CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
VÍCIO DE VONTADE
Sumário

I. É admissível prova testemunhal relativamente a alegados vícios da declaração negocial reduzida a escrito.
II. Nos termos do artigo 247.º do Código Civil a declaração negocial é anulável: i) se o elemento sobre o qual incidiu o erro for essencial para o declarante; e ii) se o declaratário conhecer ou não dever ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual incidiu o erro.
III. A imputabilidade ao declarante, por incúria na leitura do contrato, do erro na declaração não obsta a que, verificados que estejam os requisitos referidos no artigo 247.º do Código Civil, a declaração negocial seja anulável.
(sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório

AA, ..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., NIF ..., residente na ..., em Lisboa, intentou contra XX Media, S.A., NIPC ..., com sede na ..., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que a acção seja julgada procedente e a Ré condenada a pagar-lhe o valor de 90.000,00€ (noventa mil euros) acrescido
de juros à taxa legal desde a citação até ao completo e integral pagamento.
Invocou para tanto, em síntese, que:
- A Autora trabalhou por conta e sob as ordens da YY, S.A. entre 01 de Maio de 2000 e 02 de Janeiro de 2022 exercendo ultimamente as funções de Coordenadora do Programa (…);
- Em 8 de Setembro de 2021 a Autora foi contactada pela Ré no sentido de passar a trabalhar por conta e sob as ordens desta, tendo as negociações decorrido com normalidade na sequência do que a Ré enviou à Autora, em 25 de Outubro de 2022, e-mail com as minutas do contrato de trabalho, adenda ao contrato de trabalho, acordo de exclusividade e acordo de isenção de horário de trabalho;
- A esta proposta da Ré, respondeu a Autora em 26 de Outubro de 2022 afirmando que o contrato devia ser um único documento onde fossem consideradas as alterações à proposta que iria remeter após o advogado as ultimar;
- Na sequência do afirmado pela Autora, em 8 de Novembro de 2021, foi enviada à Ré a minuta revista do contrato de trabalho conforme o e-mail e anexo juntos como documentos 8 e 9;
-T ais negociações concluíram-se com a celebração entre a Autora e a Ré do contrato de trabalho junto como documento 10, que se iniciou em 3 de Janeiro de 2022, tendo a Autora sido contratada para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Directora Geral Adjunta;
- A Autora apenas aceitou cessar o contrato de trabalho com a YY, S.A. no pressuposto de que com a celebração do contrato com a Ré estariam asseguradas as garantias que enuncia;
- Nesse quadro, no contrato de trabalho celebrado foi aposta a Cláusula 12.ª com o seguinte teor: «1 – Considerando que para a celebração do presente Contrato a 2.ª Outorgante teve que desvincular-se da sua entidade empregadora com a qual tinha um vínculo de antiguidade superior a 21 anos, prescindindo, por força dessa desvinculação, do valor respeitante à indemnização a que teria direito com base nessa antiguidade, fica acordado entre as Partes que caso se venha a verificar a cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas previstas na lei com excepção do despedimento com justa causa, a compensação pecuniária a pagar pela 1.ª à 2.ª Outorgante terá o valor mínimo garantido de 90.000,00 (noventa mil euros).2 – Ao valor indicado no número anterior e em caso de cessação do presente contrato de trabalho por qualquer das formas legais, com excepção do despedimento com justa causa, acrescem, para efeitos de cálculo da indemnização por antiguidade, todos os valores que nos termos legais sejam devidos à 2.ª Outorgante pela antiguidade que esta venha a ter em função da execução do presente contrato»;
- Em 3 de Agosto de 2022 a Autora denunciou o contrato de trabalho com efeitos a 3 de Setembro de 2022;
- A Ré pagou à Autora os créditos relativos ao trabalho prestado no mês de Setembro de 2022, bem como os subsídios de férias e de Natal, proporcionais de férias, despesas e formação não prestada;
- Quando de tal pagamento, a Autora negou-se a subscrever o recibo atento o seu teor traduzir-se numa remissão abdicativa, posto que tendo o contrato de trabalho entre a Autora e a Ré terminado por denúncia daquela e não por despedimento com justa causa, tem a Autora a haver da Ré, nos termos contratuais, o valor mínimo garantido de 90.000,00€ de acordo com a Cláusula 12.ª n.º 1; e
- A Ré nega-se a pagar à Autora aquele valor, que aqui reclama.
Realizou-se a audiência de partes não tendo sido possível a conciliação.
Regularmente notificada, a Ré contestou invocando, em resumo, que:
- A Ré abordou a Autora por duas vezes e tanto na primeira como na segunda abordagem, o que Autora fez questão de frisar foi que, na YY, S.A., sua anterior entidade empregadora, tinha uma antiguidade de 21 anos, no ano de 2020, e 22 anos, no ano de 2021 e fê-lo porque não queria prescindir de tal antiguidade, facto que transmitiu à Ré como sendo condição da aceitação da sua integração na XX Media, S.A.;
- A Autora tinha perfeito conhecimento que, ao denunciar o contrato de trabalho com a YY, S.A., por sua iniciativa, para celebrar contrato de trabalho com a Ré, a antiguidade que ali tinha adquirido nenhum efeito teria, ou seja, não lhe conferia direito a qualquer compensação, pelo que a Autora pretendia ser compensada, pela referida antiguidade, nos mesmos termos que seria compensada se se mantivesse ao serviço da sua anterior entidade empregadora, tendo atribuído à sua antiguidade, em 2021, o valor de €90.000,00;
- E a Autora sabia que apenas teria direito a uma compensação pelos 22 anos de antiguidade na YY, S.A., no montante, segundo aquela, de €90.000,00, no caso de o seu contrato de trabalho cessar por iniciativa da entidade empregadora (YY, S.A.), mais precisamente no contexto de um despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho;
- No âmbito das conversações que precederam a celebração do Contrato, aquilo que foi transmitido à Autora, num primeiro momento pelo Director Geral BB, e num segundo momento pelo Director Geral CC, foi que a Ré estaria disponível para assumir essa antiguidade e valor atribuído pela Autora – para efeitos compensatórios – nos mesmos termos que a Autora teria ao serviço da YY, S.A. e assim a Ré apenas estaria disposta a aceitar que a antiguidade da Autora fosse relevante num cenário de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, no âmbito de um despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho;
- É isto mesmo que decorre das minutas contratuais enviadas à Autora e na adenda ao contrato de trabalho está perfeitamente expressa a vontade da Ré, isto é, a compensação seria devida caso se verificasse a cessação do contrato de trabalho pela Ré, com excepção do despedimento com justa causa;
- A Autora, que teve oportunidade de analisar as minutas enviadas pela Ré nada assinalou sobre o teor da Cláusula da adenda nomeadamente de que ali deveria estar contemplado o direito à compensação num cenário de cessação do contrato de trabalho por iniciativa da própria Autora;
- A Autora limitou-se a sugerir consolidar todas as minutas contratuais num único documento, assinalando um conjunto de condições essenciais à aceitação desta transferência – relacionadas, principalmente, com o detalhe das funções e responsabilidades que lhe seriam atribuídas no ZZ, TV ZZ e Revista ...;
- Também o seu advogado nada disse – nem verbalmente, nem por e-mail – sobre o facto de a Cláusula da adenda não corresponder à suposta vontade da Autora de ser compensada em caso de cessação do contrato de trabalho por iniciativa desta;
- E nada disseram porque, efetivamente, não era pretensão da Autora ser compensada num cenário de cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa e se essa pretensão, de facto, existia – a mesma nunca foi comunicada à Ré e se tivesse sido a Ré não teria aceitado tal condição;
- A Ré desconhece se terá sido lapso na consolidação das minutas que havia enviado à Autora, ou pura má-fé desta e/ou do seu mandatário, mas a Cláusula incluída na versão consolidada do Contrato, tem uma redacção diferente da redacção anteriormente proposta pela Ré uma vez que foi omitida a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”, omissão daquela expressão na versão consolidada do Contrato, que não foi assinalada à Ré, nem pela Autora, nem pelo seu mandatário;
- Sendo certo que deram nota, verbalmente ou em email, de outras alterações bem menos relevantes;
- As Partes não discutiram ou negociaram, concretamente, a eliminação da expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”;
-Em todo o caso, embora tenha sido eliminada a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”, que constava da minuta inicial enviada pela Ré à Autora, da Cláusula 12.ª do Contrato que veio a ser assinado pelas Partes, as Partes fizeram constar o fundamento para o pagamento de uma compensação pecuniária à Autora, no valor de €90.000,00.
-Também o n.º 2 da Cláusula 12.ª do Contrato é indicativo de que a compensação por antiguidade é a compensação que seria devida “nos termos legais”, isto é, num cenário de cessação do Contrato por iniciativa da Ré;
-Esta compensação seria composta por duas parcelas, uma primeira parcela correspondente aos anos de serviço na YY, S.A. e uma segunda parcela correspondente aos anos que a Autora acumulasse ao serviço da Ré;
- A Ré apenas aceitou a responsabilidade pelo pagamento da compensação a que a Autora teria direito com base na sua antiguidade, nos exatos termos em que poderia a YY, S.A. ser responsável pela mesma e essa compensação só seria devida pela YY, S.A. e, por isso, pela XX Media, S.A., em caso de cessação do Contrato por iniciativa do empregador;
-A Autora fundamenta a sua pretensão numa interpretação literal da Cláusula 12.ª do Contrato que não tem qualquer respaldo naquilo que é e sempre foi a vontade real da Ré, vontade esta que a Autora sempre conheceu e nunca contestou;
- A vontade real da Ré – que a Autora bem conhece e à qual deu o seu acordo – sempre foi a de que a Autora só teria direito à compensação pecuniária prevista na Cláusula 12.ª nos casos de cessação de contrato de trabalho por iniciativa da Ré, porquanto só nestes casos estariam verificadas as mesmas circunstâncias que permitiriam à Autora reclamar, da YY, S.A., uma compensação pela sua antiguidade;
- E foi claramente por saber que a antiguidade de um vínculo laboral só releva em casos de cessação de contrato de trabalho por iniciativa do empregador, que a Autora pretendeu “transferir” a sua antiguidade para o seu novo vínculo laboral;
- A vontade real da Ré encontra-se expressa, sem qualquer margem para dúvidas, nas primeiras minutas contratuais enviadas à Autora, das quais resulta que o pagamento da compensação pecuniária de €90.000,00 teria lugar, única e exclusivamente, nos casos de cessação do contrato de trabalho por iniciativa da Ré;
- É, de resto, o que impõe o princípio da boa-fé a que as Partes se encontram legalmente vinculadas;
- Assim, caso a Autora tivesse, de facto, formado um entendimento diferente daquele que foi inicialmente acordado, aquilo que seria exigível, num quadro negocial de boa-fé, era que disso tivesse dado expressa nota à Ré, nos mesmos termos e à semelhança do que fez relativamente a outros temas;
- Nos termos da Cláusula 12.ª do Contrato, interpretada nos termos do disposto no artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil, ou seja, de acordo com a vontade real da Ré – e, bem assim, da Autora que não só a conhecia como manifestou o seu acordo verbal com a mesma –, a Autora só teria direito à compensação de €90.000,00 aí prevista se o Contrato fosse cessado por iniciativa da XX Media, S.A., o que não ocorreu;
- Se o Tribunal concluir não ser possível aferir, in casu, a vontade real das Partes nos termos do artigo 236.º, n.º 2 do CC, deverá recorrer à solução interpretativa prevista no artigo 236.º, n.º 1 do CC e in casu, não se pode considerar como sendo minimamente plausível que um declaratário normal, “(…) razoável, ponderado, diligente e de boa-fé (…)”, que pretende a interpretação mais rigorosa – e não aquela que melhor lhe aproveita –, concluísse que a Cláusula 12.ª do Contrato impõe a responsabilização da Ré pelo pagamento de um montante de € 90.000,00, em resultado de actos a que esta é absolutamente alheia e que estavam na inteira e exclusiva disponibilidade da Autora;
- Por outro lado, ao abrigo do artigo 237.º do CC sempre se impõe ao Tribunal que rejeite a pretensão da Autora que conduz a uma solução manifestamente desproporcional e injusta;
- A lei laboral apenas impõe a consideração da antiguidade, nomeadamente para efeitos compensatórios, perante cenários em que a cessação do contrato de trabalho é determinada por circunstâncias alheias à vontade do trabalhador;
- Na denúncia do contrato é a entidade empregadora, Ré, que tem de suportar o ónus da discricionariedade de uma decisão que diz respeito, apenas e só, à trabalhadora, Autora.
- O Tribunal deverá ainda considerar, no apuramento do sentido que conduza “ao maior equilíbrio das prestações”, nos termos do disposto no artigo 237.º do CC, as circunstâncias concretas do caso, nomeadamente (i) o avultado montante que está em discussão nos presentes autos, (ii) a surpreendente curtíssima duração do Contrato (que foi denunciado ao fim de apenas 7 meses de execução) e (iii) a circunstância de estar vedada à Ré – na interpretação proposta pela Autora – a possibilidade de evitar o pagamento da quantia em discussão, porquanto o facto que lhe serve de fundamento encontra-se na inteira e exclusiva disponibilidade desta;
- Subsidiariamente, se o Tribunal vier a concluir que a interpretação da Cláusula 12.ª avançada pela Autora está correcta e, consequentemente, que, nos termos do Contrato é devida uma indemnização de €90.000,00 pela cessação do Contrato em caso de denúncia do mesmo pelo trabalhador, deverá anular-se a Cláusula 12.ª do Contrato com fundamento em erro, nos termos do disposto nos artigos 247.º, 287.º e 292.º do CC;
- Admitindo-se que o sentido objetivo da Cláusula 12.ª é o de que o direito a uma compensação pecuniária aí previsto aplica-se, inclusive, aos casos de cessação do contrato de trabalho por iniciativa da Autora, é manifesta a divergência entre esse mesmo sentido e aquilo que era a vontade real da Ré.
- Com efeito, por lapso, a Ré não reparou – nem para tal foi advertida – que a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante” havia sido eliminada, tendo ficado apenas a constar “caso se venha a verificar a cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas previstas na lei”.
- Ora, também aqui a essencialidade do erro resulta de forma clara pois a Ré nunca teria aceitado ser responsável pelo pagamento de uma compensação pecuniária de € 90,000,00, se tal pagamento pudesse ficar na disponibilidade livre e discricionária da Autora, não podendo a Ré fazer nada para a ele se opor;
- Pelo que, se a Ré se tivesse apercebido da divergência a que ora se alude (decorrente da eliminação do excerto “por iniciativa da 1.ª Outorgante”), não teria celebrado o Contrato, atenta a manifesta onerosidade e desproporcionalidade da solução que o mesmo consagra;
- E a essencialidade do erro era perfeitamente cognoscível pela Autora ou antes a Autora conhecia a essencialidade e o erro;
- A Autora não podia razoavelmente crer que a eliminação – deliberada ou por lapso – de um excerto que altera de forma substancial as condições de pagamento de uma compensação de valor pecuniário significativo não era essencial para o responsável pelo mesmo; e
- O regime da denúncia, previsto nos artigos 400.º a 403.º do CT, não prevê qualquer obrigação da entidade empregadora de indemnizar o trabalhador pela cessação unilateral, por este, do seu contrato, pelo que uma estipulação contratual, como a que se discute nos autos, que preveja o pagamento de uma compensação por antiguidade em caso de denúncia do contrato pelo trabalhador, consubstancia uma manifesta (e inadmissível) alteração às consequências definidas pelo Código do Trabalho, donde a cláusula 12.ª do Contrato é nula.
Finalizou pedindo que a acção seja julgada improcedente, por não provada e, em consequência, seja a Ré totalmente absolvida do pedido formulado pela Autora.
Foi dispensada a convocação da audiência prévia, fixado o valor da causa e proferido despacho saneador, abstendo-se o Tribunal a quo de identificar o objecto do litígio e de enunciar os temas da prova na consideração que de que a causa se reveste de simplicidade.
