IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ATO INÚTIL
AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
TRANSMISSÃO
Sumário

I - Sendo a impugnação da decisão de facto um meio tendente à revogação da sentença recorrida, se esta padecer de erro de julgamento cujo conhecimento não dependa dos factos impugnados, não se deverá apreciar tal impugnação por se traduzir, verificado esse condicionalismo, num acto inútil.
II - A ampliação do recurso destina-se tão só a possibilitar ao recorrido, quanto à parte da decisão em que foi vencedor, prevenir a hipótese de o recorrente lograr demonstrar fundamentos (de facto ou de direito) que possibilitem a revogação desse segmento decisório, permitindo-lhe nesse caso a invocação de outros fundamentos ou a impugnação de outros factos não impugnados pelo recorrente, por forma a impedir que a revogação aconteça.
III - Resulta da articulação do art. 633º nº 1 com o art. 635º nº 5 do CPC que se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas e ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado, mas a parte que não recorrer do segmento da decisão em que ficar vencida está sujeita aos efeitos do julgado na parte não recorrida, que não podem ser prejudicados pela decisão do recurso.
IV - A transmissão de um estabelecimento comercial pertencente a uma herança indivisa por apenas um dos herdeiros, desacompanhado dos demais, consubstancia, como res inter alios acta, um acto verdadeiramente ineficaz perante os demais herdeiros, operando essa ineficácia ipso iure.

Texto Integral

Processo n.º 1284/15.5T8AVR.P1- APELAÇÃO

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD, A..., Unipessoal, Lda e EE, tendo formulado os seguintes pedidos:
a) seja declarada a falsidade da escritura de habilitação de herdeiros e partilha outorgada em 28 de maio de 2009, e exarada a fls. 98 a 101 do Livº … do Cartório Notarial sito na Av. ..., em Aveiro;
b) seja declarada a nulidade da referida escritura de habilitação de herdeiros e partilha, e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura;
c) seja declarado que por óbito da falecida FF, ocorrido no dia 2 de Abril de 2009, sejam declarados seus únicos e universais herdeiros, para além do viúvo GG e do filho BB, aqui Co-R., também os filhos AA, aqui A., e CC, aqui Co-R., em consequência do que os bens que integram a herança da falecida devem ser partilhados por estes herdeiros;
d) seja declarado que a herança aberta por óbito da falecida FF é proprietária e integra todos os bens constantes na escritura datada de 28/05/2009, os créditos bancários declarados às Finanças e estabelecimento comercial que gira sob a designação “B...”, a laborar nas frações “B” “C”, “D” e “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., em Aveiro, cujo objeto, atividades e bens se encontram designadamente descritos nos artigos 27.º a 34.º desta petição inicial;
e) seja declarada a nulidade da transmissão do referido estabelecimento comercial, designado por “B...”, identificado na petição inicial nos artigos 27.º a 34.º e efetuada entre o dia 27/02 e o dia 01/03 de 2012, por GG para a sociedade A... Unipessoal, Lda., devendo ser ordenada a restituição de tal estabelecimento à herança aberta por óbito de FF, condenando-se o 3.º e 4.º RR. nessa restituição, bem como na abstenção de qualquer comportamento que perturbe a propriedade dessa herança relativamente a esse estabelecimento comercial;
f) seja declarada a nulidade da escritura de doação outorgada em 15 de junho de 2012 e exarada a fls. 43 a 44 do Livro ... do Cartório Notarial sito na Rua ..., em Lisboa, e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura;
g) seja declarada a nulidade da escritura de compras e vendas outorgada em 6 de julho de 2012 e exarada a fls. 14 a 16 do Livro ... do Cartório Notarial sito na Rua ..., em Lisboa, e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura.
Como fundamento das referidas pretensões, alegou a Autora ter direito a impugnar a partilha outorgada por escritura de habilitação de herdeiros e partilha efectuada em 28.05.2009 por o pai ter ocultado da partilha créditos bancários e um estabelecimento comercial existentes à data da abertura da herança por óbito da sua mãe, assim como omitido a indicação como herdeiros da Autora e do seu irmão BB, pugnando pela nulidade dos negócios subsequentes a essa partilha, pela nulidade da transmissão do estabelecimento comercial, bem como pela nulidade da venda de 4 frações da herança, por consubstanciarem transmissões de coisa alheia, tendo sido feitas sem o seu conhecimento e consentimento, assim como pela nulidade da doação outorgada em 15.07.2012, visando com a presente ação que tais bens sejam restituídos à referida herança e sejam cancelados todos os registos que hajam sido feitos sobre os bens da herança.

2. Os Réus DD e A..., Unipessoal, Lda deduziram contestação conjuntamente, sustentando que os pedidos formulados sob as alíneas c) e d) da PI não podem ser formulados no âmbito deste tipo de ação, mas apenas no inventário, suscitando também a excepção peremptória da ratificação da escritura de habilitação de herdeiros e partilha cuja nulidade constitui o objecto desta acção, impugnando de igual modo os factos alegados pela Autora, pugnando pela validade dos negócios questionada nestes autos.
Por seu turno o Réu BB apresentou também contestação, fazendo menção à escritura de rectificação da escritura cuja nulidade está a ser questionada, e impugnou os factos alegados pela Autora.

3. A Autora respondeu à matéria de excepção, depois de lhe ter sido concedido o exercício do princípio do contraditório, concluindo como na PI.

4. Realizada audiência prévia, veio a ser elaborado despacho saneador, no âmbito do qual foi julgado improcedente o erro na forma do processo, foi considerado não ser aplicável o disposto no art. 291º do CC, foram julgados improcedentes os pedidos das alíneas a) e b) na parte em que é pedida a declaração de falsidade e declaração de nulidade da habilitação de herdeiros e julgado inútil o pedido da alínea c) de modo a não ser mais considerado no desenvolver posterior desta acção, tendo sido ainda absolvidos da instância por ilegitimidade os Réus CC e EE, foi fixado o objecto do litígio, elencados factos assentes e fixados os temas de prova, que foi objecto de reclamação oportunamente decidida.

5. Tendo falecido o Réu BB na pendência desta acção, foi efectuada habilitação dos respectivos herdeiros.

6. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:
“Nos termos e pelos fundamentos antes expostos, julgo a ação parcialmente procedente e, em resultado disso:
a) julgo ineficaz, em relação aos gestidos AA, CC e BB a partilha efetuada pelas escrituras de “Habilitação de Herdeiros e Partilha” de 28/05/2009 (fls. 49/55 e nºs. 3 a 6 dos Factos Provados) e de Retificação de 27/06/2012 (de fls. 267/271 e nºs 7 e 8 dos Factos Provados), designadamente quanto à adjudicação dos dez imóveis identificados na primeira escritura ao GG, os quais continuam a pertencer à herança aberta por óbito de FF;
b) ineficaz, por ilegitimidade parcial, a venda feita pela escritura de 06/07/2012 (fls. 198/202 e nº 19 dos Factos Provados) por GG à sociedade “A..., Unipessoal, L.da” das frações “B”, “C”, “D” e “E”, todas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. ..., ... da freguesia ..., Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ...;
c) que pertencem à herança da FF metade dos depósitos bancários constantes do nº 47 dos Factos Provados;
d) a ação improcedente quanto ao mais.
Custas na proporção de 1/3 para a A., 1/3 para o 1º R., 1/3 para o R. DD e para a Ré sociedade.
Registe e notifique.”

7. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
I. A douta sentença proferida julgou improcedente os pedidos efectuados pela Recorrente na sua petição das alíneas d) na parte que pede a declaração que a herança aberta por óbito da falecida FF é proprietária e integra o estabelecimento comercial que gira sob a designação “B...”, alínea e), f) e alínea g) na parte em que pede o cancelamento de todos os registos que hajam sido efectuados sobre os bens objetos da escritura de compra e venda outorgada em 06 de Julho de 2012, conforme referido nos artigos 1.º e 2.º das alegações.
II. Atento aos factos com relevo para a decisão que o Tribunal a quo considerou provados e não provados, referido nos artigos 4.º e 5.º das alegações, a Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida na parte em julgou os pedidos improcedentes identificados em I.
III. Relativamente ao acervo hereditário o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido da alínea d) da petição inicial na parte em que se requer que seja declarado como se referiu que o estabelecimento comercial que gira sob a denominação “B...” pertencem à herança, ainda, indivisa aberta por óbito da falecia FF, com o que a Recorrente não se conforma, pois os factos considerados provados (Factos 24, 48 a 57, 65) e uma correcta aplicação do direito impunha que fosse declarado que o aludido estabelecimento comercial pertence à herança de FF.
IV. Ora, tendo em conta as diversas formulações que existe na lei sobre o estabelecimento comercial, o conceito amplamente explanado no texto das alegações com análise da doutrina e jurisprudência aplicáveis, resulta dos factos considerados provados que à data do decesso de FF já existia uma organização produtiva não redutível a uma atividade e bens meramente agregados, composto por elementos corpóreos (factos provados 24,48,27 e 28, 31 e 32, 35 e 36, 37 e 38, 49,.º 56); incorpóreos, (Factos Provados n.º 24, 48 e 22,49, 50, 51, 54, 55 e 57); tinha já o estabelecimento uma clientela considerável e um aviamento significativo (Facto provado n.º 52, 53 e 56) e, tratando-se da actividade principal do casal, os depósitos bancários apurados (Facto provado n.º 47) são um indicador que está em causa um estabelecimento rentável, conforme melhor se explana nos artigos 9.º e 36.º das alegações.
V. Trata-se, por isso, de uma realidade complexa, que revela um bem jurídico novo, uma coisa, móvel e incorpórea, susceptível de ser objeto de direitos e relações jurídicas, ao abrigo do disposto no artigo 202.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1 do Código Civil e, enquanto tal, faz parte integrante da herança, distinguindo-se dos demais bens, pertencendo, neste caso, à herança representada pelos seus titulares, os herdeiros são assim “(co)-titulares em comunhão” do estabelecimento comercial, conforme explanado no corpo das alegações artigo 9.º e 36.º.
VI. Deste modo, dos factos considerados provados, resulta que existe já um estabelecimento comercial, nos termos definidos nos artigos 9.º a 24.º das alegações, e que é possível qualificar esse estabelecimento comercial denominado “B...” como unidade jurídica, nos termos explanados nos artigos 25.º e 36.º das alegações, o que aliás é também reconhecido pela douta sentença na sua fundamentação de direito, quer quando explana quais os bens que ficaram por óbito da FF, quer quando aborda o regime de venda de bens alheio, pelo que errou o Tribunal a quo ao julgar parcialmente improcedente o pedido da alínea d) da petição inicial na parte do estabelecimento comercial, violando o disposto nos artigos 2024.º, 2075.º e 8.º, n.º 3 todos do Código Civil e artigo 26.º, n.º 1 e 6, al. j) do Código Imposto de Selo.
VII. Assim, uma correcta aplicação do direito aos factos considerados provados impõe, ao abrigo do disposto nos artigos artigo 2024.º, 2075.º, 8.º, n.º 3 todos do Código Civil e artigo 26.º, n.º 1 e 6, al. j) do Código Imposto de Selo, que a sentença ora impugnada seja alterada e substituída por outra que, além dos bens já identificados, declare que pertence à herança aberta por óbito da Sra. FF «o estabelecimento comercial que GG e FF exploravam nas frações do prédio urbano sito na Av. ..., ..., denominado “B...” – nº 48 dos Factos Provados -, integrado pelos bens identificados em 49 dos Factos Provados, entre os quais os veículos de matrícula ..-..-IZ e VL-..-...»
VIII. Na sua fundamentação de direito, a sentença ora impugnada reconhece que o estabelecimento integra a herança e que, por aplicação do disposto no artigo 1408.º, n.º 2 do CC, tratando-se de disposição de bem alheio, não produziram quaisquer efeitos os actos de apropriação do aludido estabelecimento, porém, adita esclarecimentos complementares, nos quais refere que o estabelecimento passou a sociedade”, foi “erigido em sociedade comercial” e, portanto, conclui que esse estabelecimento “se esvaiu com o tempo e as transformações que o Sr. GG lhe foi impondo”.
IX. Tal conclusão não se sustenta nos factos provados, já que destes resulta que os estabelecimento foi criado em 1984 e existia à data do decesso de FF como unidade jurídica, nos termos descritos nos pontos IV e VII das conclusões (Factos Provados n.º 24, 27 e 28, 31 e 32, 35 e 36, 37 e 38, 48 a 57, 65), a sociedade comercial foi constituída em 27.02.2012, ou seja, depois do estabelecimento comercial, e aquando da constituição da sociedade A... Unipessoal, Lda. transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento comercial (Facto Provado n.º 54), em 01.03.2012, data em que a sociedade iniciou a exploração do estabelecimento, tratando-se de facto (e direito) do mesmo estabelecimento comercial que era explorado pelo casal FF e GG (Facto n.º 55), pelo que os factos considerados provados evidenciam que o que existiu foi a transmissão do estabelecimento comercial à sociedade (Facto Provado n.º 54), aliás é de conhecimento público e notório que quando se diz “passar” um estabelecimento, significa a transmissão do estabelecimento, o seu trespasse; “passar” corresponde à expressão popular de trespasse. – Cfr. Facto Provado n.º 24, 19, 48 a 57 e 65.
X. Por outro lado, também não é possível lógica e juridicamente sustentar que o estabelecimento “passou a sociedade”, pois conforme já se aludiu, o estabelecimento comercial é entendido como uma unidade jurídica, um bem jurídico novo e autónomo, uma coisa, objeto de direitos, que não tem personalidade jurídica, e, portanto, não se confunde, nem se transforma em sociedade que é uma pessoa colectiva com personalidade jurídica titular de direitos e obrigações; nem a sociedade se confunde com o estabelecimento, são realidades distintas, de um lado um sujeito (a sociedade) e do outro um objeto (o estabelecimento), que mantêm a sua existência com autonomia.
XI. O Tribunal a quo confunde as realidades, focando a sua análise de direito no sujeito, e não no objecto, que é o estabelecimento comercial e que, enquanto bem jurídico autónomo e distinguível que integra a herança, pertence aos herdeiros em comunhão; esta impossibilidade manifestada pelo Tribunal a quo de separar as realidades impediu que a sua análise jurídica se debruçasse sobre o objeto (estabelecimento) e sobre o acto de transmissão efectuado por GG à sociedade unipessoal.
XII.Os estabelecimentos comerciais não se transformam em sociedade, transmitem-se ou perdem a sua identidade enquanto unidade jurídica; a transmissão dos estabelecimentos comerciais pode ocorrer deforma definitiva, através de trespasse que encontra expressão no artigo 1112.º, n.º 2 do Código Civil e a Doutrina define-o de forma ampla e com elasticidade, como uma figura onde cabem todas as negociações relativas à empresa, com vista a abarcar todo e qualquer negócio jurídico cuja finalidade seja a transmissão a título definitivo e inter vivos, com ou sem caracter oneroso, o estabelecimento comercial, como unidade.
XIII. É reconhecido pela doutrina e jurisprudência explanada no corpo das alegações que para que exista trespasse necessário se torna que sejam transmitidos, se não todos os elementos, pelo menos os seus elementos essenciais, aqueles que o caracterizam enquanto unidade jurídica, e que o estabelecimento comercial se mantenha como tal, daí se entender não poder passar-se a exercer no local comércio diferente, pois nesse caso o estabelecimento perderia a sua identidade; já, tendo presente o estabelecimento existente à data do decesso de FF, referido nos pontos IV das conclusões, resulta dos factos provados que o Sr. GG transmitiu para a sociedade todos os elementos do estabelecimento comercial: corpóreos (factos provados n.º 19, 20, 21, 27 e 28, 31 e 32, 35 e 36, 37 e 38, 49, 54 e 65); incorpóreos (factos provados n.º 24, 48, 22, 23, 54 e 55), bem como clientela e aviamento (factos provados n.º 52, 53, 54 e 55), mantendo-se, ainda hoje, na sua essência e unidade o mesmo estabelecimento comercial que existia à data do decesso da Sra. FF, conforme referido no artigo 67.º das alegações. – Cfr. 10, 19, 20 a 23, 27 e 28, 31 e 32, 35 e 36, 37 e 38, 48 a 57 e 65.
XIV. Por conseguinte, errou o Tribunal a quo ao não qualificar juridicamente o acto de transmissão praticado por GG como um trespasse através do qual, sem a outorga de qualquer documento escrito, operou a transferência a titulo definitivo da globalidade do estabelecimento comercial denominado “B...” existente à data do decesso da Sra. FF e pertencente aos herdeiros em comunhão, sem a sua intervenção ou consentimento, como unidade, a fim da sua exploração ser continuada pela sociedade unipessoal que para o efeito assumiu obrigações perante o Sr. GG. – Cfr. Factos provados n.º 19, 20, 21, 22, 23, 48, 49, 54, 55 e 65..
XV. Como já se referiu, estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica pertence aos herdeiros em comunhão, o que é reconhecido pela jurisprudência e doutrina mencionada nas alegações, pelo que quando o Sr. GG procedeu à transmissão da globalidade do estabelecimento comercial à sociedade unipessoal, referido nos artigos 74.º a 81.º, dispôs de um bem que apenas lhe pertencia em comunhão, sem intervenção ou o consentimento dos herdeiros, já que até à partilha não é dono do estabelecimento comercial que integra o acervo hereditário, mas apenas titular de uma quota ideal.
XVI. Discorda-se, por isso, e por tudo o exposto, da douta sentença proferida quando refere não ser de aplicar ao estabelecimento comercial as normas de venda de coisa alheia, não é concebível, nem de facto, nem de direito, a possibilidade de o estabelecimento comercial ser erigido em sociedade, o estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, pertence aos herdeiros em comunhão, pelo que, tal como referido na douta sentença, aplica-se o disposto nos artigos 1408.º, n.º ex vi artigo 1404.º do Código Civil, não se aceitando como fundamento para afastar a aplicação destes preceitos afirmar que o estabelecimento comercial não pode ser reivindicado para a herança, pois, tal como entende a doutrina e jurisprudência citadas nesta peça, se o estabelecimento é objecto possível do direito de propriedade, pode também ser objecto de reivindicação; por outro lado, também não é fundamento bastante para impedir a reivindicação que o activo a considerar na partilha esteja em constante mutação, com entrada e saída de bens, já que é essa dinâmica que caracteriza e individualiza o estabelecimento comercial, lhe atribui valor, como bem jurídico, conforme referido no artigo 88.º das alegações.
XVII. Por conseguinte, errou o Tribunal a quo e violou os artigos 8.º, n.º 3, 202.º, n.º 1, 205.º, n.º 1, 1112.º, n.º 2, artigo 1408.º, n.º 2 ex vi artigo 1404.º todos do Código Civil ao não qualificar o acto de transmissão como trespasse e julgar improcedente o pedido efectuado na alínea e) da petição inicial.
XVIII.   Por tudo o exposto, tal como sucede com os restantes bens que integram a herança, a sentença proferida deve ser alterada e substituída por outra que julgue ineficaz a transmissão do estabelecimento comercial designado “B...”, identificado nos factos provados 48, 49 e 54 e 55, determinando a restituição de tal estabelecimento à herança aberta por óbito de FF, condenando-se os Réus/Recorridos nessa restituição, bem como na condenação dos Recorridos a abstenção de qualquer comportamento que perturbe a propriedade da herança relativamente a esse estabelecimento,
Sem conceder,
XIX. Estando em causa o trespasse do estabelecimento comercial denominado “B...”, sem a outorga de documento escrito e sem respeitar a forma exigida para a transmissão de um dos seus elementos, designadamente os imóveis, a transmissão do estabelecimento comercial denominado “B...” para a sociedade é nula por violação da forma legal ao abrigo do disposto no artigo 220.º do Código Civil, aplicando-se por interpretação extensiva o disposto no artigo 1112.º,n.º 3 e, sem conceder, ao abrigo do disposto no artigo 875.º do CC, por estarem em causa, entre os elementos que compõe o estabelecimento comercial e a aludida transmissão, imóveis, o que impõem que a outorga da transmissão ocorra através de escritura pública ou por documento particular autenticado.
XX. Deste modo, deve a sentença ora impugnada ser alterada e substituída por outra que declare a nulidade da transmissão do estabelecimento comercial, por violação da forma legalmente exigida, determinando a restituição do estabelecimento comercial, designado por “B...” à herança aberta por óbito de FF, condenando-se os Réus/Recorridos nessa restituição, bem como na condenação dos Recorridos a absterem de praticar qualquer comportamento que perturbe a propriedade da herança relativamente a esse estabelecimento, ao abrigo do disposto nos artigos 1112.º, n.º 2 e 3, 875.º, n.º 1 e 286.º e artigo 289.º todos do Código Civil.
XXI.O Tribunal a quo julgou improcedente alínea g) da petição inicial na parte em que a Recorrente pede o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou venham a fazer-se sobre os bens objecto da dita escritura de 06 de Julho de2012, a presente acção encontra-se registada, pelo que estão inseridos os pedidos da Autora no registo predial das respectivas fracções, sendo que, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, al. a) e artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Código de Registo Predial, os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, nos casos previstos na lei, ou decisão judicial, assim, ao abrigo do artigo 13.º e 53.º-A do aludido diploma, o Tribunal a quo devia ter ordenado oficiosamente o cancelamento dos registos, conforme resulta da conjugação dos preceitos referidos.
XXII. Por conseguinte, errou o Tribunal a quo ao julgar improcedente o cancelamento dos registos requerido na alínea g) da petição inicial, já que esse cancelamento se impõe pelo reconhecimento que as fracções pertencem à herança e, portanto, o reconhecimento do direito de propriedade e a modificação desse direito, por força da sentença proferida, por questões de segurança, devem encontrar-se reflectidos no registo.
XXIII.   Por outro lado, a douta sentença julga ineficaz a venda, o que quer dizer que a mesma não produz quaisquer efeitos, é inexistente, conforme entende a doutrina e jurisprudência, logo, o princípio da presunção da verdade registal, previsto no artigo 7.º do mesmo diploma, impõe que seja ordenado o cancelamento dos registos, já que o direito de propriedade das fracções pertence à herança.
XXIV.   Assim, a sentença ora impugnada violou o disposto no artigo 3.º, n.º 1, al. a),2.º,n.º 1, al. a), 7.º, 13.º e 53-A do Código de Registo Predial ao julgar improcedente o pedido de cancelamento dos registos, pelo que deve ser alterada e substituída por outra que ordene o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos sobre os bens objecto da aludida escritura de compra e venda de 06 de Julho de 2012 (fls. 198/202), designadamente das fracções “B”, “C”, “D” e “E” do prédio em propriedade horizontal sito na Av. ..., ... da freguesia ..., Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ....
XXV. De tudo o antecedente exposto, deve a sentença ora impugnada ser substituída apenas na parte que ora se impugna por outra, nos termos referidos no artigo 112.º das alegações que, por questões de economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzido.
Sem conceder,
XXVI.   A sentença ora impugnada errou no julgamento da matéria de facto ao considerar provado no facto n.º 51 que o estabelecimento comercial prestava apenas serviços de naturopatia, já que a Autora e diversas testemunhas, designadamente CC e HH, nos seus depoimentos referiram que o estabelecimento tinha médicos e prestava consultas.
Ficheiro de Gravação: 20220215155752_3576769_2870272 «(…) 01:36:35 AA – O estabelecimento chamava-se B..., vendia produtos diatéticos, desde suplementos alimentar até ao ramo do suporte alimentar, leite, chás. Tinha médicos a trabalhar, vários médicos na altura. Havia um deles que utilizava um aparelho que era mais vanguardista na altura, que era um microscópio, pronto que eu sei que havia algum dinheiro que tinha sido investido nisso. Portanto, basicamente era isso, uma vertente alimentar, a vertente dos suplementos propriamente ditos, vitaminas e não só e os médicos. (…)»
Ficheiro: 20220221141551_3576769_2870272 «(00:15:25 - 00:15:44) CC – Bastante mercadoria ligada aos produtos naturais, a parte da alimentação dietética, os consultórios médicos, com respetivos médicos e, ao fim ao cabo, o stock sempre mantido daquilo que era necessário.» (negrito e sublinhado nosso)
Ficheiro de Gravação 20230125095212_3576769_2870272 «(00:57:36–00:57:38) Mandatário Autora: Eu disse pagamentos médicos, pagamentos… (00:57:38–00:57:38) HH: Médicos é pessoal. (…)
(00:57:43–00:57:44) Mandatário Autora: Presta serviço ao vosso, à vossa…
(00:57:44–00:57:50) HH: Não há pagamento ao doutor II, nunca houve. Não há pagamentos, hã pelo menos… (…)
(00:57:57–00:58:04) HH: Não, ele fica com o dinheiro das consultas, sempre foi assim. Ele cobra as consultas aos pacientes e nós não lhe pagamos nada.» (negrito e sublinhado nosso)
XXVII. Por conseguinte, análise da prova produzida impunha que o Tribunal a quo tivesse julgado provado que o estabelecimento comercial denominado “B...” prestava os seguintes serviços: consultas e naturopatia (facto provado n.º 51), julgando não provado na alínea a) dos factos não provados os serviços de “osteopatia, homeopatia, acupunctura, shiatsu e mesoterapia” (alínea a) dos factos não provados), já que quanto a estes não foi produzida prova.
XXVIII. Relativamente aos factos provados n.º 54 e 55.º, sem prejuízo do que supra se expôs, importa acrescentar, pois resultou da prova produzida, que os veículos de marca Citroen, modelo ... e modelo XM, também foram transmitidos à sociedade unipessoal, já que nos documentos 18/1 e 18/2 juntos com a contestação o Sr. GG declara que vendeu os veículos à sociedade, pelo que estes não se encontram apenas registados em nome da sociedade (Facto Provado n.º ... e 21), foram transmitidos à sociedade, na mesma lógica dos restantes elementos do estabelecimento. – Cfr. Facto provado n.º 49 e Doc. 18/1 e 18/2 juntos com a contestação, Req. /Ref.ª 2092339 de 07/07/2015 e doc. 5 e 6 junto com a petição inicial.
XXIX.   O que também foi confirmado pela Testemunha HH que no seu depoimento disse o Sr. GG aquando da constituição da sociedade vendeu à sociedade as mercadorias, as lojas e os veículos.
Ficheiro de Gravação 20230125095212_3576769_2870272 Audiência de 25/01/2023 «(00:19:37 – 00:20:28) Mandatário Autora: (…) Já nos disse que houve mercadorias que passaram do Sr. GG para esta sociedade. Já nos disse que houve trabalhadores que passaram do Sr. GG para esta sociedade. Já nos disse que a loja de Aveiro passou do Sr. GG para esta sociedade. E, por isso, isto que eu estou a dizer está certo?
(00:20:28 – 00:21:14) HH: Aquilo que aconteceu e não sei se é isso que está a dizer foi a constituição da sociedade foi feita no dia 27 de dezembro e o Sr. GG transitou do n.º pessoal dele, do 140, a atividade para a nova sociedade constituída. E quando eu digo passou quero dizer: vendeu as mercadorias que estavam no final do balancete à data da constituição da empresa, vendeu via fatura, ahm… vendeu as lojas, via escritura e vendeu os carros.
(…) «(00:59:17–00:59:30) Mandatário Autora: Quando os carros foram vendidos à sociedade…Há pouco, e peço que esclareça, não que pôr palavras na sua boca, há pouco foram vendidos como foram vendidos as mercadorias e as lojas, foi essa lógica?
(00:59:31–00:59:35) HH: Foram vendidos, sim, sim, foram vendidos.
(01:00:31–01:00:42) Mandatário Autora: Eu vou, eu vou fazer a pergunta de outro modo, que é: os carros, hã, foram vendidos porque estavam ao serviço do estabelecimento, faziam parte do estabelecimento?
(01:00:43–01:00:45) HH: Foram vendidos e foram pagos ao senhor JJ.»
XXX. Relativamente as fracções resulta dos factos provados que o estabelecimento comercial desde 1984 que opera nesse local (Facto provado n.º 24, 27 e 28, 31 e 32,35 e 36,37 e 38, 48) resulta da prova produzida, designadamente depoimento da Testemunha KK, LL e MM, que ao longo do tempo o espaço físico foi adaptado à medida das necessidades do estabelecimento comercial, pelo que constitui uma componente essencial do estabelecimento comercial.
Ficheiro de gravação 20220221115959_3576769_2870272 – Audiência 21/02/2022 «04:36 KK – É assim mudou, depois de uns anos a seguir, o Sr. GG comprou a parte nova, que era o restaurante do Sr. NN. Mas ainda lá trabalhava a AA. (…)
04:48 KK – Pronto. Era as duas lojas antigamente, que eu conheci. As lojas velhas, velhas pronto, no estado em que estavam e depois é que adquiriu a parte do restaurante do senhor OO, foi eu que arrebentei até com as obras e fizemos as obras. É que alargamos a loja.
05:04 Mandatário da Autora – Se tiver memória, se tiver a certeza esse alargamento para a fração ao lado desse antigo restaurante, ainda foi antes da dona FF falecer? Se nos puder dizer, se não puder.
05:15 KK – Foi. (…)
05:19 Mandatário da Autora – Muito bem. Então, diria. A dona. O senhor esteve lá, por isso a dona FF falece e o estabelecimento já tinha sido alargado
05:29 KK – Alargado, sim.
05:30 Mandatário da Autora – E manteve-se tudo então na mesma? 05:31 KK – Tudo na mesma. (…)
05:36 KK – O que pode. Peço desculpa, o que pode ter alterado foi as compras na cave, aquilo a cave é maior até que a parte de cima das lojas. O Sr. JJ foi adquirindo uns arrumos comprando aos outros proprietários. Também foi alargando. (…)»
Ficheiro: 20220221101000_3576769_2870272 – Audiência de 21-02-2022
«(00:08:59 - 00:09:30) LL – A loja tinha, começando de baixo para cima, tinha uma cave, tinha, pelo menos, uma duas três – quatro caves independentes, que, entretanto, o senhor GG uniu tudo. Em cima tinha uma loja, uma loja mais pequena. Depois a seguir tinha outra loja e finalmente a loja onde, em tempos, funcionou o restaurante. A seguir a isso o senhor GG ainda arrendou a parte da frente para a avenida.
(00:09:30 - 00:09:34) Mandatário da Autora – O estabelecimento por isso foi crescendo sempre com o senhor GG?
(00:09:34 - 00:09:37) LL – Foi crescendo sempre e eu acompanhei grande parte desse crescimento.
(00:09:37 - 00:09:41) Mandatário da Autora – Mas diria, quando a senhora faleceu, já estava na dimensão…?
(00:09:41 - 00:09:42) LL – Já, já estava.
(00:09:42 - 00:09:47) Mandatário da Autora – Já estava na dimensão, digamos, que está hoje, ou que estava quando o senhor saiu?
(00:09:47) LL – Sim, sim.»
Ficheiro de Gravação 20230125115043_3576769_2870272 – Audiência de 25-01-2023
«(00:23:11 – 00:23:29) Mandatário Autora: (…) Olhe, a loja onde o Sr. trabalha, para além das coisas que cresceu, as vendas, etc., e da vida… mal era se assim não fosse, a loja onde o Sr. trabalha, o espaço, a tal galeria, é a mesma agora que em 2002 quando o Sr. foi para lá?
(00:23:29) MM: Não.
(00:23:29 – 00:23:31) Mandatário Autora: Mudou… mudou o espaço? (00:23:31 – 00:23:34) MM: Aumentou… (…)
(00:23:40 – 00:23:47) Mandatário Autora: Muito bem. E aumentou depois de 2012 ou antes? (00:23:47 – 00:23:51) MM: Não, foi depois de 2002
(00:23:51 – 00:23:55) Mandatário Autora: Não, não. Não é depois de 2002. 2002 é quando o Sr. vai para lá.
(00:23:55) MM: Sim.
(00:23:55 – 00:24:00) Mandatário Autora: 2011… (vozes sobrepostas)… 2012… (00:24:00 – 00:24:01) MM: Não, foi antes.
(00:24:01 – 00:24:02) Mandatário Autora: Foi antes de o Sr. assinar o contrato?
(00:24:02 – 00:24:08) MM: Foi. Foi antes. (vozes sobrepostas) É uma loja, ou seja, não é… é uma parte alugada. (…)
(00:24:20 – 00:24:21) MM: Foi antes de 2012.»
XXXI.   Por conseguinte, resulta da prova produzida que o espaço físico onde funciona o estabelecimento comercial foi adaptado às suas necessidades e, portanto, assim sendo, tal como reconhece a doutrina, as fracções integram o âmbito mínimo ou necessário do estabelecimento comercial, pelo que aquando da transmissão do estabelecimento comercial por GG à sociedade, este transmitiu para a sociedade também o uso das lojas onde o estabelecimento comercial opera desde 1984.
XXXII. Em consequência dessa transmissão, a sociedade registou a sua sede no espaço físico do estabelecimento comercial, a partir de 01 de Março de 2012 passou a explorar o referido estabelecimento comercial, conforme resulta do Doc. 20 da Petição Inicial, tal como considerado pelo douto Tribunal na fundamentação de facto dos factos provados n.º 54 e 55, a sociedade passou a explorar o estabelecimento comercial que existia à data do decesso da FF.
XXXIII. O que também foi reconhecido pelo Recorrido DD, conforme referido no artigo 234.º das alegações, e resultou dos diversos depoimentos prestados, designadamente das Testemunhas PP, LL, CC, HH, transcritos no artigo 135.º das alegações que, por uma questão de economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
XXXIV.Por conseguinte, a fundamentação de facto da sentença, veja-se os factos provados n.º 54 e 55, a matéria de facto considerada provada, exposta nas alegações artigo 6.º a 73.º, e a prova produzia supramencionada, impõe a alteração dos factos provados n.º 54 e 55, já que não é correcto, nem rigoroso, afirmar que a sociedade foi instalada no mesmo espaço que ocupava a loja “B...”, pois o que de facto ocorreu foi o trespasse desse estabelecimento comercial para a sociedade, tendo, na sequência dessa transmissão, a sociedade registado a sua sede nesse local, prosseguindo com a exploração do referido estabelecimento comercial, adquirindo para o efeito todos os seus elementos; não se trata de realidades distintas, nem o estabelecimento comercial perdeu a sua identidade com a transmissão, existe é uma alteração do sujeito que explora o estabelecimento, alteração essa que operou através da transmissão de todos os elementos a título definitivo, o que aliás é evidenciado pela cronologia dos factos apresentada no artigo 48.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido.– Cfr. Factos provados n.º 11, 20, 21, 24,48 A 53,54 E 55 [com a alteração infra], 56,57 e 65
XXXV. Por conseguinte, face aos factos provados, fundamentação de facto e a prova produzida ora referida, a sentença impugnada deve ser substituída por outra nesta parte que considere provado:
54 – Aquando da constituição da firma, ora Ré, “A..., Unipessoal, L.da”, o GG transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “B...”, equipamentos, mercadoria, veículos automóveis, uso das lojas e a respetiva clientela.
55 – A sociedade unipessoal tem a sua sede, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupa o estabelecimento “B...”, e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo, de facto, o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal GG e FF.
XXXVI. No mais, resulta dos factos provados, fundamentação de facto e a prova produzida que GG transmitiu para a sociedade a globalidade do estabelecimento comercial, equipamentos, mercadorias, veículos automóveis, uso das lojas e respectiva clientela; comprovam essa transmissão, a venda dos veículos, aqui referido no ponto XXVIII das conclusões, e referido nos artigos 122.º a 123.º das alegações, a venda das mercadorias, constante do facto provado n.º 65 e dos documentos 23/1 e 23/2 juntos pelos Recorridos com o Requerimento Probatório, Ref.ª 28833485, o que foi confirmado pela Testemunha HH no seu depoimento, aqui referido em XXIX e transcrito no artigo 123.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, a clientela e trabalhadores, conforme resulta da fundamentação de facto da sentença, facto n.º 54 e 55, e dos depoimentos transcritos no artigo 136.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
XXXVII. Também resulta da prova produzida que os saldos iniciais de 2012 são os saldos finais de 2011, pelo que todo o activo e passivo transitou para a sociedade unipessoal e quanto ao aviamento é possível verificar nos documento juntos quem em 8 meses de actividade a sociedade unipessoal realizou venda no valor de €€533.749,70 e obteve um lucro fiscal de €23.777,89, corroborando que foi transmitido um estabelecimento comercial que já estava aviado, conforme anteriormente se referiu nos artigos 19.º a 24.º da alegações, o que foi confirmado pela Testemunha HH no seu depoimento. – Cfr. Doc. 11 e doc. 20 da petição inicial e factos provados n.º 52, 53, 56.
Ficheiro de Gravação 20230125095212_3576769_2870272 Audiência de 25/01/2023
