ALTERAÇÃO DO PEDIDO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO SIMULTÂNEA
ARTICULADO SUPERVENIENTE
RELAÇÃO JURÍDICA CONTROVERTIDA DIVERSA
Sumário

I- alteração simultânea do pedido e da causa de pedir fundada na ocorrência de facto superveniente verificado após a fase dos articulados não está sujeita aos requisitos consagrados no art. 265º do CPC, regendo-se pelo disposto nos arts. 588º e 611º do CPC.
II- Não obstante, uma tal alteração do objeto do processo não pode resultar na convolação a relação jurídica controvertida para outra diversa.
III- Tal obstáculo não se verifica nas situações em que os pedidos inicialmente formulados consistiam na indemnização por danos decorrentes de incumprimento contratual, na medida em que as alterações do pedido e da causa de pedir se reportam aos danos decorrentes do mesmo ilícito contratual.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A [ Sociedade de Direito Francês ] intentou ação declarativa de condenação contra B [ … Navais, S.A.] pedido a condenação da Ré a:
a) Indemnizar a Autora pelos danos causados na embarcação, no montante já liquidado de pelo menos € 74 669, mas cujo valor final deverá ser liquidado em execução de sentença após a inspeção da embarcação, devendo a este valor acrescer os valores para a contratação de gruas e parqueamento da embarcação durante a reparação, todos a liquidar em execução de sentença, nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPC e arts. 564.º, n.º 2, e 565.º do CC;
b) Indemnizar a Autora pelos:
a. Danos já presentes na embarcação que, por não serem atualmente visíveis, venham a acrescer ao custo de reparação;
b. Danos que se venham a verificar na embarcação pela sua imobilização prolongada dentro de água;
c. Danos que se venham a verificar na embarcação devido ao seu fundeamento precário;
d. Danos que a embarcação venha a provocar a terceiros devido ao seu fundeamento precário, e
e. Prejuízos devido à imobilização da embarcação e a consequente impossibilidade de proceder ao seu aluguer,
Tudo valores a liquidar em execução de sentença nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPC e arts. 564.º, nº 2, e 565.º do CC;
c) Pagar à Autora juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou ter celebrado com a ré um contrato de depósito oneroso relativo a determinada embarcação, e que esta o incumpriu, porquanto não observou os deveres de guarda e vigilância da mesma embarcação entregue ao seu cuidado, o que culminou com a ocorrência de danos na mesma.
Adiantou que em face da recusa da ré em suportar os custos de reparação, da indisponibilidade financeira da autora dispor de meios financeiros para a sua reparação, e da inexistência em Aveiro de local a seco onde o engenho pudesse ser parqueado/varado, aquela embarcação veio a ser fundeada/ancorada no único ponto possível na Ria de Aveiro, de forma inadequada e precária, dadas as suas dimensões e a exposição aos elementos.
Precisou que o prolongamento da estadia a nado, para além de acarretar custos com a verificação periódica do estado da ancoragem da embarcação, é passível de provocar graves danos no casco e apêndices, para além de que a precariedade do fundeamento potencia a probabilidade de a nave se soltar e provocar danos a terceiros.
Finalmente, aduziu que a privação do uso da embarcação, por causa imputável ré, a impediu (a ela, autora) de alugar a nave e com isso obter proventos com tal exploração.
No decurso da audiência final, em 15-02-2022[1] a autora deduziu articulado superveniente no qual ampliou o pedido primitivo, tendo neste incluído a reparação da travessa dianteira da embarcação, no valor estimado de € 18.000, a liquidar em execução de sentença nos termos peticionados para os demais danos sofridos pela nave.
Tal articulado superveniente foi liminarmente admitido e após o exercício do contraditório por banda da Ré, determinou-se a continuação da audiência final com a inquirição das testemunhas que as partes arrolaram por conta da alegada nova realidade trazida a juízo pela Autora.