Realizou-se a audiência de julgamento no âmbito da qual as partes acordaram parcialmente sobre a matéria de facto provada e, após, foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformada com a sentença, a Autora recorreu e sintetizou as suas alegações nas seguintes conclusões:
“1. O Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova feita nos autos quer documental quer testemunhal.
2. O contrato de trabalho sub judice foi discutido entre as partes e por elas subscrito sem qualquer reserva.
3. Tendo assumido o contrato de trabalho por vontade das partes a forma escrita não é admissível prova testemunhal que tenha por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao respectivo conteúdo, única que o Tribunal a quo considerou relevante.
4. Ao assim não entender violou o Tribunal a quo o n.º 1 do art.º 394.º e o n.º 1 do art.º 376.º ambos do Código Civil.
5. À proposta de contrato de trabalho apresentada pela R., ora Recorrida, em 25 de Setembro de 2021 que consistia em 4 minutas – docs. n.ºs 3, 4, 5 e 6 juntos com a petição inicial (facto 3) contrapropôs a A., ora Recorrente, em 27 do mesmo mês a minuta de contrato de trabalho junta com o requerimento da R., ora Recorrida, de 9 de Março de 2023 (facto 12).
6. Nesta minuta consta a proposta da A., ora Recorrente, para a cláusula 5.ª do contrato com o seguinte teor:
“5.ª
1. O presente contrato tem o seu início no dia __/__/2021, data em que começa a produzir os seus efeitos, e, sendo celebrado sem prazo, está sujeito a um período experimental de 180 dias, durante o qual, qualquer das partes pode denunciá-lo sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar, a qualquer indemnização, com excepção da indemnização prevista no n.º 1 da Claúsula 12ª deste Contrato e que será sempre devida à 2ª Outorgante também em caso de denúncia do contrato por qualquer das partes durante o período experimental. [sublinhado no original]
2. Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, para denunciar o contrato nos termos do número anterior, a 1ª Outorgante tem de dar um aviso prévio de 7 dias.
3. Caso o período experimental tenha durado mais de 20 dias, a denúncia do contrato de trabalho por arte do empregador depende de aviso prévio de 15 dias”.
7. E para o n.º 1 da cláusula 12.ª do contrato de trabalho o seguinte:
“12.ª
1- Considerando que para a celebração do presente Contrato a 2ª Outorgante teve de desvincular-se da sua anterior entidade empregadora com a qual tinha um vínculo de antiguidade superior a 21 anos, prescindindo, por força dessa desvinculação, do valor respeitante à indemnização a que teria direito com base nessa antiguidade, fica acordado entre as Partes que caso se venha a verificar a cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas previstas na lei, a compensação pecuniária a pagar pela 1ª à 2ª Outorgante terá o valor mínimo garantido de 90.000,00 (noventa mil euros)”.
8. Ou seja, à cláusula única proposta pela R., ora Recorrida, sobre a compensação no caso de cessação do contrato de trabalho (doc. n.º 4 junto com a petição inicial) contrapôs a A., ora Recorrente, uma cláusula que, ao contrário daquela, não tinha um, mas dois números e conteúdo diferente.
9. A proposta da A., ora Recorrente, para as referidas cláusulas 5.ª e 12.ª mereceu da R., ora Recorrida, contraproposta com alterações ao respectivo conteúdo enviada àquela “para validação” em 3 de Novembro de 2021 (facto 12).
10. Assim na cláusula 5.ª onde estava “em caso de denúncia por qualquer das Partes no período experimental” passou a estar, por proposta da R., ora Recorrida, “em caso de denúncia do contrato de trabalho por parte da 1.ª Outorgante”, a R., ora Recorrida.
11. E na cláusula 12.ª acrescentou a R., ora Recorrida, o texto proposto pela A., ora Recorrente, “com excepção de despedimento com justa causa”.
12. Por isso, só por erro notório de apreciação da prova e frontal violação do art.º 396.º do Código Civil e art.º 607.º do Código de Processo Civil pôde o Tribunal a quo dar provado que “em momento algum da negociação foi abordada a possibilidade de a A. ser compensada com €90.000 em caso de cessação do contrato de trabalho por iniciativa desta” (facto 23), e que “a R. nunca pretendeu assumir esse pagamento caso a A. denunciasse unilateralmente o contrato” (facto 24).
13. A confirmar que só por erro notório pode o Tribunal a quo ter chegado a tal conclusão está o que consta dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o requerimento da A., ora Recorrente, de 25 de Janeiro de 2023 (factos 13 e 14).
14. O Tribunal a quo para considerar provados os factos 21, 22, 23 e 24, além de desconsiderar os supra referidos documentos, desconsiderou também sem fundamento o depoimento da testemunha da A., ora Recorrente, DD e sobrevalorizou o depoimento da testemunha da R., ora Recorrida, CC.
15. Esta testemunha CC afirmou que a cláusula da indemnização “já tinha chegado a bom porto”, pois já estava falada um ano antes “por mensagem escrita... na altura... [de] BB, para a AA”.
16. Inquirida a testemunha BB disse “eu acho que não discutimos, acho que eu lhe mandei uma mensagem”, “não me lembro de [ter avançado a conversa]”, “a proposta não foi aceite”.
17. Ou seja, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo em momento algum foi acordado que a A., ora Recorrente, pretendia ser compensada pela sua antiguidade na YY, S.A. nos mesmos termos em que seria como se mantivesse ao serviço da sua anterior entidade empregadora.
18. Antes pelo contrário, o que foi provado pelo depoimento das testemunhas DD, EE, FF e BB foi que o que a A., ora Recorrente, tinha em mente era ficar salvaguardada do risco que ia correr ao trocar uma situação segura na YY, S.A. por uma nova situação na R., ora Recorrida, situação esta que podia correr mal.
19. A prova documental e testemunhal produzida nos autos é manifestamente no sentido de o valor de Euros 90.000,00 serem para salvaguarda do risco que a A., ora Recorrente, ia correr por trocar uma situação estável na YY, S.A. por uma nova situação na R., ora Recorrida.
20. Esse valor foi proposto pela A., ora Recorrente, e aceite e confirmado pela R., ora Recorrida, nos termos que constam do contrato de trabalho sub judice, que assim assumiu de livre vontade a obrigação de pagar à A., ora Recorrente, esse valor nos termos constantes do contrato, obrigação essa a que agora se pretende furtar.
21. Não podia pois o Tribunal a quo dar por provado o facto 21 nos termos em que o deu.
22. Ao dar por provados o facto 21 nos termos em que deu, e os factos 22, 23 e 24 cometeu também o Tribunal a quo erro notório na apreciação também da prova testemunhal produzida e violou o art.ºs 342.º, 394.º e 396.º do Código Civil e o art.º 607.º do Código de Processo Civil.
23. Deve, pois, ser considerada como não provada a matéria constante dos factos 22, 23 e 24 e, quanto ao facto 21, ser considerado provado que “aquando da assinatura do contrato com a R. a A. pretendia ser compensada pela sua antiguidade na YY, S.A. para cobrir o risco de saída desta” por ser nesse sentido a prova quer documental quer testemunhal produzida nos autos.
24. É pois manifesto que, quando da celebração do contrato de trabalho sub judice, não houve da parte da R., ora Recorrida, qualquer erro.
25. A R., ora Recorrida, interessada na “contratação estratégica” da A., ora Recorrente, introduziu alterações na proposta de contrato de trabalho apresentada por esta, maxime nas cláusulas 5.ª e 12.ª, e aceitou os termos da proposta do contrato de trabalho, em plena liberdade e com perfeita consciência do que estava a declarar.
26. Se assim não fosse, não teria proposto, como propôs, alterações ao conteúdo daquelas cláusulas e não tinha enviado à A., ora Recorrente, como enviou, a versão do contrato sub judice “para validação”.
27. Coisa diferente é, após a denúncia pela A., ora Recorrente, do contrato de trabalho sub judice, a R., ora Recorrida, não querer honrar as obrigações que assumiu perante aquela.
28. Não houve pois da parte da R., ora Recorrida, na subscrição do contrato de trabalho sub judice qualquer erro na declaração.
29. Mesmo que tivesse havido erro na declaração da R., ora Recorrida, para, com base nele, poder ser decretada a respectiva anulação era necessário que a R., ora Recorrida, provasse que a A., ora Recorrente, sabia ou devesse saber que tal erro existia e era, quando da outorga do contrato de trabalho, essencial para aquela, o que não se verificou, nem, naturalmente, se provou.
30. Antes pelo contrário, ao enviar a minuta de contrato de trabalho à A., ora Recorrente, “para validação”, minuta essa que corresponde inteiramente ao contrato que foi outorgado, a R., ora Recorrida, confirmou junto daquela qual era a sua vontade e, naturalmente, criou nesta
confiança de que o contrato sob o qual ia trabalhar por conta e sob as ordens desta era o que foi por ambas as partes subscrito.
31. Este facto exclui, em qualquer circunstância, a possibilidade de a A., ora Recorrente, saber ou dever saber que, como a R., ora Recorrida, ora pretende, não correspondia à sua vontade, ou seja que existia erro na declaração da R., ora Recorrida.
32. Dada a não verificação das duas condições para a anulação – existência de erro na declaração da R., ora Recorrida, e o conhecimento pela A., ora Recorrente, do mesmo e da sua essencialidade para a R., ora Recorrida, – não podia a declaração da R., ora Recorrida, constante
do contrato de trabalho sub judice ser anulada.
33. Ao assim não entender violou o Tribunal a quo o art.º 247.º do Código Civil.
34. Além disso, ao agir da forma como agiu criou a R., ora Recorrida, na A., ora Recorrente, a convicção que assumia perante ela todas as obrigações contratuais do contrato de trabalho outorgado.
35. Por isso, ao vir agora invocar erro na declaração que livre e conscientemente emitiu ao outorgar o contrato de trabalho sub judice age a R., ora Recorrida, em clara violação do princípio da boa-fé consagrado no n.º 1 do art.º 227.º e n.º 2 do art.º 762.º do Código Civil.
Termos em que e nos mais que, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, com o que, uma vez mais, se fará a costumada Justiça”
A Ré contra-alegou e requereu a ampliação do âmbito do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“Em suma, a procedência do recurso que ora se discute da Recorrente está – inevitavelmente – dependente da existência de prova que permita concluir que as partes expressamente discutiram e que a Recorrida livre e conscientemente acordou que a Recorrente teria direito a uma indemnização no valor de Eur. 90.000,00 em caso de cessação do contrato de trabalho por sua própria iniciativa.
No entanto, e como se demonstrou, a verdade é que inexiste qualquer argumento nas alegações de recurso da Recorrente minimamente idóneo a fazer prova de qualquer uma dessas circunstâncias.
Com efeito, a prova testemunhal produzida no presente processo, cuja admissibilidade não oferece quaisquer dúvidas, não poderia ter sido mais elucidativa da vontade real da Recorrida, e da inverosimilhança da tese da Recorrente, tendo justificado de forma clara e evidente todas as alterações que foram (ou não) sendo introduzidas nas minutas contratuais trocadas entre as partes, pelo que muito bem andou o Tribunal a quo nas conclusões que retirou da produção daquela prova:
“E assim com base nessa convicção gerada dos depoimentos conjugados, da experiência da R. nas situações passadas onde nunca pagaram qualquer valor como prémio de assinatura, onde nunca isso foi sequer falado, nem o mesmo foi pago à cabeça como apelo para incentivar a mudança da A. para a R., o tribunal valorou ainda o elemento literal da cláusula 12ª.
A mesma refere-se à indemnização a que a A. teria direito com base na antiguidade ao se desvincular da sua anterior entidade empregadora, pelo que o raciocínio da cláusula vai no sentido de caso se verifique a cessação do contrato (nos mesmos moldes em que ocorreria na mesma), e não por iniciativa da A..
Tudo conjugado ficou claro para o tribunal que nunca as partes sequer falaram ou equacionaram a possibilidade desse valor ser pago caso a A. denunciasse o contrato. E assim o tribunal deu por assente os factos provados em 21 a 24 dos factos provados.
Dado que a versão da A. tinha suporte na declaração escrita (contrato) com a prova da
vontade real da negociação caiu por terra a sua versão, não se provando a mesma.”
Nestes exatos termos, é forçoso concluir que não incorreu o Tribunal a quo em qualquer erro na apreciação da prova produzida no presente processo, quer documental, quer testemunhal, não merecendo o quadro factual descrito da Sentença recorrida qualquer tipo de censura.
Assim, e não obstante dos argumentos aduzidos supra pela Recorrida no requerimento de ampliação do objeto do recurso, a verdade é que também é correta a subsunção jurídica que o Tribunal a quo fez dos factos em causa, tendo sido certeiro naquilo que afirmou aquando desse exercício:
“A R. declarou inconscientemente uma vontade que não era a sua, que nunca quis, que nunca equacionou, conduzida por um comportamento negocial que a levou a confiar e a efetuar uma declaração negocial com um conteúdo negocial diferente do pretendido e acordado.
Formou uma vontade, mas declarou outra. É, pois, quanto a nós, o claro erro- obstáculo, erro na declaração.”
Face a tudo aquilo que foi exposto, são manifestamente improcedentes as conclusões do recurso da Recorrente, devendo manter-se na íntegra a douta Sentença recorrida.
Termos em que,
Com o douto suprimento de V. EXAS., deverá negar-se provimento à presente Apelação e manter-se a sentença recorrida, condenando-se a Recorrente em custas, procuradoria condigna e o que mais for de lei, como é de plena e inteira JUSTIÇA!”
A Autora respondeu à ampliação do âmbito do recurso e concluiu nos seguintes termos:
“1. A ampliação do objecto do recurso pretendida pela R., ora Recorrida, não pode ser admitida por das conclusões das contra-alegações de recurso desta não constarem as sintéticas razões relativas aos fundamentos da ampliação do objecto do recurso.
2. Assim, a R., ora Recorrida, não cumpriu o ónus de formular conclusões nos termos do art.º 639.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, improcede a ampliação do objecto do recurso pretendido pela R., ora Recorrida.
3. Mesmo que admitida e mesmo sem conclusões, sempre se dirá que as conclusões que a R., ora Recorrida, pretensamente poderia retirar improcedem pelas seguintes razões:
4. A redacção final da cláusula 12.ª do contrato de trabalho sub judice foi proposta pela R., ora Recorrida, e não pode ser interpretada no sentido que agora a R., ora Recorrida, afirma ser a sua “vontade real”, pois a A., ora Recorrente, desconhece a vontade real da R., ora Recorrida.
5. Acresce que tal pretensa vontade real da R., ora Recorrida, não pode ser aquela que esta deixou expressa nas minutas que partilhou inicialmente com a A., ora Recorrente, sob pena de se fazer tábua rasa de todas as negociações entre as partes ocorridas entre 25 de Outubro de 2021 e 3 de Janeiro de 2022.
6. O que a R., ora Recorrida, quis restringir nas alterações que introduziu na cláusula 12.ª do contrato de trabalho sub judice foi o que de lá expressamente consta: que o valor de Euros 90.000,00 não seria devido no caso de despedimento por justa causa da A., ora Recorrente.
7. Assim, tendo a celebração do contrato de trabalho sido antecedidas de negociações de mais de dois meses, carece de fundamento que a “vontade real” da R., ora Recorrida, seja a que partilhou nas suas minutas iniciais.
8. Por outro lado, a cláusula 12.ª do contrato de trabalho não é nula por violação do art.º 339.º do Código do Trabalho.
9. Pois tal cláusula não regula o regime da cessação do contrato de trabalho, mas tão só o quantum devido em caso de cessação do contrato de trabalho.
10. A imperatividade do art.º 339.º do Código do Trabalho é para garantir ao trabalhador que o empregador não vê afectados os seus direitos na celebração do contrato de trabalho.
11. Mas não impede a fixação de indemnizações superiores àquelas que seriam legalmente devidas em caso de cessação do contrato de trabalho.
12. Sendo que a age claramente em má-fé a entidade empregadora, in casu a R., ora Recorrida, quando pretende agora recusar o pagamento de uma indemnização a que validamente se obrigou perante a sua ex- trabalhadora, in casu a A., ora Recorrente.
