BANCÁRIO
PENSÃO DE REFORMA
CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURANÇA SOCIAL
SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO
REGRA PROPORCIONAL
Sumário

I – O regime contido na parte final do nº 1 da cláusula 98ª do Acordo Colectivo de Trabalho para a Caixa Económica Montepio Geral visava evitar que o mesmo trabalhador bancário auferisse uma dupla reforma por velhice – paga pela entidade bancária e paga pelo Centro Nacional de Pensões – relativamente ao mesmo período de desconto para o regime geral da Segurança Social enquanto trabalhador de instituição bancária. Assim se evitando um enriquecimento sem causa do trabalhador do sector bancário, por duplicação de benefícios, da mesma natureza e relativamente ao mesmo período temporal.
II - Não sendo cumuláveis/sobreponíveis entre si (as pensões de reforma por velhice pagas, por um lado, pela instituição bancária e, por outro lado, pelo Centro Nacional de Pensões, referentes ao mesmo trabalhador bancário e ao mesmo período temporal de trabalho no sector bancário em que este, também, efectuara descontos para a Segurança Social), este factor temporal é o único que importa como referência para o efeito.
III - O trabalhador bancário recebe a pensão unificada de velhice por todo o tempo de trabalho prestado, a cargo do Centro Nacional de Pensões e, através da aplicação da regra proporcional ao hiato temporal em causa (regra de três simples pura/“pro-rata temporis”), obtém-se a diferença/o valor exacto da respectiva parte da pensão de reforma recebida, do Centro Nacional de Pensões, a entregar pelo trabalhador bancário à respectiva entidade bancária empregadora.
IV – Caso tenha havido prestação de serviço militar obrigatório (que para efeitos de reforma é equiparado, legalmente, à prestação de trabalho) e a entidade bancária empregadora (a pedido do respectivo trabalhador) venha a efectuar, também, descontos relativamente a esse período, impõe-se incluí-lo, também, na sobredita ponderação (para efeitos de aplicação da regra “pro-rata temporis”).
 (sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
Na acção, sob a forma de processo comum nº 1637/23.5T8VFX do J2 do Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira, intentada por AA contra Caixa Económica Montepio Geral, S.A., o autor pediu a condenação da ré:
a. a reconhecer ao A. o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 7,14 %, correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
b. a pagar ao A. o valor de €2.005,25 Euros, acrescido de juros de mora no montante de €147,58 Euros, num valor total global de €2.152,83 Euro, correspondente ao valor excessiva e ilegalmente descontado e respeitante aos meses de Abril de 2022 até à presente data, valor onde se encontram englobados os respectivos subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros vencidos até integral pagamento;
c. a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pelo A. para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
d. a pagar ao A. todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da presente acção até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença.
A ré contestou, pugnando pela improcedência do pedido, reconhecendo a factualidade essencial alegada pelo autor, sustentando distinta leitura dos normativos por este invocados e pugnando pela legalidade dos descontos a que procedeu e procede.
Foi proferida sentença cuja parte decisória consigna (transcrição):
«V- Dispositivo
Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito, se decide julgar a presente acção procedente por provada condenando a ré a:
a) Reconhecer o direito do autor a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida apenas do valor correspondente à percentagem de 7,14%, correspondente a um ano de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador no sector bancário.
b) A pagar ao autor a quantia de 2.005,25€ (dois mil e cinco euros e quarenta e vinte e cinco cêntimos), descontada em excesso até Abril de 2023, bem como todas as demais que excedam 7,14% do valor pago pelo Centro Nacional de Pensões que tenha descontado após essa data.
c) A pagar ao autor os juros de mora, vencidos e vincendos, contabilizados à taxa anual de 4,00%, sobre o valor em cada mês descontado que exceda 7,14% do valor pago pelo Centro Nacional de Pensões, desde a data de cada desconto e até efectivo e integral pagamento. …»
Inconformada, a ré interpôs recurso desta decisão, tendo terminado as respectivas alegações com as seguintes conclusões e respectivo pedido:
«1. A Recorrente impugna a matéria de facto dada por provada nos autos, quer por haver factos provados que, com o devido respeito, não o foram, quer por haver factos alegados na contestação que foram desconsiderados pela douta Sentença recorrida e que, salvo o devido respeito, não o deveriam ter sido.
2. No que respeita aos factos provados, que não o foram, diga-se que a prova produzida nos autos não suporta as alíneas l) e n) da matéria de facto provada.
3. No que respeita à alínea l), este ponto teve a seguinte redação: “l) A R. enviou uma carta ao A. notificando-o para a reversão a favor do Montepio do período respeitante á integração do período de descontos previdenciais posteriores a Janeiro de 2011”
4. Nenhuma prova produzida nos autos sustenta que o Banco Montepio enviou uma carta ao Autor notificando-o para a reversão a favor do Montepio respeitante à integração do período de descontos providenciais posteriores a Janeiro de 2022.