Subsequentemente, por requerimento de 28-11-2023[2], a autora apresentou requerimento, manifestando a intenção de “alterar o pedido, através da sua  redução e ampliação”, tendo começado por alegar – em síntese – que:
- No dia 31-10-2022, a autora celebrou com a sociedade Carbo Racing um contrato de compra e venda da embarcação ajuizada, sendo que as partes então acordaram que a transferência de propriedade se daria com a retirada da nave do local onde a mesma se encontrava ancorada, o que ocorreu em Setembro de 2023;
- Entre os vários pedidos deduzidos na petição inicial, a autora peticionou a condenação da ré a pagar os custos de reparação dos danos que provocou à embarcação, os quais, quanto à extensão e valor deveriam ser liquidados em execução de sentença, dada a impossibilidade técnica de determinar a real extensão dos estragos com a nave a flutuar e a exigência dos estaleiros contactados em efetuar uma inspeção a seco para apresentarem o orçamento final do conserto;
- A autora pediu ainda o pagamento dos custos necessários à reparação da embarcação, nomeadamente, as despesas com transporte, parqueamento e varação, o qual, dada a sua imprevisibilidade, era também um pedido ilíquido;
- Com a alegada venda, a autora deixou de ter na sua posse a embarcação, para além de que não sabe se vão ser feitas reparações, que reparações vão ser efetuadas feitas ou o custo que as mesmas e as operações a estas associadas irão ter, pelo que nunca poderá liquidar tais pedidos genéricos;
- Por força de tal facto, os prejuízos causados pela ré, neste momento já não se prendem somente com o valor de reparação da embarcação, mas também com o facto de a autora se ter visto na necessidade de vender a nave para evitar continuar a somar prejuízos e responsabilidades
- Com a venda do engenho, a autora considera mais correto, do ponto de vista da quantificação do dano, ter em conta, já não o custo da reparação dos estragos – cuja liquidação seria agora extremamente difícil –, mas a desvalorização causada na embarcação pela ocorrência do evento danoso (€ 835.000), correspondente à diferença entre o valor de mercado da nave antes de sofrer os danos provocados pela Ré (€ 900.000) e o seu valor de mercado à data da sua venda (€ 65.000) em face dos estragos causados por aquela e pela sua recusa em repará-los.
Com base nesta alegação, a autora precisou que o art. 265.º, n.º 2, do CPC lhe permite-– até ao encerramento da discussão em 1.ª instância – reduzir e ampliar o pedido se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Destacou ainda que, por força do disposto no art. 611.º, n.º 1, do CPC, a sentença deve tomar em consideração os factos jurídicos supervenientes.
Salientou que a venda da embarcação é um facto superveniente que tornou impossível a liquidação do pedido originário, nomeadamente o pedido de pagamento da reparação da embarcação e demais custos associados.
Minuciou que tal facto acarreta a necessidade de alterar o pedido através da liquidação imediata do quantum indemnizatório, o qual corresponde à diferença do valor do mercado do salvado antes e depois dos danos que lhe foram infligidos pela ré, estimando-se, pois, em € 835.000 e enquadrando-se no dever de indemnizar previsto nos art. 562.º e ss. do CC.
Realçou que o quantum indemnizatório ora determinado é uma consequência do pedido primitivo na medida em que a diferença do valor do salvado decorre dos danos provocados pela ré e das dificuldades que estes criaram para a reparação da embarcação.
Terminou pedindo que fosse admitida a presente “ampliação/redução” do pedido, o qual se mantém inalterado quanto aos danos pelo impedimento de alugar a embarcação a terceiros e danos que a autora possa vir a ser demandada por possíveis danos causados a terceiros durante o período em que a nave esteve deficientemente fundeada.
Em conformidade, pediu que a ação fosse julgada provada e procedente mediante a condenação da ré a indemnizá-la (a ela autora):
1. Pelos danos causados na embarcação, o valor corresponde à diferença do valor de mercado do salvado antes e depois dos danos que lhe foram infligidos pela ré, a qual liquida em € 835.000;
2. Pelos danos que a embarcação tenha provocado a terceiros devido ao seu fundeamento precário;
3. Pelos prejuízos devidos à privação do uso da embarcação na atividade da autora até pagamento da indemnização devida, que possibilite a aquisição de outra embarcação para a mesma finalidade, valor a liquidar em execução de sentença nos termos dos art. 609.º, n.º 2, do CPC e 564.º, n.º 2, e 565.º do CC;
… quantias acrescidas de juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da citação até integral pagamento.
A ré, por requerimento de 12-12-2023[3], opôs-se a tal pretensão da autora.
Contrapôs desde logo que não dá o seu o acordo à ampliação do pedido e da causa de pedir agora requeridas pela autora.
Opôs que a referida ampliação não consiste no desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo nem resulta de confissão efetuada pela ré, pelo que não pode ser atendida nesta fase dos autos.
Ripostou que, fora dos casos previstos nos arts. 264.º e 265.º, n.º 1, do CPC, a causa de pedir apenas pode ser alterada na sequência da apresentação de um articulado superveniente, nos termos do art. 588.º do CPC, sendo que tal articulado não pode servir para fundamentar a alteração do pedido inicialmente formulado e da causa de pedir que o sustenta por um que nada tem que ver com este, como pretende in casu a autora.
