204.º, n.º 2, do CRCSPSS, determina a prevalência destes créditos sobre o penhor.
11. O intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento de forma adequada (cf. artigo 9.º, n.º 3 do CC).
12. Com o CRCSPSS de 2009, o legislador decidiu manter a primazia do privilégio mobiliário dos créditos da Segurança Social sobre o penhor anteriormente constituído, não obstante já vigorar na nossa ordem jurídica o atual regime de privilégios creditórios previsto no CT.
13. Não ignorando a regra geral da ineficácia dos privilégios mobiliários gerais do artigo 749.º, nº 1, do CC, contra terceiros titulares de direitos sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, ao hierarquizar o privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social contra o penhor previamente constituído, o legislador colocou-o numa situação de primazia relativamente a todos os outros créditos dotados do mesmo privilégio, incluindo os créditos mencionados no artigo 333.º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), do CT.
14. Essa opção legislativa justificou-se pela importância social de que cada vez maior reveste a garantia mobiliária e imobiliária dos créditos da Segurança Social, na medida em que a sustentabilidade desta assume hoje uma importância acrescida para o Estado e para os cidadãos, e quão dependente essa sustentabilidade está pela sua enorme repercussão social, que se sobrepõe ao direito individual às retribuições fundadas no contrato de trabalho.
15. “(…) Se os trabalhadores merecem toda a proteção que a lei lhes confere, não a merece menos a segurança social, ora plasmada no ISS; e, pelos altos valores sociais que este último prossegue - valores cujo correspondente direito se encontra consagrado no citado art.63.º da Constituição. ¬Nesse sentido “(…) é logicamente inevitável que são eles que têm de consubstanciar a cúpula, a nível dos créditos ora em questão, da proteção que o legislador lhes quer conferir”. – cf. Ac. do STJ de 16/12/2009, relatado pelo Ex.mo Cons. Fernando da Costa Soares.
16. Com a atribuição de prioridade aos créditos laborais sobre os créditos referidos no nº 1, do artigo 747.º do CC, o que o artigo 333.º, nº 2, alínea a), do CT visa conferir é uma preferência relativa aos créditos do Estado e das autarquias locais, e já não quanto a outros, mesmo os equiparados, como o caso do crédito da Segurança Social dotado desse privilégio.
17. Uma vez que o artigo 204.º, nº 1, do CRCSPSS apenas impõe que a graduação dos créditos da Segurança Social se faça nos termos referidos na alínea a), do nº 1, do artigo 747.º do CC, da conjugação deste preceito com o artigo 333.º, nº 2, al. a), do CT, não se pode subverter a vontade do legislador ao remeter os créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral, colocando-o numa posição subalterna face aos créditos laborais, e muito menos face aos créditos do Estado.
Acresce que,
18. Para resolução do conflito das normas legais (supra identificadas), sempre teremos de recorrer aos critérios de superação de antinomias normativas, são eles: o da hierarquia; o da especialidade e o da cronologia.
19. Partindo deste entendimento, o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido em 26/09/2023, no processo n.º 943/19.8T8OAZ-B.P1, explorou os referidos critérios e verificou que: “No caso, os diplomas em conflito têm idêntica categoria hierárquica. O que convoca a aplicação do segundo critério: o da especialidade. Como define Baptista Machado (ob. cit., pg. 95) normas especiais são aquelas que consagram uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações. Segundo esta definição, a regra constante do art. 204º, nº 2 do CRCSPSS (Código Contributivo), aprovado pela lei nº 110/2009, assume a natureza de norma especial em relação às regras constantes quer do Código Civil, quer do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, na medida em que constitui uma disciplina específica e divergente relativamente às demais, visando dotar de uma inequívoca precedência o interesse de satisfação dos créditos da segurança social sobre os demais créditos do próprio Estado, de credores pignoratícios ou titulados por trabalhadores. Ou seja, estabelece uma regra específica para um determinado tipo de relação jurídica.”
20. E, nessa senda, o colendo Tribunal acabou por concluir que “(…) por aplicação do critério da especialidade caberá impor a aplicação da regra constante do nº 2 do art.º 204º do CRCSPSS para a graduação dos créditos verificados, do que resulta a precedência do crédito da segurança social sobre os demais créditos graduados (salvo os referentes a dívidas da massa insolvente e custas do processo) (…)”.
21. Esta interpretação é aquela que permite uma solução mais harmoniosa e uniforme, tendo em conta as normas em confronto.
Ergo,
22. Ao contrário do decidido na sentença recorrida, é o crédito da Segurança Social que beneficia de primazia face ao penhor mercantil detido pelos credores K..., Lda. E IAPMEI – Agência Para A Competitividade E Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão], por força do preceituado no n.º 2, do artigo 204.º do CRCSPSS.
23. E o mesmo se dirá quanto ao confronto dos créditos da Segurança Social com os demais créditos com privilégio mobiliário geral – Autoridade Tributária e Aduaneira e trabalhadores – atento o disposto na referida norma especial(íssima), que se sobrepõe ao disposto nos artigos 666.º, 747.º e 749, todos do CC e no artigo 333.º do CT.
24. Assim, a decisão recorrida deverá pronunciar-se sobre o confronto dos créditos garantidos por penhor mercantil com os créditos privilegiados com privilégio creditório mobiliário geral, graduando em primeiro lugar o crédito do ora recorrente, ISS, I.P., com privilégio mobiliário geral; logo após os créditos garantidos por penhor mercantil; ao que se seguem os créditos laborais com privilégio mobiliário geral e, por fim, o crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira com privilégio mobiliário geral.
25. Em razão disso, a ordem da graduação de créditos da decisão ora em crise deverá ser alterada, por outra que gradue os créditos reconhecidos da seguinte forma: “Do produto da venda dos bens móveis que constituem as verbas n.ºs 1,2 e 3, que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - Os créditos privilegiados do Instituto da Segurança Social, I.P., no valor global de € 165.817,00;
2.º - Os créditos da K..., Lda. E IAPMEI - Agência Para A Competitividade E Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão], garantidos por penhor, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens;
3.º - Os créditos laborais, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens;
4.º - Os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens;
5.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens;
6.º - Os créditos subordinados, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens.
26. A aplicação e interpretação das referidas normas legais, pelo tribunal a quo é desadequada, não restando dúvidas ao apelante que a sentença, com a omissão de pronúncia sobre o crédito com privilégio mobiliário geral em confronto com o penhor mercantil, violou o disposto na norma legal prevista no n.º 2, do artigo 204.º do CRCSPSS.
27. E, caso se admita os demais credores com privilégio creditório mobiliário geral na ordem de graduação dos sobreditos bens, a mesma terá violado, o já indicado n.º 2, do artigo 204.º do CRCSPSS, bem assim como as normas legais previstas nos artigos 747.º e 749 do CC e no artigo 333.º do CT.