Termos em que e nos mais que, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser rejeitada a ampliação do objecto do recurso ou, caso assim não entendam, negado provimento a tal recurso, com o que, uma vez mais, se fará a costumada JUSTIÇA”
Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie e modo de subida adequados.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida e que, consequentemente, não deve ser apreciada a requerida ampliação do âmbito do recurso.
A Recorrente respondeu ao Parecer concluindo que este enferma de diversos erros de análise, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de Direito.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, no presente recurso, há que apreciar as seguintes questões:
1.ª- Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
2.ª- Se não houve erro na declaração da Ré aquando da celebração do contrato de trabalho e, caso se conclua pela existência desse erro, se não estão verificados os pressupostos de anulação da declaração negocial.
3.ª- Se ao invocar erro na declaração, a Ré está a violar o princípio da boa fé contratual.
4.ª- Se deve ser apreciada a ampliação do âmbito do recurso e, em caso afirmativo, se esta procede.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora trabalhou por conta e sob as ordens da YY, S.A. entre 01 de Maio de 2000 e 02 de Janeiro de 2022 exercendo ultimamente as funções de Coordenadora do Programa (…);
2. Em 8 Setembro de 2021 foi a Autora contactada pela ora Ré na pessoa do seu Director
Geral, CC, no sentido de passar a trabalhar por conta e sob as ordens desta;
3. As negociações decorreram com normalidade tendo, como reflexo das mesmas, a Ré
enviado à Autora em 25 de Outubro de 2021 e-mail com as minutas de contrato de trabalho, adenda ao contrato de trabalho, acordo de exclusividade e acordo de isenção de horário de trabalho;
4. Tal contrato de trabalho teve o seu início em 3 de Janeiro de 2022;
5. Por este contrato foi a Autora contratada pela Ré para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Directora Geral Adjunta;
6. No âmbito das funções de Directora Geral Adjunta incluíam- se as seguintes funções: «(i) assumir, na dependência do director geral editorial e de acordo com os pelouros que lhe forem atribuídos, a responsabilidade pelos 3 órgãos de comunicação social descritos no Considerando A) [TV ZZ, Revista ... e ZZ]; (ii) assumir na dependência do director geral editorial da investigação jornalística dos órgãos identificados no Considerando A) [TV ZZ, Revista ... e ZZ]; (iii) assumir na dependência do director geral editorial a responsabilidade pela Direção da Revista ...; (iv) assumir na dependência do director geral editorial a coordenação e a apresentação de um programa de investigação jornalística na TV ZZ com periodicidade semanal e em horário nobre; (v) assumir a coordenação executiva e editorial da estratégia de lançamento do Grupo XX no mercado das plataformas streaming».
7. Com efeito, conforme consta do contrato de trabalho a Autora «apenas aceit[ou] cessar o precedente vínculo laboral com a entidade com a qual manteve uma relação laboral de quase 22 anos (a YY, S.A.), no pressuposto de que com a celebração do presente Contrato estarão asseguradas e garantidas durante toda a sua vigência as seguintes prerrogativas essenciais (i) a garantia de que manterá durante a vigência deste Contrato, como mínimo, o exercício integral das funções de Directora Geral Adjunta abaixo descritas; (ii) a disponibilidade dos meios humanos e materiais que, no critério da Directora Geral Adjunta e do Director Geral, que devem ser propostos e aprovados pela administração, se afigurem necessários ao cumprimento integral da estratégia para a qual foi contratada a 2.ª Outorgante, nomeadamente e neste caso com total autonomia para contratar um cargo de direcção para a Revista ... e outros que sejam necessários ao desenvolvimento das funções de Directora Geral Adjunta; (iii) na dependência do director geral editorial, assumir a responsabilidade pela coordenação editorial da investigação jornalística dos órgãos identificados no Considerando A [TV ZZ, Revista ... e ZZ]; (iv) na dependência do director geral editorial, assumir a responsabilidade pela Direção da Revista ...; (v) o direito a coordenar e a apresentar um programa de investigação jornalística na TV ZZ com periodicidade semanal e em horário nobre; (vi) o direito a coordenar a estratégia de lançamento e de execução do Grupo XX no mercado das
plataformas streaming» (ut Considerando D).
8. Foram essenciais para a celebração pela Autora do contrato de trabalho sub judice as
seguintes obrigações assumidas pela Ré: a) O exercício integral pela Autora das funções de Directora Geral Adjunta durante todo o contrato de trabalho; b) A disponibilidade pela Ré dos meios humanos e materiais que se afigurem necessários ao cumprimento da estratégia para a qual Autora havia sido contratada; c) A total autonomia para a Autora contratar um cargo de direcção para a Revista ...; d) A assunção pela Autora da responsabilidade pela coordenação editorial da investigação jornalística da TV ZZ, da Revista ... e do ZZ; e) A assunção pela Autora da responsabilidade pela Direção da Revista ...; f) A coordenação e apresentação pela Autora de um programa de investigação jornalística na TV ZZ com periodicidade semanal e em horário nobre; e g) O direito da Autora coordenar a estratégia de lançamento e de execução do grupo onde a Ré se insere no mercado das plataformas streaming;
9. As partes celebraram, em 3 de janeiro de 2022, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, em termos e condições que constam do documento 10 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
10. As minutas que constam dos documentos 2 a 6 junto com a petição inicial foram enviadas pela ré à autora antes da celebração do contrato de trabalho, as quais foram enviadas a 25 de Outubro de 2021;
11. No dia 26 de Outubro de 2021 a autora responde por mensagem de WhatsApp à ré, na pessoa do seu então director-geral, em termos que constam do documento 7 junto aos autos com a petição inicial e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
12. No dia 27 de Outubro de 2021 o então advogado da autora remete à ré na pessoa do seu director o email e o contrato que constitui o documento 1 do requerimento da ré de 09- 02-2023, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. No dia 3 de Novembro de 2021 a ré envia à autora para validação os documentos e minuta de contrato que constituem os documentos 1 junto com o requerimento da autora de 25-01-2023, cujo teor se dá por integralmente reproduzida
14. Consta dos autos como documento 2 junto pelo requerimento da autora de 25-01- 2023 um documento designado de “contrato individual de trabalho por tempo indeterminado”, assinado unicamente pela ré, cujo teor se dá por integralmente reproduzido 12. Consta, igualmente, dos autos como documento 3 do requerimento da autora de 25- 01-2023 um email de GG (então director dos recursos humanos) dirigido à autora e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. No dia 8 de Novembro de 2021 o então advogado da autora remeteu à ré “uma minuta do contrato atualizada” em termos que constam do documento 8 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
16. Em 3 de Agosto de 2022 a Autora denunciou o contrato de trabalho sub judice;
17. A denúncia da Autora produziu efeitos em 3 de Setembro de 2022, tendo por isso terminado neste dia a vigência do contrato de trabalho sub judice;
18. A Ré pagou à Autora os créditos relativos ao trabalho prestado no mês de Setembro de 2022, bem como os subsídios de férias e de Natal, proporcionais de férias, despesas e formação não prestada.
19. Quando de tal pagamento pretendeu a Ré que a Autora subscrevesse o “Recibo” que consta dos autos como doc. n.º 12 junto com a pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
20. A autora negou-se a subscrever o “recibo”;
21. Aquando da assinatura do contrato com a a R. a A. pretendia ser compensada pela sua antiguidade na YY, S.A., nos mesmos termos em que seria caso se mantivesse ao serviço dessa sua anterior entidade empregadora;
22. O valor de €90.000 da cláusula 12ª do contrato foi o valor que foi encontrado como
correspondendo à antiguidade que a A. teria na anterior entidade empregadora.; (alterado conforme decisão infra)
23. Em momento algum da negociação foi abordada a possibilidade de a A. ser compensada com €90.000 em caso de cessação do contrato de trabalho por iniciativa desta; (alterado para não provado conforme decisão infra).
24. A R. nunca pretendeu assumir esse pagamento caso a a A. denunciasse unilateralmente o Contrato.
*
Da impugnação da matéria de facto:
Apreciemos, então, se, como pretende a Recorrente, a decisão que recaiu sobre a matéria de facto deve ser alterada.
Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (art.º 607.º n.º 5 do CPC). Ou seja, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; (…)”.
Assim, independentemente dos princípios da oralidade, da concentração e da imediação, que privilegiam a posição do julgador a quo perante a produção da prova, o princípio da livre apreciação da prova também se aplica ao Tribunal da Relação quando este é chamado a apreciar o recurso da matéria de facto.
E como se sabe, o n.º 1 do artigo 662.º do CPC impõe ao Tribunal da Relação o dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Debruçando-se sobre esta temática, escreve o Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, págs. 221 e 222, “Fica seguro que a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”.
E nas páginas 235 e 236 da mesma obra lemos: “É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art.º 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.
Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.”
E como afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2023, proferido no Processo n.º2755/20.7T8FAR.E1.S1, consultável em www.dgs.pt, “(…)I- A 2.ª instância assume-se como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto, com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo.
(…).”
E se a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou constantes do processo impuserem um juízo diverso do formulado pelo Tribunal de 1.ª instância, é dever da Relação modificar a decisão da matéria de facto.
Por outro lado, sobre o recorrente que impugna a decisão que recaiu sobre a matéria de facto recaem ónus que devem ser observados, sob pena de imediata rejeição do recurso, os quais estão enunciados no artigo 640º do CPC (anterior artigo 685º-B do CPC, embora com algumas alterações) e que estabelece:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na al. b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.”
Assim, como se escreve no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2016, Proc. n.º 3316/10.4TBLRA.C1.S1, pesquisa em www.dgsi.pt e cujo entendimento temos perfilhado, “1) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe ao recorrente que, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil especifique os pontos concretos que considera incorrectamente julgados (a); os concretos meios probatórios constantes do processo, ou de registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (b); a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c).
(…)”
Sobre estes ónus escreve o Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na pág. 128 da obra citada:
“Importa observar que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
Importa ainda sublinhar que, relativamente ao ónus a que alude a al. c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 14 de Novembro, publicado no Diário da República n.º220/2023, Série I de 2023-11-14 uniformizou a jurisprudência no sentido de que “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Por fim, sendo as conclusões que delimitam o objecto do recurso, impõe-se que, naquelas, o Recorrente especifique os concretos pontos de facto que, no seu entender, foram incorrectamente julgados (neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 30.11.2023, Proc.23356/17.1T8SNT.L2.S1 e jurisprudência nele citada), consultável em www.dgsi.pt.
Analisadas a conclusões e as alegações verifica-se que a Recorrente observou os ónus em causa. Resta, pois, apreciar a sua pretensão.
Entende a Recorrente que:
1- O facto provado sob 21 deve ser alterado e passar a ter a seguinte redacção: “aquando da assinatura do contrato com a R. a A. pretendia ser compensada pela sua antiguidade na YY, S.A. para cobrir o risco de saída desta”.
2- Os factos provados 22, 23 e 24 devem ser considerados não provados.
Para tanto invocou que, face ao disposto nos artigos 394.º, n.º 1 e 376.º do Código Civil, o Tribunal a quo não poderia fundamentar no depoimento de testemunhas a sua convicção relativamente aos factos provados 21 a 24 pois os mesmos correspondem a “convenções contrárias ou adicionais” ao conteúdo do contrato de trabalho subscrito por ambas as partes e, inclusive, duplamente confirmado pela Recorrida (ut facto 14), sendo que, como consta da fundamentação da matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo, nada se extraiu das declarações de parte, ou seja em sede de confissão.
Mais alega a Recorrente que, caso assim não se considere, a alteração pretendida sempre se imporia face aos seguintes meios de prova que indica:
- Documentos 2, 3, 4, 5 e 6 juntos com a petição inicial a que se refere o facto provado 3; o e-mail e a minuta do contrato de trabalho enviados à Recorrida pelo Advogado da Recorrente e juntos aos autos em 09.02.2023 e a que se reporta o facto provado 12; contraproposta da Recorrida enviada “para validação”, em 8 de Novembro de 2021, a que se refere o facto provado 13; os documentos 1 e 2 juntos pela Recorrente em 25.01.2023 a que se referem os factos provados 13 e 14; e o documento 10 junto com a petição inicial.
- Depoimento das testemunhas DD (que entende ter sido desconsiderado pelo Tribunal a quo), CC (que entende ter sido sobrevalorizado pelo Tribunal a quo), BB, HH e EE (quanto a estes últimos dois ainda entende a Recorrente que se verifica contradição entre a fundamentação da matéria de facto e o que a Mma. Juiz afirmou na audiência de julgamento).
A Recorrida, por sua banda, sustenta, em suma, que devem ser mantidos os factos provados 21 a 24 pois que não existe in casu qualquer violação dos artigos 394.º e 376.º do CC, devendo admitir-se a prova testemunhal quanto à vontade negocial das partes e que os depoimentos e passagens que a Recorrente indica são insuficientes para impor decisão diversa da recorrida.
Ainda indicou o depoimento de parte da Recorrente e da Recorrida e o depoimento das testemunhas DD, CC, EE e GG.
O Tribunal a quo motivou a decisão que recaiu sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
“1.2. Factos não provados e Motivação
Os factos assentes de 1 a 20 dos factos assentes resultaram do acordo feito pelas partes em sede de audiência de julgamento e por este modo, todos os documentos foram dados por assentes, todo o processo negocial escrito, ficando para produção de prova o apuramento da vontade real das partes.
E a versão da A., em declarações de parte, foi diametralmente oposta a da R.. Pugna um pelo facto de terem previsto o pagamento dos €90.000 como forma de compensar a perda de antiguidade que a A. ia ter ao sair da YY, S.A. e que tal valor seria pago no caso de o contrato cessar por despedimento coletivo ou por extinção do contrato de trabalho. Nunca equacionaram a denuncia da A.. Não quiseram reconhecer a antiguidade da A. (porque não tinha trabalhado para eles) mas compensar por essa perda de antiguidade. Por seu turno a A. sustenta que esse valor era uma espécie de prémio de assinatura, que seria pago por qualquer motivo de saída.
Nenhuma das versões foi mais, ou menos, credível que a outra, e mais se dirá. As declarações de parte só por si não logram convencer o Tribunal da sua versão dos factos pelo motivo da relativa facilidade e inerente risco elevado que consiste o depoimento de uma parte que seja mais eloquente, ou mais convincente poder em juízo contar a sua versão dos factos e por esse meio lograr a sua prova, ou mesmo a situação inversa, de alguém que por não beneficiar do dom da palavra poder com as suas declarações convencer o tribunal do oposto do que afirma, apenas pelo simples facto de não se saber exprimir. São, pois, um meio de prova com um risco elevado, pelo que sem contraditório, e quando desacompanhada de outro meio de prova, apenas deve ser valorado, a meu ver, como depoimento de parte (para factos pessoais e desfavoráveis a quem os presta, e que admitam confissão) ou para confirmar o teor de documentos particulares.
Não se extraindo nada das declarações de parte, restaram os demais depoimentos de quem esteve presente na negociação do contrato da A.. DD foi o advogado que participou na negociação do contrato por parte da A.. Por seu turno, a R. não colocou o departamento jurídico, nem qualquer jurista a negociar, mas sim CC que ia passando as informações a GG dos recursos humanos, e que obtida a autorização da administração, acabou por aceitar os termos contratuais. Refere este que nunca falou com a A. sobre a possibilidade deste valor ser para compensar o risco que esta corria em ir para a R. e sair por não gostar de lá estar, era para acautelar o risco que a A. corria na situação inversa, de a R. por qualquer motivo que não o despedimento por justa causa, pretender cessar o seu contrato. E esclarece que tudo no contrato foi muito debatido, sendo que quando foi enviada a versão final, com os track changes não deram por isso, precisamente porque essa questão nunca foi abordada.
DD afirma que falou com CC sobre tal questão, mas em rigor não se acreditou nesta versão, fosse pela postura incomodada da testemunha quando o afirma, fosse pela ausência de contexto com que o faz. A mera afirmação de tal ter sucedido não logrou convencer o tribunal. Por outro lado, o mesmo não tem inicialmente justificação para ter sublinhado a clausula 12 toda e não apenas “por iniciativa da primeira outorgante”, dando depois uma explicação que não convence, como ter feito “copy paste” e nessa medida ter ficado
tudo sublinhado.
