IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
CONCURSO
CARREIRA PROFISSIONAL
CATEGORIA PROFISSIONAL
Sumário

I. A garantia de irredutibilidade da retribuição pressupõe que o trabalhador continua a exercer a mesma atividade, ou, não o fazendo, que não é por motivo do exclusivo interesse do trabalhador.
II. Se o trabalhador, no âmbito de um concurso interno da empresa, muda para categoria substancialmente diferente e menos remunerada, aplicando-se aliás Acordo de Empresa diverso, não tem direito a manter a retribuição correspondente às anteriores funções.
III. A boa fé não obriga o empregador a informar o trabalhador de todas as condições que encontrará, sendo o candidato que deve previamente averiguar aquilo que, sendo acessível, lhe interessa, nomeadamente a retribuição.
(sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autor (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.) e recorrente: AA.
Ré (também designada por R.): TAP – Transportes Aéreos, SA.
O A. pede a condenação da R. a pagar-lhe as seguintes diferenças salariais: €23.548,00 a título de diferenças sobre o vencimento base e €4.656,00 a título de diferenças de subsídios de férias e subsídios de Natal; e €5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alega que foi trabalhador de terra da R. e depois concorreu e foi aprovado para comissário de bordo. Auferia o vencimento base de €1.416 e, quando passou para funções de ar, foi-lhe dito que não haveria perda salarial, o que, porém, se verificou, passando a auferir €941,00. Ora, a redução salarial é proibida. Pugna pela aplicação do art.º 6º do AE que identifica, que veda a redução da retribuição quando se muda de categoria. A atitude da R. causou-lhe danos, cujo ressarcimento peticiona.
Não havendo acordo em audiência de partes, a R contestou e pediu a improcedência da ação, sustentando que o AE invocado não é aplicável ao A. por já não pertencer a esse grupo profissional. Além disso, o A. aufere outras prestações mensais ao abrigo do SNPVAC, que acrescem à remuneração base e fazem parte das funções que desempenha. Por outro lado, e quanto à irredutibilidade da remuneração, tendo passado a desempenhar outras funções tal princípio não lhe é aplicável. Elenca todos os valores pagos ao A. enquanto trabalhador de terra e os valores pagos enquanto trabalhador comissário de bordo e conclui que nunca o valor peticionado pode proceder, mas sim o valor inferior que indica.
*
Saneado o processo e realizado o julgamento, o Tribunal julgou a ação improcedente e absolveu a R. do pedido.
Mais fez ainda constar:
“O tribunal convida o A. a, querendo, pronunciar-se sobre a eventual condenação como litigante de má fé posto que invoca factos que sabe serem falsos como forma de obter um beneficio a seu favor, nomeadamente no art.º 5º da p.i, quando das declarações de parte do próprio A. se provou exatamente o inverso”.
Posteriormente, o Tribunal a quo proferiu despacho condenando-o, como litigante de má fé, no pagamento da multa de 4 UCs.
*
Inconformado, o A. apelou, formulando as seguintes conclusões:
1, 2. Pediu, em suma, o pagamento de diferenças salariais em virtude de ter alterado a sua categoria profissional e ter visto a remuneração unilateralmente reduzida, sem que para tal tenha dado o seu acordo, (para o que) explicou que foi trabalhador de terra e que quando, por concurso interno, passou a ser Tripulante de Cabine, o seu vencimento base foi reduzido, ao contrário do disposto na regulamentação coletiva que lhe era aplicável.
3, 4. O Tribunal a quo considerou que o trabalhador mudou de carreira profissional por sua iniciativa, logo não tinha a obrigação de manter a sua remuneração antiga, mas sim a retribuição vigente para a categoria que o trabalhador atualmente exerce (e que ) apesar do trabalhador não ter dado o seu acordo para que fosse reduzida a sua retribuição, e mesmo tendo sido a passagem de categoria formalizada por via de adenda ao seu contrato de trabalho, tudo se passa como se uma nova realidade contratual existisse, concluindo que o princípio da irredutibilidade da retribuição não é aplicável, absolvendo do pedido a Recorrida.
5. O Recorrente celebrou em 4 de Dezembro de 2009 um contrato de trabalho sem termo para o exercício das funções de Técnico Comercial.
6. Na sequência de concurso interno passou a exercer, desde 4 de Junho de 2017, as funções inerentes à categoria de Comissário de Bordo, efetuando uma adenda ao seu contrato de trabalho.
7. Nos termos da cláusula 17.ª do Acordo de Empresa em vigor, aquando da sua passagem, supra identificado, estipula-se que no caso de o trabalhador auferir remuneração base superior à do grau inicial da nova categoria, manterá essa remuneração enquanto ela for superior à que corresponde à evolução na nova categoria, conforme cópia da parte inicial do A.E. que se juntou como doc. 5
8. Este facto não foi considerado provado, apesar de resultar de toda a documentação junta ao processo pelo que desde já se requer a sua inclusão na factualidade dada como provada.
9. Mais, a Recorrida reduziu unilateralmente o valor da retribuição base do Recorrente conforme é visível nos recibos de vencimento juntos como doc. 4.
10. O Tribunal apesar de remeter para os recibos de vencimento onde é visível a redução, não dá como provado que houve essa redução unilateral, o que é indiscutível, pelo que esse facto também deverá ser dado como provado.
11. Tal resulta também das declarações de Parte do Recorrente, onde fica patente, quer das respostas, quer das perguntas, que houve uma redução unilateral do valor da sua retribuição.
12. O Recorrente já tinha interpelado a empresa para pagamento das quantias em dívida, tendo a Recorrida alegado nada ser devido, conforme carta que se juntou.
13. Este facto, apesar da documentação junta ao processo, não foi dado como provado, o que também terá de ser alterado.
14. O Recorrente estava afecto ao AE aplicável aos trabalhadores de terra.
15. Nos termos da cl.ª 17.ª do A.E. em vigor no momento do concurso interno, estipulava-se que no caso de o trabalhador auferir já remuneração base superior à do grau inicial da nova categoria, manterá essa remuneração enquanto ela for superior à que corresponde à evolução na nova categoria.
16. Apesar de, nos termos da cláusula 6.ª do referido A.E., ser proibido à Ré diminuir a retribuição do trabalhador, salvo nos casos previstos na lei.
17. Os casos previstos na Lei e que se encontram tipificados no Código do Trabalho são:
- mudança do trabalhadora para categoria inferior (art.º 119)
- passagem de regime de trabalho a tempo completo para parcial (art.º 150.º e ss)
- prestação de trabalho em regime intermitente durante o período de inatividade (art.º 157.º e ss)
- cessação do exercício em funções em regime de comissão de serviço e regresso às anteriores funções (art.º 161 e ss)
- redução do trabalho ou suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador (lay off) – art.º 305.º e ss.
18.Ou seja, a legislação laboral portuguesa estabelece, como princípio, que é proibido ao empregador reduzir a retribuição (unilateralmente e mesmo que exista acordo do próprio trabalhador) conforme artigo 129.º n.º 1 d).
19. Analisando as exceções importa esclarecer que apenas poderíamos estar a falar de uma mudança para uma categoria inferior, o que nem sequer é o caso.
20. E, ainda que assim fosse, quando a alteração de categoria profissional implica redução salarial tem de ser autorizada pela Autoridade das Condições de Trabalho, o que não se demonstrou, pois, nenhuma prova nesse sentido foi junta pela R.