Os credores K..., Ld.ª, e IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação I.P., juntaram aos autos as suas contra-alegações pugnando pela confirmação da decisão recorrida.



II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:

1. Todos os factos que constam da lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador da Insolvência junta a 29.08.2018 e dos esclarecimentos prestados a 16.12.2021 e a 06.09.2023, que aqui dou por integralmente reproduzidos, no que respeita aos créditos não impugnados.
2. Foram apreendidos para a massa os seguintes bens, melhor identificados nos autos de apreensão juntos a 31.07.2018, a 15.03.2023 e a 25.09.2023 [do apenso E]:
a. verba n.º 1 - 2 Secadores grandes, adquiridos no ano de 2016;
b. verba n.º 2 - Linha de Mandris;
c. verba n.º 3 - Linha de Painel, adquirida no ano de 2016;
d. verba n.º 4 - Empilhador Still, adquirido no ano de 2016;
e. verba n.º 5 - Máquina Rebobinadora, adquirida no ano de 2016;
f. verba n.º 6 - Veículo marca Audi, modelo ..., ano 2016, matrícula ..-BD-..;
g. verba n.º 7 - Veículo marca Volkswagen, modelo ..., do ano 2015, com a matrícula ..-AO-..;
h. verba n.º 8 - Veículo marca Citroen, modelo ..., do ano 2014, com a matrícula ..-IL-..;
i. verba n.º 9 - Veículo trator MAN, do ano 2013, com a matrícula ..-IF-..;
j. verba n.º 10 - Veículo sem tração própria, “galera”, do ano 2013, com a matrícula VI-....;
k. verba n.º 11 - Veículo sem tração própria, “galera”, do ano 2013, com a matrícula VI-....;
l. verba n.º 12 - Veículo marca Toyota, modelo ..., do ano 2014, com a matrícula ..-OL-..;
m. verba n.º 13 - Veículo marca Nissan, modelo ..., do ano 2015, com a matrícula ..-..-UO;
n. verba n.º 14 - Prédio urbano composto por terreno destinado a construção urbana, com a área de 4043 m2, situado na Zona Industrial ..., Lote ...6, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Mealhada sob o registo n.º ...98, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...16 da freguesia .... o. verba n.º 15 - Veículo marca Man, modelo ...60, com a matrícula ..-LX-..;
p. verba n.º 16 - Veículo marca Opel, modelo .../SW, com a matrícula ..-HX-..;
q. verba n.º 17 - Veículo marca Scania, modelo ..., com a matrícula ..-..-TH.
r. verba n.º 18 - Veículo marca Porche, modelo ... [...], com a matrícula ..-..-XH;
s. verba n.º 19 - Veículo marca Peugeot, modelo ..., com a matrícula ..-..-SV.
3. Sobre a verba n.º 14 recai hipoteca constituída em favor da C..., S.A. pela Ap. ...95, de 12.09.2014, para garantia de um crédito no montante de €200.000,00, sendo o montante máximo assegurado no mesmo montante.
4. Sobre as verbas n.ºs 1, 2 e 3 recai penhor constituído em favor da K..., Unipessoal, Ld.ª e do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P.
5. A F... SA é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de eletricidade.
6. No exercício da sua atividade, a F... SA forneceu à ré, a pedido desta, energia elétrica e gás natural tendo emitido as seguintes faturas, relativas, no essencial, a consumos de energia elétrica:
a) Fatura n.º ...52, no montante de €1.774,25, emitida em 09.10.2017 e vencida a 27.10.2017 referente a consumos no período compreendido entre 10.09.2017 e 09.10.2017 e peticionada no âmbito da injunção n.º 120545/17.6YIPRT, à qual foi aposta fórmula executória a 31.08.2023;