EE não participou nas negociações e de concreto nada sabe sobre o sucedido senão o que a A. lhe disse. É certo que aconselhou a A. no sentido de dever ter garantias caso alguma coisa não corresse bem, e refere-se a um prémio de assinatura. Mas tal como esta versão surge decalcada da versão da A., estanhou o tribunal que se as partes tivessem querido acordar esse prémio não o tivessem pago à cabeça. Retirou-se, porém, deste depoimento que o conselho foi que a A. deveria ter uma garantia igual à da YY, S.A. caso fosse despedida teria uma indemnização pelos anos todos que lá trabalhou. Ou seja, nunca equacionou a testemunha, nem sugeriu à A., que essa garantia fosse um valor que receberia caso a mesma optasse por sair, mas só a garantia caso a R. optasse por a mandar embora. E foi com base neste depoimento que o tribunal começou a acreditar na versão da R..
Esta mesma versão acabou por ser confirmada aquando do depoimento de FF, colega da A. na YY, S.A. e amigo desta que aconselha a que esta tivesse uma segurança, uma “indemnização” caso saísse por qualquer motivo menos por justa causa.
Efetivamente foi isto que o tribunal se convenceu que as partes quiseram acordar. Uma
indemnização que cobrisse a saída da A. (sem ser despedimento com justa causa) mas por vontade da R., e não porque esta decidisse sair.
BB (que foi diretor geral da XX Media, S.A. por um ou dois anos) negociou com a A. a ida para a XX Media, S.A. no passado, mas a mesma não chegou a ser concretizada. Do seu depoimento retirou-se que nunca foi proposto ou ponderado nessa altura qualquer valor senão para o caso de a R. prescindir da A. por sua vontade, e não o inverso, até porque isso era o normal na empresa. A sua convicção era que o valor que se apresentava era efetivamente uma compensação à A. (como fizeram com outros trabalhadores) mas caso a R. decidisse mandá-la embora, e nisso residia a sua segurança.
GG confirma o que CC afirmou. A R. não tinha departamento jurídico a tratar do assunto, não entregou o contrato a nenhum advogado porque nunca o faz, e enviou as minutas de contratos que usavam. A partir dai foram negociando e acrescentando, mudando, mas não deram pela alteração na cláusula 12ª de ser retirado “por iniciativa da 1ª outorgante”, mas que esse sempre foi o pressuposto do acordo do pagamento desse valor. Não deram pela alteração, assim refere, e dado que nunca lhe foi falado nada sobre essa possibilidade, nem deram conta.
E assim com base nessa convicção gerada dos depoimentos conjugados, da experiência da R. nas situações passadas onde nunca pagaram qualquer valor como prémio de assinatura, onde nunca isso foi sequer falado, nem o mesmo foi pago à cabeça como apelo para incentivar a mudança da A. para a R., o tribunal valorou ainda o elemento literal da clausula 12ª. A mesma refere-se à indemnização a que a A. teria direito com base na antiguidade ao se desvincular da sua anterior entidade empregadora, pelo que o raciocínio da cláusula vai no sentido de caso se verifique a cessação do contrato (nos mesmos moldes em que ocorreria na mesma), e não por iniciativa da A.. Tudo conjugado ficou claro para o tribunal que nunca as partes sequer falaram ou equacionaram a possibilidade desse valor ser pago caso a A. denunciasse o contrato. E assim o tribunal deu por assente os factos provados em 21 a 24 dos factos provados.
Dado que a versão da A. tinha suporte na declaração escrita (contrato) com a prova da vontade real da negociação caiu por terra a sua versão, não se provando a mesma.”
Vejamos:
Da alegada inadmissibilidade da prova testemunhal para fundamentar os factos provados 21 a 24.
De acordo com o artigo 376.º do Código Civil, “1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.”
Ora, no presente caso, não está em causa que ambas as partes declararam o que consta do contrato de trabalho subscrito pelas mesmas e junto como documento 10. O que se discute é se a declaração que consta da cláusula 12.ª do contrato de trabalho corresponde à vontade real da declarante Recorrida.
Por conseguinte, não estando em causa que o documento 10 junto com a petição inicial faz prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus subscritores, tanto mais que nem foi arguida a falsidade de tal documento, salvo o devido respeito, não descortinamos a relevância da norma do artigo 376.º do Código Civil para a decisão da causa, nem que tenha sido violada pela sentença recorrida.
Nos termos o artigo 392.º do Código Civil, “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada.”
Por seu turno, dispõe o artigo 393.º do Código Civil que “1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.”
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento. “
Como resulta do disposto no artigo 110.º do Código do Trabalho, “O contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei determinar o contrário.”
Assim, a regra é a de que o contrato de trabalho é um contrato consensual que não necessita de observar a forma escrita.
No caso presente, as partes optaram por reduzir o contrato de trabalho a escrito.
Assim, por se tratar de um documento particular, no que à prova testemunhal concerne, impõe-se atender ao disposto no artigo 394.º do Código Civil que estatui:
“1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.”
A propósito desta norma elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.02.2017, Processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt, “(…) 6- O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, independentemente da data dessas convenções. 7- O n.º 2 do mesmo artigo 394.º manda aplicar essa proibição de meio de prova ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores. 8- Muito embora tal tenha sido proposto nos trabalhos preparatórios do Código Civil, a letra da redacção final do preceito não autoriza, ainda que por via indirecta, o recurso à prova testemunhal e consequentemente (artigo 351.º CC) à prova por presunção judicial. 9- Porém, a doutrina e a jurisprudência, inspiradas nos argumentos do Autor da 1.ª proposta (por sua vez seguindo os coevos Códigos Civis Italiano e Francês) e receando a rigidez do preceito, admitem que se utilize prova testemunhal desde que, a montante, surja um “princípio” (ou “começo”) de prova que crie uma convicção que as testemunhas podem sedimentar. 10- Essa tese pode aceitar-se com três condições: o princípio de prova consistir num documento, com força e credibilidade; o documento não ser usado como facto – base de presunção judicial; reconhecer-se que se trata de uma laboração da doutrina e da jurisprudência oportunamente arredada do “jure constituto” e, em consequência, a ser tida em consonância com os artigos 9.º e 10.º do Código Civil. 11- A prova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de “fumus bonni juris”.
Por outro lado, como esclarece o Acórdão do mesmo Tribunal de 09.10.2008, Processo n.º 08B1914, igual pesquisa,“(…) 3. A inadmissibilidade da prova por testemunhas, tendo por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos, também não tem aplicação à prova de vícios da vontade: se as declarações documentadas tiverem sido viciadas por erro, dolo ou coacção, estes vícios podem provar-se por testemunhas.
4. A inadmissibilidade da prova testemunhal não vale ainda quando em causa está a interpretação do contexto do documento, ou seja, do sentido e alcance atribuídos ao texto do documento.
(…).”
Regressando ao caso e firmando-se que é admissível prova testemunhal relativamente a alegados vícios da declaração negocial reduzida a escrito, importa referir o seguinte:
No facto provado 21 ficou a constar que “Aquando da assinatura do contrato com a R. a A. pretendia ser compensada pela sua antiguidade na YY, S.A., nos mesmos termos em que seria caso se mantivesse ao serviço dessa sua anterior entidade empregadora;”
O facto em causa apenas traduz uma pretensão, uma vontade, um desejo da Recorrente aquando da assinatura do contrato de trabalho: ser compensada pela sua antiguidade na YY, S.A., nos mesmos termos em que seria caso se mantivesse ao serviço da sua anterior empregadora.
Ou seja, o facto provado 21 incorpora um facto psicológico relativo à Recorrente e dele não consta nem se extrai qualquer convenção, entendida esta como acordo ou combinação das partes, contrária ou adicional, anterior, contemporânea ou posterior à celebração do contrato de trabalho.
Por conseguinte, o facto em causa podia ter sido, como foi, fundamentado em prova testemunhal. Questão diversa é a de saber se houve erro na apreciação da prova quanto a este facto, isto é, se, afinal, o Tribunal a quo não extraiu da prova a vontade real da Recorrente aquando da celebração do contrato, o que também é suscitado pela mesma.
No facto provado 22 consignou-se que “O valor de €90.000 da cláusula 12ª do contrato foi o valor que foi encontrado como correspondendo à antiguidade que a A. teria na anterior entidade empregadora, e que a R. aceitaria pagar em caso de cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa (exceto em caso de despedimento com justa causa);”
Entendemos que a expressão “O valor de €90.000 da cláusula 12ª do contrato foi o valor que foi encontrado como correspondendo à antiguidade que a A. teria na anterior entidade empregadora”, não constitui “uma convenção contrária ou adicional” ao conteúdo do contrato de trabalho. Trata-se apenas de afirmar, bem ou mal, como se chegou ao valor que consta da Cláusula 12.º do contrato de trabalho e só. Por isso, também este facto admite prova testemunhal.
Porém, a afirmação de “que a R. aceitaria pagar em caso de cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa (exceto em caso de despedimento com justa causa);” integra matéria conclusiva e, por isso, não pode constar do elenco dos factos provados.
Na verdade, como se escreve, entre outros, no Acórdão deste Tribunal e Secção de 08.11.2023, proferido no Processo n.º7127/22.6T8SNT.L1, relatado pela Exma. Desembargadora 2.ª Adjunta, “Antes de mais, importa sublinhar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto pressupõe que esta decisão do tribunal tenha efectivamente recaído sobre factos.
Na verdade, dispunha o n.º 4 do art.º 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.
Por outro lado, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art.º 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não os conceitos ou efeitos jurídicos ou as conclusões ou juízos de valor a extrair dos factos à luz das normas jurídicas aplicáveis.”
Consequentemente, elimina-se, desde já, do facto provado 22 “que a R. aceitaria pagar em caso de cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa (exceto em caso de despedimento com justa causa).”
No facto provado 23 foi vertido: “Em momento algum da negociação foi abordada a possibilidade de a A. ser compensada com €90.000 em caso de cessação do contrato de trabalho por iniciativa desta;”
Esta matéria também não consubstancia qualquer convenção contrária ou adicional ao contrato de trabalho, dela se extraindo, tão só, que as partes, durante as negociações do contrato de trabalho, não terão discutido ou falado, de qualquer forma, da possibilidade de a Recorrente vir a receber aquele valor caso fizesse cessar o contrato por iniciativa própria. Podia, assim, aquela matéria ser provada por testemunhas.
Por fim e relativamente ao facto provado 24, onde se consignou que “a Ré nunca pretendeu assumir esse pagamento caso a A. denunciasse unilateralmente o Contrato”, por se tratar de uma vontade, uma mera pretensão da Ré e ter sido alegada a existência de erro na sua declaração remete-se para o que ficou dito a propósito do facto provado 21 e conclui-se que também ele admite prova testemunhal.
Assim e sem prejuízo da referida eliminação de parte do facto provado 22, improcede este argumento da Recorrente.
Excluída que se mostra a alegada violação dos artigos 394.º, n.º 1 e 376.º do Código Civil, vejamos se os meios de prova indicados pela Recorrente impõem que se altere o facto provado 21 e se considere não provados os factos provados 22 a 24.
Antes do mais, importa salientar que a alteração que a Recorrente pretende seja introduzida ao facto provado 21 (“aquando da assinatura do contrato com a R. a A. pretendia ser compensada pela sua antiguidade na YY, S.A. para cobrir o risco de saída desta”) não foi articulada na petição inicial.
Contudo, tratando-se de um facto instrumental relativamente à interpretação que a Recorrente faz da Cláusula 12.ª do contrato de trabalho, atento o disposto no artigo 5.º n.º 2, al. a) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º n.º 2 al. a) do CPT, entendemos que, a extrair-se da prova indicada, poderá ser considerado por este Tribunal, sem que seja aplicável o disposto no artigo 72.º do CPT, norma que visa apenas os factos essenciais.
Atentemos, então, na prova indicada.
Documentos n.ºs 2, 3, 4, 5 e 6 juntos com a petição inicial:
O Documento n.º 2 integra:
- um e-mail com data de 25 de Outubro de 2021, de GG (Director de Recursos Humanos da Ré) para CC (Director-Geral Editorial da Ré), Cc a II (Administrador da Ré), sob o assunto “Minutas Contrato de Trabalho”, com o seguinte texto:
“Bom dia.
Conforme falado junto envio minutas de contrato de trabalho a assinar pelo candidato (a).
Agradeço que as alterações propostas sejam devidamente assinaladas.”
- um e-mail, com a mesma data, de CC para a Recorrente a reencaminhar o e-mail de GG e com o seguinte texto: “Aqui via. Atenta ao pedido do DRH.”
O Documento 3, composto por:
-Uma minuta de contrato de trabalho em cuja cláusula 5.ª consta:
“1. O presente contrato tem o seu início no dia …/…2021, data em que começa a produzir os seus efeitos e, sendo celebrado sem prazo, está sujeito a um período experimental de 180 dias, durante o qual, qualquer das partes pode denunciá-lo sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização.
2. Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, para denunciar o contrato nos termos do número anterior, a 1.ª Outorgante tem de dar um aviso prévio de 7 dias.
3. Caso o período experimental tenha durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato de trabalho por parte do empregador depende de aviso prévio de 15 dias.”
Documento 4: Minuta de uma Adenda ao Contrato de Trabalho, com uma Cláusula Única com o seguinte teor:
“ Caso se venha a verificar a cessação do contrato de trabalho do 2.º Outorgante por iniciativa da 1.ª Outorgante, por qualquer das formas previstas na lei, com excepção do despedimento com justa causa, a compensação pecuniária a pagar pela 1.ª ao 2.º Outorgante, terá o valor mínimo, ilíquido, de 90.000,00 (noventa mil euros), sujeita à tributação especial aplicada a indemnizações por rescisões por acordo com a legislação que ao tempo da cessação do contrato de trabalho esteja em vigor.”
-Documento n.º 5 - Minuta de um Acordo de Exclusividade.
-Documento n.º 6 - Minuta de um Acordo de Isenção de Horário de Trabalho.
Estes foram, pois, os documentos enviados pela Recorrida à Recorrente, por e-mail de 25 de Outubro de 2021 (cfr. facto provado 10).
-Documento n.º 7- Parte de uma mensagem, de 26.10.2021, enviada pela Recorrente a CC, através de WhatsApp (cfr. facto provado 11), que tem o seguinte texto:
(…). Estou naturalmente disponível para rever o articulado convosco.
Estou empenhada em ajustá-lo àquilo que conversámos e ao espírito do nosso acordo verbal.
Julgo que deve ficar escrito num documento único que englobe as 3 parcelas e indemnização.
Para mim, há condições que são fundamentais-tal como já te tinha dito - e que se baseiam, não só mas também no risco que a minha transferência de uma empresa pública com a qual tenho uma relação laboral há 22 anos sem termo e na adequação ao novo desafio que me propõem.
Por isso, efetuei algumas alterações ao clausulado que me propuseram. O advogado ainda as está a ultimar mas já te disse o essencial ao telefone. (Pontos 1 a 4).
Em suma, concentrei as vossas 3 propostas numa só por que me parece…” (o documento junto não permite continuar a leitura da mensagem).
-Documentos juntos aos autos pela Recorrida em 9 de Fevereiro de 2023:
- Documento 1: e-mail de 27.10.2021 do Advogado DD para CC, com Cc da Recorrente, sob o assunto “Minuta de contrato revista (SF)” e em anexo contrato S Termo _admissão_ TV ZZ …” (cfr.facto provado 12), cujo texto é o seguinte:
“Caro CC, boa tarde.
No seguimento do telefonema da AA (aqui copiada) remeto, então, em anexo, a minuta por nós revista e com as sugestões de alteração em track changes.
A minuta concentra os vários documentos que tinham enviado à AA e podemos falar sobre este ponto se quiserem.