21. Pelo que foi violado o art.º 129.º do CT, tendo a atuação da R. levado a uma diminuição unilateral da retribuição, em manifesta infração do princípio da irredutibilidade.
22. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que estamos perante um novo contrato laboral, logo, que se aplicam as condições em vigor para os Comissários de Bordo.
23. É importante relembrar que o Acordo de Empresa (AE) ao abrigo do qual o A. se candidatou refere expressamente que o trabalhador deve manter a remuneração antiga até atingir a progressão para vencimento superior na nova categoria.
24. Houve, assim, violação quer da legislação laboral em vigor, quer do instrumento de regulamentação coletiva aplicável à data da alteração da categoria profissional.
25. Sendo certo que é indiscutível que, no momento do concurso interno e que decorreu por algum tempo, foi com base nesses pressupostos que o Recorrente se candidatou, pelo que deixando os mesmos de ser aplicáveis, competia à empresa, ora Recorrida, esse dever de informação.
26.Não o tendo feito, com a sua conduta, é a R. que viola, também, o disposto nos art.º 106.º e 107.º do CT por não ter informado o trabalhador do valor da sua remuneração e respetiva periodicidade.
27, 28. A lei laboral especifica que deve prestar pelo menos o valor e a periodicidade da retribuição (al. h do n.º 3 do art.º 106.º do Código do Trabalho). O n.º 4 do mesmo artigo diz que esta informação pode ser substituída pela referência às disposições pertinentes da lei, do IRCT ou do regulamento interno da empresa.
29. Analisando em detalhe a adenda contratual verificamos que nenhuma referência é feita ao valor da retribuição e inexiste qualquer remissão para outro documento.
30. Aliás, nada se diz relativamente ao contrato primitivo, não sendo revogado, substituída ou alterada qualquer outra condição, que não seja a da categoria profissional em si mesma.
31. Sendo que a violação deste dever de informação importa que seja aplicada uma contraordenação grave, por violação dos normativos legais.
32. Ou seja, apesar do trabalhador ser a parte “fraca” no âmbito da relação laboral, não tendo qualquer intervenção na adenda que lhe é dada a assinar e de existir uma normal legal que obriga a empresa a prestar todas as informações relevantes, onde se inclui, a remuneração, o Tribunal considerou que estamos perante um novo contrato de trabalho e, consequentemente, que não há redução da remuneração.
33. O art.º 107.º do CT obriga a que esta informação conste de documento escrito, o que não sucedeu e que também consubstancia uma contraordenação grave.
34. O Tribunal sustenta, ainda, a sua posição no facto de ser estipulado período experimental num documento que a própria Recorrida designa de adenda.
35. Ou seja, um trabalhador sem termo, com uma antiguidade de mais de 10 anos, assina uma adenda contratual, apresentada pela empregadora, onde esta refere, ilegalmente, que irá sujeitá-lo a um novo período experimental e, o tribunal, com o devido respeito, faz tábua rasa dos preceitos legalmente aplicáveis. Senão vejamos:
36, 37. O art.º 112.º CT refere os prazos de duração do período experimental. O n.º 4 refere que o período experimental pode ser reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma atividade, de contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto, ou ainda de estágio profissional para a mesma atividade, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele, desde que em qualquer dos casos sejam celebrados pelo mesmo empregador.
38, 39. Ou seja, a lei não prevê que seja celebrado um novo período experimental quando exista alteração de categoria profissional. Esgotado que esteja o período experimental inicial não pode, por iniciativa da empresa, ser aposto um novo período.
40. Esta cláusula, redigida pela Recorrida, contém uma cláusula nula e que deve para os devidos efeitos legais ser considerada como não escrita.
41. Não houve denúncia do contrato de trabalho primitivo por parte do A. nem por parte da R. e as Partes convencionaram celebrar uma adenda ao contrato de trabalho primitivo.
42. O que leva a que ao fim de 10 anos de contratação sem termo, o trabalhador fique sujeito, por imposição da empresa, a um novo período experimental.
43. Em síntese, o Tribunal fundamenta a sua posição com base numa cláusula nula do contrato e que deveria ter sido considerada como não escrita.
44. Considerando que a Parte, com o seu depoimento credível, transmitido de forma sincera e honesta, demonstrou os danos sofridos, o Tribunal deveria ter dado como provado o facto n.º 2 dos não provados, alteração essa que se requer.
45. Pelo que, face ao exposto, nesta matéria a sentença agora em crise merece censura, pelo que deverá ser revogada, substituindo-se por outra que reconheça que o Recorrente viu a sua remuneração unilateralmente reduzida, tendo direito às diferenças salariais apuradas nos autos, com as inerentes consequências legais relativamente à Recorrida.
*
A R. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
I. As conclusões de recurso do Recorrente não versam sobre o pedido de condenação da Recorrida numa indemnização por danos morais, pelo que, atendendo ao disposto no n.º 1 do art.º 635.º do C.P.C., conclui-se que o objecto do recurso se cinge, apenas, ao tema das diferenças salariais.
II. Cingindo-se as conclusões do recurso à questão das diferenças salariais peticionadas nos autos, determinar se deve ou não ser aditado à matéria de facto um “facto” com o seguinte teor:
“O A. sofreu momentos de tensão e grandes prejuízos com a situação em apreço que lesaram o seu bem estar psíquico e a sua tranquilidade é absolutamente irrelevante e inútil”.
III. Tal suposto facto, a provar-se, só teria interesse e utilidade processuais se do mesmo o Recorrente retirasse consequências jurídicas, isto é, se tal “facto” sustentasse, isolada ou conjuntamente com outros, na perspectiva do Recorrente, a procedência de um concreto pedido, o que não sucede.
IV. Devendo, por conseguinte, ser julgado inadmissível este concreto pedido de alteração da matéria de facto dada como provada.
V. É entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico e por todos aceite que a matéria de facto não pode conter questões de direito e, menos ainda, matéria jurídica que se reconduza ou possa reconduzir-se ao thema decidendum, como, de igual modo, não pode conter conclusões.
VI. Com excepção do “facto” a que começou por se aludir, todos os restantes “factos” que o Recorrente pretende ver aditados à matéria de facto configuram ou matéria de direito (inclusive matéria de direito que se reconduz ao thema decidendum) ou matéria conclusiva, pelo que não podem ser aditados à matéria de facto.
VII. O ordenamento jurídico-laboral é constituído pelas fontes do direito previstas no art.º 1.º do Código Civil (as leis e as normas corporativas), mas, é, ainda, integrado por fontes específicas, das quais, para o que aqui releva, são de salientar as normas convencionais, ou seja, as normas decorrentes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (art.º 1.º do Código do Trabalho).
VIII. Pretender, pois, que a matéria de facto inclua a reprodução de uma cláusula de um Acordo de Empresa, ou seja, de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho [al. c), do n.º 3 do art.º 2.º do CT], é, salvo o devido respeito, o mesmo que pretender que a matéria de facto inclua a reprodução de um artigo do Código do Trabalho ou de um qualquer outro diploma legal aplicável às relações laborais.
IX. Ademais, in casu, entre outras matérias, discutia-se se o Acordo de Empresa a que o Recorrente alude neste alegado “facto” que pretende ver aditado aos autos, era ou não aplicável à relação laboral entre as partes em litígio.