b) Faturas n.ºs ...18 e ...29, no montante global de €41,68, emitida em 23.11.2017 e vencida a 21.12.2017, referente corte e religação da instalação e a juros;
c) Faturas n.ºs ...59 e ...60, no montante global de €47,46, emitidas em 19.02.2018 e vencidas a 12.03.2018 referente a consumos no período compreendido entre 20.01.2018 e 19.02.2018;
d) Faturas n.ºs ...84 e ...85, no montante global de €56,71, emitidas em 19.03.2018 e vencidas a 10.04.2018 referente a consumos no período compreendido entre 20.02.2018 e 19.03.2018;
e) Faturas n.ºs ...06 e ...07, no montante global de €57,32, emitidas em 19.04.2018 e vencidas a 11.05.2018 referente a consumos no período compreendido entre 20.03.2018 e 19.04.2018;
f) Fatura n.º ...89, no montante de €0,54 emitida em 07.06.2018 e vencida a 27.06.2018, referente a juros;
g) Faturas n.ºs ...97 e ...13, no montante global de €75,91, emitida em 07.06.2018 e vencida a 02.07.2018; referente a consumos no período compreendido entre 20.04.2018 e 07.06.2018 e a juros [€1,20];
h) Fatura n.º ...43, no montante de € 126,81, emitida em 22.12.2017 e vencida a 31.07.2018, referente a juros.
7. A F..., S.A. reclamou os seus créditos a 02.07.2018.
8. A A..., SA foi declarada insolvente a 14.06.2018.
9. HH remeteu à insolvente, a 06.03.2018, a carta registada, com aviso de receção, junta a fls. 101, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos da qual denunciou o respetivo contrato, com efeitos a partir de 05.05.2018.
10. Por decisão proferida a 14.05.2018 - junta a fls. 453/455, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, no âmbito do processo n.º 2573/18.2T8PRT, que correu termos no Juízo do Trabalho do Porto-J1, a insolvente foi condenada a liquidar a MM, a quantia de €7.210,02, referente a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, ocorrida a 20.09.2017, acrescida da quantia de €1.500,00 a título de danos não patrimoniais e de juros legais desde a data da citação até integral pagamento.
11. NN exercia, sob direção e fiscalização da insolvente, as funções correspondentes a responsável de operações, auferindo a retribuição, ilíquida, de €2.500,00, um subsídio de refeição no valor de €6,00 diários e ajudas de custo.
12. A insolvente deixou de cumprir com o pagamento das retribuições e ajudas de custos devidas a NN entre fevereiro e agosto de 2017.
13. No dia 1 de agosto de 2017, NN comunicou à insolvente, por carta junta a fls. 89 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a sua intenção de resolver o contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da retribuição.
14. Por seu turno, a insolvente subscreveu e entregou a NN, a 13.10.2017, «declaração de situação de desempego», junta a fls. 84 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta motivo da cessação do contrato de trabalho: «resolução com justa causa por retribuições em mora (salários em atraso)».
15. A insolvente procedeu à entrega à H... Ld.ª, no âmbito do Processo de Execução n.º 6646/17.0T8VNF, do Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão-J1, da quantia de €3.000,00.
16. A K..., Unipessoal, Ld.ª e o IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. são portadoras de uma letra [junta a fls. 194 v.º/195 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] subscrita pela insolvente, no montante de €382.673,78, do qual esta não liquidou o montante de €305.769,93, acrescido de juros.