As componentes financeiras estão por preencher, porque percebi pela AA que (i)estarão estabilizados esses compromissos em termos líquidos restando agora (ii) o preenchimento das diversas componentes da forma fiscalmente mais eficiente para todos.
Estou ao V. dispor para conversar por telefone (consigo ou com quem entender). Hoje tenho um dia complicado mas julgo que para o final do dia ou amanhã deve ser mais simples falar. O meu telemóvel é o…”
Em anexo a este e-mail de 27.10.2021 seguiu para a Recorrida, na pessoa de CC, uma minuta do contrato de trabalho cujas cláusulas 5.ª e 12.ª têm, respectivamente a seguinte redacção:
“1. O presente contrato tem o seu início no dia …/…/2021, data em que começa a produzir os seus efeitos e, sendo celebrado sem prazo, está sujeito a um período experimental de 180 dias, durante o qual, qualquer das partes pode denunciá-lo sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar, a qualquer indemnização, com exceção da indemnização prevista no n.º 1 da Cláusula 12.ª deste Contrato e que será sempre devida à 2.ª Outorgante também em caso de denúncia do contrato por qualquer das Partes durante o período experimental.
2. Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, para denunciar o contrato nos termos do número anterior, a 1.ª Outorgante tem de dar um aviso prévio de 7 dias.
3. Caso o período experimental tenha durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato de trabalho por parte do empregador depende de aviso prévio de 15 dias.”
“12
1- Considerando que para a celebração do presente Contrato a 2.ª Outorgante teve que desvincular-se da sua anterior entidade empregadora com a qual tinha um vínculo de antiguidade superior a 21 anos, prescindindo, por força dessa desvinculação, do valor respeitante à indemnização a que teria direito com base nessa antiguidade, fica acordado entre as Partes que caso se venha a verificar a cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas previstas na lei, a compensação pecuniária a pagar pela 1.ª à 2.ª Outorgante terá o valor mínimo garantido de 90.000,00 (noventa mil euros).
2- Ao valor indicado no número anterior e em caso de cessação do presente contrato de trabalho por qualquer das formas legais, acrescem, para efeitos de cálculo da indemnização por antiguidade, todos os valores que nos termos legais sejam devidos à 2.ª Outorgante pela antiguidade que esta venha a ter em função da execução do presente contrato.”
Documentos juntos pela Autora com o requerimento de 25 de Janeiro de 2023:
- Documento 1:
-E-mail de 3 de Novembro de 2021 de GG para CC, Cc a II, sob o assunto: Documentos Admissão”, com o seguinte texto:
“Boa tarde
Seguem documentos.
Qualquer dúvida ao dispor.”
-E-mail de 3 de Novembro de 2021 de CC, endereçado à Autora e cujo texto é o seguinte: “Aqui vai, para validação” (cfr. facto provado 13).
E que documentos seguiram para a Recorrente no referido e-mail, “para validação”?
1- Uma carta de admissão com o seguinte teor:
“Exma. Senhora
AA
Na sequência do acordo estabelecido, anexamos os documentos aprovados e que serão alvo de assinatura, aquando da confirmação da data de admissão.
De acordo com a indicação recebida, a admissão processar-se-á a 10 de Janeiro de 2022.
Na expetativa da aceitação formal deste compromisso, agradecemos a devolução da presentes carta devidamente assinada.
Aproveitamos para agradecer o ambiente construtivo e de total cordialidade com que o processo de negociação se desenvolveu.
Com amizade e consideração
II -Administrador AA
2- Documento 2:
- Contrato de Trabalho Por Tempo Indeterminado, feito em duplicado, com um exemplar assinado pelo Director de Recursos Humanos da Ré, GG, representante da Ré no acto, cujas cláusulas 5.ª e 12.ª têm, respectivamente o seguinte teor:
“5ª
1- O presente contrato tem o seu início no dia 10/01/2021, data em que começa a produzir os seus efeitos e, sendo celebrado sem prazo, está sujeito a um período experimental de 180 dias, durante o qual, qualquer das partes pode denunciá-lo sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar, a qualquer indemnização, com exceção da indemnização prevista no n.º 1 da Cláusula 12.ª deste Contrato e que será devida à 2.ª Outorgante também em caso de denúncia do contrato por parte da 1.ª outorgante durante o período experimental.
2- Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, para denunciar o contrato nos termos do número anterior, a 1.ª Outorgante tem de dar um aviso prévio de 7 dias.
3- Caso o período experimental tenha durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato de trabalho por parte do empregador depende de aviso prévio de 15 dias.”
“12.ª
1-Considerando que para a celebração do presente contrato a 2.ª Outorgante teve que desvincular-se da sua anterior entidade empregadora com a qual tinha um vínculo de antiguidade superior a 21 anos, prescindindo, por força dessa desvinculação, do valor respeitante à indemnização a que teria direito com base nessa antiguidade, fica acordado entre as partes que caso se venha a verificar a cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas previstas na lei, com exceção do despedimento com justa causa, a compensação pecuniária a pagar pela 1.ª à 2.ª Outorgante terá valor mínimo de 90.000,00 (noventa mil euros).
2- Ao valor indicado no número anterior e em caso de cessação do presente contrato de trabalho por qualquer das formas legais, com exceção do despedimento com justa causa, acrescem, para efeitos de indemnização por antiguidade, todos os valores que nos termos legais sejam devidos à 2.ª Outorgante pela antiguidade que esta venha a ter em função da execução do presente contrato.”
Documento n.º 8 junto com a petição inicial:
- e-mail de 5 de Novembro de 2021, de GG para CC com Cc II, sob o assunto “RE Documentos Admissão com o texto seguinte: “Boa tarde, concordo com a sugestão de alteração segue documento retificado.”
- e-mail de 5 de Novembro de 2021, de CC para DD, sob o assunto “FW Documentos de admissão”, com o seguinte texto:
“Aqui vai
Um abraço”.
- e-mail de 8 de Novembro de 2021 de DD para CC e Recorrente, sob o assunto “Re: Documentos Admissão; Anexos Admissão _XX. DOC: CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO_Rev.8-11-2021.docx, (cfr.facto provado 15), com o seguinte texto:
“Caros AA e CC
No seguimento do que conversei com cada um de vós, segue, em anexo, a minuta do contrato atualizada e que creio corresponder ao desejo das Partes.
Os ajustamentos face à última versão desta minuta estão sinalizados em track changes para que entendam o que se modificou.
Em síntese, as alterações são as seguintes:
Cláusula 4.ª: o n.º 6 estipula que quaisquer alterações à remuneração ou subsídios carecem de acordo escrito de ambas as partes. Acrescentei agora um (novo) n.º 7 e que exceciona desse acordo as condições de atribuição de viatura, as quais podem ser ajustadas quando for alterado o regulamento da XX Media, S.A. que prevê este benefício.
Cláusula 5.ª/1: retirado o termo inicial do contrato e que ainda não está definido.
Final do documento: retirada a menção à data de assinatura do contrato e que será concretizada posteriormente e aquando a sua efetiva outorga.
Anexo também a carta de admissão e cujo texto já havia ficado estabilizado.”
Espero que tenha conseguido espelhar adequadamente as V. pretensões.
(…).”
Documento n.º 9 (documento que seguiu para a Recorrida com o e-mail de 08.11.2021): CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMNADO em cujo considerando D. se escreve, além do mais, “ A 2.ª outorgante apenas aceita cessar o precedente vínculo laboral com a entidade com a qual manteve uma relação laboral de quase 22 anos (a YY, S.A.), no pressuposto de que com a celebração do presente Contrato estarão asseguradas e garantidas durante toda a sua vigência as seguintes prerrogativas essenciais: (…) (iii) a garantia de que a 2.ª Outorgante manterá o direito à compensação por antiguidade que lhe seria devida caso se mantivesse a sua anterior relação laboral.”
Na cláusula 5.ª consta: “ 1. O presente contrato tem o seu início no dia …/…/ 2021, data em que começa a produzir os seus efeitos e, sendo celebrado sem prazo, está sujeito a um período experimental de 180 dias, durante o qual, qualquer das partes pode denunciá-lo sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização ,com exceção da indemnização prevista no n.º 1 da cláusula 12.ª deste Contrato e que será sempre devida à 2.ª Outorgante também em caso de denúncia do contrato por qualquer das partes durante o período experimental.”
2- Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, para denunciar o contrato nos termos do número anterior, a 1.ª Outorgante tem de dar um aviso prévio de 15 dias.
3- Caso o período experimental tenha durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato de trabalho por parte do empregador depende de aviso prévio de 15 dias.”
A cláusula 12.ª, cujo texto está todo sublinhado, com o seguinte teor:
“1- Considerando que para a celebração do presente Contrato a 2.ª Outorgante teve que desvincular-se da sua anterior entidade empregadora com a qual tinha um vínculo de antiguidade superior a 21 anos, prescindindo, por força dessa desvinculação, do valor respeitante à indemnização a que teria direito com base nessa antiguidade, fica acordado entre as Partes que caso se venha a verificar a cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas previstas na lei, a compensação pecuniária a pagar pela 1.ª à 2.ª Outorgante terá o valor mínimo garantido de 90.000,00 (noventa mil euros).
2- Ao valor indicado no número anterior e em caso de cessação do presente contrato de trabalho por qualquer das formas legais, acrescem, para efeitos de cálculo da indemnização por antiguidade, todos os valores que nos termos legais sejam devidos à 2.ª Outorgante pela antiguidade que esta venha a ter em função da execução do presente contrato.
- Documento 3 junto pela Recorrente em 25 de Janeiro de 2023:
- Vários e-mails de 6 de Maio de 2022 trocados entre a Recorrente e o Director de Recursos Humanos da Recorrida, GG, cujo tema se centrou na contratação de um director que a Recorrente pretendia efectuar e na atribuição da viatura, lendo-se no e-mail da Recorrente das 15:07 “ Falarei com o CC naturalmente mas estamos todos cheios de trabalho.
Releia o meu contrato.
Tenho a certeza que tenho autonomia para contratar um diretor para o site.
Agradeço que verifique o quanto antes, porque essa foi uma das minhas condições, amplamente discutida antes de assinar o contrato.
(…).”
E na resposta de GG do mesmo dia às 16:15 consta: “Boa tarde,
Não preciso de reler o seu contrato AA, sei, porque fui eu que o fiz, fala de um cargo de direção e não diz que é para o online
(…).”
O documento 10 constitui a versão final do contrato de trabalho subscrito pelas partes em 3 de Janeiro de 2022 (cfr. facto provado 9).
Da sua cláusula 5.ª consta: “ 1- O presente contrato tem o seu início no dia 03/01/2022 data em que começa a produzir os seus efeitos e, sendo celebrado sem prazo, está sujeito a um período experimental de 180 dias, durante o qual qualquer das partes pode denunciá-lo sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização, com excepção da indemnização prevista no n.º 1 da cláusula 12.ª deste Contrato e que será devida à 2.ª Outorgante também em caso de denúncia do contrato por parte da 1.ª Outorgante durante o período experimental. 2(…). 3(…).”
E a cláusula 12.ª com a seguinte redacção:
“1- Considerando que com a celebração do presente contrato a 2.ª Outorgante teve que desvincular-se da sua anterior entidade empregadora com a qual tinha um vínculo de antiguidade superior a 21 anos, prescindindo, por força dessa desvinculação, do valor respeitante à indemnização a que teria direito com base nessa antiguidade, fica acordado entre as Partes que caso se venha a verificar a cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas previstas na lei com exceção do despedimento com justa causa, a compensação pecuniária a pagar pela 1.ª à 2.ª Outorgante terá o valor mínimo garantido de 90.000,00 (noventa mil euros).
2-Ao valor indicado no número anterior e em caso de cessação do presente contrato de trabalho por qualquer das formas legais, com exceção do despedimento com justa causa, acrescem, para efeitos de cálculo da indemnização por antiguidade, todos os valores que nos termos legais sejam devidos à 2.ª Outorgante pela antiguidade que esta venha a ter em função da execução do presente contrato.”
Em suma, dos mencionados documentos resulta a seguinte dinâmica das negociações que levaram à versão final do contrato de trabalho:
Em 25 de Outubro de 2021, o Director de Recursos Humanos (DRH) da Recorrida, GG, enviou ao Director-Geral Editorial da Recorrida, CC, pessoa que negociou directamente com a Recorrente, as minutas do contrato de trabalho, do acordo de exclusividade e do acordo de isenção de horário de trabalho e, ainda, minuta de uma adenda ao contrato de trabalho com uma cláusula única.
Nesse e-mail, o DRH alerta no sentido de as alterações propostas serem devidamente assinaladas.
No mesmo dia, CC endereçou à Recorrente as referidas minutas e pediu que esta tivesse em atenção o pedido do DRH, isto é, que as alterações por ela propostas fossem devidamente assinaladas.
A Cláusula 12.ª da minuta do contrato de trabalho enviada à Recorrente em 25 de Outubro de 2021, respeitava às regras aplicáveis ao omisso e não previa cláusula igual ou semelhante à que consta da redacção final do contrato de trabalho. Apenas a minuta da adenda ao contrato de trabalho, na sua Cláusula Única previa o direito da Recorrente a uma compensação pecuniária, no caso de cessação do contrato de trabalho por iniciativa da 1.ª Outorgante (ora Recorrida), por qualquer das formas previstas na lei, com excepção do despedimento com justa causa.
Em 26.10.2021, a Recorrente enviou a CC uma mensagem através de WhatsApp na qual refere, em suma, existirem condições que para ela são fundamentais (das quais já lhe tinha falado) e que se baseiam, não só, mas também no risco que a sua saída da YY, S.A. implicava e na adequação ao novo desafio, referindo ainda que fez alterações ao clausulado que lhe foi proposto (através das minutas de 25 de Outubro de 2021), que tinha concentrado as três propostas da Recorrida numa só e que o Advogado estava a ultimá-las.
Portanto, CC, pessoa que estava a negociar com a Recorrente, foi alertado para o facto de esta ter introduzido alterações às minutas que aquele lhe enviou em 25 de Outubro de 2021 e que essas alterações tinham em conta o risco que representava a sua saída da YY, S.A. e a sua adaptação ao novo desafio. E que essas alterações estavam a ser ultimadas pelo seu Advogado.
É certo que a mencionada mensagem não refere, expressamente, que as sugestões de alteração da Recorrente contemplavam, além do mais, a eliminação da expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante” que constava da Cláusula Única da Adenda ao contrato de trabalho e que, consequentemente, a indemnização seria sempre devida cessando o contrato por qualquer das formas previstas na lei, aí se incluindo, naturalmente, a denúncia do contrato pela Recorrente.
E na mesma mensagem a Recorrente também não faz qualquer referência a um prémio de assinatura ou a uma compensação pela sua saída da YY, S.A..
Mas bastava conjugar o teor da mensagem de WhatsApp e as alterações à minuta do contrato de trabalho que foi enviada em 27.10.2021, pelo Advogado da Recorrente à Recorrida, para logo se chegar à conclusão que a Recorrente pretendia ter direito à compensação pecuniária a que alude a cláusula 12.ª mesmo no caso de o contrato de trabalho cessar por sua iniciativa.
Senão, vejamos:
Em 27.10.2021, o Advogado da Recorrente enviou, via e-mail, a CC, com Cc à Recorrente, a minuta do contrato de trabalho revista e mostrou-se disponível para falar sobre as sugeridas alterações que, frisa, seguem em track changes.
Na minuta do contrato de trabalho revista, a Recorrente propõe à Recorrida, além de outras, a alteração da Cláusula 5.ª do contrato de trabalho para que dela passe a constar que será sempre devida a indemnização a que alude a Cláusula 12.ª em caso de denúncia do contrato de trabalho por qualquer das partes durante o período experimental. Assim, de acordo com a proposta da Recorrente de 27.10.2021, se esta, durante o período experimental, denunciasse o contrato de trabalho teria direito à compensação mínima garantida de €90.000,00.