X. O suposto “facto” que o Recorrente pretende aditar à matéria de facto não só não é um facto como, para mais, contém, em si mesmo, a resposta a dar a esta questão, já que afirma, sem margem para dúvidas, que tal acordo de empresa é aplicável à relação laboral estabelecida entre o mesmo e a Recorrida.
XI. Devendo, em consequência, ser indeferido este concreto pedido de modificação da matéria de facto dada como provada.
XII. A afirmação “A R. reduziu unilateralmente a retribuição base do A.” configura uma conclusão, não podendo, pois, constar da matéria de facto, principalmente se tivermos em consideração que, para mais, se trata de uma conclusão susceptível de afectar a decisão a dar à causa (atento o uso do termo unilateralmente).
XIII. Ademais, a conclusão que o Recorrente pretende retirar dos factos (e que, erradamente, como se viu, pretende que integre a matéria de facto dada como provada), é perfeitamente possível de retirar (caso seja verdadeira) do que já ficou dado como provado nos autos, mais especificamente do que foi dado como provado no facto n.º 4.
XIV. Verificando-se, assim, que, a matéria de facto não contém qualquer omissão que deva ser suprida, dado que inclui todas as referências factuais necessárias à boa decisão da causa (em particular, as referências factuais necessárias para apurar se houve, ou não, uma diminuição da retribuição base).
XV. Devendo, pois, ser indeferida esta concreta modificação da resposta à matéria de facto, requerida pelo Recorrente.
XVI. Como indeferida deve também ser, a inclusão na matéria de facto dada como provada de um suposto “facto” com o seguinte teor:
O A. já tinha interpelado a empresa para pagamento das quantias em dívida, tendo a R. alegado nada ser devido.
XVII. Desde logo porque, à semelhança do que sucede com os outros “factos” que o Recorrente pretende ver aditados à matéria de facto dada como provada, também este encerra, em si mesmo, a decisão a dar à causa, dado que afirmar-se que há quantias em dívida é, implicitamente, o mesmo que afirmar que a tese do Recorrente quanto ao direito que se arroga é válida e deve proceder, pois que só poderá haver quantias em dívida nessas circunstâncias.
XVIII. Ademais, não existe nenhum documento nos autos que permita dizer que o A. interpelou a empresa para pagamento de determinadas quantias, pois que os autos não contêm nenhum documento que tenha sido enviado pelo A., tendo sido junta, somente, a resposta da Recorrida a um e-mail do Recorrente, cujo teor, pelo motivo referido, se desconhece.
XIX. Por outro lado, ainda que se admitisse como possível proceder à modificação da sugestão do Recorrente quanto a esta matéria e que, nessa sequência, se aditasse um facto com um teor como “A R. remeteu ao A. a comunicação junta a fls. __ dos autos” (única redacção compatível com a noção de facto), não se vislumbra que importância ou relevância é que tal facto teria para a decisão a tomar nos autos.
XX. Por último, em sede de modificação da matéria de facto, pretende, ainda, o Recorrente que seja dado como provado que “O A. sofreu momentos de tensão e grandes prejuízos com a situação em apreço que lesaram o seu bem estar psíquico e a sua tranquilidade”.
XXI. Antes de mais, sempre se dirá que a expressão grandes prejuízos não é, nem pode ser considerada um facto, nem pode, evidentemente, ser transposta para a matéria de facto.
XXII. Por outro lado, nenhuma prova foi feita quanto à suposta veracidade desta afirmação, pois a única pessoa ouvida em sede de audiência de julgamento sobre esta matéria foi o próprio Recorrente (vide acta da audiência a fls. __ dos autos), em sede de declarações de parte, o qual tem, como é natural, um interesse próprio na decisão a dar à causa.
XXIII. Sendo que essa circunstância – a existência de um interesse próprio – faz com que a prova por declarações de parte, quando desacompanhada de outro meio de prova, não possa, ou não deva ser considerada.
XXIV. De facto, competindo às partes provar os factos que alegam, não pode tal prova bastar-se, somente, com as próprias afirmações da parte, sob pena de se desconsiderar, por completo, tudo o que o nosso ordenamento jurídico estabelece em matéria de ónus da prova.
XXV. Mas, ainda que assim se não entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre se teria de concluir que as declarações prestadas pelo Recorrente não permitem afirmar que este sofreu grandes prejuízos e que tais prejuízos e momentos de tensão afectaram o seu bem estar psíquico e tranquilidade.
XXVI. Na verdade, a este propósito, o Recorrente limitou-se a dizer que “tive alguns meses… ansiedade, stress, depois a questão financeira destabiliza a questão familiar” (minutos 00:49:39, do seu depoimento), o que não pode ser considerado suficiente para concluis que a alegada ansiedade e stress sentidos pelo Recorrente eram de molde a afectar o seu bem estar psíquico, expressão que indica a existência de uma qualquer patologia clínica, seria preciso que tais estados emocionais tivessem sido mais detalhadamente descritos pelo Recorrente, nomeadamente no que concerne aos efeitos e consequências que dos mesmos emergiram.
XXVII. E, consequentemente, não se pode, também por esta razão, dar tal facto como provado.
XXVIII. Termos em que deve ser indeferida, na totalidade, a requerida alteração da matéria de facto dada como provada.
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XXIX. Como é sabido, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (IRCT’s) aplicam-se, apenas, aos empregadores associados nas associações patronais outorgantes das convenções e aos trabalhadores ao seu serviço que sejam membros da associação sindical celebrante (cfr. n.º 1 do art.º 496.º do CT), podendo tal aplicação resultar, ainda, da vigência de uma portaria de extensão que determine tal aplicação às relações de trabalho que não estejam abrangidas pelo âmbito pessoal de aplicação da convenção colectiva de trabalho, por não se verificar o preenchimento do requisito do princípio da dupla filiação.
XXX. Na medida em que parte das pretensões formuladas nos autos pelo Recorrente se baseiam na aplicabilidade de um determinado acordo de empresa à sua relação laboral com a Recorrida, competia-lhe, de acordo com as regras que regem o ónus da prova, alegar (e provar) os factos que permitiriam ao Tribunal concluir (ou não) por essa aplicabilidade.
XXXI. O Recorrente não fez nada disto, nem em sede de decisão a proferir na 1.ª instância, nem, mesmo, em sede de recurso, não sendo despiciendo salientar que, apesar de recorrer da matéria de facto dada como provada, o Recorrente não cuidou de assegurar que, nesse âmbito, a matéria de facto é suficiente para que se possa concluir pela aplicabilidade deste concreto IRCT.
XXXII. Compulsada a matéria de facto dada como provada, constata-se que, a este respeito, a mesma se limita a esclarecer que, à data de Junho de 2017, o referido IRCT se encontrava em vigor para os trabalhadores de terra (facto provado n.º 3), o que não é suficiente para que se possa, sem mais e como faz o Recorrente, concluir que tal IRCT era, à data, aplicável à sua relação laboral com a Recorrida.
XXXIII. Não obstante, ainda que se entenda que, do referido facto, decorre a aplicabilidade deste concreto IRCT ao Recorrente, sempre se terá que concluir que, tendo o Recorrente deixado de desempenhar uma função reconduzível a uma das categorias profissionais previstas no AE/SIMA, os requisitos de aplicabilidade deste IRCT deixaram de se verificar, pelo que o mesmo deixou de ter aplicação.