Objetou que, tendo a Autora alegado a titularidade do direito de propriedade sobre a embarcação objeto dos presentes autos e, nessa sequência, peticionado a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização destinada a suprimir os danos causados e que se venham a verificar na sua nave bem como os prejuízos devido à imobilização do dito engenho e a consequente impossibilidade de proceder ao seu aluguer, não pode agora vir alegar a transmissão de propriedade sobre o referido bem e, nessa sequência, requerer a alteração dos pedidos inicialmente formulados pela condenação da sua contraparte no pagamento do valor correspondente ao “valor de mercado do salvado antes e depois dos danos que lhe foram infligidos pela ré”, já que tal modificação, por ampliação, não constitui desenvolvimento nem é consequência do(s) pedido(s) primitivo(s).
Terminou nesta parte pugnando pela inadmissibilidade legal da ampliação do pedido ora requerida pela autora, a qual também não é passível de ser considerada como dando azo a qualquer articulado superveniente.
Seguidamente foi proferido despacho[4] com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, e com tais fundamentos, indefiro o requerimento da Autora de fls. 464-480 (28-11-2023), sem prejuízo dos esclarecimentos acima referidos que a mesma deve prestar, no prazo de 10 dias.
(…).
Custas do incidente a que deu azo a cargo da Autora, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça devida.”
Inconformada com esta decisão, a autora interpôs recurso de apelação, cuja motivação resumiu nos termos das seguintes conclusões:
III.I – Da ampliação do pedido
1) Conforme é entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, nos termos do art. 265º, nº 2 do CPC, é admitida a ampliação do pedido quando esteja virtualmente contida no pedido inicial e na causa de pedir da acção;
2) Nos presentes autos a causa de pedir é sem dúvida o facto de a Ré, no decurso do contrato de depósito, ter danificado a embarcação da Autora;
3) O pedido primitivo formulado consiste na reparação dos danos patrimoniais provocados pela danificação da embarcação da Autora;
4) Danos estes que, não sendo possível a sua reparação natural, por força do disposto no art. 562º e 566º do CC, foram determinados através da fixação de uma quantia em dinheiro que pretendia colocar a Autora na situação patrimonial em que se encontrava antes do evento danoso;
5) Dado que à data da interposição da acção a Autora pretendia continuar a usar a embarcação em causa, a quantificação destes danos patrimoniais foi feita através da quantificação do valor da reparação da embarcação, o qual face à iliquidez dos danos foi feito através do peticionamento de uma indemnização provisória e do valor final da reparação a liquidar;
6) Ora, no momento da interposição da acção, de forma a ressarcir estes danos, a Autora poderia ter calculado o valor da indemnização através da diferença entre o valor da embarcação antes da sua entrega à Ré e o valor da embarcação após esta ter sido danificada;
7) Face ao supra exposto verifica-se que na requerida ampliação do pedido, causa de pedir – evento danoso – mantém-se, o pedido – indemnização por danos patrimoniais advenientes desse mesmo evento – mantém-se, mudando apenas o modo de cálculo do dano, o qual passa a ser aferido pelo valor venal antes e depois do evento danoso e já não pelo custo da reparação;
8) Nesta medida, é evidente que o pedido ampliado está contido na causa de pedir e no pedido primitivo, pelo que ao não admitir a ampliação do pedido o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 265º, nº 2 e 611º, nºs 1 e 2 do CPC;
9) Subsidiariamente, na medida em que entende a Autora que não foi alegou nesse sentido, ainda que fosse válido o entendimento do Tribunal a quo que a alegada “obrigatoriedade de alienação da embarcação” constituía uma nova causa de pedir, sempre seria admissível a ampliação do pedido;
10) Isto porque, a alegada “obrigatoriedade de alienação da embarcação ”constituiria um facto superveniente constitutivo do direito ao pedido ampliado, o qual por força do disposto no art. 588º do CPC, poderia ser trazido aos autos através de articulado superveniente;
III.II – Da instauração de nova acção e da alegada possibilidade de liquidação dos danos
11) Como fundamento para o indeferimento da ampliação do pedido veio o Tribunal a quo alegar que:
- A Autora poderá formular o pedido ampliado em acção distinta; e
- Que ainda é possível à Autora liquidar os danos que não eram visíveis com a embarcação a nado.