Não se julgaram provados os seguintes factos:
a. A F..., S.A. emitiu e remeteu à insolvente as seguintes faturas: i. Fatura n.º ...81, no montante de €600,00, emitida em 22.12.2017 e vencida a 01.06.2018;
ii. Fatura n.º ...81, no montante de €600,00, emitida em 22.12.2017 e vencida a 29.06.2018.;
iii. Fatura n.º ...81, no montante de €596,18, emitida em 22.12.2017 e vencida a 31.07.2018.
b. A insolvente deve apenas a DD o montante de €5.678,00.
c. HH abandonou o posto de trabalho, sem qualquer aviso prévio, no final do mês de março de 2018.
d. A insolvente deve apenas a JJ a quantia de €1.749,68, por ter liquidado ao mesmo os salários de janeiro e fevereiro de 2018, bem como as férias.
e. KK abandou o respetivo posto de trabalho, sem qualquer aviso prévio, nada lhe sendo devido.
f. MM deixou de ser trabalhador da insolvente em 31 de agosto de 2017.
g. NN foi admitido, em 1 de setembro de 2015, a desempenhar as funções de administrador da insolvente, com total liberdade de horário, sendo o responsável e o rosto visível da administração, quer no plano interno, perante os encarregados e trabalhadores, quer no plano externo, perante fornecedores, prestadores de serviço, clientes e ao nível bancário, designadamente dando ordens de transferência;
h. Foi o próprio NN quem deu ordem para não lhe ser transferidos os valores do salário de fevereiro de 2017 em diante.
i. NN, em finais de 2016, inícios de 2017, começou a sair da empresa mais cedo e mais vezes por semana, o que originou que a aceitação de encomendas e o seu ordenamento na produção começasse a ter problemas, que originaram problemas de tesouraria, por falta de entrega atempada de encomendas.
j. NN participava nas reuniões da administração e tinha direito a receber uma percentagem de lucros.
k. A insolvente procedeu à entrega à H... Ld.ª., no âmbito do Processo de Execução n.º 6646/17.0T8VNF, do Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão-J1, da quantia de €5.000,00, para pagamento das quantias referentes às faturas de 31 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2016.
l. A I..., SA cedeu à J..., SA o crédito reclamado, no montante de €1.499,25.
m. O negócio da aquisição por parte da insolvente das ações da L..., SA foi feito sem prévia aprovação ou ratificação do conselho de administração e ou da assembleia-geral de acionistas.
n. As ações da L..., SA, adquiridas pela insolvente, encontram-se em poder da K..., Ld.ª e do IAPMEI - Agência Para a Competitividade e Inovação, I.P.



III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

*
Ora, visto o teor das alegações do credor/apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Da graduação dos créditos pignoratícios relativamente ao crédito da Segurança Social.

Como se vê o Instituto da Segurança Social, IP, vem se insurgir contra a sentença de graduação de créditos, na parte em que, para pagamento pelo produto da venda de bens móveis que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 3, gradua exclusivamente os créditos reclamados pela K..., Lda. e IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação I.P., ambos provenientes de penhor mercantil.
Ou seja, na parte em que se decidiu:
“B) Do produto da venda dos bens móveis que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 3, que reverta para a massa, dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - Os créditos da K..., Ld.ª e do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão] garantidos por penhor, com o que se esgotará o produto da venda”.