XXXIV. De facto, uma vez que as funções que o A. passou a exercer em Junho de 2017, se subsumem a uma das categorias profissionais previstas no Acordo de Empresa celebrado entre a R. e o SNPVAC – Sindicato do Pessoal de Voo da Aviação Civil (“AE/SNPVAC”), publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, n.º 8, de 2006, a relação laboral entre as partes passou, a partir deste momento, a reger-se por este IRCT.
XXXV. Daqui resulta, pois, que, contrariamente ao que preconiza o Recorrente, a norma convencional em que o mesmo alicerça a sua pretensão, não tem qualquer aplicabilidade.
XXXVI. Mas, ainda que, por absurdo, assim se não entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona, e se considere que, formalmente, tal IRCT era aplicável à relação laboral das partes, sempre se terá que concluir, embora por outros motivos, que a concreta norma convencional em que o Recorrente estriba a sua posição não tem qualquer aplicabilidade. Senão vejamos:
XXXVII. A norma convencional em apreço, ao estabelecer que a mudança de categoria não tem impacto na retribuição base, tem como pressuposto que a mudança ocorre dentro do mesmo grupo profissional e, consequentemente, dentro do mesmo quadro normativo-convencional aplicável.
XXXVIII. Pressuposto este que resulta evidente, desde logo, em virtude da circunstância de a mudança para um diferente grupo profissional implicar, necessariamente, uma alteração do IRCT aplicável, já que a aplicabilidade destes instrumentos, para além de tudo quanto já se deixou dito, depende, ainda, de as funções exercidas pelo trabalhador corresponderem a uma das categorias profissionais previstas no IRCT em análise.
XXXIX. Ademais, esse pressuposto é, ainda, mais evidente, se tivermos em consideração que as normas convencionais de natureza retributiva e equivalentes são estabelecidas, quer no AE/SIMA, quer nos restantes IRCTS’ aplicáveis às relações de trabalho da Recorrida, em função das características específicas de cada grupo profissional.
XL. Assim, por exemplo, o AE/SIMA apenas prevê o pagamento das seguintes rubricas de natureza retributiva aos trabalhadores pelo mesmo abrangidos: i) remuneração base mensal, subsídio de férias e subsídio de Natal; ii) anuidades; iii) remuneração pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário; iv) subsídio de turno; v) remuneração por prestação temporária de serviço como instrutor de formação; vi) subsídio por condições especiais de trabalho; vii) diferencial por desempenho de funções hierárquicas e viii) adicionais temporários no exercício de funções de coordenação (cfr. n.º 2 da cláusula 66.º e cláusula 67.º).
XLI. Já o AE/ SNPVAC, por seu turno, estabelece que a retribuição mensal é composta pelo vencimento fixo e pelo vencimento de senioridade (cláusula 3.ª, n.º 1, do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias sociais, anexo ao texto base) e prevê, ainda, o pagamento de prestações relacionadas e associadas ao tipo de funções e forma do seu exercício, tais como: ajudas de custo complementares, horas de duty-pay e block-pay, comissões por vendas a bordo, entre diversas outras.
XLII. A diferença no sistema retributivo previsto e regulado por ambos os IRCT’s em apreço é bem sintomática do que se disse quanto ao facto de a norma convencional em que o Recorrente alicerça a sua pretensão assentar no pressuposto de que a mudança de categoria não implica nem uma mudança de grupo profissional nem uma alteração do quadro normativo-convencional aplicável, pois que só isso permite assegurar uma compatibilização de regimes e, acima de tudo, uma igualdade retributiva dentro dos mesmos grupos profissionais, que não seria possível alcançar se a norma em análise mantivesse aplicação quando ocorre uma mudança de IRCT aplicável.
XLIII. Em suma: quer por força das normas e princípios que determinam em que circunstâncias se aplicam determinados IRCT’s a uma concreta relação laboral, quer, ainda, pela intenção subjacente à norma convencional em que o Recorrente alicerça a sua pretensão, conclui-se que, contrariamente ao que o Recorrente preconiza, o n.º 3 da cláusula 17.ª do AE/SIMA não tem qualquer aplicação, não podendo, consequentemente, a pretensão do Recorrente proceder.
XLIV. O princípio da irredutibilidade da retribuição não tem natureza absoluta, na medida em que, do mesmo, não decorre uma total impossibilidade de o empregador diminuir ou, até, excluir algumas parcelas pecuniárias com natureza retributiva.
XLV. In casu, verifica-se que o Recorrente concorreu de forma voluntária, veio a ser seleccionado e depois aceitou, a sua integração numa nova profissão – “CAB” (facto provado n.º 2) – com todas as condições de exercício e remuneratórias inerentes a esta nova profissão, independentemente das funções, remunerações e outras condições que detivesse na anterior categoria profissional.
XLVI. Trata-se, aqui, pois, de uma realidade em tudo semelhante (mutatis mutandis) às circunstâncias em que, por deixar de prestar trabalho sujeito a um determinado regime, o trabalhador deixa de auferir a retribuição correspondente.
XLVII. De facto, e como decorre do que já se deixou dito, a mudança ocorrida na relação laboral das partes não se subsumiu a uma simples mudança de categoria, verificada dentro do mesmo quadro profissional e no âmbito do mesmo sistema normativo-convencional.
XLVIII. Com efeito, não só o sistema retributivo aplicável passou a ser substancialmente diferente, como todo um conjunto de aspectos absolutamente essenciais e integradores do próprio objecto contratual se modificaram drasticamente, desde logo porque o Recorrente passou a desempenhar funções e tarefas que nenhuma relação tinham com as funções e tarefas que exerceu até Maio de 2017.
XLIX. E, mais que isso, passou a fazê-lo sujeito a (substancialmente) distintos regimes de prestação de trabalho, quer no que concerne ao modo de organização do tempo de trabalho, quer no que respeita ao local de trabalho, quer ainda no que se reporta ao regime de férias e, mesmo, ao regime de faltas (vide AE/SIMA vs AE/ SNPVAC).
L. As alterações introduzidas na relação laboral existente entre as partes foram, de tal modo, substanciais que não se podem reconduzir a uma simples mudança de categoria, configurando, antes, uma novação contratual (no sentido previsto e regulado no Código Civil), susceptível de afectar todo o quadro contratual vigente.
LI. Sendo certo que, ainda para mais, tais alterações foram introduzidas na sequência de um acordo de vontade das partes, alcançado, note-se, na sequência de uma iniciativa do Recorrente, que pretendeu mudar de profissão.
LII. Tratando-se, aqui, como se viu, de uma novação contratual, ocorrida em virtude da vontade demonstrada pelo Recorrente, é evidente que o princípio em que este alicerça e fundamenta a sua posição não tem qualquer aplicação.
LIII. Desde logo porque, como o Recorrente bem sabe, a proibição a que o mesmo alude reporta-se às situações em que a diminuição da retribuição é feita, de forma unilateral, pelo empregador, e, in casu, a modificação ocorrida foi uma decorrência de uma manifestação, expressa, da vontade do Recorrente.
LIV. Ademais, tal proibição assenta no pressuposto que a diminuição da retribuição não tem uma justificação objectiva e lícita, fundamentada em alterações do objecto e conteúdo contratuais vigentes, pressuposto esse que, como se viu, não se verifica, nem ocorre no caso vertente.