12) Ora, tais argumentos apenas confirmam a posição sufragada pela Autora constante das conclusões supra;
13) Quanto à possibilidade de o pedido ampliado ser formulado em acção distinta, verifica-se que tal seria duplamente inviável porquanto, a nova acção:
- Nos termos do disposto no art. nos arts. 580º e 581º do CPC, configuraria uma situação de litispendência ou caso julgado(consoante a acção fosse intentada antes ou depois do trânsito em julgado da presente acção), na medida em que haveria identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido;
- Nos termos do disposto no art. 473º do CC, configuraria uma situação de enriquecimento sem causa;
14) Tal impossibilidade de formular o pedido ampliado noutra acção é demonstrativo da inadmissibilidade da decisão recorrida, porquanto é esta violadora do disposto no art. 2º, nº 2 do CPC, na medida em que impede o acesso a uma acção capaz de salvaguardar o direito violado;
15) Quanto à possibilidade de os danos virem a ser liquidados noutra acção verifica-se que a conclusão do Tribunal a quo resulta não de qualquer facto alegado pelas partes, mas sim de consultas a sites da internet realizados pelo Tribunal sem qualquer contraditório pelas Partes;
16) Tal facto é desde logo violador do disposto nos arts. 3º e 5º do CPC;
17) Sem prescindir, ainda que fosse possível concluir que a embarcação vai ser reparada, não sabemos se vai ser reparada para ficar nas mesmas condições que tinha no momento em que foi danificada, se o proprietário, tendo um estaleiro próprio vai contabilizar os custos de reparação ao valor de mercado que a Autora iria suportar se reparasse a embarcação e não está o comprador, sobretudo tendo residência no estrangeiro, obrigado a prestar informação à Autora sobre o custo da reparação da embarcação;
18) Estes factos, efectivamente, impedem a Autora de liquidar o pedido originário;
19) Verifica-se ainda que a posição sufragada pelo Tribunal a quo não é admissível porquanto, para obter o total ressarcimento do seu direito, obrigava a Autora a ficar com a propriedade do barco indefinidamente até ao terminus da presente acção;
20) Para evitar este tipo de situações o art. 611º, nº 1 do CPC não só permite, como impõe que “a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”;
21) A não ser assim, mesmo que a Autora tivesse ganho de causa, relegando a liquidação para momento posterior, poderia, com grande probabilidade, nunca conseguir efetivar o seu direito por nunca conseguir liquidar esses danos;
22) Pois, pelos motivos acima aduzidos, pode a embarcação não vir a ser reparado, não ser reparado com as mesmas características, ser desmantelado, não ser possível obter informação dos custos da reparação, etc;
23) E isto configuraria uma denegação de justiça não consentida pelo artigo 2º do CPC e 20º da CRP.
Rematou as suas conclusões nos seguintes termos:
“Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, anulando-se o despacho recorrido e substituindo-se este por outro que aceite a ampliação do pedido nos termos requeridos”.
A ré contra-alegou, tendo sintetizado a sua posição nas seguintes conclusões:
I- Dispõe o artº. 260º., do CPC, que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei;
II- De onde resulta que o autor, antes da apresentação da ação, deve desenhar a estratégia que prossegue, identificar os sujeitos da relação processual e tomar uma posição clara, quer sobre a solução que pretende para o litígio, quer sobre os fundamentos que a sustentam;
III- Como exceção ao princípio da estabilidade da instância supra identificado, estatui o artº. 264º., do CPC, que havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em primeira ou segunda instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito;
IV- E, estatui o artº. 265º., nº. 1, do CPC, que, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, desde que a alteração ou ampliação seja feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação;
V- Por outro lado, estatui o número 2 do mencionado normativo legal que para que o autor possa proceder à ampliação do pedido, o que deverá fazer até ao encerramento da discussão em 1ª. instância, é necessário que a referida ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo;
VI- Nesta medida, para que se possa concluir pela admissibilidade da ampliação do pedido sempre será de exigir que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos;
VII- Todavia, inversamente ao alegado pela Recorrente, não só o pedido formulado não assenta na causa de pedir primitiva, como nem sequer se engloba, ainda que virtualmente no pedido inicialmente formulado,
VIII- Porquanto, o pedido ora formulado nos autos não se mantém dentro do mesmo facto jurídico, consubstanciando um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos, dado que apenas é possível de formular com a alegação de factos novos que se prendem com a obrigatoriedade de alienação da embarcação objeto dos presentes autos e dos prejuízos em que a Recorrente alegadamente incorreu com tal negócio;
IX- Assim, contrariamente ao que defende a Recorrente, não se pode considerar que a ampliação do pedido agora requerida se encontra inserida no pedido primitivo;