5. De facto, o Autor junta como DOC. 2 uma carta que lhe foi remetida pela Ré, respeitante à sua passagem à situação de reforma.
6. Porem, de tal carta apenas resulta a deliberação favorável do Conselho de Administração da Ré à passagem à situação de reforma por parte do Recorrido, bem como, qual o valor da mesma.
7. Pelo exposto, deve eliminar-se a alínea l) dos factos provados.
8. Quanto à alínea n), este ponto teve a seguinte redação: “n) À data da instauração da presente acção a ré deduz à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de 321,83€”
9. Sucede, todavia, que os meios probatórios constantes do processo, designadamente o DOC. 3 junto pelo Autor, impunha decisão sobre a matéria de facto diversa da recorrida.
10. De facto, não só o Autor e a Ré alegaram expressamente que o valor deduzido à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões correspondia, à data da instauração da ação, a 59,36€ - cfr. artigos 13.º da petição inicial e 135.º da Contestação.
11. Como o recibo de vencimento do Autor referente ao mês de Março de 2023 - junto como DOC. 3 com a p.i., - confirma que o valor deduzido à pensão do CNP corresponde a 59,36€ [vide rubrica DEDUÇÃO SEGURANÇA SOCIAL].
12. Face ao exposto, o facto em apreço deve ter a seguinte redação: “n) À data da instauração da presente acção a ré deduz à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de 59,36€”
13. Quanto aos factos não provados, que o foram, veja-se o artigo 144.º da Contestação.
14. O facto em apreço teve a seguinte redação: “144.º. Entre estas duas carreiras há duas sobreposições, no período de serviço militar de 1 ano e 8 meses – período de serviço militar que o Réu contou ao Autor para efeitos de reforma no setor bancário – DOCS. 10 e 11 – e de 1/1/2011 a 30/11/2011, devendo o Autor entregar ao Réu o beneficio do CNP que recebe por esse tempo.”
15. Sobre essa matéria, foram juntos à Contestação os DOCS. 10 e 11 que, salvo o devido respeito, impunham decisão sobre a matéria de facto diverso da recorrida.
16. De facto, aqueles DOCS 10 e 11 – Comunicação e Certidão – comprovam que o tempo de serviço militar do Autor foi contado pelo Recorrente para efeitos de reforma pelo setor Bancário.
17. Deve, por isso, aditar-se aos factos provados o seguinte: “p) O período de serviço militar de 1 ano e 8 meses do Autor foi contado pelo Réu para efeitos de reforma no setor bancário.”
18. Deve, assim, alterar-se a matéria de facto nos termos supra expostos.
19. Além da impugnação da matéria de facto que acima se deixou expressa, a Recorrente não pode conformar-se com a decisão de direito que constitui a douta Sentença recorrida.
20. A questão fundamental em discussão nos presentes autos é uma questão de direito distinta da que vem sendo decidida pela Jurisprudência para que remete a douta Sentença Recorrida.
21. Com efeito, a questão que vem sendo discutida pela supra rreferida Jurisprudência prende-se com o modo de repartição da pensão de velhice paga pelo Centro Nacional de Pensões (CNP) quando a carreira contributiva do trabalhador no Regime Geral de Segurança Social inclui tempo antes de Banco e tempo de Banco, atento o disposto na Cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 3 de 23/01/2011 – Data de Distribuição: 24/01/2011) e, atualmente, com redação similar, na Cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Montepio (BTE n.º 8, de 28/02/2017).
22. Não é o que sucede nos presentes autos.
23. No caso dos autos, a carreira contributiva do Recorrido inclui tempo de serviço militar (1 ano e 8 meses) contado para efeitos de reformado Recorrido no Regime Geral de Segurança Social e no Regime Geral de Segurança Social do Setor Bancário, existindo, assim, uma dupla sobreposição entre as carreiras do Autor.
24. Isto é, o Autor teve duas carreiras contributivas.
25. Uma carreira no regime geral de segurança social, composta pelos períodos de 05/1965 a 08/1970, 07/1974 a 01/1976, e de 01/1978 a 02/1981, fora do Banco, e de 01/01/2011 a 30/11/2011, este último período ao serviço do Banco.
26. E, outra carreira, no regime de segurança social do setor bancário.
27. Entre estas duas carreiras há duas sobreposições, uma primeira, no que respeita ao período de serviço militar de 1 ano e 8 meses – que a Recorrente contou ao Autor para efeitos de reforma do Setor Bancário – cfr. DOCS. 10 e 11.