LV. Acresce que, as referências que o Recorrente faz a uma eventual necessidade de autorização da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) reportam-se às situações em que se verifica uma diminuição da categoria profissional, diminuição essa que, no caso, não se verifica, como, aliás, o próprio Recorrente reconhece e aceita.
LVI. Concluindo-se assim, pois, que não assiste qualquer razão ao A. e que bem andou a sentença recorrida quando decidiu julgar a acção integralmente improcedente.
LVII. Como, salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão quando defende e afirma que a sentença recorrida sustenta a sua decisão na circunstância de ter sido estabelecido um período experimental aquando da mudança de categoria e que, na perspectiva do Recorrente, tal período experimental ser nulo.
LVIII. Na verdade, analisada condignamente a sentença recorrida, verifica-se que esta suporta a sua decisão em diversas linhas jurídicas, entre as quais se não encontra nada a respeito do período experimental, a que a decisão recorrida alude, apenas, a título exemplificativo.
LIX. O que as partes acordaram foi que, durante os primeiros 180 dias de vigência da adenda, esta poderia terminar por decisão unilateral de qualquer das partes, mas que tal cessação teria como consequência o regresso do Recorrente à sua anterior categoria profissional e não a cessação do contrato de trabalho, como é próprio de um verdadeiro período experimental.
LX. Acresce que, este acordo contribui, como, embora a título exemplificativo a sentença refere, para a conclusão de que estamos, aqui, realmente, perante um novo contrato, precisamente porque as partes tiveram o cuidado de acautelar uma eventual não adaptação ou capacidade do Recorrente a um novo objecto contratual.
LXI. Por último, em abono da sua tese, invoca ainda o A. uma alegada violação do dever de informação que impende sob a R., pretendendo que tal suposta violação é, em si mesma, bastante para constituir na esfera jurídica da R. a obrigação de manter o pagamento da retribuição que o A. auferia enquanto Técnico Comercial.
LXII. Esta questão nem mesmo foi apreciada (ou sequer invocada) antes da interposição do presente recurso, correspondendo, portanto, a uma questão nova e, como tal, insusceptível de apreciação nesta sede.
LXIII. Sem prejuízo do que acabou de se dizer, cumpre, ainda, referir que, contrariamente ao que pretende o A., nada nos autos permite concluir ou afirmar que a R. violou o dever de informação, previsto e regulado nos art.º 106.º e 107.º do CT.
LXIV. Com efeito, compulsada a matéria de facto dada como provada verifica-se que dela não consta qualquer facto que permita afirmar que tal dever foi violado.
LXV. De facto, contrariamente ao que preconiza o Recorrente, não é suficiente para chegar a essa conclusão a circunstância de a adenda a que alude o facto provado n.º 2 não conter os elementos que integram o dever de informação, dado que tais elementos podem ter sido transmitidos por via de outro documento.
LXVI. Por outro lado, ainda que, por hipótese, se pudesse (que não pode, como se viu) concluir que a R. violou o dever de informação previsto e regulado nos art.º 106.º e 107.º do CT, não se vislumbra como é que dessa violação poderia nascer um suposto direito do Recorrente a auferir uma concreta remuneração.
LXVII. Na verdade, tal dever de informação deve ser cumprido após a celebração do contrato e, quando haja modificações nos seus elementos, após a ocorrência das mesmas.
LXVIII. As modificações que, em cumprimento desse dever, a R. deveria ter transmitido ao A. são posteriores à decisão deste de mudar de profissão e de carreira, e, nessa medida, a sua eventual não transmissão não pode ser utilizada para afirmar, como faz o R., que esta suposta falta de informação teve influência na decisão por este tomada.
LXIX. Em suma: também este argumento do A. carece inteiramente de fundamento, não sendo apto a modificar a sentença recorrida, a qual se deve manter inalterada.
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O MºPº teve vista e manifestou-se no sentido da improcedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Obtidos os vistos legais, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
A questão suscitada neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 639/1 e 2, e 663, todos do Código de Processo Civil – consiste em
- apurar se a decisão da matéria de facto merece a censura que lhe é feita;
- se foi reduzida ilicitamente a retribuição do A., que argumenta inexistir um novo contrato, a nulidade da cláusula invocada e a violação do dever de informação.
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Do recurso da matéria de facto
A matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação nas situações contempladas no n.º 1 do art.º 662º do CPC: se os factos tidos por assentes ou a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º 607.º, n.º 5, do CPC), segundo o qual “O juiz (…) aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)1. Ou seja, ao juiz cabe apreciar livremente as provas, sem constrangimentos nomeadamente quanto à natureza das provas, decidindo de harmonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
O artigo 640 CPC estabelece os ónus que impendem sobre quem recorre da decisão de facto, sob pena de rejeição do recurso (art.º 640/1 e 2/a):
- especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (nº 1, alínea a);
- especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b);
- a decisão que, no seu entender, deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1, al. c).
Os ónus contidos neste art.º 640/1 e 2, têm por fim tornar inteligível a impugnação e facilitar o entendimento da perspetiva do recorrente à contraparte e ao Tribunal ad quem. Neste sentido escreve Abrantes Geraldes que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo” (cfr. Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, 142-143; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 129).
Acresce que, nos termos do disposto nos art.º 639 e 640 do CPC, as conclusões delimitam o objeto do recurso, só podendo conhecer-se aquilo que é abrangido pelas mesmas (convergindo, por todos cfr. o ac. RL de 24.10.23, no proc. 743/19.5T8LSB.L1-7: “As competências que se atribuem no art.º 662.º apenas se podem exercer dentro do objeto fixado pelo recorrente nas conclusões do recurso, nos termos dos art.º 635.º e 640.º, pelo que a Relação apenas pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se o recorrente a impugnar e na medida em que impugnou”).
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Vejamos.
O A. pretende que se dê como assente o facto não provado n.º 2, relativo à questão dos danos não patrimoniais que alega ter sofrido (“sofreu momentos de tensão e grandes prejuízos com a situação em apreço que lesaram o seu bem-estar psíquico e a sua tranquilidade”), com fundamento exclusivamente nas suas declarações de parte (e que por isso mesmo o Tribunal recorrido não deu por assente).
Porém, tal é irrelevante, porquanto o recurso não tem por objeto tal parte, limitando-se, como resulta do pedido final, a demandar “as diferenças salariais apuradas nos autos”, obstando o art.º 130 do CPC a prática de atos inúteis.
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Reclama que se dê como facto assente o que se estipula na cláusula 17ª do AE. E que a R. lhe reduziu unilateralmente a retribuição base.
O que não colhe: não é matéria de facto - não esqueçamos que tais clausulas são dotadas de generalidade e abstração ("A interpretação das cláusulas de instrumentos de regulamentação coletiva obedece às regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º, do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros" - acórdão STJ. de 30.04.14 (e o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ n.º 6/15, publicado no DR n.º 86, SÉRIE I, de 2015-05-05, relat. Leones Dantas, que proclamou que as "regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstracção e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros"), não tendo conteúdo fáctico.
E a alegada redução da retribuição enquanto tal, também não tem conteúdo fáctico, sendo puramente conclusiva (acrescente-se ainda que o recorrente não cumpre adequadamente o disposto no art.º 640/1/c do CPC, não precisando os termos da resposta pretendida, ao limitar-se a fazê-lo por remissão para números sem conteúdo fáctico).