E na proposta enviada em 27.10.2021, a Recorrente ainda fez constar uma Cláusula 12.ª, que é totalmente nova e que, diferentemente da redacção da Cláusula Única da minuta da adenda ao contrato de trabalho, previa ser devida à Recorrente uma compensação pecuniária no valor mínimo garantido de €90.000,00 caso o contrato de trabalho cessasse por qualquer das formas previstas na lei. Ou seja, a redacção desta Cláusula 12.ª, totalmente nova e proposta pela Recorrente, eliminou a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante” que constava da Cláusula Única da adenda ao contrato de trabalho enviada pela Recorrida à Recorrente em 25.10.2021.
A Cláusula 12.ª seguiu para a Recorrida toda sublinhada.
Ora, é certo que, tal como na referida mensagem de WhatsApp, no e-mail de 27.10.2021, o Advogado da Recorrente não diz que suprimiu a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”, isto é, no e-mail de 27.10.2021, que remeteu a minuta do contrato de trabalho proposta pela Recorrente, esta não alertou a Recorrida para a referida eliminação. Mas, por outro lado, o mencionado e-mail tinha como assunto “Minuta do Contrato de Trabalho Revista” e a verdade é que a nova Cláusula 12.ª estava toda sublinhada, referindo ainda o mesmo e-mail “por nós revista e com as sugestões de alterações em track changes”.
Por isso, é caso para dizer que a nova Cláusula 12.ª, com o texto proposto pela Recorrente no sentido de que pretendia receber uma compensação pecuniária no valor mínimo de €90.000,00, caso se verificasse a cessação do contrato de trabalho por qualquer das formas previstas na lei, onde se inclui a denúncia pelo trabalhador, “entrava pelos olhos dentro”.
Mas a Recorrida diz que não se apercebeu da alteração introduzida pela Recorrente na Cláusula 12.ª, isto é, que não reparou que da nova Cláusula 12.ª não constava a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante.”
No seguimento das negociações, em 3 de Novembro de 2021, CC enviou à Recorrente os documentos para a admissão na Recorrida, “para validação”. Entre estes documentos segue a minuta do contrato de trabalho em duplicado e com um dos exemplares já assinado pelo Director dos Recursos Humanos da Recorrida.
E o que se retira desta minuta que já vem assinada pelo Director dos Recursos Humanos da Recorrida?
Em primeiro lugar, que a Recorrida não aceitou a proposta de alteração apresentada pela Recorrente à Cláusula 5.ª relativa ao período experimental, isto é, a Recorrida não aceitou que a Recorrente tivesse direito à compensação prevista na Cláusula 12.ª do contrato de trabalho, caso o contrato de trabalho cessasse por iniciativa da Recorrente no período experimental; A Recorrida contrapropôs que, no período experimental, a compensação seria devida à Recorrente apenas no caso de ocorrer a denúncia do contrato de trabalho por parte da Recorrida.
Em segundo lugar, que a Recorrida alterou os n.ºs 1 e 2 da Cláusula 12.ª do contrato de trabalho proposta pela Recorrente e introduziu-lhes a expressão “com exceção do despedimento com justa causa”. Donde, dúvidas não existem de que a Recorrida leu a Cláusula 12.ª proposta pela Recorrente.
Em 05.11.2021, o DRH da Ré enviou a CC um e-mail em que referia que concordava com a sugestão de alteração e que seguia o documento rectificado e, nessa mesma data, CC enviou para o Advogado da Recorrente os documentos para a admissão.
Em 08.11.2021, o Advogado da Recorrente enviou para CC a minuta do contrato de trabalho actualizada mencionando que os ajustamentos estavam assinalados a track changes para que entendessem o que foi modificado e fez uma síntese das alterações efectuadas: cláusulas 4.ª n.º 6 e 5.ª n.º 1. Nada é mencionado acerca da Cláusula 12.ª.
Pois, mas daquilo que se percebeu, a alteração da Cláusula 12.ª do contrato de trabalho proposta pela Recorrente já remontava a 27.10.2021 e nela a Recorrida, em contraproposta, apenas tinha introduzido nos n.ºs 1 e 2 a expressão “com exceção do despedimento com justa causa.” Isto para dizer que, na minuta do contrato de trabalho enviada à Recorrida em 08.11.2021, a Recorrente não tinha introduzido outras alterações à Cláusula 12.ª, pelo que nada havia a assinalar na referida síntese a propósito da Cláusula 12.ª
O que já não sucedia com a cláusula 5.ª a qual, em 08.11.2021, foi enviada à Recorrida com a redacção de 27.10.2021, não aceite pela Recorrida que já tinha contraproposto que, no período experimental, a indemnização seria devida apenas no caso de a cessação do contrato ocorrer por sua iniciativa. De qualquer modo, a redacção final da Cláusula 5.ª incorporou a versão pretendida pela Recorrida, donde é de concluir que a síntese constante do e-mail de 08.11.2021 no que respeita à Cláusula 5.ª, nenhuma influência teve quanto à vontade declarada pela Recorrida quanto a ela, o que significa que nada demoveu a vontade da Recorrida no sentido de que, no período experimental, a denúncia do contrato por iniciativa da Recorrente não dava lugar ao pagamento da compensação pecuniária prevista na Cláusula 12.ª
Por fim, tendo em conta, por um lado, que a Recorrida alterou, por duas vezes, a proposta da Recorrente relativamente à Cláusula 5.ª, não aceitando que, no período experimental, esta tivesse direito à compensação de €90.000,00, caso denunciasse o contrato de trabalho e, por outro lado, considerando o texto da mensagem de WhatsApp de 26.10.2021 associado ao teor das minutas do contrato de trabalho trocadas entre as partes, não podemos afirmar, como afirmou o Tribunal a quo, que, em momento algum da negociação, foi abordada a possibilidade de a Recorrente ser compensada com o valor de €90.000,00 em caso de cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa. Donde, adiantamos, desde já, que o facto provado 23 não se pode manter nos provados devendo ser considerado como não provado.
Da prova testemunhal e por depoimento de parte que, para uma melhor compreensão, foi ouvida na íntegra resultou:
II, Administrador da Recorrida desde 2002, não participou directamente nas negociações com a Recorrente, mas tinha conhecimento das mesmas e conhecia o contrato de trabalho, intervindo quando se suscitavam dúvidas, trouxe a versão apresentada no articulado da Recorrida sustentando, em suma, que esta nunca quis pagar à Recorrente uma compensação no caso de a cessação do contrato de trabalho ocorrer por iniciativa desta, que a cláusula tinha em vista a cessação do contrato por despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, que a possibilidade de a Recorrente ter direito a uma indemnização no caso de denunciar o contrato de trabalho nunca foi falada nem discutida e que se tivesse sido a Ré nunca tal aceitaria.
Na sua versão, não se aperceberam que da Cláusula 12.ª do contrato de trabalho tinha sido eliminada a expressão que constava da minuta de adenda ao contrato de trabalho “por iniciativa da 1.ª outorgante”.
A Recorrente, por seu turno, apresentou uma versão segundo a qual a cláusula visava acautelar o risco que implicava a sua saída da YY, S.A. e de não se adaptar ao novo projecto, atribuindo à compensação de €90.000,00 a natureza de um prémio de assinatura e que, nessa medida, cessando o contrato de trabalho, por qualquer das formas legais, sempre teria direito à mesma, excepto no caso de despedimento com justa causa. Afirmou isso mesmo ter sido negociado com a testemunha CC e resultar da mensagem de WhatsApp que lhe enviou e junta aos autos.
Confirmou que a eliminação da expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”, da minuta do contrato de trabalho que lhe foi enviada pela Recorrida partiu dela e reafirmou que esta alteração e o objectivo da Cláusula 12.ª foram falados, quer por si, quer pelo seu Advogado, com a testemunha CC, para além de ter sido toda ela sublinhada e que a Recorrida nada opôs à alteração que sugeriu.
Assim, como refere, e bem, a sentença recorrida, as versões apresentada pelas partes são diametralmente opostas. E se é certo que, em abstracto, ambas as versões são possíveis, dos mencionados depoimentos não foi possível concluir que uma delas mereceu maior ou menor credibilidade de modo a que se pudesse formar a convicção de que uma ou outra se aproxima mais da realidade e é a mais provável.
A prova testemunhal:
DD, Advogado da Recorrente, interveio nas negociações do contrato de trabalho e CC, Director-Geral Editorial da Recorrida, que conduziu as negociações do contrato de trabalho do lado desta, foram ouvidas em conjunto e apresentaram versões opostas: a testemunha CC defendendo, em suma, que nunca foi falado ou discutido um prémio de assinatura (“nunca, jamais, em tempo algum”), que um ano antes a testemunha e BB, anterior Director-Geral Editorial já tinham acordado com a Recorrente sobre a temática da Cláusula 12.ª e valor da compensação, cujo sentido seria o de ser devida à Recorrente a compensação apenas no caso de ser despedida pela Recorrida, que nunca negociou com a Recorrente um prémio de assinatura e que a primeira vez que ouviu falar da cláusula nos termos agora apresentados pela Recorrente foi depois da denúncia do contrato de trabalho. Bateu-se ainda no sentido de que não deram pela alteração da cláusula 12.ª e consequente eliminação da expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”, caso contrário não teriam assinado o contrato.
Por seu turno, a testemunha DD, contrariando a versão da testemunha CC, afirmou que falou, várias vezes, por telemóvel, com esta testemunha no sentido de a cláusula ser alterada e de ser devida à Autora a compensação de €90.000,00 no caso de o contrato cessar a qualquer título, com excepção do despedimento com justa causa e que explicou que se tratava de uma espécie de prémio atento o risco associado à mudança da Recorrente da YY, S.A. para a Recorrida. Justificou não ter mencionado a alteração da Cláusula 12.ª por não ter achado necessário, que falou várias vezes com CC e sempre esteve disponível para discutir o contrato, que a Cláusula 12.ª era toda nova, razão pela qual foi toda sublinhada e que a referência a que nela se faz a “antiguidade” destinou-se a reforçar que a mudança da Autora representava um risco que era preciso assegurar.
Como já dissemos, o depoimento das identificadas testemunhas não coincidiu nos pontos essenciais e também é certo que ambos revelaram imprecisões (por ex., a testemunha CC referiu que, a partir de certa altura, o Director de Recursos Humanos da Ré passou a gerir o processo com o Advogado da Recorrente, o que não é exacto; a testemunha DD declarou ter efectuado um copy paste da nova Cláusula 12.ª razão pela qual ficou toda sublinhada, o que não pode ter sucedido dado que a Cláusula 12.ª era toda nova) contribuindo, assim, para que não se tivesse apurado se houve uma discussão oral sobre se a compensação seria devida no caso de denúncia do contrato pela Recorrente. Porém, como já dissemos, face ao teor dos e-mails e das minutas do contrato de trabalho trocados entre as partes na fase negocial, não podemos acompanhar o juízo do Tribunal a quo de que não foi abordada aquela possibilidade. Aliás, a própria Recorrida não aceitou essa possibilidade relativamente ao período experimental e tal recusa só aconteceu porque a Recorrente a colocou, por escrito, na “mesa das negociações”. Por conseguinte reafirmamos que o facto provado 23 deve ser tido por não provado.
EE, Gestor, amigo da Recorrente, a quem esta pediu conselhos, acompanhou as negociações através do que lhe era transmitido pela Recorrente, deu sugestões, leu os contratos e recomendou-lhe que, face aos anos que tinha na YY, S.A. deveria assegurar um “aperto de mão dourado” ou uma conta garantia (escrow account) com o valor a que teria direito se permanecesse na YY, S.A. e que pudesse accionar no caso de as coisas não correrem bem.
Esclareceu que ambas são práticas comuns nas empresas de capital de risco e que as contas garantia funcionavam quer o contrato cessasse por iniciativa do empregador, quer “quando fossem embora pelo próprio pé”, ou seja, no caso de denúncia pelo trabalhador.
FF, Professor Universitário, amigo da Recorrente acompanhou, através da mesma, o processo negocial e aconselhou-a sempre com base nos documentos que esta lhe mostrava e que recebia da Recorrida. Do seu depoimento extraiu-se, em suma, que aconselhou a Recorrente a não abdicar da sua posição na YY, S.A. apenas com base numa melhoria salarial e que deveria assegurar as regalias e a antiguidade que tinha, negociando um prémio pela sua saída da YY, S.A., devendo a Recorrida compensá-la por essa saída. Salientou que a ideia era que a concorrência compensasse o que ela ia perder ao sair da YY, S.A., seguros, antiguidade e outras regalias, pelo que a indemnização, de acordo com o que relatou, seria sempre devida, quer a Recorrente saísse por iniciativa da Recorrida, quer por iniciativa própria, excepto em caso de despedimento com justa causa. Do seu depoimento ainda resultou que, no caso de cessação do contrato de trabalho por acordo com trabalhadores no fim de carreira, é prática da YY, S.A. considera, nesse acordo, os anos de antiguidade do trabalhador.
Segundo ainda afirmou, aconselhou a Recorrente a fazer essa proposta nos exactos termos em que ficaria salvaguardada, que a Recorrente apresentou essa proposta à Recorrida e esta aceitou-a.
A testemunha JJ, Jornalista, ex-Director Geral Editorial da Recorrida, confirmou ter abordado a Recorrente, um ano antes, com vista a contratá-la, mas que a contratação não aconteceu. Segundo a testemunha, na altura, não houve discussão, mandou uma mensagem por telemóvel à Recorrente e fez-lhe uma proposta cujo valor atendia os anos de antiguidade que aquela tinha na YY, S.A. e que esse valor se destinava a cobrir o risco da sua saída daquela entidade.
Não obstante o afirmado anteriormente, declarou que o normal é esse valor ser devido no caso de o empregador fazer cessar o contrato de trabalho, excepto no caso de despedimento com justa causa, mas não no caso de a denúncia partir do trabalhador, tendo contratado outras pessoas nestes termos. Acrescentou não haver essa prática na Ré, nunca ter ouvido falar disso na comunicação social, admitindo, contudo, essa possibilidade apenas nos casos em que existisse um pacto de não concorrência por vários anos. Nunca propôs isso à Recorrente, nem conhece caso algum em Portugal em que isso tivesse sucedido.
Embora a testemunha DD tivesse referido que o valor de €90.000,00 era superior ao correspondente à antiguidade da Recorrente na YY, S.A., da conjugação do seu depoimento com o depoimento da testemunha BB que foi quem apurou esse valor e o propôs à Recorrente e com o depoimento da testemunha CC que afirmou que esse valor foi o apurado pela testemunha BB e que nem chegou a ser discutido em 2021 (dos documentos juntos aos autos também não resulta qualquer discussão, pelo menos escrita, quanto ao valor constante da Cláusula 12.ª), resultou que o valor de €90.000 foi o valor que foi encontrado tendo como referência a antiguidade que a Recorrente teria na YY, S.A.. Aliás, a Cláusula 12.ª do contrato de trabalho acentua a relevância da antiguidade da Recorrente na anterior empregadora. Por isso, sem prejuízo da parte já alterada supra, não se impõe qualquer outra alteração ao facto provado 22.
A testemunha GG, Director de Recursos Humanos da Ré desde Novembro de 2011, explicou que, inicialmente, utilizou as minutas tipo elaboradas pelos advogados da Recorrida, afirmando que os princípios directores das negociações foram-lhe sendo transmitidos pela testemunha CC e pelo Administrador da Recorrida, II, e que sempre foram no sentido de que se a Recorrente saísse por iniciativa da Recorrida teria direito à indemnização prevista naquela cláusula. A ideia era “se nós quisermos mandá-la embora, sem ser por despedimento com justa causa, recebia a indemnização”.
Do seu depoimento resultou que era a testemunha quem analisava, tecia comentários e redigia as alterações à minuta do contrato de trabalho, sempre de acordo com aquelas directrizes e que não houve intervenção dos advogados da Recorrida na redacção das alterações que esta propôs, o que também foi confirmado pela testemunha CC.
Segundo a versão desta testemunha, repararam na alteração efectuada pela Recorrente à Cláusula 5.ª, mas não se deram conta que, da nova Cláusula 12.ª, não constava a expressão “por iniciativa da 1ª Outorgante”. Justificou tal facto na circunstância de nunca a testemunha CC ou o administrador da Recorrida, II, lhe terem transmitido que a Recorrente teria direito à compensação no caso de ser ela a denunciar o contrato de trabalho, nem nunca tal possibilidade lhe passou pela cabeça.