28. E uma segunda, respeitante ao período de 01/01/2011 a 30/11/2011.
29. O Banco tem direito a fazer seu o benefício decorrente de tais períodos.
30. Assim, ainda que prevalecesse – sem conceder – a aplicação da regra de um pro rata temporis, a proporção a considerar sempre seria de 3 ANOS EM 14, e não de 1 ano em 14, conforme peticionou, com manifesta má-fé, o Autor e decidiu – muito mal – o Tribunal a quo.
31. No mais, dir-se-á o seguinte:
32. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, e como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.
33. Na INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
34. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 98.ª do ACT do Montepio) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.
35. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.
36. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.
37. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
38. As cláusulas aludem, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
39. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 102.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 98.ª.
40. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
41. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de reformas, a saber: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.
42. Para isso, por se tratar de um sistema previdencial, remete para as regras de cálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social.
43. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.
44. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.
45. São essas as regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.
46. Este sentido saí reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime da segurança social quando não há tempo “extra-banco” e, por outro lado, pela redação da cláusula 98.ª do ACT do Banco Montepio.
47. Naquela cláusula as Partes Outorgantes, acautelando o caso de o trabalhador não requerer a atribuição do benefício do CNP, expressamente previram como seria feito o “abate” daquele benefício à pensão a pagar pelo Banco, remetendo expressamente para as regras do regime geral de segurança social.
48. Caso o trabalhador não requeira o pagamento do benefício do CNP, o Banco estima qual o valor desse benefício e apenas garante o pagamento da diferença entre a pensão prevista do ACT e o benefício do CNP.
49. O que significa que as Partes sempre tiveram presente que o benefício a “abater” é apurado de acordo com as regras aplicáveis ao cálculo desse mesmo benefício e não de acordo com uma qualquer regra de repartição em “três simples” ou pro rata temporis.
50. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
51. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
52. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
53. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido à Recorrente.
54. Quanto ao elemento histórico, pode dizer-se que a redação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário remonta ao ACT do setor bancário de 1980 e manteve-se praticamente inalterada na cláusula 98.º do ACT do Montepio.
55. A sua origem remonta ao ano de 1980 e sempre teve o objetivo de articulação dos regimes de segurança social quando o trabalhador está abrangido por mais do que um regime, de forma a impor a duplicação de benefícios. E, tais benefícios não se limitam às pensões de reforma, pois incluem outros como prestações de parentalidade e morte, observando-se a regra de cálculo de cada um dos regimes que atribui o benefício que esteja em causa.
56. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, porforçaco mesmo período contributivo, o trabalhador venha a auferir, de forma cumulada, dois benefícios.
57. Fá-lo, limitando a responsabilidade da instituição bancária, à diferença entre os benefícios devidos por aplicação do IRCT e os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação do serviço no sector bancário.
58. É uma expressão clara do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).
59. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.
60. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.
61. O entendimento da Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.
62. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.
63. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento da Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.
64. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt
65. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal de Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.
66. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pela Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.
67. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá a Recorrente.
68. A INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 98.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado oposto ao da Sentença recorrida.
69. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).
70. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.
71. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.
72. Mais recentemente foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, de 20/02/2020 e de 01/10/2020, e Juiz 2 de 25/04/2020, já juntas a estes autos.
73. E é também a douta opinião do SENHOR PROFESSOR DOUTOR BERNARDO LOBO XAVIER expressa no douto Parecer de Direito junto aos autos.
74. As remunerações registadas ao longo da carreira contributiva do Recorrido não são iguais, ocorrendo que as remunerações registadas na carreira ao serviço do Banco são de valor SUBSTANCIALMENTE superior às que foram registadas no período da carreira fora do Banco, como se pode verificar da simples análise do Doc. 4 junto com a p.i., onde constam as seguintes remunerações registadas na carreira do Autor:




75. Na interpretação do Recorrido, o ano de 1970, em que tem registado o montante de remunerações revalorizadas de 6.518,21€ tem exatamente o mesmo peso na repartição da pensão (!) que o ano de 2011, em que tem registadas remunerações revalorizadas de 39.556,70€.
76. A interpretação do Recorrido tem como efeito que, independentemente dos montantes das remunerações, cada ano da carreira contributiva tem igual peso, quando nos termos a lei, como se viu, não é assim, pois o cálculo da pensão é efeito em função do tempo (taxa de formação)e das remunerações (remunerações de referência), de tal forma que remunerações mais elevadas (a que correspondem contribuições mais elevadas) significam pensão de valor mais elevado.
77. Ainda que se entendesse que não estaria em causa a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (atual cláusula 98.º do ACT do Montepio), por se verificar que a cláusula é omissa quanto à fórmula de cálculo no caso em que se torna necessário proceder à repartição da pensão do CNP, chegar-se-ia, por via da INTEGRAÇÃO, ao mesmo resultado.