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Relativamente à pretensão de que fique assente que o A. já tinha interpelado a empresa para pagamento de dívidas, há que notar que interpelação é noção jurídica. Por outro lado, afirmar a existência de dívidas salariais é conclusivo.
Mas ainda que se possa porventura ultrapassar esta dificuldade, uma vez que o recorrente alude a carta que enviou, há que notar que se limita a remeter para provas juntas aos autos, que a contraparte nega existir, não se vislumbrando a que prova se refere nem a pertinência de uma tal factualidade.
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Nestes termos, julga-se improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto.
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São estes os factos provados nos autos:
1. O Autor celebrou um contrato sem termo com a Ré em 4 de Dezembro de 2009 para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de Técnico Comercial, em termos e condições que constam do contrato a fls. 6 verso a 8 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. A partir de 4 de junho de 2017 o autor, na sequência de um concurso para Comissário/Assistente de Bordo, passou a exercer as funções inerentes à categoria CAB – Comissário/Assistente de Bordo, o que mereceu a adenda ao contrato nos termos de fls. 8 dos autos e cujo teor se dá por integralmente por reproduzido;
3. À data de Junho de 2017 encontrava-se em vigor para os trabalhadores de terra da ré o AE celebrado entre esta e o SIMA - Sindicato das Industrias Metalúrgicas e Afins publicado no BTE n.º 19, 1º Série, de 22 de Maio de 2007.
4. Enquanto técnico Comercial ao serviço da ré o autor auferiu os valores que constam dos recibos de vencimentos de fls. 10 a 12 dos autos, passando a auferir enquanto Comissário de Bordo os valores dos recibos de fls. 13 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5. A retribuição base do A. (e dos restantes CAB) desde Junho de 2017 foi a seguinte:
a. De Junho a Dezembro de 2017: € 951,00 (novecentos e cinquenta e um euros);
b. De Janeiro a Dezembro de 2018: € 966,00 (novecentos e sessenta e seis euros);
c. De Janeiro a Dezembro de 2019: € 975,00 (novecentos e setenta e cinco euros);
d. De Janeiro a Dezembro de 2020: € 978,00 (novecentos e setenta e oito euros);
e. De Janeiro de 2021 a Março de 2022: € 1.310,00 (mil, trezentos e dez euros).
6. De Junho de 2017 até Março de 2022, o A. este auferiu, no total e atendendo ao que se disse no artigo 53.º do presente articulado, i.e., contabilizando, apenas, as parcelas pecuniárias com natureza retributiva, o valor global ilíquido de €67.648,20 (sessenta e sete mil, seiscentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos) sem considerar os valores dos subsídios de férias e de natal, conforme recibos de vencimento que constituem os documentos n.º 2 junto com a contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzidos;
7. De Junho de 2017 até Março de 2022, o A. esteve ausente do serviço nos seguintes períodos temporais:
8. a. De 23 de Junho a 14 de Julho de 2017, em virtude do gozo de uma licença parental;
b. Dia 21 de Julho de 2017, por motivo de doença;
c. Dias 16 e 17 de Agosto de 2017, em virtude do gozo de uma licença parental;
d. De 18 a 22 de Setembro de 2017, em virtude do gozo de uma licença parental;
e. De 9 a 11 de Outubro de 2017, em virtude do gozo de uma licença parental;
f. De 13 a 18 de Novembro de 2017, por motivo de doença;
g. De 19 de Novembro a 18 de Dezembro de 2017, em virtude do gozo de uma licença parental;
h. De 16 a 18 de Fevereiro de 2018, por motivo de doença;
i. De 20 a 28 de Fevereiro de 2018, por força de um acidente de trabalho;
j. De 13 a 25 de Outubro de 2018, por motivo de doença;
k. De 6 a 12 de Novembro de 2018, por motivo de doença;
l. De 30 de Janeiro a 7 de Fevereiro de 2019, por força de um acidente de trabalho;
m. De 21 a 26 de Abril de 2019, por força de um acidente de trabalho;
n. De 5 a 16 de Maio de 2019, por força de um acidente de trabalho;
o. De 6 a 8 de Julho de 2019, por motivo de doença;
p. Dias 13 e 14 de Setembro de 2019, por motivo de doença;
q. Dias 5 e 6 de Novembro de 2019, por motivo de doença;
r. De 18 a 29 de Março de 2020, para prestar assistência à família em virtude do encerramento das escolas decorrente da pandemia de Covid-19;
s. De 23 a 26 de Dezembro de 2020, por motivo de gozo de licença parental alargada;
t. De 23 a 26 de Dezembro de 2021, por motivo de gozo de licença parental alargada;
u. De 17 a 23 de Janeiro de 2022, por motivo de doença (quarentena).
9. Por referência aos períodos de ausência por doença mencionados no artigo anterior, o A. recebeu a quantia global de €1.023,28 (mil e vinte e três euros e vinte e oito cêntimos), a título de subsídio de doença;
10. Enquanto Técnico Comercial a retribuição do autor e as anuidades estavam sujeitas a uma taxa de 18.5 de retenção na fonte e de 11% para a segurança social;
11. O A. foi abrangido pelo procedimento de Lay-off implementado pela R. nos seguintes períodos temporais (cfr. registo de absentismo já junto como Doc. n.º 1 do presente articulado):
a. De 2 de Abril a 13 de Maio de 2020;
b. De 20 de Maio a 17 de Junho de 2020;
c. De 21 de Junho a 31 de Julho de 2020.
12. Durante o período em que esteve abrangido pelo Lay-off, e porque este implicou a suspensão do contrato de trabalho, o A. tinha direito a receber 2/3 da sua retribuição;
13. A título de subsídios de férias e de Natal, o A. auferiu, entre Junho de 2017 e Março de 2022, os seguintes valores (cfr. recibos juntos como Doc. n.º 4 da p.i. e Doc. n.º 2 do presente articulado):
a. €1.064,68 (mil e sessenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos), a título de subsídio de férias, pagos em Dezembro de 2017;
b. €904,25 (novecentos e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), a título de subsídio de Natal, pagos em Dezembro de 2017;
c. €10,00 (dez euros), a título de subsídio de férias, pagos em Fevereiro de 2018;
d. €8,49 (oito euros e quarenta e nove cêntimos), a título de subsídio de Natal, pagos em Fevereiro de 2018;
e. € 1.090,14 (mil e noventa euros e catorze cêntimos), a título de subsídio de férias, pagos em Março de 2018;
f. €15,00 (quinze euros), a título de subsídio de férias, pagos em Outubro de 2018;
g. €1.075,09 (mil e setenta e cinco euros e nove cêntimos), a título de subsídio de Natal, pagos em Dezembro de 2018;
h. €1.123,89 (mil, cento e vinte e três euros e oitenta e nove cêntimos), a título de subsídio de férias, pagos em Fevereiro de 2019;
i. €1.133,64 (mil, cento e trinta e três euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de subsídio de Natal, pagos em Dezembro de 2019;
j. €1.136,70 (mil, cento e trinta e seis euros e setenta cêntimos), a título de subsídio de férias, pagos em Janeiro de 2020;
k. €30,96 (trinta euros e noventa e seis cêntimos), a título de subsídio de férias, pagos em Fevereiro de 2020;
l. €15,46 (quinze euros e quarenta e seis cêntimos), a título de subsídio de Natal, pagos em Fevereiro de 2020;
m. €1.161,94 (mil, cento e sessenta e um euros e noventa e quatro euros), a título de subsídio de Natal, pagos em Novembro de 2020;
n. €341,96 (trezentos e quarenta e um euros e noventa e seis cêntimos), a título de subsídio de Natal, pagos em Dezembro de 2020;
o. €1.503,90 (mil, quinhentos e três euros e noventa cêntimos), a título de subsídio de férias, pagos em Janeiro de 2021;
p. €1.278,82 (mil, duzentos e setenta e oito euros e oitenta e dois cêntimos), a título de subsídio de Natal, pagos em Dezembro de 2021;
q. €1.347,63 (mil, trezentos e quarenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), a título de subsídio de férias, pagos em Janeiro de 2022;
r. €35,96 (trinta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), a título de subsídio de Natal, pagos em Janeiro de 2022 e relativos ao subsídio de Natal de 2021.