Contudo, essa justificação deixa por explicar como é que se aperceberam da alteração à Cláusula 5.ªque atribuía à Recorrente esse direito no período experimental.
Aqui chegados e no que respeita ao facto provado 21, ponderando toda a prova e, em especial, o depoimento das testemunhas EE e FF, ressalta que, face ao risco que implicava a sua saída da YY, S.A., a Recorrente foi aconselhada a garantir, mediante uma compensação pecuniária, a antiguidade e regalias que tinha naquela empresa. Por isso, cremos que a Recorrente não partiu “às cegas” para a negociação do contrato de trabalho, mas escudada naqueles conselhos. E a proposta de alteração da minuta do contrato de trabalho enviada à Recorrida por e-mail de 27.10.2021, reflectia essa vontade de ser compensada em qualquer dos casos de cessação do contrato de trabalho, com excepção do despedimento com justa causa. Por conseguinte, é de concluir que a Recorrente, pelo menos, inicialmente pretendia, sem dúvidas, ter direito a uma compensação pecuniária no caso de cessação do contrato de trabalho por qualquer das formas previstas na lei, com excepção do despedimento com justa causa.
Porém, sendo esta a vontade da Recorrente, como nos parece ser, não conseguimos entender as razões que, depois, a levaram a “deixar cair” a proposta de alteração da Cláusula 5.ª, pois a Recorrida não aceitou que fosse devida à Recorrente a compensação referida na Cláusula 12.ª se o contrato cessasse no período experimental por vontade da Recorrente e esta nada opôs à versão final daquela cláusula.
E neste caso, se o contrato cessasse no período experimental, por iniciativa da Recorrente, afinal, nada estaria assegurado… E a testemunha DD não soube explicar a razão pela qual a Recorrente aceitou a Cláusula 5.ª na versão proposta pela Recorrida.
Ora, essa incongruência põe em causa qual a real pretensão da Recorrente aquando da assinatura do contrato de trabalho que é o que está em causa no facto provado 21, razão pela qual não se impõe a alteração do mesmo.
Por último, a Recorrida não aceitou a alteração da Cláusula 5.ª no sentido de ser devida à Recorrente a indemnização prevista na Cláusula 12.ª, caso o contrato cessasse por denúncia desta última no período experimental; a Recorrida alterou os n.ºs 1 e 2 da Cláusula 12.ª, mas, segundo afirma, não se apercebeu que do n.º 1 tinha sido eliminada a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”. Perante estas alterações, percebemos as interrogações da Recorrente.
Com efeito, como refere a Recorrente, se a Recorrida alterou a redacção dos n.ºs 1 e 2 da Cláusula 12.ª introduzindo-lhe a expressão “com exceção do despedimento com justa causa” foi porque, necessariamente, leu a cláusula. Mas ler a cláusula, por vezes, poderá não ser suficiente para se apreender a sua real abrangência. E face ao teor do depoimento da testemunha GG do qual resulta que redigiu a versão final do contrato de trabalho, a leitura da cláusula e a sua alteração não foi suficiente para se aperceber que já não contemplava a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”, o que mudava radicalmente a versão constante da minuta da adenda ao contrato de trabalho.
Assim, conjugando o depoimento desta testemunha com as regras da experiência comum e do que é minimamente razoável, entendemos que se a Recorrida não aceitou a redacção proposta pela Recorrente à Cláusula 5.ª, naturalmente que também não iria aceitar a redacção da Cláusula 12.ª nos termos propostos pela Recorrente, caso se tivesse apercebido que dela tinha sido eliminada a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante.” Por isso, independentemente de a Recorrida ter alterado os n.ºs 1 e 2 da Cláusula 12.ª introduzindo-lhes a expressão “com exceção do despedimento por justa causa”, é de aceitar, como aceitou o Tribunal a quo, que a Recorrida não se apercebeu da alteração efectuada pela Recorrente à mencionada cláusula e que nunca pretendeu assumir o pagamento da dita compensação se a Recorrente denunciasse o contrato de trabalho, o que equivale a dizer que o facto provado 24 deve manter-se.
Em suma, apenas parcialmente procede a impugnação da matéria de facto.
*
Fundamentação de direito
Analisemos, agora, se não houve erro na declaração da Ré aquando da celebração do contrato de trabalho e, caso se conclua pela existência desse erro, se não estão verificados os pressupostos de anulação da declaração negocial.
Sobre a questão pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
“Em traços largos a factualidade é simples. A. e R. acordaram as cláusulas do seu contrato, e preceituaram que em caso de cessação do contrato de trabalho por qualquer forma prevista na lei (excepto despedimento por justa causa) a A. teria direito a receber um valor de €90.000. Mais ficou acordado que esse valor não seria devido durante o período experimental exceto se a R. denunciasse o contrato (clausula 5ª).
Deste modo, volvidos 7 meses de contrato, acabando o período experimental, a A. denuncia o contrato e pede a condenação da R. no pagamento do valor acordado na cláusula 12ª.
Sustenta a R. em seu favor que o sentido normal da declaração desta clausula deve ser
interpretado tendo em vista a possibilidade de ser pago este valor apenas em caso de cessação
do contrato por parte da R. (ressalvando sempre o despedimento por justa causa). Porém neste
tocante não concordamos com a R.. A clausula é clara e quem a lê percebe que de modo inequívoco está escrito “cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas
previstas na lei com exceção do despedimento com justa causa”.
Nos termos do nº 1 do art.º 236º do CC, "a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele ".
Como tem sido entendido, o sentido decisivo da interpretação das declarações de vontade passa por colocar o declaratário normal, medianamente instruído e diligente colocado na posição do declaratário real e saber como este apreenderia o sentido da declaração.
Ora, quanto a nós o elemento literal claríssimo, o sentido normal de quem lê esta declaração vai no sentido de conferir direito à A. em recebê-lo, pois um declaratário normal colocado na posição do real declaratário assim o entende.
Não existe dúvida, nem ambiguidade no sentido de interpretar esta cláusula pois esta refere claramente “por qualquer forma prevista na lei”, e excluiu a possibilidade de alguma dessas formas ser por iniciativa de uma só das partes.
Originalmente na minuta das negociações era esta a expressão que estava contida. A minuta referia-se ao pagamento da importância quando o contrato cessasse por iniciativa da 1ª Outorgante, ora R.. Mas com as alterações introduzidas pelo advogado da A. esta expressão (por iniciativa da 1ª Outorgante” desapareceu.
Por outro lado não se pode olvidar que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, cfr. art.º 238º do CPC.
Note-se que não está em causa qualquer situação de erro na formação da vontade. As partes representaram bem a realidade sem estar em qualquer situação de erro vicio na sua formação, pois os motivos para a sua celebração não tinham qualquer representação errónea.
Em causa está, quanto a nós, um erro na declaração, um erro obstáculo, um erro in corpore, dado que a indicação ou descrição que se faz identifica uma coisa diferente da que se pretende.
Como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 16/2/2017, O erro na declaração, ou erro obstáculo, existe quando, não intencionalmente - v.g., por inadvertência, engano ou equívoco -, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso.
II - Existe erro obstáculo sobre a identidade da coisa que constitui objecto da declaração - error in corpore -, “quando a indicação ou a descrição que dela se faz, leve a identificar uma coisa diferente da que o declarante pretende”.
III - Contudo, a relevância do erro obstáculo, para que o negócio seja anulável, carece:
- Que para o declarante seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que, se deste se tivesse apercebido, não teria celebrado o negócio;
- Que o declaratário conheça ou não deva ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante.
IV - O vício da vontade negocial que se traduza ou envolva uma deficiência de discernimento do seu autor constitui erro que corresponde à ignorância ou falsa representação de uma realidade (a ignorância do que se ignora).
Ora, no caso em apreço não temos, repetimos, uma falsa representação da realidade no momento da formação da vontade, mas temos um erro na sua declaração, na exteriorização e transmissão da vontade, tal como a prevê o art.º 247º do CC. Há uma divergência não intencional entre o que a pessoa quer e o que declara.
A R. declarou inconscientemente uma vontade que não era a sua, que nunca quis, que nunca equacionou, conduzida por um comportamento negocial que a levou a confiar e a efetuar uma declaração negocial com um conteúdo negocial diferente do pretendido e acordado.
Formou uma vontade, mas declarou outra. É, pois, quanto a nós, o claro erro-obstáculo, erro na declaração.
Sem que a R. tivesse consciência ou intenção aceitou pagar à A. uma indemnização caso esta denunciasse o contrato de trabalho, quando o que quiseram ambas as partes declarar foi que esta “indemnização” apenas seria paga se fosse a R. a fazer cessar o contrato.
O erro na declaração, previsto no artigo 247º, do Cód. Civil, supõe, para efeitos anulatórios, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) erro do declarante por divergência não intencional entre a sua vontade real e o sentido objectivo da sua declaração;
b) essencialidade do erro, no sentido de que, se o erro não existisse, o declarante não teria celebrado o negócio ou celebrá-lo-ia em termos distintos;
c) conhecimento ou dever de conhecer por parte do declaratário da essencialidade do elemento sobre o qual recaiu o erro do declarante.
Há assim que um duplo ónus probatório, o ónus de demonstrar que se não tivesse ocorrido o erro, não teria celebrado o negócio ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era.
Ora, provada a divergência não intencional entre a vontade real e a declarada, o que vemos é que para ambas as partes o pagamento dos €90.000 era uma questão importante e essencial. Nem precisaria tal de constar dos factos assentes, pois um pagamento de semelhante valor no contrato em apreço assim se assume pela sua própria natureza. Caso a R. se tivesse apercebido da mudança da redação da clausula 12ª, com a eliminação da expressão (“por iniciativa do primeiro outorgante”) não teria assinado o contrato, nem aceite a mesma. P que quis foi apenas possibilitar à A. ter uma garantia pecuniária em caso de a R. pretender “dispensá-la” sem ser por despedimento com justa causa. Nunca quis pagar esse valor caso a A. pretendesse unilateralmente fazer cessar o contrato findo o período experimental, como sucedeu. E a A. sabia que tal era essencial para a R. posto que tudo foi negociado, todos os valores, todas as condições, e nunca se falou desta possibilidade mas apenas de acautelar a sua antiguidade, perdida ao sair da anterior entidade empregadora, e dar-lhe uma garantia semelhante, em caso de ter que se assegurar os seus direitos em função dessa antiguidade.
Uma garantia semelhante não significava nunca poder receber este valor em caso de denúncia da sua parte, pois esse direito a A. não o tinha na YY, S.A..
A A. sabia que a R. nunca pretendeu “dar-lhe” os €90.000 caso esta simplesmente quisesse denunciar o contrato e sair da relação laboral. O valor foi acordado com outro fito, e as mudanças introduzidas nas minutas do contrato, enviadas pelo advogado da A., onde expressamente assinala as alterações mas omite esta cláusula e a retirada do texto da mesma de “por iniciativa do 1º outorgante”, conduz a que ambas as partes soubessem que o pagamento era essencial, e que nunca a R. o teria aceite com esse conteúdo. Por isso nada foi assinalado no email, e de facto a R. foi levada ao engano por incúria na leitura do contrato.
Nessa medida, a anulabilidade da cláusula procede, e em face da mesma a ação improcede, pois, visa unicamente acionar o pagamento do valor que na mesma está contemplado e que como vimos não corresponde à vontade real das partes.”
Discordando deste entendimento sustenta a Recorrente, em suma, que desconhece de onde vem a dedução do Tribunal a quo de que a Recorrente “foi levada ao engano por incúria na leitura do contrato”, pois a Recorrente até introduziu alterações nas cláusulas 5.ª e 12.ª das minutas do contrato de trabalho que enviou à Recorrente para validação; que se a Recorrida foi levada ao engano por incúria na leitura do contrato sibi imputet; não é possível introduzir alterações em duas cláusulas do contrato sem as ter lido e avaliado, o que é impossível de acontecer, face às “regras da experiência comum e da lógica normal da vida”; a Recorrida não provou que houve erro da sua parte quando subscreveu o contrato de trabalho sub judice, o que, não se verificou; por outro lado, não estão verificados os elementos que determinam a anulação do negócio posto que nada ficou provado no sentido de que a Recorrente conhecia ou não devia ignorar que para a Ré o pagamento de €90.000,00 não seria devido quando o termo do contrato de trabalho decorresse por sua iniciativa, pelo que, mesmo que se tivesse verificado a pretensa “incúria na leitura do contrato” por parte da Recorrida, não cabia à Recorrente “reparar” no que a Recorrida afirma não ter reparado para assim dar cumprimento ao referido requisito da pretendida anulabilidade, quando foi a própria Recorrida, que lhe remeteu “para validação” a minuta do contrato de trabalho que corresponde integralmente ao que veio a ser subscrito por ambas; o princípio da auto-responsabilização das partes impunha à Recorrida, que afirma ser um dos maiores grupos de comunicação social do País, que verificasse todo o teor do contrato de trabalho sub judice, em que introduziu alterações de redacção, e até nem era de grande tamanho, pois tinha apenas 14 cláusulas e estava-se perante uma «contratação estratégica» que foi acompanhada pelo director de recursos humanos, o director geral e o administrador da Recorrida; e face ao disposto no n.º 2 da cláusula 12.ª. não era nem podia ser suposto que a Recorrente, ou outro normal declaratário colocado na sua posição, concebesse que a Recorrida, pretendia regular de duas maneiras distintas – “compensação pecuniária” e “indemnização legal” - uma única realidade - a cessação do contrato de trabalho. Concluiu que a Recorrida assumiu livre e conscientemente a obrigação de pagamento à Recorrente, de €90.000,00 em caso de cessação do contrato de trabalho qualquer que fosse a razão, salvo se fosse despedimento com justa causa, conforme consta do n.º 1 da cláusula 12.ª, mas deixou de assumir e honrar essa obrigação quando teve de a cumprir, pelo que a sentença violou o disposto no artigo 247.º do Código Civil.
Defende a Recorrida que a sentença deve ser mantida.
Vejamos:
Estatui o artigo 247.º do Código Civil:
“Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”
Sobre esta norma escrevem Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela no “Código Civil Anotado”, Volume I, 3.ª Edição Revista e Actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, págs.231 e 232: “1. O caso previsto é o chamado erro obstáculo ou erro na declaração. Formou-se, sem erro, certa vontade, mas declarou-se outra. Pretende-se, por exemplo, comprar por 10, mas, por lapso, diz-se que se compra por 20. Há, ao contrário do caso previsto na primeira parte do artigo anterior, a consciência de que se faz uma declaração negocial, mas esta tem um conteúdo diferente do que foi pretendido.
2. O acto é anulável e não nulo, e a anulabilidade depende do destinatário da declaração conhecer ou dever conhecer a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro. Assim, no exemplo citado, seria anulável a declaração se o destinatário conhecesse ou devesse conhecer que o declarante só por 10 e não por 20 realizaria a compra.
Se o declaratário contratou convencido de que o declarante não deixaria de comprar por 20 e não tivesse obrigação de conhecer a verdade, ou se, efectivamente, aquele elemento (preço) não era essencial para o comprador o acto não pode ser anulado.
3. Não se exige, por conseguinte, para a anulabilidade da declaração, nem a desculpabilidade do erro (vide Vaz Serra na R.L.J., ano 112.º, pag.288), nem o conhecimento ou sequer a recognoscibilidade deste por parte do declaratário. (…).
Se o erro que originou a anulação for indesculpável, poderá o errante ser obrigado, nos termos do artigo 227.º a indemnizar o dano causado à outra parte (vide Vaz Serra, na R.L.J.ano e loc.cits.).”
Ainda sobre os requisitos de anulabilidade da declaração negocial, atenta a sua pertinência, chamamos à colação o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.05.2010, proferido no Processo n.º 8004/07.6TBOER.L, consultável em www.dgsi.pt em cujo sumário se escreve: “ (…) 2. Nos termos do artigo 247.º CC, são dois os requisitos da relevância do erro:
a) a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro;
b) conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade, por parte do declaratário.