«(00:12:00 – 00:12:11) HH: O início da contabilidade de 2012. Tem de se partir de algum… ou seja, os saldos iniciais de 2012 são os saldos finais de 2011. (…)
(00:16:19 – 00:16:25) HH: Ter em mercadorias 195.913,98 no final do ano.
(00:16:25 – 00:16:30) Mandatário Autora: No final do ano. Foi também esse valor com que veio a trabalhar mais tarde?
(00:16:30) HH: Exatamente. (…)
(00:16:35 – 00:16:57) HH: Se este… se este é o balance final, sim. Foram estes valores que entraram no estabelecimento do 140… do n.º 140. Portanto, foi através deste balance final aqui que se deu início à contabilidade em janeiro de 2012 do NIF 140.
(00:16:57 – 00:17:00) Mandatário Autora: Muito bem. O NIF 140 o queé? (00:17:00 – 00:17:03) HH: É o Sr. GG. (…)
(00:21:28 – 00:21:41) Mandatário Autora: Tudo certo e tudo dito e sem qualquer contraditório ou qualquer pergunta. Unicamente para demonstrar isto, isso que a Sotora acabou de dizer reflete-se na IES de 2012?
(00:21:41 – 00:21:49) HH: A IES de 2012 reflete a atividade de 8 meses… a atividade da empresa.
(00:21:49 – 00:22: 08) Mandatário Autora: Muito. E, por isso, a minha… e, por isso, a atividade da empresa que resulta daquilo… e aí agora a nova pergunta, que resulta do que acabou dizer, significa que entre março e dezembro vendeu 533 749, 70? (…)
(00:22:46 – 00:23:05) Mandatário Autora: E, por isso, diria esta empresa que já nos disse de onde vem, teve lucro líquidos depois de impostos de…de retirados os impostos e etc., como aqui está, de 23 777, 89.
(00:23:05) HH: Certo. (…)»
XXXVIII. Também a Recorrente e o seu irmão referiram em sede de depoimento que não assinaram qualquer documento, não tinham consentimento, nem consentiram na transmissão da globalidade do estabelecimento comercial, transcritos no artigo 146.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Ficheiro: 20220215155752_3576769_2870272 – Audiência de 15-02-2022
«01:25:38 Mandatário Autora – Muito bem. Sendo o estabelecimento GG, quando é que tem conhecimento. Dr.ª AA quando é que tem conhecimento que o estabelecimento GG passou para A..., Unipessoal e que o A... Unipessoal deixou ser o seu pai e passou a ser o seu sobrinho DD como sócio e como gerente, quando é que tem conhecimento disso?
01:26:10 Autora –Através da Dr.ª, que era na altura que tratava de questões do meu pai, Dr.ª QQ, que agora é juíza, creio em Lisboa, na altura trabalhava em Lisboa, tinha escritório lá perto. E soube. (…)
01:28:00 Autora – Dr.ª RR.
01:28:01 Mandatário Autora – Que lhe diz a partir disso vocês, digamos o estabelecimento já 01:28:09Autora–Vocês não são de facto donos de nada. No que respeita ao estabelecimento e depois mais tarde a seguir percebemos que não era só o estabelecimento, mas que também não tínhamos o espaço físico, as lojas.
01:28:46 Mandatário Autora – As lojas que eram do seu pai, também tinham sido vendidas. 01:28:48 Autora -Sim.
01:28:49Mandatário Autora –Essa pergunta, essas lojas já existiam antes do falecimento da sua mãe? 01:28:51 Autora – Sim. Claro, era onde nós estávamos.
01:28:55 Mandatário Autora – E diria, o seu pai vendeu-as também com a assinatura sozinho, sem vos, sem falar convosco, sem vocês saberem que essas lojas estavam a ser vendidas.
01:29:03 Autora – Sim, nós não sabíamos de facto, de todo. 01:29:06 Juiz – Mas a Sr.ª não sabia, não é?
01:29:08 Autora – Eu não sabia. Mas eu penso que o meu irmão também não sabia. (…)» Ficheiro: 20220221141551_3576769_2870272 – Audiência de 21-02-2022
(00:48:55 - 00:49:22) Mandatário da Autora – O seu pai fez uma sociedade. O senhor assinou algum documento ou esteve de acordo, ou fez alguma reunião com o seu pai e com a sua irmã para o negócio que vinha do tempo da sua mãe – o tal B..., passar para essa sociedade? Houve alguma concordância vossa que o seu pai passasse o centro dietético para essa sociedade? Nunca foram tidos nem achados nisso?
(00:49:22) CC –Não. (…)
(00:51:23 - 00:51:37) CC – Soube desse pormenor quando o pai faleceu. O Sr. Dr. II, já era um Dr. que o meu pai tinha cá e que realmente nos informou dessa situação.
(…)
(01:42:33 - 01:42:34) Mandatário Réus – Só soube em 2014? (01:42:34 - 01:42:36) CC – Sim»
XXXIX. Por conseguinte, resulta da prova produzida que existiu a transmissão da globalidade do estabelecimento comercial e que essa transmissão ocorreu sem a outorga de qualquer documento, pelo que a sentença ora impugnada deve ser alterada e substituída por outra que adite aos factos considerados provados um facto novo, passando a considerar provado que: (n.º 56) A transmissão da globalidade do estabelecimento comercial para a sociedade “A..., Unipessoal, L.da.” foi realizada somente por GG sem a outorga de qualquer documento escrito, com desconhecimento da Autora/Recorrente e do seu irmão CC e sem a sua intervenção ou consentimento.
XL. No mais, quanto ao direito, dá-se por integralmente reproduzido o exposto nos pontos VIII e XX das conclusões, melhor explanado nos artigos 41.º a 98.º das alegações.
XLI. Em consequência do referido, deve ser aditado o facto provado, referido no ponto XXXIX, e o facto não provado alínea b) deve ser eliminado, já que resulta da prova produzida em sede de audiência discussão e julgamento que a Recorrente e o seu irmão não tinham conhecimento que a globalidade do estabelecimento comercial foi transmitido para a sociedade, nem tiveram intervenção ou consentiram nessa transmissão.
XLII.    O Tribunal a quo considerou provado no facto n.º 62 que os filhos do Sr.GG (A Recorrente e o seu irmão CC), nunca demonstraram qualquer interesse ou aptidão em assegurar o futuro do negócio que aquele desenvolvia a titulo individual, a convicção do Tribunal assentou nas declarações de parte do Recorrido DD e nos depoimentos das testemunhas HH e MM, sendo que na sua fundamentação não indica o motivo pelo qual conferiu credibilidade aos aludidos depoimentos para dar como provado um facto essencialmente subjectivo e que não apresenta qualquer elemento objectivo de prova que corrobore o afirmado em sede de depoimento.
XLIII.   Desde logo, resulta dos factos provados que a Recorrente trabalhou para o aludido estabelecimento comercial durante 13 anos (Facto Provado n.º 57) e em sede de depoimento, transcrito nos artigos 158.º a 160.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, a mesma referiu que deixou a sua carreira de professora porque o seu pai lhe pediu ajuda, tinha a expectativa de continuar e contribuir com o negócio de família, o seu afastamento foi opção do progenitor e ficou com a expectativas defraudadas, pelo que, não corresponde à verdade afirmar que não tinha interesse em assegurar o futuro do negócio, nem tampouco que não tinha aptidão para o negócio, pois, quanto a esse facto não foi produzida prova, e resulta do depoimento da Recorrente que aquando da sua saída o seu progenitor sugeriu que ficasse responsável por outra ervanária, logo, não foi esse facto que fundamentou a sua saída, conforme resulta do depoimento transcrito no artigo 160.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
XLIV.Quando ao irmão da Recorrente, resulta dos factos provados que trabalhou durante 18 anos no estabelecimento comercial (Facto n.º 57), em sede de depoimento afirmou ter pretensão de vir a gerir o negócio de família, portanto, também o irmão da Recorrente revelou em sede de audiência de discussão e julgamento que tinha interesse em assegurar o negócio, conforme depoimento transcrito no artigo 163.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
XLV.    Quanto aos depoimentos considerados pelo douto Tribunal a quo, o Recorrido DD é parte directamente interessada nos presentes autos, pelo que tem interesse em apresentar motivos para a doação, conforme se verá infra, e, por outro lado, em sede de depoimento de parte referiu que o Avô doou-lhe a quota, o que não se concede, por ter interesse em que continuasse com o negócio, nada referiu relativamente à aptidão ou inaptidão da sua tia (aqui Recorrente) e progenitor (Testemunha CC) para o negócio, e quando, em sede declarações de parte, foi confrontado sobre os motivos da saída da sua tia referiu não saber, pelo que mais uma vez nada refere sobre a alegada aptidão ou inaptidão, conforme resulta do depoimento transcrito no artigo 168.º das alegações que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos efeitos legais, a competência da sua tia e do seu progenitor é uma opinião do Recorrido, interessado na causa e na manutenção da exploração do estabelecimento, que não encontra suporte em qualquer elemento objectivo de prova.
XLVI.   Relativamente à Testemunha HH, em sede de audiência e discussão e julgamento, referiu que é funcionário da sociedade unipessoal e “braço direito e esquerdo” do Recorrido DD, pelo que o seu depoimento não é isento, nem imparcial, além de que não é possível retirar do seu depoimento se os filhos tinham ou não aptidão para prosseguir com o negócio, inclusive a testemunha disse que não falava com o Sr. GG, conforme depoimentos transcritos nos artigos 171.º e 172.º das alegações que aqui se dão integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
XLVII.  Por fim, a Testemunha MM, refere que em relação à Recorrente nada refere e em relação ao referido sobre o irmão da Recorrente, assenta no “ouvi dizer”, não existem elementos objectivos de prova que corroborem o afirmado e é contrariado pelo depoimento da Testemunha LL que também trabalhou no estabelecimento comercial e menciona que nunca houve qualquer problema ao balcão, conforme resulta dos depoimentos transcritos nos artigos 174.º e 175.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
 XLVIII. Assim, por tudo o exposto, resulta da prova produzida que os filhos tinham interesse em assegurar o negócio do seu progenitor e relativamente à aptidão ou inaptidão dos filhos, não foi produzida prova objectiva sobre tal facto e os depoimentos indicados pelo Tribunal a quo não são isentos, nem imparciais, além de serem insuficientes, por conseguinte uma correcta apreciação da prova impõe que seja julgado não provado o facto n.º 62 e eliminado.
XLIX. Prosseguindo, o Tribunal a quo julga provado os factos n.º 63 e 66 e assenta a sua convicção no depoimento do Recorrido DD, e nas Testemunhas HH e MM, os quais, como se disse, por um lado face ao interesse na causa e, por outro, face à relação de dependência monetária e profissional, não apresentaram declarações isentas, nem imparciais, o que Tribunal a quo não podia ter ignorado na sua valoração, sendo certo que o Tribunal a quo não explanou os motivos pelos quais atribuiu credibilidade aos depoimentos para julgar provado os factos referidos.
L. Desde logo, quanto às declarações da Testemunha MM, este não prestou depoimento sobre a doação e quando confrontado se sabia dos acordos que existia entre o Sr. GG e o seu neto, referiu nada saber, conforme depoimento transcrito no artigo 182.º que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais, além de que o Tribunal a quo não explicita deque forma as venda se terem animado com o site online influiu na sua convicção para julgar como provado que o Sr. GG quis doar a quota ao neto, o que não resultou provado, nem foi produzida prova de que as vendas se tenham animado com o site.
LI. Tanto a Testemunha MM, como a Testemunha HH referiram que o site, embora tenha começado a ser preparado em finais de 2011, só foi lançado em 2013, pelo que não existe qualquer relação entre o site e a doação, já que se as vendas se animaram com site, tal só ocorreu depois da doação, conforme depoimentos transcritos no artigo 184.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Ficheiro de Gravação 20230125115043_3576769_2870272 – Audiência de 25-01-2023
«(...) (00:06:39 – 00:06:46) Mandatário Ré: Depois de 2012. Talvez em 2013, já aqui uma testemunha disse que foi em 2013. Mas começou a ser preparado antes?
(00:06:46) MM: Sim.»
Ficheiro de Gravação 20230125095212_3576769_2870272 – Audiência de 25-01-2023
(01:07:12–01:07:15) Mandatário Autora: O site, o site já existia antes da sociedade unipessoal? (01:07:14–01:07:18) HH: Não existia, foi lançado em 2013 (…)»
LII. Quanto ao depoimento da Testemunha HH, em relação à doação da quota, disse que não se podia manifestar quanto à intenção do Sr. GG de vender ou não a quota, portanto, o depoimento não é apto, nem suficiente para julgar provado que o Sr. GG quis doar a quota.
Ficheiro de Gravação 20220221162801_3576769_2870272 - Audiência de 21-02-2022
«(00:44:25–00:45:08)HH: Aquilo que foi dito a 14 de fevereiro é que dada… da a dimensão e dado os impostos corrigidos e dado isso tudo, a forma mais profissional de tornar o negócio seria a constituição de uma sociedade. E foi isso que o Sr. JJ fez. Como é que foi falada depois a doação entre o DD e o avô, foi falado entre eles, mas sim, ou seja, depois… inclusivamente, eu estive… estive na escritura da doação, ou antes, em que o avô… estive na escritura da doação em que o avô estava… estava consciente daquilo que estava a fazer, em doar a quota.
(00:45:08 – 00:45:22) Mandatário do Réu: Sim mas podia… poderia estar consciente de… de doar a quota e, no fundo, ser uma intenção encapotada que ninguém soubesse de venda da quota. A pergunta… (vozes sobrepostas)
(00:45:22 – 00:45:40) HH: Se tinha intenção ou não, não era visível. As intenções das pessoas… não sei… ou seja, não… não me posso manifestar…agora, que eu não ouvi o Sr. JJ a exigir dinheiro ao DD pelo negócio, não.»
LIII.Portanto, dos depoimentos considerados pelo Tribunal a quo não resulta que o Sr. GG tenha querido doar a quota ao neto e os depoimentos do Recorrente e da Testemunha HH, conforme se verá, são contraditórios e não merecem a credibilidade que lhes foi atribuída, além deque existem documentos nos presentes autos que contrariam os aludidos depoimentos e que não foram valorados pelo Tribunal a quo.
LIV.Ora, vejamos, em primeiro lugar, o Tribunal a quo não valorou a prova documental junta aos autos, já que, os Recorridos juntaram com a contestação o documento 16 que corresponde a três transferência bancárias, realizadas em 03/02/2014, 04/02/2014 e 27/06/2014, cujo designativo utilizado é “Devolução do Capital Social” “Devolução de Metade do Capital Social” e a Recorrente, no dia 20-02-2022, requereu a junção aos autos de três documentos, sob o n.º 17, 18 e 19, manuscritos e assinados pelo falecido Sr. GG, junção que foi deferida, e cuja letra foi confirmada pela Testemunha MM, transcrito no artigo 201.º das alegações, a assinatura, por sua vez, não foi impugnada e é confirmada em confronto com diversos documentos juntos pelos Recorridos (Cfr. Doc. 6 e 7, Doc. 3/15, 18/1 e 2/18 da contestação, cujo originais foram juntos em 07/07/2015, Requerimento com Ref.ª 2092339).
Ficheiro de Gravação 20230125115043_3576769_2870272 – Audiência de 25-01-2023
«(00:25:05–00:25:13) Mandatário Autora: O Sr. conhece…disse que trabalhou lá desde 2002, conhece a letra do Sr. GG?
(00:25:13 – 00:25:14) MM: Sim, conheço.
(00:25:14 – 00:25:42) Mandatário Autora: Eu pedia que fosse mostrado ao Tribunal os documentos juntos a 20de fevereiro de 2022 que tem aletra do Sr. GG. Que … impercetível…(silêncio) Doc. 17, 18 e 19 do requerimento de 20 de fevereiro de 2022.
(00:25:42 – 00:25:46) Juiz: Folhas 913 e 914. (…)
(00:27:07 – 00:27:10) Mandatário Autora: Claro. Mas na letra tem a certeza? (00:27:10 – 00:27:11) MM: Isto é a letra do Sr. JJ, sim. (00:27:11 – 00:27:12) Mandatário Autora: Muito obrigado Sotora.
(00:27:12 – 00:27:16) J: É tudo Sr. Dr.?
(00:27:16 – 00:27:17) Mandatário Autora: É tudo Sotora.» - Cfr. Documento n.º 16 junto com a contestação, cujo originais foram juntos em 07/07/2015, Requerimento com Ref.ª 2092339 e Requerimento com Ref.ª 41383822 e Despacho com Ref.ª 121941034.
LV. Resulta do documento junto pela Recorrente que o Sr. GG pede ao Recorrido DD o envio dos restantes 15.000,00 do capital social, ora se confrontarmos ambos os documentos e procedermos à soma das transferências efectuadas em 03/02/2014, 04/02/2014 e 27/06/2014, verificamos que as quantias transferidas com o designativo “Devolução do capital social” perfazem o total de €35.000,00 e, portanto, sendo o capital social de €50.000,00, a diferença corresponde ao montante que o Sr. GG refere que falta enviar – Cfr. Doc. 16, junto com Req./Ref.ª 209233 de 07/07/2015.
LVI. O que não podia deixar de ser valorado pelo Tribunal a quo, além de que o conteúdo do documento é corroborado por vários depoimentos, designadamente a Testemunha KK, MM, LL, HH e PP, transcrito no artigo 206.º, artigo 207.º e 209.º das alegações, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
LVII. Além do mais, apesar dos Recorridos terem retirado a confissão expressa feita no artigo 105.º do seu articulado, ao abrigo do disposto no artigo 465.º do CPC, o documento 16 continua a ter o designativo “Devolução de Capital”, pelo que o Tribunal a quo não podia deixar de apreciar, através das regras da experiência comum, que quando alguém preenche o descritivo numa transferência pretende transmitir uma mensagem ao seu destinatário, inclusive a Testemunha HH quando questionada sobre o motivo pelo qual foi utilizado esse descritivo referiu que o descritivo era uma forma de mandar “mensagens” ao Sr. GG:
Ficheiro de Gravação 20230125095212_3576769_2870272 – Audiência de 25/01/2023
«(…)(00:52:42–00:52:47) Mandatário Autora: A sôtora, então, e não disse ao DD, não podes fazer isto? Porque é que estás aqui a pôr isto?
(00:52:48–00:53:14) HH: Não pode, porquê? Podia ter lá escrito Avô só, podia não ter escrito nada. Uma transferência, a descrição numa transferência bancária, todos fazemos transferências bancárias, é uma descrição da transferência bancária é meramente indicativa, pode, e opcional, podia lá estar exclusivamente nada. Podia dizer bolinhos, podia dizer ovos de Aveiro, podia dizer sardinhas, podia dizer qualquer coisa
(00:53:14–00:53:16) Mandatário Autora: Mas quando diz alguma coisa, quer dizer alguma coisa. (00:53:17–00:53:24) HH: Sim, mas era uma forma de dizer ao senhor JJ, já não, a empresa já não te deve mais nada. (…)»
LVIII.   O Tribunal a quo não podia deixar de apreciar a contradição das justificações apresentadas para a utilização do designativo, quer pelo Recorrido DD, quer pela Testemunha HH, veja-se os depoimentos transcritos nos artigos 214.º, 215, 217.º e 218.º das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, se o descritivo foi utilizado para justificar as entregas de dinheiro sempre que o avô pedia, e por respeito, não podem estar em causa pagamento de mercadorias, como resulta da experiência comum; por outro lado, se as transferências efectuadas representam pagamentos de mercadorias, não foi apresentada qualquer justificação lógica e verosímil para fundamentar o motivo pelo qual ficou a constar do descritivo “Devolução de Capital Social”.
LIX. Acrescente-se que o lançamento contabilístico sendo o único elemento probatório, não é documento bastante para contrariar o referido, já que a devolução do capital era uma responsabilidade do Recorrido DD, como contrapartida da doação, e não da sociedade, pelo que sempre seria necessário justificar o encargo para efeitos contabilísticos, o que é do conhecimento do Recorrido DD, licenciado em gestão.
LX. O Tribunal a quo não podia deixar de apreciar que os documentos representam factos, ocorrências que ficam registadas com caracter de permanência, o que concatenado com a restante prova produzida nos presentes autos, designadamente os documentos juntos pela Recorrente, cujo conteúdo foi corroborado pelas Testemunhas e pelo próprio Doc. 16, as contradições e falta de coerência dos depoimentos do Recorrido DD e HH para justificar a utilização do designativo “Devolução do Capital”, revela existiu a devolução do capital social, o que, como não é possível, corresponde ao pagamento do capital social, tal como alegado pela Recorrente em sede de petição inicial,
LXI. Além da prova produzida supramencionada uma análise cronológica dos factos revela que a doação da quota da sociedade, que unicamente tinha como atividade a exploração do estabelecimento, é um acordo entre o Sr. GG e o seu neto de venda, e para no entender deles retirar o estabelecimento da herança da FF ou seja ficar de fora da partilha herança que a autora já estava a reivindicar.
LXII. O Recorrido DD sabia que o estabelecimento comercial existia à data do falecimento da sua avó, conforme depoimento transcrito no artigo 233.º das alegações, e que ao aceitar a doação da quota, a sociedade incluía o estabelecimento comercial que existia à data do decesso da sua avó, conforme depoimento transcrito no artigo 234.º das alegações, aliás é por esse motivo que em sede de declarações de parte refere, o que não se concede, que o avó lhe fez a doação porque era a única forma do “B...” continua, conforme depoimento transcrito no artigo 235.º das alegações que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos.
LXIII.   Também a Testemunha HH no seu depoimento confirmou que “debaixo” da quota estava o estabelecimento comercial e que o Recorrido DD sabia que o estabelecimento existia quando a avó era viva, pois ia para lá limpar prateleira, conforme depoimento transcrito no artigo 236.º das alegações.
LXIV.   Ora, a análise cronológica dos factos, melhor explanada nos artigos 238.ºa246.º das alegações, demonstra que, depois de retirar o estabelecimento comercial da herança para a sociedade, o Sr. GG, após ser confrontado com o pedido da filha em 23 de Maio de 2012 para fazer partilha da herança da sua falecida mãe, procedeu à transmissão da quota que denominou de doação, em 15 de Junho de 2012, da quota única da sociedade ao neto que sabia que a aceitação da doação da quota incluía o estabelecimento comercial que existia à data do decesso da Sra. FF, o que era do seu conhecimento.
LXV.    O que se pretendeu com a doação foi retirar essa quota da titularidade do Srº JJ, e, assim, no entender do alegado doador e donatário, retirar mais uma vez esse estabelecimento comercial da herança, de modo a impedir que fosse reclamado pela filha e pelos restantes herdeiros, conforme alegado no artigo 55.º e 59.º da petição inicial, assumindo o Recorrido como contrapartida a devolução do capital social de €50.000,00 e o pagamento das mercadorias pelo valor apurado pela Mm. ª Juiz, conforme se referiu nos artigos 189.º a 261.º das alegações, o que permite concluir que estamos perante uma simulação, ao abrigo do disposto no artigo 240.º do Código Civil.
LXVI.   Por conseguinte, a escritura de doação é falsa, já que as partes declararam que estava em causa uma doação quando na verdade pretenderam vender e comprar a quota, falsidade que deve ser declarada ao abrigo do disposto no artigo 372, n.º 1 e 347.º do Código Civil e artigo 446.º e 447.º do Código Civil.
LXVII.O Tribunal a quo não podia deixar de apreciar concatenando os factos provados e a prova produzida nos presentes autos, que o Sr. GG quis foi retirar aos filhos o direito legitimo que detinham em relação ao património que integrava a herança da sua falecida mãe, o que fez em claro prejuízo dos filhos, beneficiando o neto em detrimento dos restantes herdeiros, incluindo o irmão do Recorrido DD.
LXVIII. Tudo o que se expôs, nos pontos XLIX e LXVII das conclusões, e artigos 177.º a 261.º das alegações, impõe a substituição da sentença ora impugnada por outra que julgue não provado o facto n.º 63 e 66, os quais devem ser eliminados dos factos provados, que elimine dos factos não provados as alíneas c), d) e e) e, em consequência, adite aos factos provados os seguintes factos novos, com os números 62; 63, e 64:
62- GG e DD na escritura de doação declararam que estava em causa uma doação quando pretendiam a venda da quota, tendo como contrapartida a devolução do capital social no valor de €50.000,00 e o pagamento da mercadoria no valor de €229.475,75 (+IVA).
63- O donatário DD sabia que o estabelecimento comercial “B...” existia à data do falecimento de FF e que ao aceitar a doação da quota, a sociedade incluía o referido estabelecimento.
64- Este acordo de declaração de doação era uma venda que tinha como finalidade do doador e donatário retirar o estabelecimento comercial mais uma vez da herança para que não fosse reclamada pela filha e pelos restantes herdeiros, evitando a necessidade de consentimento na venda dos filhos e netos, beneficiando o neto DD em detrimento dos filhos e outros netos.
LXIX. Diga-se que actualmente não vigora no nosso sistema a quesitação atomística e sincopada de pontos de facto a que o Juiz deva dar resposta em sede de decisão final no elenco da matéria provada, como entende a jurisprudência, os factos considerados provados e não provados são os factos que resultem da instrução e expressem de forma mais rigorosa possível as ocorrências de factos, não se exige que tais factos sejam em rigor e semelhança os temas prova, logo, impunha-se ao Tribunal a quo que tivesse feito uma adequação dos factos provados à instrução da causa e, alterado, os factos provados n.º 54 e 55, aditando que a transmissão ocorreu sem a outorga de documentos, conforme alegados 46, 47, 48 e 49 da petição inicial, e que fosse eliminado dos factos não provados as alíneas c), d) e e) já que a sua redacção não correspondem com a prova produzida nos presentes autos.
LXX. Em suma, tendo em conta tudo o antecedentemente exposto, impugna a Recorrente a decisão relativa à matéria de facto n.º 51, 54 e 55; 62; 63 e 66 dos factos provados e alíneas a),b),c),d) e e) dos factos não provados, requerendo-se ao Tribunal ad quem a modificação da matéria de facto nos seguintes termos:
-O facto provado n.º 51 deve ser alterado, julgando-se provado que o estabelecimento comercial denominado “B...” prestava os seguintes serviços: consultas e naturopatia; julgando-se não provado na alínea a) os serviços de “osteopatia, homeopatia, acupunctura, shiatsu e mesoterapia”;
-Os factos provados n.º 54 e 55 devem ser alterados, passando a ter a seguinte redacção:
54 – Aquando da constituição da firma, ora Ré, “A..., Unipessoal, L.da”, o GG transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “B...”, equipamentos, mercadoria, veículos automóveis, uso das lojas e a respetiva clientela.
55 – A sociedade unipessoal tem a sua sede, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupava o estabelecimento “B...”, e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo, de facto, o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal GG e FF.
-Deve ser aditado aos factos provados:
56 –a transmissão da globalidade do estabelecimento comercial para a sociedade “A..., Unipessoal, L.da” foi realizada sem a outorga de qualquer documento escrito, com desconhecimento da Autora/Recorrente e do seu irmão CC e sem a sua intervenção e o seu consentimento.
-Deve julgar-se não provado o facto n.º 62.
-Deve julgar-se não provado os factos n.º 63 e 66;
-Devem ser eliminados dos factos não provados as alíneas c), d) e e);
-Em substituição dos factos provados n.º 63 e 66, devem ser aditados os seguintes factos aos factos considerados provados:
62- GG e DD na escritura de doação declararam que estava em causa uma doação quando pretendiam a venda da quota, tendo como contrapartida a devolução do capital social no valor de €50.000,00 e o pagamento da mercadoria no valor de€229.475,75 (+IVA).
63- O donatário DD sabia que o estabelecimento comercial “B...” existia à data do falecimento de FF e que aceitar a doação, a sociedade incluía o referido estabelecimento.
64- Este acordo de declaração de doação era uma venda que tinha como finalidade do doador e donatário retirar o estabelecimento comercial mais uma vez da herança para que não fosse reclamada pela filha e pelos restantes herdeiros, evitando a necessidade de consentimento na venda dos filhos e netos, beneficiando o neto DD em detrimento dos filhos e outros netos.
LXXI.   Pelo que deve passar a constar da matéria de facto, a matéria indicada no artigo 276.º das alegações, com nova numeração; na matéria dos factos não provados deve passar a constar a matéria indicada no artigo 277.º e devem ser eliminados o facto provado n.º 62 e dos factos não provados as alíneas b), c), d) e e).
LXXII.  De tudo que se expôs nos artigos 114.º a 275.º, deve a sentença ora impugnada ser substituída por outra, nos termos referidos no artigo 276.º e 280.º, e, em consequência, deve julgar-se procedente, além dos pedidos das alíneas d), e) e g), nos termos referidos nos artigos 6.º a 112.º e 121.º a 150.º, o pedido da alínea f) da petição, declarando a nulidade da escritura de doação outorgada em 15 de Junho de 2012 e exarada a fls. 43 a 44 do Livº 294 do 32/78 29 Cartório Notarial sito na Rua ..., em Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 240.º do CC, e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos sobre os bens objecto da dita escritura;
Concluiu, pedindo que o presente recurso seja recebido e julgado totalmente procedente, por provado, revogando a sentença na parte em julgou improcedente o pedido da alínea d) na parte em que não declara que o estabelecimento comercial denominado “B...” pertence à herança aberta por óbito de FF, al. e), f) e g) na parte em que não ordena o cancelamento de todos os registos que tenham sido efectuados sobre os bens objecto da escritura de 06 de Julho de 2012, substituindo-se por outra decisão nos termos melhor explanados nas alegações e conclusões do presente recurso.