14. Num total de €13.270,87 (treze mil, duzentos e setenta euros e oitenta e sete cêntimos).
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B) De Direito
A sentença recorrida considerou:
A situação (…) resume-se ao facto de o A., trabalhador da R., exercer funções como técnico comercial, com determinada remuneração e ter passado – por sua iniciativa - a assistente de bordo, mudando de funções e de categoria, de modo totalmente distinto das que exercia e nessa medida viu a sua remuneração ser alterada e a seu ver diminuir. (…) A R. pode fazê-lo? À primeira vista (…) não, posto que é proibida a diminuição da retribuição. Porém, (…) o que se encontra proibida é a diminuição da retribuição com a manutenção dos pressupostos da sua atribuição. Donde, se um trabalhador reduzir o horário de trabalho pode ver a sua retribuição diminuir. Se um trabalhador mudar totalmente de funções, mudando por sua iniciativa de carreira, de categoria, (…) a proibição não lhe é aplicável. Só a manutenção dos pressupostos impede a diminuição da retribuição. Se porventura o trabalhador muda de funções a pedido da empregadora, tal não pode importar uma diminuição da retribuição. Mas se o próprio decide mudar de carreira profissional, a qual tem outro quadro remuneratório, não vemos como pode a obrigação de manter a retribuição ser aplicável. (…) Exemplo do que se referiu está consagrado pelo legislador no art.º 119º do CT, em que dando o trabalhador o seu acordo para mudança de categoria inferior pode ser diminuída a retribuição.
(…) Exercendo o trabalhador funções totalmente distintas, inerentes a uma categoria que nada se prende com a que era a sua, tendo decidido mudar de categoria por sua livre vontade, não tem a empregadora de lhe manter a retribuição que auferia, mas apenas a retribuição vigente para a categoria que o trabalhador exerce e escolheu mudar e exercer, com todos os riscos inerentes. Note-se que não se pode escolher o “melhor de dois mundos”. O A. não pode escolher manter a retribuição que tinha numa carreira e categoria que já contava com alguns anos de serviço, mudar radicalmente de carreira, começar do início, mas com a retribuição base que tinha, e com as benesses da nova categoria.
E no caso em apreço o A. nem cuidou de saber se isso sucedia, se iria aumentar ou diminuir a retribuição. Alega (…) que a R. prometeu a manutenção da sua situação salarial e que se necessário fosse até efetuariam acertos (art.º 5º da pi.). (…) O A. não acordou em que fosse reduzida a sua retribuição (que sabemos ser proibido). Mas (…) pediu ele próprio de sua vontade mudar para uma categoria totalmente distinta, exercer funções totalmente distintas e integrar uma carreira profissional radicalmente distinta da que detinha, (… com) um quadro salarial próprio, horários, requisitos e progressões distintas, donde o princípio da irredutibilidade não pode ser aplicável. Pese embora A. e R. tenham formalizado a questão por via de uma adenda ao contrato de trabalho, (…) tudo se passa como se uma nova realidade contratual existisse, pois, a adenda não reconhece antiguidade e acorda ainda num período experimental. É em rigor um novo contrato de trabalho para uma nova realidade (…), porque tudo é novo e distinto do anterior. Donde, em suma, por via do principio da irredutibilidade da retribuição e da aplicação do código de trabalho, não pode proceder a pretensão do A..
Vejamos se tal é possível por via da aplicação do AE celebrado entre a R. e o SIMA - Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins publicado no BTE n.º 19, 1º Série, de 22 de Maio de 2007, (…) que à data de Junho de 2017 se encontrava em vigor para os trabalhadores de terra da R. (…). Sustenta o A. a aplicação da cl.ª 17ª, que preceitua no nº 3 que enquanto a remuneração base for superior à da nova categoria o trabalhador a mantém até alcançar essa remuneração na nova categoria. (…) Por via desta cl.ª 17ª a pretensão do A. poderia vingar num pressuposto crucial: a de o AE em apreço lhe ser aplicável; (mas ) este AE aplica-se aos trabalhadores de terra da R.. A R. não o aplica aos trabalhadores de ar, posto que para esses existem outros AE, nomeadamente o SNPAVC, o qual é aplicável ao A. desde que passou a ser comissário de bordo. (…) Apesar de não lhe trabalhador de terra se o AE SIMA pode ser-lhe aplicável? Cremos que não (…: o) essencial é que o AE em apreço não tem como destinatário de aplicação situações como as do A.. Apesar de a R. o aplicar a pessoal de terra (não é o caso do A., pelo que por aí não pode ser aplicável), o âmbito de aplicação do diploma refere (cl.ª 2ª, nº 2) que abrange os trabalhadores que sem perda de vinculo territorial se desloquem em serviço ao estrangeiro por prazo igual ou inferior a 90 dias). Não se prova ser o caso do A. Donde, seja por via do âmbito de aplicação, seja pela prática de aplicação do AE (aos trabalhadores de terra) o A. não pode beneficiar da aplicação da clausula 17ª, pois deixa o AE de lhe ser aplicável quando deixa de exercer as funções de técnico comercial. (… E) nunca a sua aplicação poderia vingar. Se ao A. é aplicável o AE do SNPAV com regras totalmente distintas, como pode o A. pretender a aplicação do que lhe convém de um AE e do que lhe convém do outro?!
Improcede, pois, a pretensão do A. em toda a linha, e nem por via do AE, nem por força do princípio da irredutibilidade da retribuição cremos que o seu pedido possa proceder”.
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Vejamos. O autor mudou de carreira sem que tal tenha qualquer ligação com os termos da mobilidade funcional (art.º 120, CT) e menos ainda com os da mudança para categoria inferior (art.º 119), os quais têm subjacente alteração na situação do trabalhador a que não é alheio o interesse da empregadora.
Nessas circunstâncias dispõe o n.º 4 do art.º 120 que tal não pode implicar diminuição da retribuição.
Mas noutras circunstâncias o problema deve ser equacionado de forma diversa, visto que não são motivos ligados ao empregador, e de nenhum modo ao seu interesse (do empregador), que levam à mudança da situação do trabalhador, mas meramente o interesse deste.
Se é o trabalhador que quer mudar não se lhe aplicam as garantias de não alteração em seu desfavor da retribuição, posto que agora é o mesmo quem se propõe prestar, por sua iniciativa, atividades distintas.