X- Na verdade, apesar do esforço despendido pela Recorrente para tentar convencer o Tribunal quanto à admissibilidade da ampliação do pedido, certo é que não se está perante uma ampliação do pedido, mas antes perante uma verdadeira alteração deste;
XI- Tanto assim é que, paralelamente à alegada ampliação do pedido, a Recorrente requereu a redução do pedido, prescindindo, dessa forma, dos pedidos inicialmente formulados em sede de petição inicial,
XII- Alteração esta que, pura e simplesmente, não encontra cobertura legal no disposto nos artºs. 264º. e 265º. do CPC;
XIII- Não obstante o exposto, alega a Recorrente que a alteração da causa de pedir e do pedido sempre seria admissível através da apresentação de um articulado superveniente;
XIV- Ora, estatui o artº. 588º., nº. 1 do CPC que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão;
XV- O mencionado normativo legal tem por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, servindo para carrear para os autos os factos essenciais a que alude o artº. 5º., nº. 1, do CPC;
XVI- Permitindo, assim, ao tribunal dar integral cumprimento ao disposto no artº. 611º., do CPC, nos termos do qual a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que sejam posteriores à proposição da ação;
XVII- Contudo, tal articulado não pode servir para fundamentar a alteração do pedido inicialmente formulado e da causa de pedir que o sustenta por um que nada tem que ver com este;
XVIII- Com efeito, para que se pudesse concluir pela admissibilidade dos factos alegados pela Recorrente mediante a apresentação de articulado superveniente, sempre se teria de exigir pela existência de uma identidade entre a causa de pedir inicial e a causa de pedir resultante dos factos alegados no articulado superveniente;
XIX- O manifestamente não se verifica no caso sub judice!
XX- E, mesmo que assim não se entendesse – o que não se admite e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona –, sempre se diga que o Recorrente requereu a alteração do pedido e da causa ao abrigo artº. 265º. do CPC e não do artº. 588º. do CPC;
XXI- O que vale por dizer que o Tribunal a quo nunca poderia admitir a alteração do pedido e da causa de pedir com base no artº. 588º. do CPC, pois que, pura e simplesmente, não foi apresentado qualquer articulado superveniente;
XXII- Por outro lado, apesar de tal ser absolutamente irrelevante para o que aqui se discute, a Recorrente insurge-se ainda contra a afirmação efetuada pelo Tribunal a quo, na decisão recorrida, quando afirma a possibilidade de ser instaurada uma nova ação tendo por base a causa de pedir agora alegada, referindo a este propósito que a apresentação de uma nova ação sempre seria suscetível de configurar uma exceção de litispendência ou caso julgado;
XXIII- Contudo, para que se pudesse concluir por uma situação de caso julgado ou litispendência sempre seria necessário que se verificasse uma identidade de pedidos, de causas de pedir e de sujeitos;
XXIV- Tríplice identidade essa que manifestamente não se verificará, caso venha a ser apresentada uma nova ação com base nos factos alegados no requerimento de ampliação do pedido,
XXV- Pois que, nessa eventualidade, apenas se verificaria uma identidade de sujeitos!
XXVI- Por sua vez, quanto à violação do disposto nos artºs. 3º. e 5º. do CPC sempre se diga que a decisão de não admissão do requerimento de ampliação do pedido – única decisão que aqui se encontra em causa – não se fundou na possibilidade ou não de a Recorrente vir a liquidar os danos que alega terem sido causados pela Recorrida na embarcação objeto dos presentes autos;
XXVII- Na verdade, da leitura do despacho recorrido, facilmente se verifica que o que o Tribunal fez foi, tão só, determinar a notificação da Recorrente para que viesse aos autos informar se, em face da não admissão do requerimento de ampliação do pedido, ainda assim, pretendia a redução do pedido inicialmente formulado nos autos,
XXVIII- Afirmando a este propósito que, em seu entender, a Recorrente não se encontra impossibilitada de liquidar o valor dos danos alegados em sede de petição inicial;
XXIX- E, mesmo que assim não fosse, nunca se poderia concluir pela violação do disposto nos artºs. 3º. e 5º. do CPC, dado que o Tribunal a quo não só não resolveu qualquer conflito de interesses sem que tal resolução não lhe tivesse sido solicitada pelas partes, mas também porque não trouxe para o processo qualquer facto essencial que não tenha sido alegado pelas partes;
XXX- Na verdade, a questão da eventual reparação da embarcação resulta, desde logo, do Docº. nº. 3 junto pela Recorrida com o requerimento com a referência nº. 47390169, apresentado em 2023.12.12, o que, de resto, é reconhecido pelo Tribunal a quo no despacho recorrido;
XXXI- De onde resulta que a questão da eventual reparação da embarcação pela sociedade adquirente sempre poderia ser tida em conta pelo Tribunal nos termos do artº. 5º., nº. 2, alínea a) do CPC,
Remata as suas conclusões nos seguintes termos:
“deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida”
Admitido o recurso, remetido o mesmo a este Tribunal e aqui recebido, foram colhidos os vistos.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[5]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil[6]).
Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões  que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[7].
Assim sendo, as questões a apreciar e decidir residem em determinar se se verificam os pressupostos de que depende a alteração superveniente do pedido e da causa de pedir.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
Os factos relevantes para a decisão da presente apelação são os constantes do relatório que antecede.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da alteração simultânea do pedido e da causa de pedir
Como se afere da leitura do requerimento analisado no despacho apelado, muito embora a autora tenha utilizado, para remessa eletrónica do mesmo, o formulário intitulado “articulado superveniente”, o certo é que no corpo do mesmo requerimento não o apelidou dessa forma, antes expressou a intenção de “alterar o pedido”, invocando para tal o disposto no art. 265º, nº 2 do CPC.
A decisão apelada começou, por isso, por aferir se a pretendida alteração do pedido poderia ser admitida nos termos da disposição legal invocada pela autora e ora apelante, tendo exposto o seguinte:
“O art. 5.º do CPC impõe às partes o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
Para além dos factos alegados pelas partes, o juiz deve ainda considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e ainda os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
As partes têm, assim, apenas o ónus de alegar os factos essenciais.
No caso específico do Autor, os factos essenciais, na medida em que fundam o pedido, devem ser articulados na petição inicial [art. 552.º, n.º 1, al. d), do CPC]. Efectivamente, tais factos, enquanto constitutivos da situação jurídica invocada pelo demandante, formam a causa de pedir e, como tal, têm de seguir individualizados logo na petição, sob pena de nulidade de todo o processo, por ineptidão [art. 186.º, n.º 2, al. a), do CPC].
Depois de apresentada a petição, o autor pode ainda alegar factos essenciais, não supervenientes, em consequência de confissão feita pelo Réu e aceite pelo demandante, desde que a alteração ou ampliação seja feita no prazo de dez dias a contar da aceitação (art. 265.º, n.º 1, do CPC). Ademais, em caso de acordo entre as partes, a alegação de factos essenciais velhos pode ser realizada em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação da causa de pedir deles resultante perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (art. 264.º do CPC).
Sendo supervenientes os factos essenciais, por terem ocorrido depois de terminados os prazos para apresentação dos articulados (superveniência objectiva, art. 588.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC) ou por, embora tendo ocorrido antes, terem sido conhecidos pela parte que deles se quer aproveitar apenas depois (superveniência subjectiva, art. 588.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC), podem ser alegados nos termos do art. 588.º do CPC. Ou seja, admite-se a sua introdução no processo mediante articulado superveniente, sendo que deles pode resultar a alteração ou ampliação da causa de pedir .
Num outro plano, o art. 3.º, n.º 1, do CPC impõe especificamente ao autor a formulação do pedido para que o tribunal possa resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe. O pedido traduz-se, pois, na pretensão do autor, para a qual se requer – sob a invocação de um direito ou situação jurídica carecidos de acolhimento e protecção – a concessão de uma concreta providência judiciária . A par do que sucede com os factos essenciais, também o pedido deve ser deduzido na petição inicial [art. 552.º, n.º 1, al. e), do CPC]. Porém, e em derrogação ao princípio da estabilidade da instância (art. 260.º do CPC), a disciplina adjectiva consente ao autor alterar ou ampliar o pedido após o seu articulado primitivo. 
Assim, e havendo acordo das partes, o pedido pode ser alterado ou ampliado em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a modificação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (art. 264.º do CPC). 
Na falta de tal acordo, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 265.º, n.º 2, do CPC).
No que concerne a esta possibilidade, importa atentar que um pedido é consequência de outro quando a procedência deste implica a procedência do primeiro, ainda que em medida que pode depender de factos que excedam o âmbito da respectiva causa de pedir.