3. Para que a anulação proceda, não se exige nem a desculpabilidade do erro, nem o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do erro por parte do declaratário. A declaração negocial pode ser anulável mesmo que o declaratário não conheça, nem razoavelmente deva conhecer, a existência do erro por parte do declarante. A anulabilidade respeita apenas à essencialidade do elemento sobre que o erro incide, mas não ao erro em si.”
E ainda de acordo com o mesmo aresto:
“Nas palavras de Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4.ª edição, pg. 460, também citado na decisão recorrida,
«Existindo uma divergência entre a vontade real e o sentido objectivo da declaração, podem levantar-se dois problemas:
a) o problema de saber se o negócio poderá, apesar disso, valer com o sentido correspondente à vontade real - estamos perante um problema de interpretação dos negócios jurídicos, de fixação do sentido e alcance com que o negócio deve valer; é o problema da relevância positiva da vontade real em caso de desacordo entre esta e a declaração;
b) o problema de saber se o dissídio entre o querido e o declarado dá origem à invalidade do negócio jurídico - este problema só se refere se, perante o problema da interpretação dos negócios jurídicos, não aderirmos a uma posição que atribui exclusivamente relevância à vontade real, isto é, se, em sede interpretativa, optarmos por um sentido objectivo - abrir-se-á então o problema autónomo da divergência entre a vontade e a declaração, ou seja, o problema de saber se a declaração não virá a ficar desprovida de efeitos em virtude de não coincidir com a vontade real, é o problema da relevância negativa da divergência entre a vontade e a declaração».
Estão em causa interesses contraditórios: por um lado, o interesse do declaratário e do comércio jurídico na manutenção do negócio; por outro o interesse do declarante, interessado na anulação da declaração viciada.
Dispõe o artigo 247.º CC que, quando em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
São, pois, dois os requisitos das relevância do erro:
a) a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro;
b) conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade, por parte do declaratário.
Assim, e como se afirmou anteriormente, não está em causa saber se a apelada se apercebeu do erro, mas sim se o erro incidiu sobre elemento essencial para o apelante, e se a apelada sabia ou devia saber que tal elemento era essencial para a apelante.
Nas palavras de Henrich Ewald Hörster, A Parte Geral no Código Civil Português, Almedina, pg. 563,
«(…) para que a anulação proceda, não se exige nem a desculpabilidade do erro, nem o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do erro por parte do declaratário. A declaração negocial pode ser anulável mesmo que o declaratário não conheça, nem razoavelmente deva conhecer, a existência do erro por parte do declarante. A anulabilidade respeita apenas à essencialidade do elemento sobre que o erro incide, mas não ao erro em si.
O que conta é que o declaratário sabe, ou deve saber, que o elemento afectado pelo erro é, em si, essencial, por decisivo, para o declarante (para que a declaração fosse feita como foi). Quer dizer, a anulabilidade existe em termos muito latos».
Mota Pinto, op. cit., pg. 494, critica a solução acolhida pelo actual Código, de se bastar com o conhecimento ou cognoscibilidade do elemento sobre que incide o erro, ainda que este conhecimento não tenha suscitado ao declaratário qualquer suspeita ou dúvida sobre a correspondência entre a vontade real e a vontade declarada. Para este autor, a solução legal sacrifica excessivamente os interesses do declaratário e do comércio jurídica, defendendo que o legislador deveria ter ido mais longe e consagrado o princípio do conhecimento ou da cognoscibilidade do erro.
Por muito criticável que possa ser a opção legal, ela tem de ser respeitada, pelo que é irrelevante que não se tenha considerado provado que a apelada se apercebeu do engano.
O que há que apurar é, como já se referiu, é a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro e o conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade, por parte do declaratário.
Quanto à essencialidade do erro, remetemos novamente para Mota Pinto, op. cit., pg. 507-8, em que tal pressuposto é analisado com grande rigor e clareza:
«É corrente na doutrina a afirmação de que só é relevante o erro essencial, isto é, aquele que levou o errante a concluir o negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído. O erro foi causa (é indiferente tratar-se de uma situação de causalidade única ou de concausalidade) da celebração do negócio, e não apenas dos seus termos. O erro é essencial se, sem ele, não se celebraria qualquer ou se se celebrasse um negócio com outro objecto ou de outro tipo ou com outra pessoa. Exemplos de erro essencial: A compra um objecto de prata por 1000, por que julga erradamente ser objecto de ouro e, se soubesse a verdade, não o teria comprado; A compra uma casa por 300 000 porque julga erradamente ter sido instituído herdeiro em testamento de outra pessoa acabada de falecer e, se soubesse não ser isso exacto, não teria comprado qualquer casa.
Já não relevaria o erro incidental, isto é, aquele que influi apenas nos termos do negócio, pois o errante sempre contrataria, embora noutras condições. O erro é incidental se, sem ele, o errante, embora noutros termos sempre celebraria o mesmo negócio (manter-se-ia o tipo negocial, o objecto, os sujeitos). Exemplo de erro incidental: A, se soubesse a verdade, teria comprado o objecto de prata, mas apenas por 200; A, se soubesse não ter sido instituído herdeiro, teria igualmente comprado a casa, mas apenas por 150.000€.
Em face do Código Civil, exigir-se-á igualmente este requisito?
É óbvio que o erro indiferente, isto é, um erro tal que, mesmo sem ele, o negócio teria sido concluído nos precisos termos em que o foi, não tem qualquer relevância. Com efeito, o erro para relevar, deve atingir os motivos determinantes da vontade (arts. 251.º e 252.º), o que, nesta hipótese, não acontece.
Deverá, porém, o erro exercer uma intervenção essencial no processo formativo da vontade, ou bastará uma intervenção incidental nos termos em que ficaram definidos? Parece que só o erro essencial produzirá, desde logo, uma vez presentes os restantes requisitos gerais e especiais, a anulabilidade do negócio. O erro incidental não será, todavia, irrelevante: o negócio deverá fazer-se valer nos termos em que teria sido concluído sem o erro.
Deverá, porém, ter lugar a anulabilidade, quando se não possa ajuizar desses termos com segurança, ou, pelo menos, com bastante probabilidade e, ainda, quando se prove que a outra parte os não teria acolhido (art.º 292.º sobre a redução dos negócios jurídicos)».”
Regressando ao caso.
Tendo ficado provado que a Ré nunca pretendeu assumir o pagamento da compensação de €90.000,00, caso a Recorrente denunciasse unilateralmente o contrato de trabalho (facto provado 24) e constando do n.º 1 da Cláusula 12.ª do contrato de trabalho “que caso se venha a verificar a cessação do presente contrato de trabalho, por qualquer das formas previstas na lei com exceção do despedimento com justa causa, a compensação pecuniária a pagar pela 1.ª à 2.ª Outorgante terá o valor mínimo garantido de 90.000,00 (noventa mil euros)”, é de acompanhar a sentença recorrida quando afirma que há uma divergência entre a vontade real da Recorrida e o sentido da declaração negocial que emitiu.
Com efeito, a Recorrida não anteviu nem nunca quis pagar aquela compensação em caso de denúncia do contrato pela Recorrente, mas foi isso que declarou quando subscreveu o contrato de trabalho.
Estamos, pois, tal como refere a sentença recorrida, perante o denominado erro na declaração previsto no artigo 247.º do Código Civil.
E salvo o devido respeito, o facto de a Recorrida ter introduzido alterações na Cláusula 12.ª do contrato de trabalho, não permite concluir que, efectivamente, se deu conta de que fora eliminada a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante” e das consequências que tal eliminação acarretavam. Aliás, a alteração da Cláusula 5.ª, por parte da Recorrida, aponta no sentido de que esta laborou em erro.
E considerando a dinâmica das negociações que precederam a celebração do contrato de trabalho, apelando às regras da experiência comum e à normalidade das coisas, entendemos ser de concluir, como concluiu a sentença, que o erro na declaração da Recorrida ocorreu “por incúria da sua parte na leitura do contrato”.
Mas tem razão a Recorrente quando refere que tal facto não lhe é imputável mas, sim, à Recorrida que, na qualidade de parte contratante, deveria ter diligenciado por uma leitura cautelosa de todas as cláusulas do contrato, tanto mais que o número de cláusulas era reduzido e o valor da compensação pecuniária previsto na Cláusula 12.ª era elevado.
Contudo, face ao disposto no artigo 247.º do Código Civil, a imputabilidade ao declarante, por incúria na leitura do contrato, do erro na declaração não obsta a que, verificados que estejam os requisitos que enuncia, a declaração negocial seja anulável.
Na verdade, a declaração negocial é anulável quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do declarante, desde que se verifiquem os requisitos acima citados: a) essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro; b) conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade por parte do declaratário).
Por outro lado, resulta da doutrina e jurisprudência citadas que, no caso, não se trata de saber se a Recorrente se apercebeu ou se devia ter “reparado” no erro da Recorrida; trata-se, sim, de apurar se o erro incidiu sobre elemento essencial para a Recorrida e se a Recorrente sabia ou não devia ignorar a essencialidade para a Recorrida do elemento sobre que incidiu o erro.
A sentença concluiu que se verificaram estes pressupostos, defendendo a Recorrente que não sabia nem tinha de conhecer daquela essencialidade.
Assim, importa apurar, em primeiro lugar, da essencialidade para a Recorrida do elemento sobre o qual incidiu o erro, o que equivale a questionar se a Recorrida não teria celebrado o contrato de trabalho com a Recorrente caso se tivesse apercebido que da cláusula 12.ª a Recorrente eliminara a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante, o que lhe permitia receber a compensação de €90.000,00 caso denunciasse o contrato de trabalho.
Ora, tendo ficado provado que a Recorrida nunca pretendeu assumir o pagamento de €90.000,00, caso a Recorrida denunciasse unilateralmente o contrato de trabalho, tal significa que, se não tivesse sido o erro, a Recorrida não teria declarado o que declarou na Cláusula 12.ª.
Assim, a circunstância de a compensação ser devida apenas no caso de a cessação do contrato ocorrer por iniciativa da 1.ª Outorgante (ora Recorrida) assumia-se como elemento essencial do negócio para a declarante, na medida em que, excluída essa possibilidade, a Recorrida não contratava, o que não se estranha pois a Recorrida, como é do conhecimento público, é uma empresa de comunicação social mas, ao mesmo tempo, é uma sociedade comercial e estas visam a obtenção de lucro.
Por conseguinte, a sentença não merece reparo quando conclui pela essencialidade para a Recorrida do elemento sobre que incidiu o erro.
E a Recorrente conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para a Recorrida do elemento sobre que incidiu o erro?
A sentença diz que sim, referindo: “E a A. sabia que tal era essencial para a R. posto que tudo foi negociado, todos os valores, todas as condições, e nunca se falou desta possibilidade mas apenas de acautelar a sua antiguidade, perdida ao sair da anterior entidade empregadora, e dar-lhe uma garantia semelhante, em caso de ter que se assegurar os seus direitos em função dessa antiguidade.
Uma garantia semelhante não significava nunca poder receber este valor em caso de denúncia da sua parte, pois esse direito a A. não o tinha na YY, S.A..
A A. sabia que a R. nunca pretendeu “dar-lhe” os €90.000 caso esta simplesmente quisesse denunciar o contrato e sair da relação laboral. O valor foi acordado com outro fito, e as mudanças introduzidas nas minutas do contrato, enviadas pelo advogado da A., onde expressamente assinala as alterações mas omite esta cláusula e a retirada do texto da mesma de “por iniciativa do 1º outorgante”, conduz a que ambas as partes soubessem que o pagamento era essencial, e que nunca a R. o teria aceite com esse conteúdo. Por isso nada foi assinalado no email, e de facto a R. foi levada ao engano por incúria na leitura do contrato.”
Os factos provados são parcos e não permitem concluir que a Recorrente conhecia a essencialidade para a Recorrida do elemento sobre que incidiu o erro. Na verdade, dos termos da negociação que se analisou supra, nada faz supor que a Recorrente sabia que a Recorrida nunca contrataria se se tivesse apercebido que, no caso de o contrato cessar por denúncia da Recorrente, assistir-lhe-ia o direito à compensação de €90.000,00; a Recorrida apresentou uma proposta segundo a qual a compensação seria devida caso o contrato cessasse por sua iniciativa; a Recorrente não aceitou essa proposta e, por e-mail de 27.10.2021, contrapropôs uma redacção para aquela que seria a Cláusula 12.ª de acordo com a qual pretendia ter direito à compensação no caso do contrato cessar por qualquer das formas previstas na lei, eliminando a expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”, que constava da minuta da adenda ao contrato de trabalho; a Recorrida alterou a cláusula 5.ª na qual a Recorrente pretendia ser compensada, no período experimental, no caso de denunciar o contrato de trabalho; a Recorrida alterou os n.ºs 1 e 2 da cláusula 12.ª introduzindo-lhe a expressão “com excepção do despedimento com justa causa” e nada referiu quanto à eliminação da expressão “por iniciativa da 1.ª Outorgante”; em 08.11.2011 o Advogado da Recorrente enviou à Recorrida a minuta do contrato de trabalho revista com a redacção que já constava do e-mail de 27.10.2021; e a Recorrida continuou a nada dizer sobre a cláusula 12.ª
E os autos também não retratam qualquer comportamento ou declaração da Recorrida endereçada à Recorrente que nos permita dizer, sem dúvidas, que esta conhecia aquela essencialidade.
Por isso, não podemos concluir que a Recorrente conhecia a essencialidade para a declarante do elemento sobre que recaiu o erro.
Mas resta saber se, no caso, a Recorrente não devia ignorar a essencialidade para o declarante, do elemento sobre que recaiu o erro, isto é, impunha-se à Recorrente que soubesse ou não ignorasse que a Recorrida nunca celebraria o contrato caso se tivesse apercebido da alteração introduzida na Cláusula 12.ª?
Afinal que comportamento era exigível à Recorrente para que se possa concluir que não devia ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que recaiu o erro?
O mesmo que era exigível a um declaratário mediamente razoável e diligente colocado na posição da Recorrente.
Assim, tendo ficado provado que, aquando da assinatura do contrato com a R. a A. pretendia ser compensada pela sua antiguidade na YY, S.A., nos mesmos termos em que seria caso se mantivesse ao serviço dessa sua anterior entidade empregadora e que o valor de €90.000 da cláusula 12ª do contrato foi o valor que foi encontrado como correspondendo à antiguidade que a Autora teria na anterior entidade empregadora, é de concluir que um homem medianamente diligente e razoável colocado na posição da Recorrente e, por isso, a Recorrente, não podia deixar de saber que não lhe assistia o direito à compensação no caso de denunciar o contrato de trabalho com a Recorrida pela simples razão de que, como refere a sentença recorrida, não tinha esse direito se denunciasse o contrato de trabalho com a YY, S.A.. E sabendo que não tinha esse direito, não podia ignorar a Recorrente que se a Recorrida se tivesse apercebido do erro em que incorreu não teria contratado.
Consequentemente improcede esta pretensão da Recorrente.
Invoca ainda a Recorrente que ao agir da forma como agiu, a Recorrida criou na Recorrente a convicção que assumia perante ela todas as obrigações contratuais decorrentes do contrato de trabalho outorgado, pelo que, ao invocar erro na declaração que livre e conscientemente emitiu está a Recorrida a violar o princípio da boa fé contratual.
Ora, tendo ficado provada a existência de erro na declaração da Recorrida, salvo o devido respeito, não vislumbramos que a invocação desse erro e dos efeitos dele resultantes viole, de algum modo, o princípio da boa fé contratual.
Por fim, prejudicada fica a apreciação da questão da admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso e se, sendo admissível, procedia.
Atento o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas são da responsabilidade da Recorrente.
Decisão
Face ao exposto, acorda-se em:
- julgar a impugnação da matéria de facto parcialmente procedente nos termos supra mencionados.
- Julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Abril de 2024
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Sérgio Almeida
Alda Martins