8. Os Réus DD, A..., Unipessoal, Lda ofereceram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado e ampliaram o âmbito do recurso, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES DA AMPLIAÇÃO DE RECURSO
1. Refere o nº 1 do artigo 636º do CPC: “1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo        a necessidade da sua apreciação (…).
2. Precisamente, invocam e requerem os recorridos, prevenindo e sem conceder, a mera hipótese de serem acolhidos alguns argumentos factuais e fundamentos de Direito, deduzidos pela recorrente, a douta apreciação de fundamentos sobre matéria que consubstancia o respetivo decaimento. Ora, os recorridos não se conformam com as decisões contidas nas alíneas a) e b),da douta sentença proferida, razão pela qual, em sede de pedido de ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art.º 636º/CPC, requerem a V. Exas, a douta apreciação.
DA EXISTÊNCIA DE PROVA BASTANTE PARA UMA OUTRA APRECIAÇÃO E DECISÃO SOBRE CONCRETOS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO.
3. Ora se requer a V. Exas., nos termos do nº 2 do Artigo 636º/CPC, a douta apreciação sobre um conjunto de outros argumentos e fundamentos, conducentes a uma melhor decisão sobre concretos pontos da matéria de facto, não impugnados pela recorrente.
1.1–DA VERIFICAÇÃO DE UM ACORDO DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL / RATIFICAÇÃO
4. O Facto Provado nº 7, diz-nos: “A 27/06/2012, GG, por si e na qualidade de gestor de negócios de CC, AA e BB, retificou a Escritura de Habilitação e de Partilha referida nos nºs. 3 a 6 dos Factos Provados pela forma seguinte (…)”.
5. Para além dos subpontos a), b-1), b-2), todos do Facto provado nº 7, bem como do Facto Provado nº 8, um outro facto, também ele dado como assente – o Facto Provado nº 9 – diz-nos o seguinte:
“Facto Provado nº 9- O GG, por intermédio do seu advogado Senhor Dr. II, enviou, sob registo, a AA, a CC e a BB as cartas de fls. 275/277, de fls. 279/281 e de 283/285, respetivamente, todas datadas de 03/07/2012 e de igual teor, nas quais: a) lhes dá conta da escritura de retificação e seus termos, quer no que respeita à habilitação de herdeiros quer no que respeita à partilha; b) solicita resposta, num prazo breve, “a eventual aceitação e retificação, da sua parte, quanto aos atos praticados. Se a resposta for afirmativa, como naturalmente esperamos, ser-lhe-á de imediato endereçado uma minuta de declaração a fim de fazer o favor de preencher e devolver”.
6. Na fundamentação, o Tribunal a quo declara que os factos nºs 1 a 24 foram considerados assentes na audiência prévia com a anuência das partes; ou seja, com a anuência de todos as partes envolvidas, e em especial da recorrente, então A. nos autos. Acresce, diz a douta sentença: “(….) Temos, assim, para concluir a primeira questão posta: os herdeiros da FF não ratificaram a gestão de negócios feita pelo ora falecido GG na escritura de retificação da partilha de 27/06/2012 (fls. 267/271), pelo que esta tem de julgar-se ineficaz em relação a eles.”
7. Ora, os recorridos discordam desta conclusão, e por não se conformarem com a mesma, entendem submeter à apreciação de V. Exas., uma outra perspetiva sobre o tema e que, salvo melhor entendimento, conduz, necessariamente, a uma outra decisão.
8. Concorrem para esta alegação, os seguintes Factos Provados: 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 16, 29, 30, 58, 59, 60, 61, 64, e ainda,
A não concordância dos recorridos, face à matéria dada como não provada, constante das seguintes alíneas: f), g), h), e k).
Outros factos, novos, que devem ser aditados:
Da ratificação efetuada por AA e por CC
A.1) Do Acordo entre GG e os filhos AA e CC
9. Não há coincidências! Este tema, tem em redor um conjunto de elementos demonstrativos em se ter verificado um acordo entre AGT e os filhos AA e CC, por forma a proceder à partilha amigável de bens, pelo falecimento de FF.
10. Vejamos o doc. 9/junto com o requerimento de 13/04/2018 – em meados de maio de 2012, em representação da recorrente, o Dr. SS endereçou uma carta a GG convidando-o a comparecer no dia 23 de maio, pelas 11h30m, com o seguinte tema:
“(…) para conversarmos sobre assuntos do seu interesse, designadamente a escritura de habilitação de herdeiros e partilha de 28/05/2009, da qual não constam todos os herdeiros da sua falecida mulher.
A intenção é proceder amigavelmente e extra-judicialmente à correção de tal facto (…).”.
11. Acresce, o doc. 2/ junto com o requerimento de 3/03/2022 – uma carta, novamente endereçada pelo Dr. SS a AGT, em 23/5/2012, sob a epígrafe: Acordo de “Partilha”, com uma proposta formal para tal acordo contendo vários pontos:
−Entrega aos dois irmãos, AA e CC, do mesmo montante correspondente àquele que foi declarado como entregue ao BB (meio-irmão daqueles), por força da primeira partilha realizada em 28/05/2009 – Facto Provado nº 3.
−Repartição entre AGT e dois filhos, do valor de venda do apartamento que pertencia à herança – Factos Provados nºs 29, 30, 59, 60, e 61, sendo que se verifica erro nos Factos Provados nºs 59 e 60, porquanto as datas dos cheques (fls. 431 e 430), conforme doc. 7, junto com o requerimento de 07/07/2015, são datados de 25/7/2012, e não de 25 e 27/07/2008, como ali constam.
−Sugere que AGT fique (lhe seja adjudicado), todos os imóveis.
−Propõe que a sociedade e o estabelecimento comercial fiquem nas lojas por empréstimo (contrato de comodato).
−Alteração da configuração do modelo societário ficando AGT com 50% do total do capital social, e os filhos com 25% cada, com repartição trimestral por todos do excedente de lucros, e com a promessa de que a recorrente não desenvolverá qualquer tipo de atividade.
−Elaboração de lista de bens móveis com valor sentimental para repartição com os filhos.
−Propõe ainda que a recorrente prescinde de prestação de contas relativas à loja e às contas bancárias, desde a data do falecimento da Mãe.
12. Em suma, a recorrente apresentou um conjunto de pontos, ao seu pai, para firmarem um acordo amigável de partilha. O irmão da recorrente, confirmou ter tido conhecimento das conversações sobre o tema do acordo amigável de partilha.
“Sessão de 15 de fevereiro de 2022:
Mandatário dos Réus [00:34:38]O que é que o senhor sabe?
CC [00:34:39] Sei que ela estava a tentar repor algumas coisas da partilha, precisamente aqui da minha mãe. Mandatário dos Réus [00:34:45] Então, sabe que a sua irmã foi pedir ao seu pai a partilha?
CC [00:34:48] Sim, sim.
Mandatário dos Réus [00:34:51] Também sabe que não foi diretamente que ela o fez?
CC - [00:34:53] Sim.”
13. Também DD, confirma a existência de um acordo de partilha, extrajudicial, que, aliás o seu avô lhe contara, confidenciando alguns pormenores do mesmo.
“Sessão de 15 de fevereiro de 2022:
Mandatário dos Réus [00:07:52] Teve conhecimento de que o seu avô e os filhos ou o seu pai e a sua tia efetuaram um acordo de partilha de bens da herança da sua avó.
DD [00:08:10] Tive.
Mandatário dos Réus [00:08:11] Como é que teve… esse acordo acompanhou esse processo? O que é que se passou?
Mandatário dos Réus [00:08:37] O seu avô… desculpe interrompê-lo, o seu avô disse-lhe que tinha havido um acordo?
DD [00:08:39] O meu avô disse-me que tinha havido um acordo.
Mandatário dos Réus [00:08:41] Sim, um acordo de partilha com os filhos.
DD [00:08:41] Com os filhos. Mandatário dos Réus [00:08:44] A sua tia e o seu pai.
DD [00:08:45] Certo. E a minha mãe depois falou comigo sobre isso porque… na altura o meu pai não tinha computador e a minha tia reencaminhou um e-mail do Dr. TT… do Dr. SS para a minha mãe mostrar ao meu pai.
Mandatário dos Réus [00:09:04] Esse acordo foi em que data, em que altura, mais ou menos?
DD [00:09:08] Final de Julho de 2012, creio eu. Mandatário dos Réus [00:09:11] Final de Julho de 2012. Ou seja, sabe os termos do acordo? Falou como seu avô sobre isso?
DD [00:09:19] Sei que foi considerada uma partilha amigável e extrajudicial, sei também que foram passados mais uma vez cheques de algumas quantias ao meu pai e à minha tia. Uma das que me recordo são os 28 mil euros por causa de uma fração que tinha tido o valor de 84 mil euros. Eles fizeram as divisões, portanto, pelo menos aí.
Mandatário dos Réus [00:09:44] Portanto foram, quer dizer andaram a fazer essa partilha que no fundo foi executada entre 2011 e 2012, é isso?
DD [00:09:53] Sim.
Mandatário dos Réus [00:09:54] Com a conclusão em julho…
DD [00:09:55] Houve uma conclusão em julho de 2012.
Mandatário dos Réus [00:10:30] E sabe que houve transferências para eles?
DD [00:10:32] Sei que houve transferências, não sei em que propósito ou em que âmbito, mas, face às quantias de que estamos a falar, parto do pressuposto que sejam valores que o meu avô quisesse ir dando aos filhos.
Mandatário dos Réus [00:10:44] Que quantias é que estamos a falar? Tem ideia mais ou menos o que é que foi pago?
DD [00:10:47] Para a minha tia sei que, pelo menos, foram 300 mil euros.
Mandatário dos Réus [00:10:50] E para o seu pai?
DD [00:10:51] E para o meu pai pelo menos 200 mil euros estavam numa conta titulada por ele.
Mandatário dos Réus [00:10:55] Como é que o DD tinha conhecimento? Porque o seu avô lhe dizia que tinha feito essas transferências ou porque via?
DD [00:11:01] Sim, o meu avô ia falando comigo sobre isso.
Mandatário dos Réus [00:11:02] Certo. Portanto aquilo que o seu avô lhe disse foi que tinham chegado a um acordo de partilha de bens com a sua tia e com o seu pai.
DD [00:11:09] Sim.
Mandatário dos Réus [00:11:15] Com o seu pai falou?
DD [00:11:15] Com o meu pai falei, sim. Mandatário dos Réus [00:11:17] Falou. Olhe, sabe-me dizer também… Juíza [00:11:22] Desculpe, só uma questão, isto tudo que o senhor está a dizer é porque lhe disse o seu avô? Alguma vez viu os papeis das transferências, alguma vez viu documentos?
DD [00:11:30] Sim. Sim, porque pela relação que tinha com o meu avô, ou ele me dava acesso aos cheques ou pedia para guardar os cheques. Portanto havia uma relação muito próxima comigo e com o meu avô.
Juíza [00:11:42] Portanto o que o senhor aqui diz é que para a sua tia foram transferidos, pelo menos, 300 mil euros e para o seu pai 200 mil, é isso?
DD [00:11:47] Sim. Mandatário dos Réus [00:11:49] Que saiba!
DD [00:11:50] Que saiba, certo. Foi que eu tive acesso. Está a incluir esses… esses 28 mil euros que falou…
DD [00:11:57] Não, mais os 28 mil euros. Mandatário dos Réus [00:11:58] Por conta da venda da fração.
DD [00:12:00] Certo. Uma fração que eu já nem sequer sei qual é que é.
Mandatário dos Réus – [00:12:03] É ou não é verdade que, também nos termos desse acordo que foi alcançado, os filhos poderiam retirar bens da avó, de casa dos avós…
DD [00:12:12] Certo, sentimentais. Mandatário dos Réus [00:12:14] … sentimentais.
DD [00:12:15] Mesmo que fossem sentimentais poderiam retirar de casa do meu avô.
Mandatário dos Réus [00:12:18] Também fez parte…
DD [00:12:19] Fez parte do acordo, sim. “.
14. Não obstante a recorrente e o irmão, terem declarado não se ter verificado acordo, a verdade é que o recorrido DD, confirma a existência do mesmo; acresce, os dois irmãos, principais interessados em negar qualquer tipo de acordo e/ou partilha, também foram os únicos a trazer a Tribunal a versão de que a recorrente recebera € 200.000,00 (duzentos mil euros), em finais de setembro de 2011, como compensação por sair da loja, alegação que não tem nem teve qualquer tipo de prova a suportá-la.
15. Refere o Tribunal a quo: “(…) Mas as declarações do DD, só por si, não são suficientes para se poder concluir, com razoável certeza, ter sido realizada uma partilha extrajudicial (…)” – Ora, já sabemos que os dois irmãos se apresentaram com narrativas coincidentes, negando a partilha. Mas também são os mesmos, não obstante a prova, que continuavam a afirmar ter tido conhecimento da constituição de uma sociedade apenas em 2014, e de afirmarem desconhecer a doação da quota em junho de 2012.
16. O documento nº 14, junto com o requerimento de 20/02/2022, apresentado pela recorrente, dá conta de duas comunicações essenciais e absolutamente esclarecedoras.     A primeira, datada de 25/07/2012, consubstancia um e-mail endereçado pelo Dr. SS, à sua constituinte – a recorrente, dando conta do seguinte: Com o objetivo de encerrar a negociação, refere ter enviado ao colega II, uma comunicação com o objetivo de encerrar a negociação (da partilha, leia-se), “e diminuir a possibilidade de ele pedir agora documentos assinados. A vossa posição fica mais porte para o futuro se nada assinarem” – O Dr. SS refere-se à posição da recorrente e do irmão.
17. Em seguida, no ponto nº 2 da referida comunicação, o Dr. SS refere – em matéria de contas de honorários – que “(…) numa partilha amigável é tido em conta sobretudo uma percentagem do montante recebido. Acresce que neste caso a estratégia definida por mim teve um forte efeito de pressão sem a qual o vosso pai não teria feito acordo tão rápido”. – Ora, o Dr. SS invoca no caso que teve em mãos e cuja cliente fora a recorrente – partilha amigável e extrajudicial por morte da mãe daquela – normalmente, como o próprio explica, cobra-se a título de honorários uma percentagem sobre o montante recebido pelos clientes. Mais acrescenta que a estratégia por si esboçada foi essencial, segundo considerou, para alcançar um acordo tão rápido!
18. Não só, o Ilustre Advogado refere ter-se alcançado um acordo para uma partilha amigável, como explica a influência da sua estratégia para a obtenção do mesmo de forma rápida. Acresce, explica ainda o Ilustre Advogado, que para partilhas amigáveis – como foi o caso – os colegas de profissão em Aveiro cobram a título de honorários um mínimo de 5% a 15% do valor recebido pelo cliente. Explica ainda, à recorrente, o valor que esta (com o irmão CC ou não), deve pagar de honorários, um valor de € 3.500,00 mais IVA, com base no que receberam os herdeiros com tal partilha amigável.
19. A verdade é que a comunicação em apreço refere ter a recorrente recebido do pai, um montante acima de € 90.921,53 – valor recebido pelo irmão BB – bem com 1/3 da venda do apartamento (fração U). Ora, tais termos correspondem àqueles que foram propostos pelo Dr. SS, em nome da recorrente, na carta endereçada a AGT – vide doc. 2/ junto com o requerimento de 3/03/2022,
20. Recordemos os termos propostos em 23/5/2012, na carta que tinha como epígrafe: “Acordo de Partilha”: Entrega aos dois irmãos, AA e CC, do mesmo montante correspondente àquele que foi declarado como entregue ao BB (meio-irmão daqueles), por força da primeira partilha realizada em 28/05/2009 – Facto Provado nº 3. – A comunicação do Dr. SS informa que receberam um determinado montante, sem, contudo, especificar.
o Repartição entre AGT e dois filhos, do valor de venda do apartamento que pertencia à herança – Factos Provados nºs 29, 30, 59, 60, e 61, sendo que se verifica erro nos Factos Provados nºs 59 e 60, porquanto as datas dos cheques (fls. 431 e 430), conforme doc. 7, junto com o requerimento de 07/07/2015, são datados de 25/7/2012, e não de 25 e 27/07/2008, como ali constam. – Este ponto em concreto encontra-se dado como provado!
o Sugere que AGT fique (lhe seja adjudicado), todos os imóveis. – Com a escritura de retificação da partilha de 2009, a verdade é que AGT adjudicou para si todos os imóveis que integravam a herança – Factos Provados nº 7.
o Propõe que a sociedade e o estabelecimento comercial fiquem nas lojas por empréstimo (contrato de comodato). – Não se verificou qualquer tipo de contrato, mas a verdade é que as lojas continuaram instaladas nas frações de que AGT era proprietário.
o Alteração da configuração do modelo societário ficando AGT com 50% do total do capital social, e os filhos com 25% cada, com repartição trimestral por todos do excedente de lucros, e com a promessa de que a recorrente não desenvolverá qualquer tipo de atividade. – Não cumprido por força da eventual recusa de AGT, considerando que doa a quota única da sociedade, um mês depois ao neto DD. Contudo, demonstra que AA e CC tinham conhecimento do modelo societário, querendo até participar nele, sendo irónico que venham agora, classificar como «trespasse» ou transmissão.
o Elaboração de lista de bens móveis com valor sentimental para repartição com os filhos. – O recorrido DD confirma este facto, que refere ter-se concretizado.
o Propõe ainda que a recorrente prescinde de prestação de contas relativas à loja e às contas bancárias, desde a data do falecimento da Mãe. – A recorrente nunca prescindiu de pedir dinheiro ao pai; assim como o irmão desta, CC. Não se afigura que este ponto tenha sido cumprido!
21. Pelo que, a partir da comunicação em apreço a verdade é que não se conheceram até ao falecimento de AGT, mais cartas escritas, mais reclamações, mais pedidos de dinheiro, mais ameaças e solicitações de partilhas – o acordo pela partilha dos bens pelo falecimento de FF foi alcançado, não só relativamente a tudo o que já fora partilhado, como também para disposições futuras.
22. Será também essencial, que por força de e-mail endereçado pelo Dr. SS ao Signatário, na qualidade de representantes da recorrente e dos recorridos, respetivamente, informou aquele que a negociação chegava ao fim, pelo facto dos clientes terem chegado a acordo e até já estarem a executá-lo! – Doc. 14/fls. 2, junto pela recorrente com o requerimento de 20/02/2022, sob a referência nº 12632021.
23. Caso não tivessem ficado satisfeitos, a verdade é que a recorrente e o irmão nada fizeram para contrariar a situação factual e a realidade jurídica com que foram confrontados. Não consta sequer que tenham requerido inventário dos bens da falecida mãe, FF. Pelo que, não temos qualquer dúvida em afirmar que se verificou uma partilha de bens, ratificando a escritura de retificação, de 27-06-2012, nos termos que negociaram.
24. Acresce, após o período de tempo, em que a recorrente iniciou as fortes pressões sobre o seu pai, com a constituição de um advogado para se fazer representar, mais as ameaças de queixas criminais e outras, a verdade é que se regista que os dois irmãos receberam avultadas quantias de dinheiro oriundas de AGT. Os dois irmãos, AA e CC, surgiram em Tribunal com uma nova narrativa acerca da venda da fração ‘U’ – A fração em si, foi vendida e o valor da venda, de € 84.000,00, foi repartida em três – tal como o Dr. SS havia proposto na sua comunicação supra – resultando um montante de € 28.000,00 para AGT, para a recorrente e para o irmão desta, aliás conforme com os Factos Provados 59 a 61.
25. Em sede de réplica, a recorrente admitiu ter participado na escritura de venda – vide artigos 39º e 40º - requerimento de 4/11/2015 – embora tenham surgido em Tribunal com uma nova tese de que teria sido AGT a entregar a cada um dos irmãos, um cheque de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros) – ora, após terem confirmado a participação, alteravam agora a história sem, contudo, provar que assim tinha sido, como lhes competia.
26. Finalmente, importa verificar os valores recebidos pelos irmãos, sendo certo que os Factos Provados nº 58 e 59 se afiguram insuficientes para a apreciação devida. Contudo, nos autos, junto com a contestação – doc. 5/1 – entrou na conta nº ..., titulada por CC, em 20/09/2011, o montante de € 203.552,12, oriundo da conta bancária titulada pela recorrente.
27. A testemunha PP declarou que estas contas bancárias, co tituladas entre os dois filhos e AGT, serviam para transferirem uns para os outros, os dinheiros que este entendia. Ora, reiteramos a frase com que iniciámos a abordagem ao tema: não há coincidências. Acresce, não foi possível descortinar a quem se destinou a transferência ocorrida em 8/9/2011, no valor de € 100.000,00 – doc. 5/2 – contestação. Contudo, sabemos ter a recorrente recebido mais € 200.000,00 (duzentos mil euros), que esta e o irmão, declararam ser a título de compensação laboral pela recorrente ter deixado a loja – contudo, a verdade é que competia à recorrente fazer prova de tal justificação, o que não ocorreu, sendo as declarações desta, claramente insuficientes para comprovar tal alegado facto.
28. Aliás, recorde-se ter o Tribunal a quo também considerado as declarações de DD, como insuficientes para dar como assente o facto de se ter verificado um acordo amigável de partilha, assim como a resposta titubeante de CC, não oferece grande auxílio à tese da irmã; não se verifica mais nenhuma testemunha que confirme tal tese, nem se encontra nenhum registo documental sobre tal tema.
29. Assim sendo, afigura-se claro, salvo melhor entendimento, terem os irmãos – tal como AGT sempre dissera de que já teriam recebido muitas doações em vida – a verdade é que entre setembro de 2011 a julho de 2012, o processo de negociações da partilha de bens pelo falecimento de FF, gerou para os bolsos da recorrente e do irmão, um valor acima de meio milhão de euros, a saber:
−€ 25.000,00 – cheque de 1/10/2011. − € 25.000,00 – cheque de 11/10/2011. − € 50.000,00 – cheque de 18/10/2011.
−€ 100.000,00 – cheque de 30/12/2011, todos de fls. 1012 e 1077 v./1079 −       € 28.000,00 – cheque de 25/07/2012 para CC – doc. 7/contestação.
−€ 28.000,00 – cheque de 27/07/2012 para AA – doc. 7/2/contestação.
30. E ainda, outros números e valores
−€ 100.000,00 – sai da conta de CC, em 8/9/2011 – doc. 5/2 –contestação.
−€ 203.552,12 - entrou na conta nº ..., de CC, em 20/09/2011-   doc. 5/1 – contestação.
−€ 200.000,00 – A recorrente confessa nos autos ter recebido tal valor por intermédio de dois únicos cheques, a partir de finais de setembro de 2011; declara também, ter recebido em finais de 2011, início de 2012.
31. A recorrente e o irmão, pressionaram o pai de ambos para proceder às partilhas de bens pelo falecimento da mãe, FF. Desde setembro de 2011, independentemente das arrojadas justificações – sem prova – que a recorrente e o irmão tentem fazer, a verdade é que ambos receberam nas respetivas contas bancárias, valores consideráveis. Desses montantes, acima descritos e elencados, a recorrente e o irmão reconheceram alguns, dando origem aos Factos Provados acima indicados.
32. Outros valores, entraram na conta de CC, sem que este tenha querido justificar; bem como o valor de € 200.000,00, que a recorrente invoca a título de compensação, mas que recebeu. Ora, tal como o Dr. SS afirma na carta que envia à recorrente, a verdade é que a pressão exercida sobre AGT como estratégia sua, conduz ao possível acordo para fecho do tema partilha, o que ocorre em finais de julho de 2012 (documento nº 14, junto com o requerimento de 20/02/2022). E que possível acordo foi esse? Juntar a verba de € 56.000,00, a repartir pelos irmãos -Facto Provado n 59 e 60, aos valores que já tinham recebido, para além da lista de bens de estimação que deveriam ficar para cada um dos irmãos.
33. A partilha ficou resolvida com o acordo e a ratificação da escritura de retificação de junho de 2012. Não há um único ato, documento, carta, reclamação, conversa, entre outros meios possíveis que demonstre que o assunto não ficou resolvido. Vieram reclamar mais, sim, com os presentes autos, mas já na sequência do falecimento do pai, em dezembro de 2014. A verdade é que, entre julho de 2012 e dezembro de 2014, reinou a paz por força do acordo amigável de partilha e da ratificação concretizada.
34. Tal facto, é também, confirmado por quem viveu de perto os acontecimentos, como a ex-mulher de CC, mãe do recorrido DD:
“Sessão de 25 de janeiro de 2023:
UU [00:02:47] Sim.
UU [00:02:54] … foi um processo devidamente complexo por causa das questões do dinheiro. Sei que já na altura a questão estava no advogado aqui presente, o Dr. SS. E lembro-me também, porque, entretanto, a ver se não me falha a memória porque são muitos anos, entretanto, o pai do DD não acedia ao computador, nem sabia, não tinha e-mail e, portanto, era eu que recebia os e-mails da minha então cunhada e, portanto, as trocas que eram feitas. E, portanto, o que eu me lembro, nessa altura, duas coisas importantes: uma, que recebi um e-mail que não era para mim, era para ela, mas que ela reencaminhou para o meu ex-marido. Mandatário dos Réus [00:03:39] Quando diz “ela”, está a referir-se à Autora, à…
UU [00:03:41] Estou a referir-me…
 Mandatário dos Réus [00:03:42] … Dr.ª AA?
UU [00:03:42] … à Autora, exatamente. E onde é referido que o caso estava resolvido. Portanto, que o Dr. SS até fala lá em valores que ela lhe deveria pagar, portanto, a pessoa que está aqui atrás, que ela lhe deveria pagar. Inclusivamente, eu tenho ali os e-mails, se for servir de prova. Mandatário dos Réus [00:03:57] Eu já [incompreensível]
UU [00:03:58] Ok. Pronto. E que, de facto, o assunto estava resolvido e não havia mais nada a fazer porque estava tudo tratado com o GG.
UU [00:04:14] As conversas não eram muito grandes, mas eram algumas. Lembro-me que em julho desse ano, e lembro-me precisamente da data porque foi antes de irmos de férias e eu já não tinha vontade disso, só que eu já as tinha pago, porque houve uma reunião com os dois filhos… dos dois filhos com o pai, não é, e que o pai terá acedido ao que eles queriam. E eu, quando ele chegou a casa, antes do jantar, eu perguntei: “Então, resolveram tudo? Está tudo em ordem?”. Ao que ele me respondeu: “Está tudo em ordem. O velhote também me deu um cheque, mas este cheque é meu. O dinheiro é só meu”. E, na altura, eu fiquei obviamente chocada.
Mandatário dos Réus [00:04:54] Recorda-se do valor?
UU [00:04:56] Eu acho que eram 28.000, mas não tenho a certeza, Dr.
Mandatário dos Réus [00:07:12] E o que é que ouvia sobre essas conversas, recorda-se?
UU [00:07:15] Ouvia muito pouco, mas percebia que havia um grande interesse nas questões económicas porque era só o dinheiro que estava em causa. Lembro-me que, na altura, a minha ex-cunhada, não sei se foi nessa… à época, até deixou de falar com o pai porque queria o dinheiro. E a partir do momento em que o pai lhe deu o dinheiro, ela passou a ser toda meiguices com o pai. Isso eu tenho a prova, lembro-me perfeitamente de ter visto. Prova, não é uma prova, mas lembro-me.”.
OUTROS CONCRETOS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO
Do Facto Provado nº 47
35. “47-À data do falecimento da FF, existiam os seguintes depósitos bancários de que era titular o casal constituído pelo GG e pela FF em conjunto ou em contas individuais, no total de € 992.921,19: (…)”.
36. Ora, verifica-se nos autos prova documental bastante para declarar como co -titulares de algumas das contas bancárias abertas por AGT, os filhos AA e CC, para além da mãe de ambos. Assim, desde logo,
Banco 1... com as seguintes contas: ... – co- titulada por CC com AGT ... – co- titulada por AA com AGT ... – co- titulada por CC com AGT ... – co- titulada por CC com AGT
Banco 2... com as seguintes contas: ... – co- titulada por AA com AGT ... – co- titulada por AA com AGT
Banco 3... com as seguintes contas: ... – conta co- titulada por CC com AGT
37. Pelo que se impõe a alteração ao teor do Facto Provado nº 47 nos seguintes termos:
“47-À data do falecimento da FF, existiam os seguintes depósitos bancários de que era titular o casal constituído pelo GG e pela FF em conjunto, ou em contas individuais, ou ainda em contas co tituladas com os filhos de ambos, AA e CC, no total de € 992.921,19: (…)”.
Do Facto Provado nº 49
38. “49- À data do decesso da FF, este estabelecimento comercial era integrado pelos bens constantes do artigo 27.º da petição inicial, com exceção dos identificados nas alíneas h) e k) a s).”.
39. Os recorridos não se conformam, parcialmente, com a decisão relativa a esta matéria, porquanto não há prova alguma de que as viaturas pessoais de GG e de FF, se encontrassem afetos à loja,
40. Razão pela qual se impõe a alteração ao teor do Facto Provado nos seguintes termos:
“49- À data do decesso da FF, este estabelecimento comercial era integrado pelos bens constantes do artigo 27.º da petição inicial, com exceção dos identificados nas alíneas h, k) a s), v) e w).”.
Do Facto Provado nº 56
41. “56-Com base no balancete à data de 31/12/2008: O valor próprio do estabelecimento era, nessa data, de € 287.326,27; (…)”.
42. Não é possível apontar o valor indicado na alínea a) como sendo o valor próprio do estabelecimento, à data em questão. Na realidade, dir-se-á que o valor de € 287.326,27, corresponde aos resultados contabilísticos da atividade de AGT que, para todos os efeitos, também ficou demonstrado pela perícia ser uma contabilidade pouco rigorosa.
43. A verdade é que no relatório pericial, a fls.736/745, não consta qualquer apuramento de valores referentes ao estabelecimento como um todo.
44. Pelo que, deve o teor da alínea a) do Facto Provado nº 56, passar a ter a seguinte redação: “56-Com base no balancete à data de 31/12/2008:
b) Os resultados contabilísticos acumulados da atividade de AGT eram, nessa data de € 287.326,27; “.
Do facto não provado – Alínea f)
45. A Alínea f) refere o seguinte: “CC recebeu, a 08/09/2011, do pai a quantia de € 100.000,00;”.
46. Por força do documento nº 5/fls.2, junto com a contestação apresentada, dir-se-á que CC, como primeiro titular que era da conta em referência com o nº ..., do Banco 1..., detinha até essa data, o valor de € 100.000,00 em saldo que refletia um depósito do pai.
47. Como igualmente, entrou na conta bancária com o nº ..., em 20/9/2011, o montante de € 203.552,12 – doc. 5/fls.1 – contestação.
48. Assim sendo, a alínea f) deve ser eliminada!
Do Facto Provado nº 60
49. Dir-se-á dever constar do Facto Provado nº 60, a entrada na conta bancária com o nº ..., titulada em primeiro lugar por CC, em 20/9/2011, do montante de € 203.552,12 – doc. 5/fls.1 – contestação – transferida da conta co -titulada pela recorrente e pelo pai.
50. Ora, já tivemos a oportunidade de referir encontrar-se a data constante do Facto Provado nº 60, errada.
51. Na realidade, a data correta do depósito efetuado sob o montante descrito de € 28.000,00, é 25/7/2012, de acordo com o doc. 7/junto com a contestação.
52. Por outro, não é o único recebimento de CC, face a valores oriundos do Pai, pelo que se propõe a alteração do teor do facto com os seguintes termos:
“60- CC recebeu de GG, através do cheque, a quantia de € 28.000,00, a 25/07/2012 – fls. 430.”, bem como foi depositada na conta nº ..., titulada em primeiro lugar por CC, em 20/9/2011, o montante de € 203.552,12 – doc. 5/fls.1 – contestação.
Dos factos não provados – Alínea h) e k)
53. “Alínea h): os valores referidos em 58 e 59 dos Factos Provados foram entregues no âmbito desse acordo, havido entre o GG e os filhos AA e CC para fechar a partilha extrajudicial dos bens deixados por óbito da FF.”.(…)
Alínea k): A A. e o irmão CC ratificaram a escritura de retificação.”.
54. Considerando o exposto neste concreto capítulo sobre o tema, reiteramos todos os argumentos factuais e fundamentos de Direito já expostos, e que, naturalmente em consequência, conduzem à proposta de eliminação da alínea h), convertendo-a como Facto Provado com o nº 67, em aditamento.
55. Inevitavelmente, pelo exposto, propomos a eliminação da alínea k) dos factos não provados, convertendo-se em novo Facto Provado nº 68, em aditamento.
Assim:
56. Facto Provado nº 67: os valores referidos em 58 e 59 dos Factos Provados foram entregues no âmbito desse acordo, havido entre o GG e os filhos AA e CC para fechar a partilha extrajudicial dos bens deixados por óbito da FF.”.
57. Facto Provado nº 68: A A. e o irmão CC ratificaram a escritura de retificação, em consequência do acordo assente em 67.
DA INTERPRETAÇÃO ERRÓNEA E SUBSUNÇÃO DO DIREITO APLICÁVEL AOS FACTOS PROVADOS
2.1 Do acordo e da presunção de consentimento
58. Refere a douta sentença: “Não está provado que a gestão tenha sido ratificada pelos gestidos. Se não foi ratificada, “é ineficaz em relação ao dominus”, isto é, aos gestidos. Se é ineficaz, a retificação feita não produz quaisquer efeitos em relação aos gestidos. Falta-lhe um fator extrínseco (a ratificação) que a impede de produzir efeitos”.(...)
“Consequências da ineficácia é o impedimento de produção de efeitos do ato – no caso, a partilha feita através da escritura de retificação.(…)
Temos, assim, para concluir a primeira questão posta: os herdeiros da FF não ratificaram a gestão de negócios feita pelo ora falecido GG na escritura de retificação da partilha de 27/06/2012 (fls. 267/271), pelo que esta tem de julgar-se ineficaz em relação a eles.”.
59. Ora, considerando já termos chegado à conclusão quanto à verificação de um acordo amigável de partilha de bens da herança de FF, ora se conclui, pela ratificação da mesma.
60. Os filhos de AGT, AA e CC, acordaram com o Pai, uma forma de partilha de determinados bens, que venderam por escritura pública de compra e venda, como é o caso da fração ‘U’, Factos Provados 58 a 61, repartindo entre si, em partes iguais, o resultado da venda. Acordaram o levantamento de bens de estima, pertencentes a FF, tal como referiu DD; Acordaram com a adjudicação das frações a GG (daí também as tornas).
61. A verdade, após o anúncio formal pelo Dr. SS, de um acordo de partilha, não mais os irmãos requereram e/ou reclamaram por partilhas adicionais. Nem requereram inventário. Nem propuseram eventuais retificações, sempre passíveis de ocorrer, face ao teor da escritura de partilha, realizada em 27/06/2012, e ainda a manifestação expressa de uma eventual discordância quanto aos bens ali descriminados.
62. Pelo que, também não se conhecem cartas, comunicações, propostas de reuniões, entre outros atos possíveis, por parte de AA e CC, relativamente a AGT, como forma de provocar novas discussões sobre futuras partilhas. Tudo acabou em bem, diga-se! Até porque não era possível saber aos filhos que AGT iria falecer apenas dois anos depois. Tal releva um consentimento de todos, em especial, pelos filhos, face às soluções encontradas.
63. Ora, se assim é como se defende, então, verificada está a ratificação da partilha de bens, realizada em 27/06/2012, enquadrando-se pela norma contida no artigo 268º do Código Civil, cuja aplicabilidade se invoca.
64. A douta sentença, faz bem em assinalar a divisão de períodos no decorrer dos anos que conduzem à data de hoje, a uma análise objetiva e racional. Em causa, o falecimento de FF em 2009, com todo um património que integra a respetiva massa da herança.
65. Entre a massa da herança, os bens descritos em III – Direito, na douta sentença, tais como as seis frações autónomas (1º) – 28 a 38 dos Factos Provados; as frações autónomas designadas pelas letras M e N (2º) – 39 a 42 dos Factos Provados; a fração autónoma designada pela letra Q (3º) – Factos Provados 43 e 44; a fração autónoma designada pela letra X (4º) – Factos Provados 45 e 46.
66. E ainda, os depósitos bancários identificados no nº 47 dos Factos Provados, bem como os bens identificados no Facto Provado nº 49; a douta sentença tem a preocupação em distinguir o que integrava a loja, no ano de 2009, com a atual empresa ‘B...’, que à data de hoje, com mais de vinte funcionários, lojas em Lisboa e Aveiro, nada tem a ver com a atividade de comerciante individual de GG.
67. Aliás, como bem vê o Tribunal a quo, a sociedade comercial constituída em 2012, é dotada de personalidade jurídica própria a partir do registo definitivo– art.º 5º CSC. E essa inscrição foi feita pela Ap. ... (fls. 116) – Facto Provado 11.
68. Como bem refere a douta sentença, “a ineficácia da partilha acima aceite não atinge por arrasto, a constituição da sociedade unipessoal. (…) O estabelecimento comercial que ficou por óbito da FF não é a sociedade comercial criada pelo marido nem o local aberto ao público onde ela e o marido vendiam os produtos dietéticos; e´, antes, a empresa como atividade, a exploração lucrativa da venda dos produtos dietéticos.”. E quando a douta sentença refere que o estabelecimento de FF se esvaiu no tempo, compreendemos a cessação da exploração da loja por AGT, em meados de 2012, bem como o fim da validade de produtos que já não existem, nem existiam em 2012, oriundos de 2009. Tal como os lucros e os custos se alteram, ano após ano, incorporando-se na esfera patrimonial do casal.
69. Por força de tais entendimentos, julgou a douta sentença a ineficácia em relação aos gestidos, da partilha efetuada pelas escrituras de 28/05/2009 (fls 49/55 e nºs 3 a 6 dos Factos Provados), e de 27/06/2012, de retificação (fls. 267/271), e nºs 7 e 8 dos Factos Provados (a); e,
70. Julgou a douta sentença, como ineficaz, por ilegitimidade parcial, a venda feita pela escritura de 06/07/2012 (fls. 198/202 e nº 19 dos Factos Provados). Ora, os recorridos entendem ter a recorrente e o irmão CC, ratificado a escritura de retificação, de 27/06/2012, por força de um acordo amigável de partilha de bens, o que gera a conclusão da eficácia da mesma, ao contrário do decidido pela douta sentença proferida.
71. Acresce, igualmente se considera como inexistente, a ilegitimidade parcial invocada e defendida pela douta sentença. Pelo que, é válida e eficaz, a adjudicação dos dez imóveis identificados na primeira escritura ao GG; Bem como, é válida e eficaz, a venda efetuada pela escritura de compra e venda de 06/07/2012, das frações ‘B’, ‘C’, ‘D’, e ‘E’, todas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. ..., ... da freguesia ..., Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ....