Convém consignar que na sequência do que está provado no ponto 12 dos factos provados nos autos, da aludida lista de credores reconhecidos consta, além do mais:
Credor Capital Juros Taxa Natureza Total Reconhecido
68. Instituto da Segurança, I.P.; Rua Dr. 157 850,51 7.966,49 Legal Privilegiado 165. 817,00
OO; ... 84 963,56 6 394,38 Legal Comum 91.357,94
Aveiro
Mandatário: Dr. PP, Rua
Dr. OO; ...
Aveiro
NIF ...33

Comentário
Contribuições
Crédito reclamado
O crédito privilegiado é-o por se ter vencido dentro dos doze meses antes do início do processo de insolvência (art.º 97.º do CIRE).
Na sentença recorrida fundamentou-se a decisão ora em crise dizendo, além do mais que: “- Privilégios creditórios das instituições de segurança social.
Os privilégios dos créditos da segurança social estão previstos na Lei 110/2009, de 16.09.
O art.º 204.º desse diploma prescreve:
«1 - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na al. a) do n.º 1 do art.º 747.º do Código Civil.
2 - Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.»
Os créditos referidos neste art.º 747.° do Código Civil, são os créditos do Estado por impostos, pagando-se em primeiro lugar o estado e depois as autarquias locais.
E o art.º 205.º Lei 110/2009, de 16.09, prescreve: «Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no art.º 748.º do Código Civil.»
Os créditos referidos neste artigo são o imposto municipal sobre imóveis, o imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis e o imposto de selo.
O art.º 12.º estatui que o pagamento das contribuições será também garantido por hipoteca legal sobre os imóveis existentes no património das entidades patronais.
Como acima já se referiu, são concedidos privilégios mobiliários e imobiliários gerais.
(…)
- Penhor.
Por sua vez, uma das garantias especiais das obrigações é o penhor, o qual, segundo o n.º 1, do art.º 666.°, do Código Civil, «confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou de outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro».
Tal equivale a um direito de preferência sobre o produto da alienação da coisa empenhada, e que é oponível erga omnes [cfr. Das Obrigações em Geral, de Antunes Varela, 4.ª ed., II vol. págs. 510 e 515].
Portanto, à partida, o credor pignoratício não sofre a concorrência de qualquer outro credor, pelo que só a tal concorrência estará sujeito se alguma lei especial derrogar esse princípio da lei geral vertido no Código Civil.
Por sua vez, confrontando os art.ºs 666.º e 733.º do Código Civil, logo se constata uma nítida diferença: enquanto no art.º 666.º se estabelece uma prioridade absoluta [preferência sobre os demais credores, sem qualquer reserva], nos art.ºs 686.º e 733.º essa prioridade fica dependente da inexistência de privilégio especial ou de prioridade de registo, ou então da qualidade do credor.
Ora, resulta dos princípios expostos e também do disposto no art.º 749.º do C.C., que o penhor prevalece sobre o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos dos trabalhadores”.
Defende agora o apelante Instituto da Segurança Social, IP que relativamente aos bens constituídos em penhor a graduação dos créditos para pagamento pelo respetivo valor deverá ser feita pela seguinte forma:
“1.º - Os créditos privilegiados do Instituto da Segurança Social, I.P., no valor global de €165.817,00;
2.º - Os créditos da K..., Ld.ª. e IAPMEI Agência Para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão], garantidos por penhor, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens;
3.º - Os créditos laborais, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens;
4.º - Os créditos privilegiados da Autoridade Tributária, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens;
5.º - Os créditos comuns, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens;
6.º - Os créditos subordinados, id. na lista, rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens”.
Vejamos.
Como é sabido, a razão de ser do concurso de credores resulta do facto de o património do devedor constituir a garantia real de todos os credores, cfr. art.º 601.º do C.Civil. Pelo que na sentença de verificação e graduação de créditos, o juiz conclui pela verificação dos créditos reconhecidos e não reconhecidos e procede à respetiva graduação, por forma a definir a ordem do seu pagamento, cfr. art.º 140.º do CIRE. A este propósito refere Salvador da Costa, in obra citada, pág. 362 que “Na sentença de graduação de créditos importa operar a qualificação jurídica dos direitos de crédito existentes ao tempo da declaração de insolvência e que tenham sido declarados reconhecidos e atentar na natureza dos bens ou direitos integrantes da massa insolvente, no confronto com os direitos reais de garantia e os privilégios que se extinguiram por efeito da declaração de insolvência e, por fim, proferir a decisão de graduação, ou seja, a definição da prioridade entre os direitos de crédito quanto à satisfação pelo produto dos bens do insolvente.”