Diversamente, o pedido primitivo é desenvolvido quando ao conteúdo inicial do direito a que ele se refere vem acrescer um conteúdo acessório ou complementar da mesma natureza, ou quando, tendo-se feito valer inicialmente parte do direito, se pretende agora fazê-lo em outra parte ou na totalidade, sem que a procedência do pedido primitivo implique necessariamente a procedência do acréscimo decorrente do desenvolvimento e mesmo, na segunda situação, sem que haja entre os dois – fundados em causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos – uma relação de dependência .
A consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, justificativo da sua ampliação no decurso da instância, verifica-se, pois, independentemente de se manter a causa de pedir, a qual pode até ser distinta. Porém, a modificação na qual se suporta o pedido ampliado apenas é admissível quando os factos que a integram são supervenientes (art. 588.º, n.º 1, do CPC).”
Subscrevemos este entendimento.
Com efeito, interpretando o disposto no art. 265º do CPC, a doutrina e alguma jurisprudência vêm salientando que no que respeita ao autor, a natureza superveniente dos factos que este pretenda alegar para alterar ou ampliar a causa de pedir dispensa a verificação dos requisitos ali consagrados.
Ou seja: entendem os autores que a invocação, pelo autor, de factos supervenientes após a apresentação da petição inicial e/ou da réplica está apenas sujeita aos requisitos previstos no art. 588º do CPC, e não também aos consagrados no art. 265º, nºs 1 e 2 do mesmo Código – Neste sentido cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[8], LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[9], bem como o ac. RP 15-07-2004 (Fernando Baptista), p. 0433943 e RL 24-11-2022 (Adeodato Brotas), p. 2028/19.8T8CSC-A.L1-6.
Nesta medida, e ainda que se concorde com o Tribunal a quo, quando conclui que a alteração do pedido propugnada pela autora não constitui mero desenvolvimento ou consequência do pedido inicial, antes se traduz numa substituição do pedido inicial por outro, assente em factos supervenientes que consubstanciam uma alteração da causa de pedir, dado que revelam diversa configuração dos danos, ou seja, são o resultado de alteração de factos essenciais para a decisão da causa, cremos que a primeira conclusão a retirar é que estando em causa uma alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, decorrente de factos supervenientes, a sua admissibilidade deve ser apreciada à luz dos critérios consagrados no art. 588º do CPC.
A tanto não obsta o facto de a autora não ter qualificado expressamente o requerimento apreciado no despacho apelado como articulado superveniente, na medida em que o mesmo se reveste de todas as caraterísticas da mencionada figura, tal como esta é configurada no art. 588º do CPC e, como é sabido, o Tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas propostas pelas partes – art. 5º, nº 3 do CPC.
Com efeito, dispõe o art. 611º, nº 1 do CPC que “Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.” No entanto, ressalva o nº 2 do mesmo preceito que “Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.”
Uma das formas pelas quais os factos supervenientes podem chegar ao conhecimento do Tribunal reside na apresentação de articulados supervenientes.
Neste particular releva o art. 588º do CPC que, sob a epígrafe, “Termos em que são admitidos”, estabelece o seguinte:

1- Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2- Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3- O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4- O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5- As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6- Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º”
Da análise do citado preceito ressalta que o controlo jurisdicional da admissibilidade dos articulados supervenientes é feito in limine, isto é, em despacho a proferir imediatamente após a sua apresentação e antes ainda de a parte contrária se pronunciar.
Com efeito, o referido preceito nem sequer prevê a prolação de uma decisão após o exercício do contraditório.
É, pois, no mencionado despacho que o juiz verifica se se mostram reunidos os pressupostos de que depende a admissibilidade do articulado superveniente.
E que pressupostos são esses?
Em primeiro lugar, a ocorrência de factos supervenientes com interesse para a decisão da causa.
Quanto a este ponto, o nº 2- do citado preceito traça uma clara distinção entre superveniência objetiva e superveniência subjetiva. Assim, como já se aflorou, são objetivamente supervenientes os factos que ocorram após o termo do prazo para apresentação do articulado em que deveriam ter sido alegados (petição inicial, contestação, réplica). E são subjetivamente supervenientes os factos ocorridos antes de tal momento, mas dos quais a parte que os pretende invocar só tome conhecimento em momento posterior.
Neste particular, a jurisprudência tem salientado que a prova da superveniência deve ser oferecida no próprio articulado superveniente.  Esta interpretação tem, a nosso, ver, apoio no elemento sistemático da interpretação, visto que é essa a regra aplicável aos incidentes da instância – cfr. art. 293º, nº 1 do CPC. No sentido exposto cfr. ac. RP 22-11-2021 (Jorge Seabra), p. 470/20.0T8SJM-A.P1.