9. A Autora respondeu à matéria da ampliação do recurso, sustentando que a ampliação é inadmissível.

10. Foram observados os vistos legais.
*
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
Questão prévia- Ampliação do recurso.
1ªQuestão- Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
2ª Questão- Se devem ser julgados procedentes os pedidos formulados pela Apelante no final da PI sob as alíneas d), e), f) e g) na parte referente ao cancelamento dos registos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 - AA nasceu a ../../1960 e foi registada como filha de GG e de FF – fls. 43 (A).
2 - CC nasceu a ../../1956 e foi registado como filho de GG e de FF – fls. 46 (B).
3 - Por escritura de 28/05/2009, GG, viúvo, e BB habilitaram-se como únicos herdeiros de FF, falecida a 02/04/2009, o primeiro na qualidade de viúvo e o segundo na qualidade de único filho – fls. 49/50 (C).
4 - Pela mesma escritura os habilitados procederam à partilha dos bens que integram a herança da mesma FF constituída: 1º - por seis frações autónomas, sitas na freguesia ... – Aveiro -, designadas, respetivamente, pelas letras B, C, D, E, U e AG pertencentes ao prédio constituído no regime de propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., todas inscritas a favor do agora dissolvido casal GG e FF – fls. 50/52; 2º - pelas frações autónomas designadas pelas letras M e N do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., ambas inscritas a favor do casal (ora dissolvido) GG e FF – fls. 52; 3º -a fração autónoma designada pela letra Q do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., - a fração autónoma designada pela letra X do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... e Prolongamento da Rua ... – Rua ... e Viela ..., inscrito na matriz sob o artigo nº ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... – fls. 53 (D).
5 - Os bens foram divididos em duas partes iguais no valor cada uma de € 181.843,05, assim se encontrando a meação do viúvo e da falecida FF. A meação desta divide-se em partes iguais, cabendo uma ao viúvo e outra ao filho da falecida, pelo que ao GG caberia uma quota no valor de € 272.764,58 e ao BB a quota de € 90.921,53 – fls. 53/54 (E).
6 - Os bens foram todos adjudicados ao viúvo GG, recebendo o BB em tornas – fls. 54 (F).
7 - A 27/06/2012, GG, por si e na qualidade de gestor de negócios de CC, AA e BB, retificou a Escritura de Habilitação e de Partilha referida nos nºs. 3 a 6 dos Factos Provados pela forma seguinte:
a) na parte de habilitação de herdeiros passou a constar que a FF deixou, como únicos herdeiros, ele seu cônjuge supérstite, e os três filhos BB, CC e AA – fls. 267/269;
b)-1) na parte da partilha passou a constar que o ativo da herança é de € 363.686,10, o qual é dividido em duas partes iguais, sendo uma a meação dele e a outra a da falecida FF. A parte desta é dividida em partes iguais, por ele, cônjuge sobrevivo, e pelos três filhos;
b)-2) mantém a adjudicação dos imóveis a seu favor e as tornas, no valor de € 45.460,76, a cada um, devidas a AA e BB já se encontram pagas, e as devidas a CC serão pagas no ato de retificação de gestão de negócios praticada neste ato – fls. 269/270 (G).
8 - Da parte final da escritura de retificação da gestão consta: “Adverti o outorgante de que o ato de retificação da partilha é ineficaz para com os seus gestidos enquanto por eles não for retificado e ainda de que este ato é anulável pelos cônjuges dos seus gestidos por falta de consentimento” – fls. 270 (H).
9 - O GG, por intermédio do seu Advogado Senhor Dr. II, enviou, sob registo, a AA, a CC e a BB as cartas de fls. 275/277, de fls. 279/281 e de 283/285, respetivamente, todas datadas de 03/07/2012 e de igual teor, nas quais: a) lhes dá conta da escritura de retificação e seus termos, quer no que respeita à habilitação de herdeiros quer no que respeita à partilha; b) solicita resposta, num prazo breve, “a eventual aceitação e retificação, da sua parte, quanto aos atos praticados. Se a resposta for afirmativa, como naturalmente esperamos, ser-lhe-á de imediato endereçado uma minuta de declaração a fim de fazer o favor de preencher e devolver” (I).
10 - Com o NIPC nº ..., está matriculada a firma “A..., Unipessoal, L.da”, que tem por objeto: “comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos alimentares e dietéticos com fins alimentares” – fls. 116 (J).
11 - Foi inscrita pela Ap. ..., com o capital de € 50.000,00 pertencente a GG, viúvo, ao qual pertencia a gerência – fls. 116/117 (K).
12 - Pela Insc. 2-Ap. ... passou a gerência a pertencer a DD – fls. 118 (L).
13 - Por escritura de 15/06/2012, GG, representado pelo procurador II, doou ao neto DD a quota de € 50.000,00 de que era titular na firma “A..., Unipessoal, L.da”, livre de quaisquer ónus ou encargos, com todos os correspondentes direitos e obrigações a ela inerentes, por conta da quota disponível, doação esta que foi aceite pelo donatário – fls. 189/191 (M).
14 - Pela Menção Dep. .../2012-06-29, foi inscrita a transmissão da quota de € 50.000,00 de GG para DD – fls. 118 (N).
15 - GG faleceu, a 09/12/2014, no estado de viúvo de FF – fls. 120 (O).
16 - Por óbito de GG, CC, como cabeça-de-casal e herdeiro, e AA, como herdeira, lavraram, a 15/12/2014, perante a Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Civil de Albergaria-a-Velha, “Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros”, onde consignaram que o autor da herança GG faleceu, a 09/12/2014, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo deixado como herdeiros, os filhos CC e AA – fls. 122/123 (P).
17 - DD nasceu a ../../1984 e foi registado como filho de CC e de UU – fls. 122 (Q).
18 - EE nasceu a ../../1979 e foi registado como filho de CC e de FF – fls. 194 (R).
19 - Por escritura de 06/07/2012, GG, representado por II, vendeu à firma “A..., Unipessoal, L.da”, representada pelo sócio único DD, que atuou em nome e representação da mesma firma e aceitou a compra nessa qualidade, pelo preço de € 90.000,00, pago em 60 prestações de € 1.500,00, as frações autónomas designadas pelas letras B, C, D, E do prédio constituído no regime de propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., freguesia ... - Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., inscritas a favor do vendedor – fls. 198/202 (S).
20 - O veículo de matrícula ..-..-IZ, de marca Citroen, foi registado, a 30/03/2012, a favor de “A..., Unipessoal, L.da” – fls. 60 (T).
21 - O veículo de matrícula VL-..-.., de marca Citroen, encontra-se registado a favor de “A..., Unipessoal, L.da” desde 30/03/2012 – fls. 76 (U).
22 - A marca nacional nº ... – “B...” – foi pedida a 08/11/2011, tendo sido o registo concedido a 25/01/2012 – fls. 330 (V).
23 - A marca foi transmitida por GG para “A..., Unipessoal, L.da” a 25/06/2012 – fls. 337/340 e 456/459 (W).
24 - A Câmara Municipal ... concedeu, a 21/11/1984, a GG, o Alvará nº ... para explorar um estabelecimento de VV em Aveiro nº 179 – r/c, loja ... – fls. 374/375 e 490/491 (X).
25 - No dia 14/04/1982, no 1º Cartório da Secretaria Notarial de Aveiro, compareceu como testadora FF, que declarou que, por este testamento, institui herdeiro da quota disponível de seus bens o seu marido GG – fls. 592/595.
26 - No dia 14/04/1982, no 1º Cartório da Secretaria Notarial de Aveiro, compareceu como testador GG, que declarou que, por este testamento, institui herdeira da quota disponível de seus bens a sua mulher FF – fls.718/720.
27 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: para comércio, correspondente ao r/c posterior, junto à estrema norte, constituída por uma loja ampla, com a área de 30 m2 e uma dependência na cave com a área de 21 m2 – fls. 677/680.
28 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 1983/08/29 a favor de GG e FF, casados no regime de comunhão geral, por permuta; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF; c) pela AP. ... de 2012/07/09 a favor de A..., Unipessoal, L.da, por compra a GG – fls. 677/678.
29 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: para habitação, correspondente ao 6º andar esquerdo e sótão, intercomunicáveis, compreendendo o andar propriamente dito com a área de 63 m2, o terraço com 18 m2 e o sótão com a área de 40 m2, aproximadamente – fls. 681/684.
30 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 1983/08/29 a favor de GG e FF, casados no regime de comunhão geral, por permuta; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF; c) pela AP. ... de 2010/01/04 a favor de WW e de XX, por compra a GG – fls. 681/682.
31 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: o r/c centro posterior esquerdo, para comércio; área: 27 m2 e duas caves, uma na extrema poente com 31 m2 e outra na extrema nascente ao centro com 20 m2 – fls. 685/687.
32 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 2000/02/10 a favor de GG, casado com FF, no regime de comunhão geral, por compra; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF; c) pela AP. ... de 2012/07/09 a favor de A..., Unipessoal, L.da, por compra a GG – fls. 685/686.
33 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: para habitação, correspondente ao 6º andar esquerdo e sótão intercomunicáveis, compreendendo o andar propriamente dito com a área de 109 m2 e terraço envolvente com 70 m2 e o sótão com a área de 60 m2 – fls. 689/691.
34 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 1983/08/29 a favor de GG, casado com FF, no regime de comunhão geral, por compra; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF – fls. 689.
35 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: r/c posterior esquerdo – 79 m2 – divisão com sanitário e arrumo na cave – fls.693/695.
36 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 1990/09/27 a favor de GG, casado com FF, no regime de comunhão geral, por compra; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF; c) pela AP. ... de 2012/07/09 a favor de A..., Unipessoal, L.da, por compra a GG – fls. 693/694.
37 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: loja ampla no r/c posterior esquerdo, para comércio, no ângulo poente norte; Área: 36 m2 e uma divisão na cave ao centro com 29 m2 – fls. 697/699.
38 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 2000/02/01 a favor de GG, casado com FF, no regime de comunhão geral, por compra; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF; c) pela AP. ... de 2012/07/09 a favor de A..., Unipessoal, L.da, por compra a GG – fls. 697/698.
39 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: garagem individual, na extrema norte a segunda a contar de poente para nascente – 16,5 m2 – fls. 701/702.
40 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 1990/09/14 a favor de GG, casado com FF, no regime de comunhão geral, por compra; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF; c) pela AP. ... de 2014/09/11 a favor de YY, por compra a GG – fls. 701/702.
41 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: garagem individual, na extrema norte a primeira a contar de poente para nascente – 16 m2 – fls. 703/704.
42 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 1990/09/14 a favor de GG, casado com FF, no regime de comunhão geral, por compra; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF; c) pela AP. ... de 2014/08/05 a favor de ZZ, por compra a GG – fls. 703/704.
43 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: na cave, a 1ª garagem individual, com área de arrumos incluída, no ângulo nascente/norte (junto à caixa de escadas) – 175,5 m2 – fls. 705/707.
44 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 1999/05/17 a favor de GG, casado com FF, no regime de comunhão geral, por compra; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF – fls. 705.
45 – Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: na cave, na extrema sul, para arrumos – área: 78, m2 – fls. 709/712.
46 – Esta fração foi inscrita: a) pela AP. ... de 1987/12/05 a favor de GG, casado com FF, no regime de comunhão geral, por compra; b) pela AP. ... de 2009/06/01 a favor de GG, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de FF; c) pela AP. ... de 2016/01/22 a favor de AAA, por compra a CC e AA, na qualidade de únicos herdeiros de GG – fls. 709/712.
47 – À data do falecimento da FF existiam os seguintes depósitos bancários de que era titular o casal constituído pelo GG e pela FF em conjunto ou em contas individuais, no total de € 992.921,19:
a) € 200.000,00, no Banco 4... – fls. 1091v./1092; b) € 765.015,63, no Banco 1... – fls. 1124/1125;
c) € 2.594,73, no Banco 5... – fls. 1124; d) € 3.546,55, no Banco 2... – fls. 1081 e 1081v.; e) € 1.223,34, no Banco 6... – fls. 1109v./1110;
f) € 19.574,11, no Banco 3... – fls. 1027v. e fls. 1045v.; g) € 966,83, no Banco 7... – fls. 1061/1061v..
48 – Posteriormente à concessão pela Câmara Municipal ..., a 21/11/1984, do Alvará nº ... referido em 24 dos Factos Provados a GG, este e a FF passaram a explorar nas frações do prédio urbano sito na Av. ..., ..., um estabelecimento comercial sob a denominação “B...”.
49 – À data do decesso da FF, este estabelecimento comercial era integrado pelos bens constantes do artigo 27.º da petição inicial, com exceção dos identificados nas alíneas h) e k) a s).
50 – O referido estabelecimento comercial comercializava produtos da área da alimentação, cosmética, suplementos alimentares, homeopatia, emagrecimento e plantas medicinais.
51 – E prestava serviços de naturopatia.
52 – O lucro do estabelecimento, que consta das declarações às Finanças, nos anos de 2007 a 2011 é, respetivamente, de € 20.775,57, € 17.919,65, € 18.490,13, € 18.432,12 e € 23.210,92.
53 – O crédito acumulado, em termos contabilísticos, até ao fim do ano de 2011 é de € 240.572,98, e o fundo de maneio (caixa) é de € 57.617,56.
54 – Aquando da constituição da firma, ora Ré, “A..., Unipessoal, L.da”, o GG transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “B...”, equipamentos, mercadoria e a respetiva clientela.
55 – A sociedade unipessoal foi instalada, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupava a loja “B...”, e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo, de facto, o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal GG e FF.
56 – Com base no balancete à data de 31/12/2008:
a) o valor próprio do estabelecimento era, nessa data, de € 287.326,27; b) o valor das mercadorias, nessa data, de € 269.773,57 (perícia).
57 – A ora A. trabalhou para o estabelecimento comercial “B...” entre 1998/1999 e agosto de 2011, e o irmão CC trabalhou para o referido estabelecimento entre 2004 e janeiro de 2022.
58 – A ora A. recebeu do pai GG, através do cheque, a 1/10/2011, 11/10/2011, 18/10/2011 e 03/01/2012, respetivamente, as quantias de € 25.000,00, € 25.000,00, € 50.000,00 e € 100.000,00 – fls. 1012 e 1077v./1079.
59 – A ora A. recebeu do pai GG, através do cheque, a quantia de € 28.000,00, a 27/07/2008 – fls. 431.
60 - CC recebeu de GG, através do cheque, a quantia de € 28.000,00, a 25/07/2008 – fls. 430.
61 – As quantias referidas em 59 e 60 dos Factos Provados respeitavam a 2/3 do valor da venda da fração U, que foi de € 84.000,00 no total.
62 – Os filhos do GG (AA e CC) nunca demonstraram qualquer interesse ou aptidão em assegurar o futuro do negócio que aquele desenvolvia a nível individual.
63 – O GG quis doar, e não vender, a quota da sociedade “A..., Unipessoal, L.da” ao neto.
64 - Existiam contas bancárias conjuntas entre o GG e os filhos, bem aprovisionadas, mas que apenas eram movimentadas pelo GG. Este tinha também contas bancárias conjuntas com a nora e com terceiros, que também só eram movimentadas pelo GG.
65 – A mercadoria foi vendida à sociedade Ré por € 229.475,75 (+ IVA).
66 – A sociedade “A..., Unipessoal, L.da” efetuou pagamentos no valor de € 35,000,00 a GG referente a mercadorias adquiridas.
O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) o estabelecimento comercial denominado “B...” prestava os seguintes serviços: consultas e terapias de osteopatia, homeopatia, acupuntura, shiatsu e mesoterapia;
b) o GG transmitiu para a sociedade “A..., Unipessoal, L.da” a globalidade do estabelecimento “B...”, equipamentos, mercadoria e a respetiva clientela, com total desconhecimento da A. e seu irmão germano CC;
c) o DD, quando aceitou a doação de 15/06/2012, sabia que a doação da quota integrava a herança, ainda indivisa, aberta por óbito da avó FF, designadamente do estabelecimento comercial “B...”;
d) a mesma doação da quota foi efetuada de comum acordo entre o GG e o neto DD com o intuito de ser uma venda da quota pelo preço de € 50.000,00 e da mercadoria pelo valor de € 400.000,00;
e) este acordo de doação teve por finalidade retirar o estabelecimento da herança da FF e evitar a necessidade legal de os filhos e o outro neto assinarem a escritura da venda da quota e do estabelecimento que o avô pretendeu fazer ao neto, unicamente para o beneficiar em detrimento dos outros netos;
f) CC recebeu, a 08/09/2011, do pai a quantia de € 100.000,00; g) a ora A. e o irmão germano CC receberam de tornas, em resultado do acordo havido entre eles, entre setembro de 2011 e julho de 2012, as quantias constantes dos artigos 12.º e 65.º da contestação dos RR. DD e “A..., Unipessoal, L.da”;
h) os valores referidos em 58 e 59 dos Factos Provados foram entregues no âmbito desse acordo, havido entre o GG e os filhos AA e CC para fechar a partilha extrajudicial dos bens deixados por óbito da FF;
i) o BB nada tem a ver com a partilha feita na escritura de 2009, da qual foi unicamente responsável o GG;
 j) nunca o GG quis prejudicar os filhos na partilha;
k) a A. e o irmão CC ratificaram a escritura de retificação.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Questão prévia- Ampliação do recurso.