Os créditos sobre a massa insolvente, como decorre do art.º 47.º do CIRE, apresentam-se sob quatro classes: i) os créditos garantidos, ou seja, aqueles que beneficiam de garantias reais sobre bens integrantes da massa insolvente; ii) os créditos privilegiados, ou seja, aqueles que beneficiam de privilégios creditórios gerais sem incidirem sobre coisas determinadas; iii) ), os créditos comuns, ou seja, aqueles que não integram nenhuma das restantes categorias, e iv) os créditos subordinados, isto é aqueles detidos por credores que são pagos depois de satisfeitos os demais créditos por assumirem uma natureza subordinada.
O n.º2 do art.º 142.º do CIRE impõe que “A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”.
Como também é sabido, o privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros, cfr. art.º 733.º do C.Civil. E podem ser mobiliários e imobiliários. Os mobiliários são gerais se abrangem o valor de todos os bens móveis, cfr. n.º2 do art.º 735.º do C.Civil, e especiais se compreendem só o valor de determinados bens móveis. Os privilégios imobiliários estabelecidos no Código Civil são sempre especiais, cfr. cfr. art.º 735.º do C.Civil, todavia, depois da entrada em vigor do C.Civil, várias leis especiais instituíram inúmeros privilégios imobiliários gerais, no entanto, só os especiais, porque envolvidos de sequela, se traduzem em garantia real de cumprimento de obrigações, limitando-se os gerais a constituir mera preferência de pagamento. Sendo que o privilégio geral não vale contra terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas por eles abrangidas, sejam oponíveis ao exequente, cfr. art.º 749.º n.º1 do C.Civil.
Sempre se dirá ainda que, sobre a solução do conflito entre os privilégios imobiliários especiais e os direitos de terceiro, rege o art.º 751.º do C.Civil, segundo o qual os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
Em suma, os privilégios mobiliários gerais não constituem verdadeiros direitos reais de garantia pois que não incidem sobre coisa certa e determinada, como é da natureza do direito real e, consequentemente, não conferem ao respetivo titular direito de sequela sobre os bens em que recaiam. Já os privilégios especiais, os quais por força do preceituado no art.º 750.º do C.Civil são suscetíveis de prevalecer sobre o direito de terceiro garantido por uma causa de preferência, os privilégios gerais, por regra, não são oponíveis a outros direitos reais, como é o caso do penhor, cfr. art.º 749.º C.Civil.
Concretamente, em causa nos autos, está a graduação relativa dos créditos pignoratícios dos ora apelados - K..., Ld.ª e do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão]; do crédito do Instituto da Segurança Social; do crédito dos trabalhadores e do crédito da Autoridade Tributária.
No que concerne a tais créditos relevam os seguintes preceitos legais:
-preceitua o n.º1 do art.º 666.º do C.Civil que “O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros (…), com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel (…)”; o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009 de 16.09 (alterada pela Lei n.º 119/2009, de 30.12, pelo DL n.º 140-B/2010, de 30.12, Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, Lei n.º 20/2012, de 14.05, Lei n.º 66-B/2012, de 31.12 e Lei n.º 83-C/2013, de 31.12) de onde resulta que os créditos das Instituições da Segurança Social provenientes de contribuições vencidas e não pagas bem como os respetivos juros de mora gozam de privilégio creditório imobiliário e mobiliário geral) e preceitua o seu art.º 204.º que:“1 - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.
2 - Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”; e por seu turno, segundo o que dispõe o n.º1 do art.º 747.ºdo C.Civil: “1. Os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte:
a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais; (…)”; decorre ainda do n.º1 do art.º 749.º do C.Civil que “O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente” e, finalmente preceitua o art.º 333.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02 que: “1. Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
(…)
2. A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil; (…)”.