Isso mesmo resulta do disposto no art.º 129, n.º 1, al. d), do CT, que determina que “é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no código ou em IRCT”. De onde por exemplo se extrai que “O princípio da irredutibilidade previsto no art.º 129º, nº 1, alª d), do CT, não é violado se se trata de situações laborais reversíveis e os respectivos complementos retributivos só são devidos enquanto essas situações específica se verificarem” (ac. RL de 1.6.2016, proc. 4698/11.6TTLSB.L1-4, rlt Eduardo Azevedo). E acrescenta em sede de fundamentação, num caso em que a diferença era aliás menos significativa do que neste, estando em causa a cessação de uma comissão de serviço:
“Como referem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, Lex, pags. 214-215, “uma vez terminado o regime de isenção, o trabalhador perderá o direito à retribuição especial que lhe era inerente, sem que essa perda possa ser considerada como uma baixa de retribuição (…). A única excepção geralmente admitida à reversibilidade da isenção respeita aos casos em que esse regime tenha sido expressamente convencionado no contrato de trabalho, caso em que se exige a concordância do trabalhador para o seu termo”. No mesmo sentido pode ver-se o decidido no Acórdão da Relação Lisboa de 25.10.2000, proferido no proc. 0077674, disponível em www.dgsi.pt/jtrl, no qual foi elaborado o seguinte sumário doutrinal: “I - Resultando o regime de isenção de horário de trabalho do próprio contrato de trabalho e não duma fixação unilateral do mesmo determinada pela entidade patronal, só um novo acerto de vontades das duas partes poderá pôr-lhe termo. II - Nestes casos - e sejam quais forem as razões invocadas para uma tal alteração do contrato - a entidade patronal não pode unilateralmente fazer cessar o regime de isenção de horário praticado pelo trabalhador, nem pode retirar o correspondente suplemento retributivo. III - Nas demais situações, a isenção de horário de trabalho é, por natureza, uma situação reversível, podendo cessar por iniciativa unilateral da entidade patronal, que se exprime em regra, por omissão do pedido de renovação dirigido à entidade competente.” Em face da factualidade provada, não oferece dúvidas que a quantia aqui reclamada pelo trabalhador foi-lhe atribuída em função do exercício de funções específicas que legalmente deixou de exercer por exclusiva vontade do mesmo, e, portanto, totalmente alheia à entidade empregadora. Assim, podia a ré suprimir-lhe a quantia que comprovadamente auferia em razão do exercido das referidas funções. Neste sentido pode ver-se também o decidido no Acórdão da Relação Lisboa de 09.04.2008, proferido no proc. 312/2008- 4, disponível em www.dgsi.pt/jtrl, no qual se escreve: “Como é generalizadamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a irredutibilidade da retribuição não é impeditiva da supressão de certas atribuições patrimoniais conexas com determinadas condições específicas do modo de prestação de trabalho, quando essas condições específicas sejam também elas suprimidas. É o que acontece com inúmeras prestações que são contrapartida de situações laborais reversíveis, e que, se bem que frequentemente, pelo carácter regular e periódico com que são pagas, possam ser qualificadas como complementos retributivos, só são devidas enquanto a situação específica de que são contrapartida se verificar (a menos que, por terem sido contratualmente estabelecidas, não haja acordo das partes quanto à eliminação da parcela retributiva correspondente a essa especificidade). É o caso, por exemplo de subsídios de turno, de isenção de horário de trabalho, de risco, de transporte de valores, etc…”.
O A. alega, primeiro, que não há novação do contrato de trabalho; segundo, que a cláusula que previu um novo período experimental é nula, porquanto o contrato laboral do A. já tinha mais de 10 anos; por fim, que de todo o modo haveria violação do dever de informação, porquanto concorreu no pressuposto de que manteria a retribuição e a R. não o informou do contrário.
Em rigor, os problemas que o autor suscita não são questões, mas argumentos quanto à verdadeira questão de saber se tem direito a manter a retribuição que vinha auferindo em terra.
Como ensina o mestre Nunes de Carvalho, in Manual de Direito do Trabalho, de Bernardo Xavier e aut., 3ª ed., 618, “a ideia central de irredutibilidade é a de impedir a «degradação do padrão retributivo básico, ou seja, da contrapartida que, nos termos da execução do contrato até esse momento, corresponde às funções desenvolvidas pelo trabalhador no quadro da atividade contratada e ao modo pelo qual se operou a integração do trabalhador na organização empresarial” (sublinhado nosso).
Ora, o trabalhador foi contratado inicialmente para desempenhar funções diversas, e foi por sua iniciativa que passou a desempenhar outro tipo de funções, inserindo-se na organização empresarial do réu de forma diferente.
Mesmo no caso de continuar a desempenhar funções similares defende-se que, cessando os pressupostos que justificavam a respectiva atribuição, as correspondentes atribuições não terão de ser mantidas (cfr. Bernardo Xavier, op. cit., 619, exemplificando com as que respeitam a subsídio de risco, de fadiga, de trabalho noturno ou de trabalho por turno). E acrescenta: “questões idênticas se colocam no caso de cessar a isenção de horário de trabalho. Entendemos que, em regra, o empregador não terá de manter tais atribuições”.
Ora, tratando-se de funções completamente distintas, é manifesto que a ré não está vinculada a manter a mesma retribuição, que é contrapartida do exercício de funções diversas e em condições diferentes (como no que toca à antiguidade).
As garantias previstas no art.º 129, n.º 1, al. d), dirigem-se a prevenir a lesão da retribuição do trabalhador por efeito da conduta do empregador, e não a conceder-lhe uma situação de privilégio injustificado exclusivamente originada na vontade do próprio trabalhador. Se este muda, por seu exclusivo alvedrio (e sendo evidente que o empregador em nada contribuiu para isso), para uma categoria menos valorizada e retribuída, não pode pretender beneficiar de garantias que não visam proteger essa eventualidade mas evitar que o empregador possa de algum modo ludibriar o trabalhador: aquilo que lhe cabe perceber é a retribuição própria dessa nova categoria. E sendo funções bem diversas, o que a boa fé impõe é que quem se candidata num concurso interno se informe previamente das condições que terá, que aliás são conhecidas no seio da empresa, não podendo anelar seriamente que o empregador previna qualquer duvida e desconhecimento que cada candidato possa ter (art.º 126/1 e 2, CT).
Também não existe IRCT que imponha conclusão diversa, atento o âmbito de aplicação dos acordos de empresa.
Como exemplificou a sentença recorrida, se um alto quadro resolve passar a funcionário administrativo (ou, diríamos, um administrador com contrato de trabalho concorre internamente para contínuo), não pode pretender continuar a receber o que até aí auferia, que não corresponde à retribuição destas tarefas e até lançaria, provavelmente, o caos nas tabelas remunerativas do empregador, atenta a existência de outros profissionais.
Assim, é claro que a argumentação do A. não colhe e a sentença não merece censura.
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DECISÃO
Pelo exposto o Tribunal julga o recurso improcedente e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo A.

Lisboa, 10 de abril de 2024
Sérgio Almeida
Leopoldo Soares
Francisca Mendes
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1. Cf. o que é corolário das regras do direito substantivo cível art.º 396 (“A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal”), 391 (“O resultado da inspecção é livremente apreciado pelo tribunal”) e 389 (“A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”).