Na presente acção, em sede de sentença final, ambas as partes ficaram vencidas: a acção foi julgada apenas parcialmente procedente quanto a parte dos pedidos formulados na petição inicial e improcedente quanto ao demais.

Para melhor percecionarmos o vencimento de cada uma das partes, façamos o confronto entre o peticionado e a condenação parcial decretada a final (sem esquecermos que em sede de despacho saneador houve também decisão de improcedência parcial, que transitou em julgado, a que faremos também alusão):
1º pedido (alínea a))- que fosse declarada a falsidade da escritura de habilitação de herdeiros e partilha outorgada em 28 de maio de 2009, e exarada a fls. 98 a 101 do Livº 161-G do Cartório Notarial sito na Av. ..., em Aveiro;
2º pedido (alínea b))- que fosse declarada a nulidade da referida escritura de habilitação de herdeiros e partilha, e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura;
3º pedido ( alínea c))- que fosse declarado que por óbito da falecida FF, ocorrido no dia 2 de Abril de 2009, sejam declarados seus únicos e universais herdeiros, para além do viúvo GG e do filho BB, aqui Co-R., também os filhos AA, aqui A., e CC, aqui Co-R., em consequência do que os bens que integram a herança da falecida devem ser partilhados por estes herdeiros;
4º pedido ( alínea d))- que fosse declarado que a herança aberta por óbito da falecida FF é proprietária e integra todos os bens constantes na escritura datada de 28/05/2009, os créditos bancários declarados às Finanças e estabelecimento comercial que gira sob a designação “B...”, a laborar nas frações “B” “C”, “D” e “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., em Aveiro, cujo objeto, atividades e bens se encontram designadamente descritos nos artigos 27.º a 34.º desta petição inicial;
5º pedido (alínea e)- que fosse declarada a nulidade da transmissão do referido estabelecimento comercial, designado por “B...”, identificado na petição inicial nos artigos 27.º a 34.º e efetuada entre o dia 27/02 e o dia 01/03 de 2012, por GG para a sociedade A... Unipessoal, Lda., devendo ser ordenada a restituição de tal estabelecimento à herança aberta por óbito de FF, condenando-se o 3.º e 4.º RR. nessa restituição, bem como na abstenção de qualquer comportamento que perturbe a propriedade dessa herança relativamente a esse estabelecimento comercial;
6º pedido (alínea f))- que fosse declarada a nulidade da escritura de doação outorgada em 15 de junho de 2012 e exarada a fls. 43 a 44 do Livro ... do Cartório Notarial sito na Rua ..., em Lisboa, e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura;
7º pedido (alínea g))- que fosse declarada a nulidade da escritura de compras e vendas outorgada em 6 de julho de 2012 e exarada a fls. 14 a 16 do Livro ... do Cartório Notarial sito na Rua ..., em Lisboa, e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura.
No âmbito do despacho saneador foram desde logo julgados improcedentes os pedidos das alíneas a) e b) na parte em que era pedida a declaração de falsidade e declaração de nulidade da habilitação de herdeiros e julgado inútil o pedido da alínea c) de modo a não ser mais considerado no desenvolver posterior desta acção, tendo tais decisões transitado em julgado.
Em sede de sentença final foi proferida a seguinte decisão:
a) julgada ineficaz, em relação aos gestidos AA, CC e BB a partilha efetuada pelas escrituras de “Habilitação de Herdeiros e Partilha” de 28/05/2009 (fls. 49/55 e nºs. 3 a 6 dos Factos Provados) e de Retificação de 27/06/2012 (de fls. 267/271 e nºs 7 e 8 dos Factos Provados), designadamente quanto à adjudicação dos dez imóveis identificados na primeira escritura ao GG, os quais continuam a pertencer à herança aberta por óbito de FF.
b) julgada ineficaz, por ilegitimidade parcial, a venda feita pela escritura de 06/07/2012 (fls. 198/202 e nº 19 dos Factos Provados) por GG à sociedade “A..., Unipessoal, L.da” das frações “B”, “C”, “D” e “E”, todas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. ..., ... da freguesia ..., Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ...;
c) que pertencem à herança da FF metade dos depósitos bancários constantes do nº 47 dos Factos Provados;
d) a ação improcedente quanto ao mais.

Cada uma das partes podia ter recorrido da sentença na parte que lhe era desfavorável, contudo, apenas o fez a Autora, não tendo nenhum dos Réus interposto recurso, nem independente, nem subordinado, dos segmentos decisórios em que as pretensões da Autora foram julgadas parcialmente procedentes, nos moldes referidos nas alíneas a), b) e c) da sentença final, impondo-se nestes autos o caso julgado quanto ao seguinte:
i. A partilha efectuada na escritura de 28.05.2009, bem como a rectificada na escritura de 27.06.2012, foi declarada ineficaz em relação aos gestidos (incluindo a Autora), tendo ficado decidido que quanto aos 10 imóveis identificados na escritura de partilha de 28.05.2009 (igualmente identificados na escritura rectificativa de 27.06.2012) que nela haviam sido adjudicados a GG, tais bens continuam a pertencer à herança aberta por óbito de FF.
ii. Foi também julgada ineficaz, por ilegitimidade parcial, a venda feita posteriormente pela escritura de 06.07.2012 (fls. 198/202 e nº 19 dos Factos Provados) por GG à sociedade “A..., Unipessoal, L.da” das frações “B”, “C”, “D” e “E”, todas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. ..., ... da freguesia ..., Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ...- sendo que já na alínea a) ficara decidido que essas 4 frações continuam a pertencer à herança aberta por óbito de FF.
iii. Ficou decidido que pertencem à herança da FF metade dos depósitos bancários constantes do nº 47 dos Factos Provados.
Na sequência dessa procedência parcial dos pedidos que haviam sido formulados pela Autora, o pedido formulado neste recurso pela Apelante foi o seguinte:
que o presente recurso seja recebido e julgado totalmente procedente, por provado, revogando a sentença na parte em julgou improcedente o pedido da alínea d) na parte em que não declara que o estabelecimento comercial denominado “B...” pertence à herança aberta por óbito de FF, al. e), f) e g) na parte em que não ordena o cancelamento de todos os registos que tenham sido efectuados sobre os bens objecto da escritura de 06 de Julho de 2012, substituindo-se por outra decisão nos termos melhor explanados nas alegações e conclusões do presente recurso.”
A Autora/Apelante restringiu o recurso de apelação por si apresentado, dentro dos segmentos decisórios em que decaiu, apenas quanto aos pedidos que o tribunal a quo julgou improcedentes identificados quer no pedido, quer na Conclusão I:
i. quanto à alínea d) do petitório, na parte em que pedia a declaração que a herança aberta por óbito da falecida FF é proprietária e integra o estabelecimento comercial que gira sob a designação “B...”;
ii. quanto às alíneas e) e f);
iii. quanto à alínea g) na parte em que pedia o cancelamento de todos os registos que hajam sido efectuados sobre os bens objectos da escritura de compra e venda outorgada em 6.07.2012.

Os Apelados/Réus não recorreram e, limitaram-se a ampliar o âmbito do recurso em sede de contra-alegações, faculdade que lhes é conferida pelo art. 636º do CPC, sendo a ampliação do recurso admissível por ter sido apresentada em tempo, por quem tem legitimidade e ter cobertura legal.

Questão distinta diz respeito aos efeitos que os Apelados pretendem obter com a referida ampliação do recurso que, perante o alegado nas contra-alegações e mormente nas conclusões que delimitam a ampliação, manifestamente não tem cobertura legal.

Senão vejamos.

Os Apelados estão equivocados quanto à abrangência da ampliação do recurso, o que se extrai desde logo da afirmação feita na Conclusão 2. de que “invocam e requerem os recorridos, prevenindo e sem conceder, a mera hipótese de serem acolhidos alguns argumentos factuais e fundamentos de Direito, deduzidos pela recorrente, a douta apreciação de fundamentos sobre matéria que consubstancia o respectivo decaimento”, porque o decaimento a reapreciar em sede deste recurso só pode ser o decaimento da recorrente, não o dos recorridos, pois que a ampliação apenas poderá ter por objecto a parte decisória em que o recorrente decaiu, nunca a parte em que o recorrido decaiu (para esse efeito teriam de ter recorrido).

Afirmam os Apelados, “os recorridos não se conformam com as decisões contidas nas alíneas a) e b) da douta sentença proferida”, concluindo que “em sede de ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art. 636º/CPC, requerem a sua apreciação”.

Não podem requerer a reapreciação das decisões em que decaíram por intermédio de ampliação do recurso, teriam de ter interposto recurso independente ou subordinado dessas decisões, o que não fizeram.

A lei é muito clara a esse propósito, resultando da articulação do art. 633º nº 1 com o art. 635º nº 5 do CPC que se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas e se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado, mas a parte que não recorrer no segmento da decisão em que ficar vencida está sujeita aos efeitos do julgado na parte não recorrida, que não podem ser prejudicados pela decisão do recurso.

A ampliação do recurso, contrariamente ao que aparentemente o nome indica, não permite ao recorrido que não recorreu da parte da decisão que lhe foi desfavorável, alargar o âmbito objectivo do recurso interposto pela parte contrária, de forma a abranger questões das quais podia ter recorrido mas não recorreu.

Segundo o art. 636º nº 1 e 2 do CPC, no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

Isto é, a ampliação do recurso nunca recairá sobre segmentos decisórios em que o recorrido decaiu, apenas sobre os segmentos decisórios em que foi vencedor e consequentemente o recorrente decaiu.

Da ampliação do recurso nunca decorrerá a revogação dos segmentos decisórios em que o recorrido decaiu, pois para obter tal efeito o recorrido teria também ele de interpor recurso relativamente à parte da sentença em que ficou vencido.

A ampliação do recurso destina-se tão só a possibilitar ao recorrido, quanto à parte da decisão em que foi vencedor, prevenir a hipótese de o recorrente lograr demonstrar fundamentos (de facto ou de direito) que possibilitem a revogação desse segmento decisório (que foi favorável ao recorrido), permitindo-lhe nesse caso a invocação de outros fundamentos ou a impugnação de outros factos não impugnados pelo recorrente, por forma a impedir que a revogação aconteça.

Toda a ampliação do recurso apresentada pelos Apelados está eivada do mesmo erro, porquanto, contrariamente ao sustentado pelos Apelados este tribunal nunca poderá proferir uma outra decisão quanto à declarada ineficácia da partilha efectuada pelas escrituras de 28.05.2009 e de rectificação de 27.06.2012, nem quanto à ineficácia da venda feita pela escritura de 6.07.2012, por se lhe impor a eficácia do trânsito em julgado dessas decisões proferidas na sentença recorrida e das quais não recorreram.

Nunca este tribunal poderia agora declarar verificada a ratificação da partilha de bens realizada em 27.06.2012 como pretendem os Apelados sob pena de violação do caso julgado, nem muito menos declarar a eficácia dessa partilha ou da escritura de venda datada de 6.07.2012, nem declarar válida e eficaz a adjudicação dos 10 imóveis identificados naquelas escrituras a GG, por tal contrariar o já decidido por sentença transitada em julgado.

Por conseguinte, não tendo os Apelados/RR interposto recurso quanto às decisões proferidas nas alíneas a), b) e c) da sentença recorrida, as quais lhes foram desfavoráveis- nas quais são parte vencida-, as mesmas estão cobertas pelos efeitos do caso julgado.

Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão deste recurso (art. 635ºnº 5 do CPC), não podendo ser retomadas no âmbito deste recurso questões que estejam cobertas pelos efeitos de caso julgado anteriormente formado[2], como é o caso da eficácia da escritura de rectificação de partilhas outorgada em 27.06.2012, que foi afastada expressamente na alínea a) da sentença e a eficácia da escritura de venda outorgada em 6.07.2012, também expressamente afastada na al. b) da sentença recorrida, bem como a declaração de que pertencem à herança aberta por óbito de FF metade dos depósitos bancários identificados no ponto 47 dos factos provados expressamente declarada na alínea c) da sentença recorrrida.
Por conseguinte, a ampliação do recurso apresentada pelos Apelados apenas será tomada em consideração nos pontos em que os Apelados tenham apresentado fundamentos distintos dos da Apelante quanto aos segmentos decisórios em que esta decaiu e aos factos vertidos na ampliação que se contenham dentro do objecto do recurso delimitado pela Apelante, que incide basicamente sobre a nulidade da transmissão do estabelecimento comercial e sua restituição à herança aberta por óbito de FF, bem como a nulidade da doação outorgada por escritura de 15.07.2012 e, o peticionado cancelamento dos registos que hajam sido feitos ou venham a fazer-se sobre os bens objecto da escritura de 6.07.2012.

1ª Questão- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. 
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[3]
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção.
Não obstante, a impugnação da decisão de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu.
A estrutura que o presente recurso apresenta é demonstrativo de que a Apelante defende que mesmo à luz dos factos dados como provados na sentença recorrida as suas pretensões recursivas devem proceder, uma vez que começa pela análise do erro de julgamento de que em seu entender padece a sentença recorrida, independentemente da factualidade cuja alteração propõe a final, como se extrai da leitura das Conclusões II a XXV.
Apenas a partir das Conclusões XXVI até final, sem conceder, invocou a Apelante erro no julgamento da matéria de facto, isto é, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas foi apresentada para a hipótese de este tribunal de recurso entender não ser a factualidade apurada suficiente para revogar a sentença nos moldes peticionados pela Apelante.
Se, por norma, a análise da impugnação da decisão sobre a matéria de facto precede a análise do erro de julgamento, por este a maior parte das vezes depender da alteração da matéria de facto subjacente à fundamentação de direito, no presente caso o erro de julgamento resulta, a nosso ver evidente da própria sentença, pois embora o tribunal a quo tenha reconhecido o direito reclamado pela Apelante em sede da fundamentação de direito, acabou por não concluir pela procedência das pretensões formuladas pela aqui Apelante na parte dispositiva da sentença, como deveria, como veremos melhor em sede de julgamento de mérito.
Ora, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil. [4]

Antecipamos que, tal como se decidirá de forma mais aprofundada em sede de apreciação do erro de julgamento apontado pela Apelante, as alterações pretendidas por esta nos factos impugnados são desnecessárias, porque irrelevantes e inconsequentes para a revogação da sentença recorrida, porquanto, mesmo a manter-se a matéria de facto tal qual foi decidida pelo tribunal a quo, a sentença final, quanto aos segmentos objecto deste recurso, não se manterá.

Vejamos.

A Apelante a partir da Conclusão XXVI foi fazendo menção aos pontos de facto impugnados, à decisão alternativa que devia ter sido tomada, e aos meios de prova gravados (juntando transcrição dos depoimentos e fazendo menção às passagens exactas da gravação) de que se socorreu, dando cumprimento aos ónus de impugnação exigidos pelo art. 640º do CPC.

Na Conclusão LXX a Apelante condensou a impugnação da decisão relativa à matéria de facto aos seguintes pontos de facto impugnados:

2.1- Pontos 51, 54, 55, 62, 63 e 66 dos factos provados;

2.2- Alíneas a), b), c), d) e e) dos factos não provados.

Vejamos.