Como bem se deixou expresso no Ac. do STJ de 22.09.2021 “Deste conjunto normativo resulta literalmente que o crédito garantido pelo penhor tem preferência sobre o crédito laboral, mas não sobre o crédito da Segurança Social; que o crédito laboral tem preferência sobre o crédito da Segurança Social, mas não sobre o crédito garantido pelo penhor; que o crédito da Segurança Social tem preferência sobre o penhor, mas não sobre o crédito laboral.
Se a graduação compreender apenas uma díade destes créditos, a forma de os graduar antolha-se como linear.
Porém, quando a mesma graduação compreenda todos os três tipos de créditos em causa, salta imediatamente à vista que estamos perante uma triangulação conflituante entre si”.
Perante este complexo legislativo que assim se nos apresenta têm surgido na nossa jurisprudência três orientações.
Uns, como os ora apelados, propõem uma interpretação restritiva do art.º 204.º, n.º 2 do CRCSPSS, limitando a aplicação deste preceito às situações de concurso entre créditos da segurança social e créditos garantidos por penhor (posição defendida por Salvador da Costa, in “O Concurso de Credores”, 2015, pág. 312 e Acs. do STJ de 22.04.1999 e de 22.09.2021, Ac. da Relação do Porto de 11.09.2018 e Ac. da Relação de Coimbra de 20.06.2017, Ac. Relação de Lisboa de 24.11.2020, Ac. Relação de Guimarães de 8.07.2020 e Ac. da Relação de Évora de 5.11.2015, todos in www.dgsi.pt);
Outros defendem que se deverá dada prevalência aos créditos da segurança social, seguidos dos créditos garantidos por penhor e, finalmente, dos créditos que beneficiem de privilégios mobiliários, nomeadamente, os do Estado e dos Trabalhadores (Acs. do STJ de 6.03.2003 e de 16.12. 2009, Ac. da Relação do Porto de 16.06.2020 e de 14.07.2020, da Relação de Lisboa de 02.07.2019, da Relação de Coimbra de 11.12.2012, de 21.05.2019, de 28.05.2019 e de 30.03.2020, da Relação de Guimarães de 31.03.2016 e da Relação de Évora de 30.04.2015, todos in www.dgsi.pt).
E finalmente, outros ainda defendem que os créditos do Estado por impostos deverão ser pagos antes dos créditos da Segurança Social, seguidos dos créditos penhoratícios (neste sentido Rui Pinto, in “A Ação Executiva”, AAFDL, pág. 853, Ac. do STJ de 29.04.1999 e Ac. da Relação de Lisboa de 9.05.2019, ambos in www.dgsi.pt).
Deixa-se desde já consignado que julgamos a segunda orientação exposta a que melhor interpretação faz da lei, mormente ao nível da intenção do legislador, bem ciente que a graduação de créditos é uma operação concreta, casuística e sequencial, e tem em consideração a classe dos créditos a graduar, assim como a natureza móvel ou imóvel dos bens que constituem a massa insolvente.
Na verdade, a questão em apreço nestes autos não é recente, pois já decorria da interpretação de leis avulsas um tanto semelhantes, e no passado recente da interpretação do preceituado no art.º 10.º do DL n.º 103/80, de 9.05. Tendo, em suma, o legislador mantido, ao longo do tempo, a prevalência na graduação dos créditos da Segurança Social sobre os créditos garantidos por penhor.
Ora, o penhor é, no dizer Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, nota ao art.º 666.º, uma garantia real completa, incidente ab initio sobre uma coisa ou direito em concreto, oponível erga omnes.
Os credores pignoratícios como são os ora apelados, por força da lei, têm o direito de, com preferência sobre os demais credores, satisfazer os seus créditos pelo valor de uma coisa móvel, de créditos ou de direitos (desde que não suscetíveis de hipoteca) pertencentes ao devedor ou a um terceiro. Ou seja, o credor pignoratício recebeu, para garantia do seu crédito, um bem ou um direito do devedor ou de um terceiro (em penhor) e pode satisfazer esse seu crédito diretamente pelo produto desse bem ou direito, com preferência sobre os demais credores. Sendo que créditos que beneficiem de privilégio geral sucumbem perante o bem ou direito garantido por penhor, cfr. art.º 749.º do C.Civil, pois como vem sendo realçado pela doutrina e pela jurisprudência, o privilégio mobiliário geral, não incidindo sobre coisa certa e determinada, mas antes sobre o património do devedor cede, em caso de conflito, perante o direito real de gozo ou de garantia dum terceiro, nos termos prescritos no art.º 749.º do C Civil.
Mas, considerando o que resulta do n.º2 do art.º 204.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social não podem restar dúvidas que o crédito da Segurança Social é graduado à frente de qualquer crédito pignoratício. E a intenção do legislador em tal expressa e manifesta norma foi assegurar-se a sustentabilidade da Segurança Social, direito de todos os cidadãos e um dever do Estado, constitucionalmente reconhecido, cfr. art.º 63.º da CRP.