No caso vertente, o facto superveniente invocado consistiu na venda da embarcação a que se reportam os presentes autos, alegadamente ocorrida em 31-10-2022.
Para prova de tal venda a autora juntou documentos (nomeadamente cópia do contrato invocado), e arrolou testemunhas.
Tendo a presente ação sido intentada em 11-10-2020, não há dúvida de que os factos invocados são objetivamente supervenientes.
Por outro lado, tendo a audiência de julgamento tido início em 10-11-2021[10], e estando a mesma ainda a decorrer, o articulado superveniente apresentado também é de reputar de tempestivo.
Não obstante, e apesar de subscrevermos o entendimento de que as alterações do pedido e da causa de pedir fundadas em factos supervenientes não estão sujeitas aos requisitos consagrados nos nºs 1 a 5 do art. 265º do CPC, cremos que quanto à regra consagrada no nº 6 deste preceito a conclusão deve ser diversa.
Com efeito, estabelece o mencionado nº 6 que pode o autor alterar simultaneamente o pedido e a causa de pedir, “desde que tal não implique uma convolação para relação jurídica diversa da controvertida”.
Esta ressalva vale igualmente para as situações em que a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir decorre de factos supervenientes, e decorre também de uma interpretação conjugada dos arts. 588º nº 1 e 611º do CPC.
Com efeito, e por um lado, o art. 588º, nº 1 reporta-se ao direito invocado pelo autor na petição inicial (não prevendo a possibilidade de se invocar direito distinto), e por outro, o art. 611º aponta como referência a relação controvertida (o que demonstra que aquela alteração não pode substituir uma relação controvertida por outra distinta).
No caso dos autos, cremos que as alterações do pedido e da causa de pedir propugnadas no articulado superveniente apresentado pela autora não implicam convolação para relação jurídica diversa da controvertida, uma vez que não obstante tais alterações, a causa de pedir mantém-se essencialmente a mesma, mantendo-se centrada na responsabilidade contratual decorrente do incumprimento de um contrato de depósito de determinada embarcação e o pedido continua a consistir na indemnização dos danos decorrentes de tal incumprimento.
A diferença entre a causa de pedir e o pedido iniciais aqueloutros que emergem do articulado superveniente apresentado pela autora residem na circunstância de os danos a ressarcir serem algo distintos. Simplesmente é nossa convicção que tais diferenças não transformam a relação jurídica invocada na petição inicial numa outra radicalmente distinta.
Aqui chegados podemos desde já concluir que não se verificam motivos suficientes para rejeitar o articulado superveniente apresentado pela autora, nem indeferir a sua pretensão no sentido da alteração simultânea do pedido e da causa de pedir.
Aliás não vemos motivo para analisar tal pretensão sob o prisma da utilidade do pedido primitivo, como parece ter feito o Tribunal a quo, na medida em que, a nosso ver, tal não constitui critério legal para aferir da admissibilidade daquelas alterações.
Concluindo, como concluímos, no sentido da admissibilidade da alteração simultânea do pedido e da causa de pedir fundada em factos supervenientes e manifestada através da apresentação de um articulado superveniente, impõe-se a revogação do despacho recorrido e a admissão das referidas pretensões.
3.2.2. Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que no caso em apreço, perante a procedência da presente apelação, e o facto de a apelada ter deduzido oposição à pretensão rejeitada pelo despacho recorrido,  as custas devem ser suportadas por esta.

 4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido, admitindo o articulado superveniente apresentado através do requerimento com a refª 164713/47268536, de 28-11-2023, bem como a alteração da causa de pedir e do pedido ali manifestados.
Custas pela apelada.

Lisboa, 09 de abril de 2024 [11]
Diogo Ravara
Edgar Taborda Lopes
Alexandra de Castro Rocha
_______________________________________________________
[1][1] Refª 151917/ 41331984.
[2] Refª 164713/, fls. 464-480.
[3] Refª 164980/47390169, fls. 484-506.
[4] Refª 561978, de 26-01-2024.
[5] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 114-116.
[6] Adiante designado pela sigla “CPC”.
[7] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[8] “As partes, o Objecto, e a Prova na Acção Declarativa”, LEX, 1995, pp. 189-190 e “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 2ª Ed., Lex, 1997, pp. 299-300.
[9] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol II, 3ª ed., pp. 615-616, e 724.
[10] Cfr. ata com a refª 433999.
[11] Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.