Para melhor compreensão transcrevemos os pontos dos factos provados ora impugnados e a decisão alternativa requerida pela Apelante:
“51 – E prestava serviços de naturopatia.
54 – Aquando da constituição da firma, ora Ré, “A..., Unipessoal, L.da”, o GG transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “B...”, equipamentos, mercadoria e a respetiva clientela.
55 – A sociedade unipessoal foi instalada, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupava a loja “B...”, e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo, de facto, o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal GG e FF.
62 – Os filhos do GG (AA e CC) nunca demonstraram qualquer interesse ou aptidão em assegurar o futuro do negócio que aquele desenvolvia a nível individual.
63 – O GG quis doar, e não vender, a quota da sociedade “A..., Unipessoal, L.da” ao neto.
66 – A sociedade “A..., Unipessoal, L.da” efetuou pagamentos no valor de € 35,000,00 a GG referente a mercadorias adquiridas.”
Quanto aos pontos 51, 54 e 55 foi requerida a alteração da redação dos mesmos, passando a ser a seguinte:
51- O estabelecimento comercial denominado “B...” prestava os seguintes serviços: consultas e naturopatia;
Eliminando-se consequentemente da alínea a) dos factos não provados a expressão “consultas”.
54 – Aquando da constituição da firma, ora Ré, “A..., Unipessoal, L.da”, o GG transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “B...”, equipamentos, mercadoria, veículos automóveis, uso das lojas e a respetiva clientela.
55 – A sociedade unipessoal tem a sua sede, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupava o estabelecimento “B...”, e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo, de facto, o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal GG e FF.
Foi requerido o seguinte aditamento aos factos provados:
56 –a transmissão da globalidade do estabelecimento comercial para a sociedade “A..., Unipessoal, L.da” foi realizada sem a outorga de qualquer documento escrito, com desconhecimento da Autora/Recorrente e do seu irmão CC e sem a sua intervenção e o seu consentimento.
Foi requerido que seja julgado não provado o facto n.º 62.
Foi requerido que sejam julgados não provados os factos n.º 63 e 66.
Em substituição dos factos provados n.º 63 e 66, foi requerido que sejam aditados os seguintes factos aos factos considerados provados:
62- GG e DD na escritura de doação declararam que estava em causa uma doação quando pretendiam a venda da quota, tendo como contrapartida a devolução do capital social no valor de €50.000,00 e o pagamento da mercadoria no valor de€229.475,75 (+IVA).
63- O donatário DD sabia que o estabelecimento comercial “B...” existia à data do falecimento de FF e que aceitar a doação, a sociedade incluía o referido estabelecimento.
64- Este acordo de declaração de doação era uma venda que tinha como finalidade do doador e donatário retirar o estabelecimento comercial mais uma vez da herança para que não fosse reclamada pela filha e pelos restantes herdeiros, evitando a necessidade de consentimento na venda dos filhos e netos, beneficiando o neto DD em detrimento dos filhos e outros netos.
Foi requerida a eliminação dos factos não provados sob as alíneas c), d) e e).
Estas alíneas contêm a seguinte factualidade:
c) o DD, quando aceitou a doação de 15/06/2012, sabia que a doação da quota integrava a herança, ainda indivisa, aberta por óbito da avó FF, designadamente do estabelecimento comercial “B...”;
d) a mesma doação da quota foi efetuada de comum acordo entre o GG e o neto DD com o intuito de ser uma venda da quota pelo preço de € 50.000,00 e da mercadoria pelo valor de € 400.000,00;
e) este acordo de doação teve por finalidade retirar o estabelecimento da herança da FF e evitar a necessidade legal de os filhos e o outro neto assinarem a escritura da venda da quota e do estabelecimento que o avô pretendeu fazer ao neto, unicamente para o beneficiar em detrimento dos outros netos.

Analisados os referidos factos impugnados, fica reforçada a ideia de que efectivamente as alterações pretendidas pela Apelante não são relevantes para a procedência da sua pretensão recursiva, porquanto a reapreciação da sentença recorrida delas não depende, resultando antes de um erro de julgamento passível de ser conhecido independentemente das alterações factuais acima preconizadas.

Se bem interpretamos toda a peça recursiva, o que importa verdadeiramente para a Apelante é que fique reconhecido por sentença que o estabelecimento comercial que gira sob a designação “B...” pertence à herança indivisa aberta por óbito de FF (da qual a Apelante é uma das herdeiras) e, que seja declarada a nulidade (ou ineficácia) da transmissão desse estabelecimento comercial efectuada por GG para a sociedade A... Unipessoal, Lda, com a inerente restituição do estabelecimento à referida herança, condenando-se os 3º e 4º RR nessa restituição, objectivo que se adianta ser procedente pela mera articulação dos factos apurados nos autos com o direito aplicável, como se justificará devidamente em sede de mérito.

A presente acção visa obter sentença que determine que o referido estabelecimento comercial volte para a herança indivisa à qual pertencia quando foi transmitido para a sociedade Apelada e, para isso basta demonstrar-se o vício de que padece o negócio de transmissão desse estabelecimento comercial de GG para a sociedade A... Unipessoal, Lda, porquanto o apuramento concreto das específicas actividades nele desenvolvidas, o valor desse estabelecimento à data da abertura da herança por óbito de FF apenas importará futuramente em sede de posterior partilha dos bens pertencentes a essa herança, partilha essa que não se fará nesta ação, sendo perfeitamente despiciendo para o desfecho desta ação todas aquelas alterações de pormenor apontadas aos pontos 51, 54 e 55, bem como já ficou decidido que as frações onde o estabelecimento está instalado (e onde a sociedade Apelada tem sede) pertencem à referida herança e quanto aos veículos automóveis  já consta do ponto 49 dos factos provados que fazem parte da globalidade do estabelecimento.

Quanto ao aditamento do ponto 56 em nada altera o decidido, porquanto de acordo com as regras do ónus da prova incumbia aos Apelados a demonstração de que a transmissão do estabelecimento ocorrera com o conhecimento e consentimento dos demais herdeiros, nada acrescentando a versão pela negativa proposta pela Apelante,( que já fora dada como não provada sob a alínea b) dos factos não provados do qual nada se extrai de positivo), sendo que a falta de documento extrai-se da factualidade elencada na sentença, bem como da ausência de documento nos autos, porém, também a procedência da pretensão recursiva a propósito da transmissão do estabelecimento não dependerá no caso concreto da sua formalização ou não em documento escrito.

Como melhor se justificará em sede de julgamento de mérito, também os factos impugnados 62, 63 e 66 dos factos provados e al. c), d) e e) dos factos não provados, que contendem com o pedido de nulidade da doação da quota da sociedade ou da alegada simulação por estar subjacente uma venda, em nada interferem com a pretensão de restituição do estabelecimento comercial, não se confundindo a transmissão da quota, com a transmissão do estabelecimento, nem determinando no caso concreto a doação ou venda da quota a transmissão do estabelecimento, porquanto ainda que eventualmente doador e donatário pudessem ter querido dessa forma transmitir o estabelecimento para a sociedade, certo é que bastará considerar-se ineficaz o negócio de transmissão do estabelecimento comercial de GG para a sociedade A... Unipessoal, Lda, para a manutenção da doação da quota (que não integrava a herança aberta por óbito de FF) ser totalmente inconsequente ao não impedir a procedência daquela pretensão de restituição do estabelecimento, como veremos de seguida.

Vejamos agora se a ampliação do recurso na vertente de ampliação de factos impugnados pelos Apelados tem alguma utilidade para obstaculizar a eventual procedência do recurso interposto pela Apelante e, em caso afirmativo se merece acolhimento.

Já vimos que os Apelados não podem obter a alteração das decisões de decretadas sob as alíneas a), b) e c) da sentença recorrida por mero intermédio da ampliação do objecto de recurso, como acima se decidiu, pelo que a ampliação só será de conhecer se disser respeito a matéria de facto que contenda com as decisões de que a Apelante recorreu e tenha a virtualidade de impedir a sua eventual procedência.
Analisados os pontos de facto impugnados pelos Apelados em sede de ampliação do recurso, constam especificados nas Conclusões 35 a 57 os seguintes pontos:
- pontos 47, 49, 56, 60 dos factos provados;
- alíneas f), h) e k) dos factos não provados;
É a seguinte a redação dos pontos impugnados:
Factos provados:
47 – À data do falecimento da FF existiam os seguintes depósitos bancários de que era titular o casal constituído pelo GG e pela FF em conjunto ou em contas individuais, no total de € 992.921,19:
a) € 200.000,00, no Banco 4... – fls. 1091v./1092; b) € 765.015,63, no Banco 1... – fls. 1124/1125;
c) € 2.594,73, no Banco 5... – fls. 1124; d) € 3.546,55, no Banco 2... – fls. 1081 e 1081v.; e) € 1.223,34, no Banco 6... – fls. 1109v./1110;
f) € 19.574,11, no Banco 3... – fls. 1027v. e fls. 1045v.; g) € 966,83, no Banco 7... – fls. 1061/1061v..
49 – À data do decesso da FF, este estabelecimento comercial era integrado pelos bens constantes do artigo 27.º da petição inicial, com exceção dos identificados nas alíneas h) e k) a s).”
56 – Com base no balancete à data de 31/12/2008:
a) o valor próprio do estabelecimento era, nessa data, de € 287.326,27;
b) o valor das mercadoria, nessa data, de € 269.773,57 (perícia).
60 - CC recebeu de GG, através do cheque, a quantia de € 28.000,00, a 25/07/2008 – fls. 430.
Factos não provados:
f) CC recebeu, a 08/09/2011, do pai a quantia de € 100.000,00;
h) os valores referidos em 58 e 59 dos Factos Provados foram entregues no âmbito desse acordo, havido entre o GG e os filhos AA e CC para fechar a partilha extrajudicial dos bens deixados por óbito da FF.
k) a A. e o irmão CC ratificaram a escritura de retificação.”
Adiantamos desde já que não podem ser reapreciados os factos provados 47 e 60, bem como os factos não provados sob as alíneas f), h) e k) (e consequentemente o aditamento dos pontos 67 e 68 aos factos provados) porquanto dizem respeito a matéria que contende com  as decisões a), b) e c) da sentença recorrida, das quais os Apelados não recorreram, não podendo ser reaberta qualquer discussão sobre um alegado acordo extrajudicial de partilha e ratificação da mesma nos moldes vertidos na escritura cuja ineficácia foi declarada por sentença transitada em julgado, pelo que, qualquer uma daquelas alterações aos factos mencionados nos pontos impugnados nunca poderiam conduzir à revogação daquelas decisões e nenhum interesse têm para decidir sobre a procedência ou improcedência dos pedidos objecto deste recurso.
Quanto ao facto provado 49 defendem os Apelados que se impõe a alteração deste ponto, alegando não haver prova alguma de que as viaturas pessoais de GG e de FF se encontrassem afectos à loja.
Requereram que passasse a ter a seguinte redação:
49- À data do decesso da FF, este estabelecimento comercial era integrado pelos bens constantes do artigo 27º da petição inicial, com exceção dos identificados nas alíneas h, k a s), v) e w).”
Porém o tribunal a quo mencionou expressamente na fundamentação desse ponto dos factos provados, em que meios probatórios baseou a sua convicção, aludindo às declarações de parte da Autora, articuladas com o depoimento da testemunha LL, que afirmaram que à data da morte de FF já existiam aqueles dois veículos Citroen, conjugados com o depoimento de CC que afirmou que os mesmos faziam parte da globalidade do estabelecimento, bem como nos documentos juntos aos autos de fls. 60 e 76, pelo que não estamos perante uma ausência de prova como defendem os Apelados, nem a prova em que o tribunal se baseou foi posta em causa pelos Apelados  ou por estes foi invocado qualquer outro meio de prova que impusesse excluir da globalidade do estabelecimento as referidas viaturas, improcedendo a pretendida alteração.
Relativamente ao facto provado 56 defendem os Apelados que não é possível apontar ser aquele o valor próprio do estabelecimento na data de 31.12.2008, porém, dir-se-á que, conforme já mencionamos anteriormente este facto é totalmente irrelevante para impedir a procedência da pretensão recursiva apresentada pela Apelante pois que o que se pretende é a restituição do estabelecimento comercial à herança, sendo o seu valor à data da abertura da herança por morte de FF uma questão a resolver nas futuras partilhas, não sendo esta a sede própria para o efeito e não assumindo importância o valor vertido naquele ponto de facto, qualquer que ele seja, para a reapreciação dos pedidos formulados nesta instância recursiva pela Apelante.

Deste modo, com excepção do ponto 49 dos factos provados cuja impugnação foi apreciada, não sendo nem os factos concretos objecto de impugnação pela Apelante/Autora, nem os demais factos objecto da ampliação do objecto do recurso suscitado pelos Apelados/Réus, susceptíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e ao quadro normativo aplicável, ter relevância jurídica, pois que são inócuos para a decisão deste recurso, não se procede à reapreciação dos mesmos, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inútil e inconsequente.

Efectivamente, os factos impugnados em nada interferirão com a decisão a proferir neste recurso, uma vez que o conhecimento do erro de julgamento de que padece a sentença recorrida deles não depende, como se apreciará de seguida.

Improcede este segmento recursivo.