Sobre a força e natureza de tal norma tão especial, refere Pestana de Vasconcelos, in “Direito das Garantias”, pág. 398 que “… há um privilégio mobiliário geral que, de forma totalmente excecional, vale contra terceiros, prevalecendo sobre qualquer penhor, mesmo que de constituição anterior: o privilégio mobiliário geral da segurança social que assegura os créditos por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora (art.º 204.º n.º 2 Código Contributivo, CRCSPSS). Nessa medida, é mesmo mais forte do que um privilégio especial, pois este não prevalece sobre garantias reais anteriores”.
Destarte e considerando o que acima ficou consignado, é nosso seguro entendimento que, tendo em mente o princípio da unidade do sistema jurídico, e sendo manifesto que foi vontade do legislador de, através de uma norma especial/excecional, dar prevalência ao crédito da Segurança Social face aos créditos garantidos por penhor, concluímos que a única interpretação coerente e ajustada das normas acima elencadas, é a de que dar preferência aos créditos da Segurança Social sobre os créditos garantidos por penhor e, num segundo momento, dar preferência a estes últimos sobre os demais créditos garantidos por privilégio mobiliário, designadamente sobre os créditos laborais. Pelo que “in casu” estando em causa apenas bens móveis, o crédito da Segurança Social é graduado em 1.º lugar sobre os bens móveis existentes que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 3 da massa insolvente da devedora, pois que goza de privilégio mobiliário geral, que prevalece sobre os penhores em causa nos autos. Ou seja, os créditos dos ora apelados, não têm qualquer preferência, nessa graduação, relativamente aos bens móveis que garantem por penhor os mesmos.
Finalmente dir-se-á ainda que os créditos dos trabalhadores, sendo “créditos com privilégio mobiliário geral” a que se reporta a lei geral, ou seja, o art.º 747.º n.º 1 do C.Civil, não têm preferência relativamente ao créditos pignoratícios dos ora apelados.
E “in casu”, concreta e sequencialmente, devendo assim ser graduado em 1.º lugar o crédito da Segurança Social no valor de €165 817,00 sobre os bens móveis existentes que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 3 da massa insolvente da devedora e em 2.º lugar sobre esses mesmos bens, que os garantem, os créditos pignoratícios dos ora apelados, rateadamente e até onde chegar o produto da venda desses bens; aos créditos dos trabalhadores resta o 3.º lugar nessa graduação sobre os bens móveis existentes que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 3 da massa insolvente também rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens. Por fim, resta-nos o crédito da Autoridade Tributária que em respeito ao preceituado na al. a) do n.º2 do art.º 333.º do Código do Trabalho e art.º 747.º do C.Civil, é graduado em 4.º lugar sobre esses mesmos bens, também rateadamente e até onde chegar o produto da venda desses bens.
Destarte e sem necessidade de outros considerados, a sentença recorrida e na parte em que o é por via do presente recurso não é de manter, revogando-se a mesma nessa parte e, em sua substituição, decide-se que pelo produto da venda dos bens móveis que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 3, (bens dados em penhor à K..., Ld.ª e ao IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão]) dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:
1.º - O crédito da Segurança Social no valor de €165 817,00.
2.º - Os créditos da K..., Lda. e do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão] rateadamente e até onde chegar o produto da venda desses bens.
3.º - Os créditos dos trabalhadores também rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens.
4.º - O crédito da Autoridade Tributária, também rateadamente e até onde chegar o produto da venda desses bens.

Procedem as conclusões do apelante.


Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e consequentemente, pelo produto da venda dos bens móveis que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 3, (bens dados em penhor à K..., Ld.ª e ao IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão]) dar-se-á pagamento aos créditos da seguinte forma:

1.º - O crédito da Segurança Social no valor de €165.817,00.

2.º - Os créditos da K..., Lda. e do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. [Agência de Desenvolvimento e Coesão] rateadamente e até onde chegar o produto da venda desses bens.

3.º - Os créditos dos trabalhadores também rateadamente e até onde chegar o produto da venda dos bens.

4.º - O crédito da Autoridade Tributária, também rateadamente e até onde chegar o produto da venda desses bens.


Custas pelos apelados.






Porto, 2024.03.05
Anabela Dias da Silva
Anabela Miranda
Márcia Portela