*

2ª Questão - Se devem ser julgados procedentes os pedidos formulados pela Apelante no final da PI sob as alíneas d), e), f) e, g) na parte referente ao cancelamento dos registos.
Através da presente acção a Apelante/Autora pretendeu obter o reconhecimento de variados direitos, entre si interligados, formulando pedidos de impugnação da partilha extrajudicial, requerendo a nulidade da partilha que fora efectuada por apenas dois dos quatro herdeiros, através da escritura outorgada em 28.05.2009 e depois na escritura de rectificação de 6.07.2012- partilha essa passível de ser declarada nula ou ineficaz, conforme faculdade prevista no art. 2121º do CC- pretensão que veio a ser declarada procedente por sentença transitada em julgado.
Associada a essa impugnação da partilha extrajudicial, requereu ainda a Apelante/Autora que se reconhecesse que ela, o pai e mais dois irmãos (demandados como Réus nesta ação) assumiam a qualidade de herdeiros na herança aberta por óbito da mãe e que os bens pertencentes a essa herança na posse de terceiros (os aqui Apelados) fossem restituídos a essa herança para futura partilha, pedidos esses típicos de uma ação de petição de herança prevista no art. 2075º do CC.
Decorre do disposto no art.º 2075.º n.º 1 do CC que o herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.
Em termos Doutrinais, a petição de herança tem sido definida como a “pretensão ao reconhecimento da qualidade de herdeiro e à entrega de bens da herança possuídos por terceiro” (Galvão Teles, O Direito, ano 94º/165).
Este mesmo Autor sustenta que, “A petição de herança envolve dois pedidos: o reconhecimento da qualidade de herdeiro e a restituição de bens hereditários. A petição de herança supõe que bens pertencentes à herança estão a ser possuídos por outrem que não o herdeiro. O herdeiro demanda esse outrem, solicitando que seja reconhecida a sua qualidade sucessória e que, consequentemente, seja o réu condenado a abrir mão dos bens em seu poder, fazendo deles entrega.”
Do mesmo modo escreve Lopes Cardoso, “A acção de petição de herança comporta, por assim dizer, dois pedidos, pois nela o demandante não só pede que se lhe reconheça a qualidade que se arroga (a de herdeiro) como também do demandante exige a restituição dos bens que diz pertencerem-lhe.”(Partilhas Judiciais, Volume I, Almedina, 2000, pág. 21; no mesmo sentido Diogo Leite de Campos, Lições de Direito das Sucessões, 2017, Almedina, pág. 127).
“A acção de petição de herança visa um duplo fim:
 1) o reconhecimento judicial do título ou estatuto (de herdeiro) que o autor se arroga;
 2) a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro.”(Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao art. 2075.º, Volume VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p.131; no mesmo sentido Ac STJ de 17/12/2014, Proc. nº1313/11.1TBCTB.C1.S1, Ac RP de 21/2/2018, Proc. nº 2717/12.8TBPVZ.P1, e Ac. STJ de 06/03/2012, Proc.n.º 6752/08.2TBLRA.C1.S1,www.dgsi.pt).
“O herdeiro pode alienar o quinhão hereditário em determinada herança indivisa, mas não pode alienar, sozinho, bens concretos que façam parte dessa herança, uma vez que, neste último caso estará a alienar coisa alheia dado que carece de legitimidade, desacompanhado dos demais herdeiros, e sem o necessário consentimento destes, para realizar a venda.
Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados; nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer uma quota-parte em cada um deles.
Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão-só, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.
Dito de outro modo, antes da partilha, aos herdeiros cabe apenas um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará, bem podendo tais bens ficar a pertencer só a alguns ou a um, sendo os demais compensados com tornas.
Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.”[5]
Tendo sido pedida a nulidade da partilha extrajudicial e a nulidade dos actos subsequentes de transmissão de bens pertencentes à herança levada a cabo por apenas um dos herdeiros, desacompanhado dos demais herdeiros, o objectivo visado pela Apelante/Autora com a instauração desta ação foi obter a restituição para o acervo hereditário da mãe dos bens indevidamente transferidos para apenas um dos herdeiros e depois deste para terceiros.
A Apelante socorreu-se do regime previsto no art. 892º do CC, o qual consagra que é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar.
A nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art. 289º do CC).
Não obstante, tal como se aludiu na sentença, e é entendimento consolidado quer na doutrina, quer na jurisprudência, “a nulidade da venda prescrita no artigo 892º apenas se refere, no entanto, às relações entre o vendedor e o comprador de coisa alheia. No que se refere ao verdadeiro proprietário da coisa, a venda, como res inter alios, é verdadeiramente ineficaz.”( Vaz Serra citado por Pires de Lima e A. Varela, CC anotado, vol. II, p. 189 e António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 3º volume, p. 53; Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, UCP, pág. 404/405 e, entre outros, AC RP de 28/1/2020, Proc. nº 692/18.4T8STS.P1, www.dgsi.pt).
Por conseguinte, sendo qualquer acto de alienação ou disposição de bens específicos de uma herança indivisa, praticado por apenas um dos herdeiros desacompanhado dos demais, actos ineficazes perante os demais herdeiros, têm estes direito a exigir que tais bens regressem à herança para serem entre eles partilhados.
Este regime aproxima-se claramente do regime consagrado no art. 1408º nº 2 do CC, que equiparou expressamente a disposição de parte especificada de coisa comum, sem consentimento dos demais consortes, à disposição de coisa alheia.
O acto pelo qual o comproprietário dispõe não apenas do seu direito, mas também do direito dos outros comproprietários sobre a coisa comum, é ineficaz em relação aos demais comproprietários, tal como o é em relação aos demais herdeiros da herança indivisa da qual faça parte um determinado bem vendido por um dos herdeiros sem o consentimento dos demais.
Feitas estas considerações gerais, em consonância com o assim decidido na sentença recorrida quanto ao acto de partilha dos bens e ao negócio de venda das 4 frações, referenciado respectivamente nas alíneas a) e b) da sentença, teremos de aplicar as mesmas regras aos demais negócios efectuados pelo herdeiro GG que tenham tido por objecto bens da herança indivisa aberta por óbito de FF.
Relembremos o que foi peticionado pela Autora/Apelante no final da petição inicial sob as alíneas d) e e) e cujos pedidos foram julgados improcedentes na sentença recorrida:
d) que fosse declarado que a herança aberta por óbito da falecida FF é proprietária e integra todos os bens constantes na escritura datada de 28/05/2009, os créditos bancários declarados às Finanças e estabelecimento comercial que gira sob a designação “B...”, a laborar nas frações “B” “C”, “D” e “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., em Aveiro, cujo objeto, atividades e bens se encontram designadamente descritos nos artigos 27.º a 34.º desta petição inicial;
e) que seja declarada a nulidade da transmissão do referido estabelecimento comercial, designado por “B...”, identificado na petição inicial nos artigos 27.º a 34.º e efetuada entre o dia 27/02 e o dia 01/03 de 2012, por GG para a sociedade A... Unipessoal, Lda., devendo ser ordenada a restituição de tal estabelecimento à herança aberta por óbito de FF, condenando-se o 3.º e 4.º RR. nessa restituição, bem como na abstenção de qualquer comportamento que perturbe a propriedade dessa herança relativamente a esse estabelecimento comercial.
Relativamente ao pedido formulado sob a alínea d), uma vez que já foi decidido nestes autos, por sentença transitada em julgado, ser ineficaz perante a Apelante a partilha efectuada pelas escrituras de “Habilitação de Herdeiros e Partilha” de 28.05.2009 e de Rectificação de 27.06.2012, bem como ser ineficaz a venda feita pela escritura de 6.07.2012 das frações B, C, D e E nela melhor identificadas, tendo sido ainda declarado que todos aqueles bens continuam a pertencer à herança aberta por óbito de FF, não tendo a Apelante feito referência aos alegados créditos bancários declarados às Finanças, apenas importará aferir nesta instância de recurso se também pertencia à mesma herança o referido estabelecimento comercial, como sustenta a Apelante e, em caso afirmativo aferir se é nula ou ineficaz ( cabendo a qualificação jurídica do vício ao tribunal) a transmissão desse estabelecimento efectuada apenas por um dos herdeiros-GG-para a sociedade A... Unipessoal, Lda.
Compulsada a sentença recorrida afigura-se-nos que a improcedência relativamente aos pedidos que haviam sido formulados pela Apelante sob as alíneas d) e e) decorre de uma manifesta confusão entre os conceitos de estabelecimento comercial e de sociedade unipessoal de que padece a sentença na sua parte final, confusão essa que, como melhor se verá, é transversal aos articulados das próprias partes.
Vejamos o que ficou escrito na fundamentação de direito relativamente a esses pedidos:
“(…)III – Passamos ao ponto seguinte que é o de saber quais os bens que ficaram por óbito de FF, falecida a 02/04/2009.
Esses bens foram:
1º - seis frações autónomas, sitas na freguesia ... – Aveiro -, designadas, respetivamente, pelas letras B, C, D, E, U e AG pertencentes ao prédio constituído no regime de propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., todas inscritas a favor do agora dissolvido casal GG e FF – nºs. 28 a 38 dos Factos Provados;
2º - as frações autónomas designadas pelas letras M e N do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., ambas inscritas a favor do casal (ora dissolvido) GG e FF – nºs. 39 a 42 dos Factos Provados;
3º - a fração autónoma designada pela letra Q do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... – nºs. 43 e 44 dos Factos Provados;
4º - a fração autónoma designada pela letra X do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... e Prolongamento da Rua ... – Rua ... e Viela ..., inscrito na matriz sob o artigo nº ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... – nºs. 45 e 46 dos Factos Provados.
Do cotejo sumário destes bens imóveis com a descrição dos bens identificados na escritura de “Habilitação de Herdeiros e Partilha” de 28/05/2009, para a qual a “Escritura de Retificação” de 27/06/2012 remete, vemos que coincidem integralmente quanto aos bens imóveis. Ou seja, todos os bens discriminados na escritura de Habilitação de Herdeiros e Partilha foram deixados por óbito de FF.
Por conseguinte, a ineficácia abrange a partilha de todos.
5º - Os depósitos bancários identificados no nº 47 dos Factos Provados, de razoável montante alguns;
6º - o estabelecimento comercial que GG e FF exploravam nas frações do prédio urbano sito na Av. ..., ..., denominado “B...” – nº 48 dos Factos Provados -, integrado pelos bens identificados em 49 dos Factos Provados, entre os quais os veículos de matrícula ..-..-IZ e VL-..-...
(…)
O estabelecimento comercial que existia à data do decesso da FF, era integrado pelos bens constantes do artigo 27.º da petição inicial, com exceção dos identificados nas alíneas h) e k) a s) – nº 49 dos Factos Provados -, entre os quais os veículos de matrícula ..-..-IZ e VL-..-...
Por conseguinte, o estabelecimento “B...” tem de considerar-se, com esta abrangência, como integrante da herança aberta por óbito da FF.
V – Falta saber quais os bens que integravam o estabelecimento comercial à data da constituição da sociedade “A..., Unipessoal, L.da”, a 27/02/2012, ou seja, cerca de cinco anos após o decesso da FF.
Como se vê de fls. 116/117, a sociedade “GG, Unipessoal, L.da”, foi constituída a 27/02/2012, com sede na Av. ..., ..., ..., e com o capital social de € 50.000,00 de que é titular GG, residente na Av. ..., ..., o qual foi designado gerente com poderes para a obrigar. A gerência passou, pela Insc. 2 – Ap. ... para DD, para o qual GG transmitiu a quota, conforme Menção Dep. .../2012-06-29. Provou-se que o GG quis doar, e não vender, a quota da sociedade “A..., Unipessoal, L.da” ao neto – nº 63 dos Factos Provados.
Temos, assim, que a sociedade “A..., Unipessoal, L.da” foi constituída com o ativo único de € 50.000,00 (capital social). E assim permaneceu até que, sendo a titularidade da quota e a gerência da sociedade já do neto DD, filho do filho CC, o GG, por escritura de 06/07/2012, lhe (à sociedade) vendeu, por escritura pública, representado pelo procurador II, livres de ónus ou encargos, as frações “B”, “C”, “D” e “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito Av. ..., ..., freguesia ..., concelho de Aveiro, pelo preço global de € 90.000,00 e os parcelares, respetivamente, de € 27.000,00, € 33.300,00, € 400,00 e € 29.300,00 – fls. 198/200.
A favor da dita sociedade unipessoal foram registados, a 03/03/2012, o veículo Citroen de matrícula ..-..-IZ e, a 30/03/2012, o veículo Citroen de matrícula VL-..-...
Note-se que a marca ...” foi obtida pelo GG após o falecimento da esposa FF.
Como estes bens e os veículos automóveis só parcialmente eram do vendedor GG, temos que existe venda de bens alheios. Não, do art. 892.º do C. Civil que rege para a venda dos bens totalmente alheios como próprios, mas do art. 902.º do C. Civil que rege para o caso (entre outros) de o vendedor alienar bens de que só é proprietário de uma quota ideal por maior que seja.
A disposição da coisa comum “tem de ser celebrada por todos os comunheiros, a não ser que haja consentimento prévio do ou dos comunheiros que não praticam o ato de disposição. Neste último caso, o consentimento deve ser prestado na forma exigida para o ato de disposição”.
Isto é assim porque a prática dos atos de alienação, que ultrapassam necessariamente a administração ordinária da coisa comum, “deverá depender do consentimento unânime de todos os comproprietários”.
A falta de intervenção no ato de alienação ou de consentimento de algum dos comunheiros, seja qual for o valor da sua quota, provoca o vício da ilegitimidade. O ato de disposição é havido como disposição de coisa alheia (art. 1408.º, nº 2), o que, na prática, significa uma remissão para o regime jurídico do ato praticado sem legitimidade. O que, a nosso ver, tem como consequência: a) a nulidade do ato entre as partes, seja oneroso ou gratuito – art. 892.º, ex vi dos arts. 939.º e 956.º, nº 1 (todos do C. Civil), respetivamente; b) em relação ao verdadeiro proprietário (insiste-se) é ineficaz. Já foi decidido, no entanto, que “o titular da coisa pode também arguir a nulidade, embora não necessite de fazê-lo”.
E assim temos, para concluir.
A) A “Escritura de Retificação” constante de fls. 267/271 lavrada a 27/06/2012 no Cartório Notarial do Dr. BBB da “Habilitação de Herdeiros e Partilha” lavrada a 28/05/2009 no Cartório Notarial do Dr. CCC, sito em Aveiro, constante de fls. 49/55, por falta de ratificação é ineficaz em relação aos herdeiros de FF.
B) Em resultado disso, os bens partilhados nas antes referidas escrituras continuam integrados na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF a 02/04/2009.
C) Em consequência, a adjudicação dos imóveis feita pelas mesmas escrituras ao GG não produziu quaisquer efeitos em relação à herança da FF.
D) Como não produziram quaisquer efeitos os demais atos de apropriação de outros bens da herança, designadamente o estabelecimento comercial “B...”, que continuam a fazer parte da herança.
E) Não produziu também efeitos a venda feita pela escritura de 06/07/2012 (fls. 198/202) das frações “B”, “C”, “D” e “E” do prédio em propriedade horizontal sito na Av. ..., ... da freguesia ..., Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ....”
Até este ponto nenhum erro de julgamento se vislumbra da sentença recorrida, preconizando aquela assertiva e bem sustentada fundamentação jurídica que tivesse ficado decidido na parte dispositiva da sentença o reconhecimento de que o estabelecimento comercial continuava a pertencer à herança aberta por óbito de FF, por força da ineficácia do acto de transmissão daquele estabelecimento comercial efectuado pelo herdeiro viúvo GG, desacompanhado dos demais herdeiros, para a sociedade unipessoal que havia criado e da qual era o único sócio, nos mesmíssimos termos em que havia ficado decidido relativamente à venda das frações  B, C, D e E.
Acontece que, contrariamente ao esperado e, salvo o devido respeito, de forma anacrónica, o tribunal a quo julgou improcedente o pedido que havia sido feito sob a alínea d), não declarando que a herança aberta por óbito de FF é proprietária daquele estabelecimento comercial (quando anteriormente o havia afirmado ser), julgou improcedente o pedido que havia sido feito sob a alínea e), não declarando a nulidade (neste caso ineficácia) da transmissão do referido estabelecimento para a sociedade A..., Unipessoal, Lda (quando anteriormente havia afirmado essa mesma ineficácia) e não ordenou a restituição de tal estabelecimento à referida herança (mera decorrência da ineficácia da transmissão), resultando essa improcedência de um erróneo raciocínio sobre uma alegada transformação do estabelecimento comercial em sociedade comercial e extinção daquele.
Vejamos o segmento final da sentença recorrida que nos suscita essas reservas:
“O estabelecimento comercial “B...” é titular do Alvará nº ... emitido pela Câmara Municipal ... – fls. 490 e nº 24 dos Factos Provados. A sociedade unipessoal só a 27/02/2012 foi criada, tendo por objeto “comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos alimentares e dietéticos com fins alimentares” e o capital social de € 50.000,00 da titularidade de GG – nºs. 10 e 11 dos Factos Provados.
Sendo assim, claro é que o estabelecimento comercial em referência existia à data do decesso de FF – 02/04/2009. Não pode, por isso, deixar de ser considerado como bem da herança desta. E, ao que se deduz dos factos articulados e provados (nº 47 dos Factos Provados) é um bem produtor de avultados lucros.
Certo é, contudo também, que, como dissemos, o estabelecimento passou a sociedade unipessoal na titularidade de GG (27/02/2012). Depois, por escritura de 15/06/2012, este (GG) doou a quota única (de € 50.000,00) de que era titular ao neto DD, por conta da quota disponível, ao qual (neto) pertencia à data da sua (do GG) morte (09/12/2014).
E o problema, aqui, é complicado, uma vez que, se a venda das frações referida em 19 dos Factos Provados é fácil de dirimir a favor da herança da FF por ilegitimidade manifesta do vendedor: a disposição de parte especificada da coisa comum ou de toda a coisa por quem é titular de uma quota ideal dela é havida, nos termos do nº 2 do art. 1408.º do C. Civil, como disposição de coisa alheia. Não parecem de aplicar as normas de venda de coisa alheia ao estabelecimento comercial, maxime depois de erigido em sociedade comercial, dotada de personalidade jurídica própria a partir do registo definitivo – art. 5º do CSC. E esta inscrição foi feita pela Ap. ... (fls. 116) – nº 11 dos Factos Provados.
Ora, se bem vemos, esta sociedade não pode confundir-se com o estabelecimento de dietética que existia na vigência do casamento do GG com a FF. Ponto é saber se a ineficácia da partilha acima aceite atinge, por arrasto, a constituição da sociedade unipessoal. Parece-nos que não. Até porque, tratando-se de estabelecimento comercial, o ativo a considerar na partilha está em constante mutação, com entrada e saída (venda para obtenção do lucro) dos bens. Isto é, o estabelecimento comercial que ficou por óbito da FF não é a sociedade unipessoal criada pelo marido nem o local aberto ao público onde ela e o marido vendiam os produtos dietéticos; é, antes, a empresa, como atividade, a exploração lucrativa da venda dos produtos dietéticos. Essa empresa, esse estabelecimento comercial esvaiu com o tempo e as transformações que o GG lhe foi impondo. Por conseguinte, não pode reivindicar-se para a herança da FF tal estabelecimento, que o tempo e a evolução da atividade comercial extinguiram numa morte lenta, mas fatal (como todas as mortes) do estabelecimento, que (se intui) foi, em vida da FF, muito rentável.”
Resulta evidente da factualidade apurada nos autos que à data do óbito de FF esta era titular, conjuntamente com o marido GG, de um estabelecimento comercial que foi criado em 1984 e que exploravam nas frações do prédio urbano sito na Av. ..., ..., sob a denominação “B...”, que era integrado pelos bens constantes do art. 27ºda PI (com excepção dos identificados nas alíneas h) e k) a s)), incluindo os dois veículos de marca Citroen aí identificados, que comercializava produtos da área da alimentação, cosmética, suplementos alimentares, homeopatia, emagrecimento e plantas medicinais, que prestava serviços, designadamente de naturopatia, que dava lucro, tinha alvará, equipamentos, mercadoria e clientela, trabalhadores e colaboradores.
Ficou assim apurado que o casal era titular de um verdadeiro estabelecimento comercial, caracterizado por um conjunto de bens e elementos corpóreos e incorpóreos devidamente organizados para o exercício de uma actividade económica, conforme sumariamente descritos nos pontos 48 a 56 dos factos provados. 
O estabelecimento é a unidade jurídica fundada numa organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade económica. ( sobre esta questão ver J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. I, 13ª edição, pág. 207 a 289; A. Menezes Cordeiro, Direito Comercial, 5ª edição, pág. 330 ss; Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, Vol. I, pág. 33 ss e 283 ss; Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, 2ª edição, pág. 104 ss; Fernando de Gravato Morais, Aliena~ção e Oneração de Estabelecimento Comercial, pág. 15ss).
O estabelecimento constitui um instrumento de exercício autónomo de uma actividade económica e é um bem jurídico que integra o património de uma ou mais pessoas singulares (em compropriedade, em comunhão conjugal, ou mesmo hereditária) ou de uma sociedade comercial, sendo também ele objecto de relações jurídicas.
Sendo um bem negociável, o estabelecimento comercial é um bem económico ou patrimonial, suscetível de ser cindido ou isolado da pessoa (singular ou coletiva) que o criou ou da pessoa a quem pertença num determinado momento.[6]
Deste modo, não se acompanha o entendimento do tribunal a quo quando refere que “o estabelecimento passou a sociedade unipessoal na titularidade de GG”, ou que foi “erigido em sociedade comercial,  porque o estabelecimento foi transferido para a sociedade como qualquer outro bem, nunca se transformou em sociedade nem se vê como seria isso possível, nem se compreende como se pode questionar se “a ineficácia da partilha (…) atinge, por arrasto, a constituição da sociedade unipessoal”, porquanto a sociedade tem personalidade jurídica e não se confunde com o seu activo ou património, que um dia é um e no outro pode ser diferente, basta que aliene parte do património.
A ineficácia da partilha também em nada atingiria a sociedade unipessoal constituída por um dos herdeiros, desde logo porque a partilha declarada ineficaz não a abrangeu, porque tal sociedade não existia à data da morte de FF e por conseguinte não constituía património a partilhar, diferente do estabelecimento com o qual a sociedade nunca se confunde, estabelecimento este que ao contrário da sociedade constitui um bem a partilhar por todos os herdeiros de FF.
A sociedade unipessoal existe, tal qual existe o estabelecimento comercial que para ela foi transmitido, esta transmissão é que é ineficaz perante os demais herdeiros, apesar disso mantem-se incólume a sociedade por não estar em causa qualquer vício na sua constituição.
O estabelecimento comercial é um bem jurídico complexo- porque composto por vários bens e elementos, corpóreos e incorpóreos- e unitário- porque constitui uma unidade funcional e jurídica, suscetível de ser globalmente transacionado, transmitindo-se, portanto, todos os bens (corpóreos e incorpóreos) e elementos que o integram, sem que seja necessário que as partes os inventariem, separem e os transacionem isoladamente.[7]
Uma sociedade unipessoal pode ter no seu património um estabelecimento comercial, como por regra acontece, mas com ele não se confunde, sendo o estabelecimento um bem passível de ser cindido a qualquer momento da sociedade ou da pessoa a quem pertença.
A sociedade unipessoal é um tipo de sociedade comercial, que se rege pelas disposições previstas nos arts. 270-A a 270º-G do CSC, criada por um único sócio, titular de uma só quota que é representativa da totalidade do capital social, tem personalidade jurídica, distinta da do sócio, dotada de autonomia patrimonial, de responsabilidade limitada.
Apurou-se nos presentes autos que foi criada no início do ano de 2012, anos depois do falecimento de FF (falecida em Abril de 2009) a sociedade A..., Unipessoal, Lda, com o NIPC nº ... tendo por objecto o comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos alimentares e dietéticos com fins alimentares, a qual foi inscrita pela Ap. ... com o capital de €50.000,00 pertencente a GG, viúvo, ao qual pertencia a gerência.
Aquando da constituição da referida sociedade unipessoal, GG transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “B...”, equipamentos, mercadoria e a respectiva clientela ( ponto 54 dos factos provados).
O estabelecimento pode ser objecto de transmissão definitiva através de contratos de compra e venda- trespasse-, de doação, ou de entrada em sociedade (entrada em espécie) como se extrai dos arts. 19º nº 1 al. b), 20º al. a), 25º e 28º do CSC.
Tal como escreve Fernando de Gravato Morais, “a palavra “trespasse” foi a que adquiriu maior relevo no ordenamento jurídico português. Trata-se, todavia, de um termo de conteúdo genérico cuja sinonímia podemos também encontrar nas expressões transmissão, transferência e alienação, entre outras.
Em primeiro lugar, o trespasse deve (e só pode) ser entendido como um negócio sobre o estabelecimento.
Por outro lado, a ele apenas se subsumem as transmissões definitivas da organização, excluindo-se todas as outras. O que está em causa é, portanto, a transferência do direito de propriedade sobre o estabelecimento.
Acresce que nele só cabem os negócios celebrados entre vivos
Por fim, realce-se que o trespasse reveste frequentemente carácter oneroso- sendo assim entendido nalguns preceitos (…) mas não é forçosos que tal suceda. Nele cabem ainda os negócios gratuitos.”[8]
Embora não conste dos autos o modo específico como foi transferido o estabelecimento do sócio para a sociedade unipessoal, o que releva é que ficou efectivamente provado que o sócio GG transmitiu aquele estabelecimento para a sociedade unipessoal que criou.
Tal como também afectou a esse estabelecimento os dois veículos automóveis, estando provado que GG em 30.03.2012 registou em nome da sociedade (estando subjacente que os transmitiu, gratuita ou onerosamente não importa) os veículos de matrícula ..-..-IZ e VL-..-.. (pontos 20, 21 e 49 dos factos provados).
A sociedade unipessoal foi instalada, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupava a loja “B...” e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal GG e FF.
Em Junho desse mesmo ano (2012) GG vendeu à referida sociedade as frações autónomas designadas pelas letras B, C, D, E do prédio constituído no regime de propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., Aveiro, precisamente onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial e se veio a instalar a referida sociedade.
Isto é, aquando da constituição da sociedade A..., Unipessoal, Lda o seu único sócio para ela transferiu o estabelecimento comercial com a globalidade dos seus elementos corpóreos e incorpóreos, bem sabendo que esse estabelecimento comercial não lhe pertencia em exclusivo, porque fizera parte da comunhão conjugal com a sua mulher e depois do falecimento desta uma quota parte do mesmo ficou a pertencer àquela herança indivisa.
Relativamente à venda das frações que não pertenciam em exclusivo ao herdeiro GG, sendo apenas um dos herdeiros da herança à qual tais frações continuavam a pertencer (declarada que foi ineficaz a partilha através da qual lhe foram tais bens adjudicados) essas vendas foram declaradas ineficazes na sentença recorrida.
E igual desfecho se impõe relativamente à transmissão do estabelecimento comercial, que também não lhe pertencia em exclusivo, consubstanciando esse acto de transmissão, como res inter alios, um acto verdadeiramente ineficaz perante os demais herdeiros, nomeadamente a Apelante.
Não tendo a Apelante tido qualquer intervenção nos negócios de transmissão dos bens pertencentes à herança da qual também é herdeira, sendo tais actos perante ela ineficazes- res inter alios acta- os mesmos são insuscetíveis de produzir efeitos sobre o património a que tem direito, operando essa ineficácia dos contratos ipso iure.
Consequentemente devem ser declarados procedentes os pedidos formulados sob a alínea d) ( mencionando-se o conteúdo do estabelecimento que foi em termos sumários apurado nos autos, não sendo esta a sede própria para apurar com rigor designadamente o seu valor à data do óbito de FF) e sob a alínea e) da petição inicial. 
Declarada a ineficácia da venda das frações efectuada pela escritura de 6.07.2012 à sociedade unipessoal, não podem tais bens permanecer registados a favor da Apelada, devendo ordenar-se, conforme peticionado na alínea g) do pedido inicial, o consequente cancelamento dos respectivos registos de aquisição, repondo-se a veracidade que o registo deve espelhar, pois que, tal como também foi abordado na sentença recorrida, não pode a Apelada/Ré beneficiar da proteção prevista no art. 291º do CC.
“A proteção dos terceiros adquirentes de boa-fé estabelecida no art. 291º do C.Civil não é aplicável aos negócios gratuitos, assim como não é invocável no caso de negócio oneroso de transmissão de bens alheios, perante o verdadeiro proprietário, porquanto, perante o proprietário, aquele contrato não tem nenhum valor assumindo o cariz de inter allius acta, sendo que a ineficácia do contrato relativamente ao proprietário opera ipso iure.
Não tendo o registo natureza constitutiva, mas apenas valor declarativo, os atos existem fora do registo, sendo o efeito deste simplesmente declarativo, não conferindo, por princípio, quaisquer direitos.”(Ac RP de 9/3/2020, Proc. nº 1873/18.6T8PVZ.P1).
Tal como se faz alusão no Acórdão acima mencionado, “Por outro lado, o artigo 291º do Código Civil que consagra um sistema protetivo dos interesses de terceiros (adquirentes a titulo oneroso de boa-fé), no tocante a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, não se aplica em casos de ineficácia do ato aquisitivo, como sucede, em relação ao verdadeiro proprietário, com a venda de coisa alheia.” (no mesmo sentido, Ac STJ de 06.12.2018, Proc. nº 7787/12.6TBSTB.E1.S1, www.dgsi.pt).
Uma última palavra para a apreciação do pedido formulado pela Apelante sob a alínea f) da petição inicial, para dizermos que tal como esta ação foi estruturada e, tendo presente o objectivo confessadamente pretendido pela Apelante, a sua apreciação sempre se nos afiguraria inconsequente, pois que o negócio cuja nulidade pretende ver declarada diz respeito à doação da quota que GG fez ao seu neto DD em 15.06.2012, quota essa que pertencia em exclusivo ao doador e não era bem que integrasse a herança aberta por óbito de FF.
Uma vez que a quota objecto da escritura de 15.06.2012 não integrou a herança aberta por óbito de FF, sendo pertencente unicamente ao doador, este dela podia dispor como dispôs doando-a por conta da quota disponível ao Apelado DD.
Cremos que também a Apelante incorre num equívoco quando refere que a globalidade do estabelecimento comercial foi incluído na doação da quota que lhe foi feita pelo seu avô, afirmação pouco rigorosa, porquanto o estabelecimento embora tenha integrado o património da sociedade por força da transmissão efectuada por GG para a referida sociedade aquando da sua constituição, é um bem jurídico autónomo da sociedade, cindível, passível de ser transacionado sem que seja acompanhado da transmissão da quota e vice-versa.
A transmissão da participação social e a transmissão do estabelecimento não são actos confundíveis, como refere também DDD, a “cessão da quota tem em vista, como o próprio nome indica, a transmissão da própria quota, o objecto desse negócio. Quanto ao estabelecimento, que (eventualmente) integre o património da sociedade, permanece com a cessão na esfera jurídica desta. Os sócios não têm direitos sobre os bens que compõem o património daquela, mas apenas perante a sociedade.”[9]
E o caso em apreço é paradigmático disso mesmo, porquanto GG doou a DD, por conta da quota disponível, a única quota da sociedade A..., Unipessoal, Lda da qual era o único titular, podendo-o fazer e tendo-o feito de forma válida e eficaz, mas essa transmissão não foi acompanhada da transmissão do estabelecimento comercial (com tudo o que nele se inclui- designadamente mercadorias, clientela, veículos automóveis) existente à data da abertura da herança por óbito de FF porque o acto de transmissão do referido estabelecimento de GG para a sociedade unipessoal é ineficaz ipso iure , tal como o é a venda das frações em que a sociedade está instalada e onde era explorado o estabelecimento comercial.
Tenha ou não sido a doação da quota um artifício utilizado pelo doador para tentar transmitir o estabelecimento ao neto DD, o que é certo é que a doação da quota não teve esse efeito por força da ineficácia que o acto anterior de transmissão do estabelecimento padece.
Por tais razões se afigura inconsequente abordar a questão da eventual simulação da doação da quota, pois que se a ela subjacente está, como alega a própria Apelante, uma eventual intenção de venda do estabelecimento comercial, o negócio celebrado nunca teve a virtualidade de operar qualquer venda do estabelecimento comercial porque este pertence, como sempre pertenceu, à herança indivisa aberta por óbito de FF, sendo ineficaz qualquer negócio que almeje retirá-lo da referida herança.
Pelo exposto, procedendo em parte os argumentos recursivos, tal conduzirá à revogação parcial da sentença recorrida nos moldes acima mencionados.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Apelante, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, substituindo-a pelo seguinte:
d) Declara-se que pertence à herança aberta por óbito de FF o estabelecimento comercial denominado “B...”, a laborar nas frações B, C, D, E do prédio urbano sito na Av. ..., ..., em Aveiro, integrado pelos bens identificados no ponto 49 dos factos provados, entre os quais os veículos de matrícula ..-..-IZ e VL-..-..;
e)Julga-se ineficaz a transmissão do estabelecimento comercial denominado “B...”, identificado nos pontos 48, 49, 54 e 55 dos factos provados, efectuada por GG para a sociedade A..., Unipesssoal, Lda, ordenando-se a restituição desse estabelecimento à herança aberta por óbito de FF, condenando-se os Apelados nessa restituição, bem como a absterem-se de qualquer comportamento que perturbe a propriedade da herança relativamente a esse estabelecimento;
f) Ordena-se o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos sobre os imóveis objecto da escritura de compra e venda outorgada em 6 de Julho de 2012, exarada a fls. 14 a 16 do Livro ... do cartório Notarial sito na Rua ..., em Lisboa;
No mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo de Apelante/Autora e Apelados/Réus, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1/3 e 2/3 respectivamente.
Notifique.
Após trânsito, deverá ser comunicada à CRP competente a presente decisão.

Porto, 5 de Março de 2024
Maria da Luz Seabra
João Proença
Alexandra Pelayo

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, 2ª edição, p. 789 e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, p. 90 ss
[3] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[4] A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, Ac RP de 13.06.2023, Proc. Nº 1169/21.6T8PVZ.P1; AC STJ de 29.09.2020, AC STJ de 17.05.2017, www.dgsi.pt
[5] Ac RP de 21/6/2021, Proc. nº 7879/19.0T8VNG.P1, www.dgsi.pt
[6] Coutinho de Abreu, ob. Cit, pág. 222
[7] Flávio Mouta Mendes, www.sociedadescomerciais.pt
[8] Ob. Cit, pág. 78/79
[9] Ob. Cit, pág. 122/123