78. Nesse sentido, pronunciou-se a EXMA SENHORA PROF. DOUTORA MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO em douto parecer junto aos autos no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo do Trabalho das Caldas da Rainha, Proc. n.º 1718/19.0T8CLD, já junto aos autos.
79. No entendimento sufragado pelo Recorrido, as clausulas 136.ª do ACT do Setor Bancário e 98.º do ACT do Montepio, violam também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
80. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
81. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.
82. Na interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do Sector Bancário e à cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio, tais cláusulas são MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.
83. A douta Sentença recorrida deve, pelos fundamentos expostos, ser revogada, concedendo-se provimento ao Recurso e, consequentemente, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos.
84. Ao decidir como decidiu, violou a douta Sentença recorrida o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - Data de Distribuição: 24/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Montepio, (BTE n.º 8 de 28/02/2017 -Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
Termos em que, concedendo provimento a esta Apelação e, consequentemente, alterando a matéria de facto conforme peticionado, e quer pela ILEGALIDADE da decisão – por via da INTERPRETAÇÃO das normas ou da integração de lacuna -, quer por via da INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL das cláusulas 136.ª do anterior ACT do setor bancário e da cláusula 98.ª do ACT do Montepio, na interpretação que lhes deu a douta Sentença recorrida, julgando a ação totalmente improcedente,
Ainda que assim não fosse – não concedendo – sempre a Apelação deve proceder no que respeita à alteração da matéria de facto, conforme supra exposto, fixando-se que a parte proporcional da pensão do CNP a deduzir pelo Recorrente corresponde a 3 anos e não a 1 ano.
Assim, farão V. Exas, JUSTIÇA!»
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando o autor pela total improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Recebidos os autos nesta Relação, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (em suma): Considerando que no tocante à matéria de facto deve ser atendido o requerido no ponto I, corrigindo-se de modo a corresponder ao teor do facto 13 da petição inicial (como alegado pelo recorrente, com os argumentos de facto pelo mesmo expendido, sendo certo que resulta peticionado e bem assim decorre do documento indicado), sendo irrelevante o demais para o objecto da acção (atento o modo como a acção foi configurada pelo autor); Considerando que no tocante à subsunção ao direito aplicável não merece qualquer censura a sentença recorrida (sufragando a jurisprudência maioritária segundo a qual a dedução da pensão a que se refere a cláusula 98º do ACT para a ré/Caixa Económica Montepio Geral deve ser feita, apenas, com base no critério do tempo de contribuições para a Segurança Social (pro rata temporis) e não vislumbrando a alegada inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 63 n.º 4 da CRP).
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente [conforme preveem os artigos 635.º, n.º 4, 637º, nº 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante com a abreviatura CPC), aplicáveis “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (doravante com a abreviatura CPT)] – sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras [conforme prevê o art.º 608º, n.º 2, parte final, aplicável “ex vi” do art.º 663º, n.º 2, parte final, do CPC aplicáveis “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do CPT ] – as questões a decidir são as seguintes:
1ª – Deve ser eliminado o facto l), alterado o valor constante do facto n) e aditado mais um facto provado?
2ª – O cálculo do valor a reter pela ré (aquando do pagamento da pensão de reforma do autor) deve fazer-se em função da diferença de valores (entre a pensão a seu cargo e a pensão a cargo do CNP) relativamente ao mesmo período temporal e ao valor das respectivas retribuições recebidas durante o mesmo?
3ª – Deve a proporção a considerar ser de 3 anos (e não de 1 ano) em 14 anos?
Fundamentação de facto
Ficou assente pela 1ª instância e de forma incontroversa a seguinte factualidade provada (transcrição):
a) A ré é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária.
b) A ré participou nas negociações e outorgou o ACT para a Caixa Económica Montepio Geral publicado no BTE nº 8 de 28-2-2017, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.
c) O autor encontra-se filiado no Mais Sindicato, que também usou Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, onde figura como sócio n.º ....
d) O autor foi trabalhador da ré entre 09-02-1981 e 30-11-2011, data em que passou à situação de reforma por invalidez presumível no sector bancário.
e) O autor de 05/1965 a 08/1970, de 07/1974 a 01/1976 e de 01/1978 a 02/1981 efectuou descontos para Segurança Social decorrentes da prestação de actividade dependente remunerada a entidade não bancária.
f) De 02/1981 a 12/2010 o autor, enquanto trabalhador bancário, efectuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB).
g) A partir de Janeiro de 2011 o autor, enquanto trabalhador bancário, passou a descontar para Segurança Social, até passar à situação de reforma em 30-11-2011.
h) O autor foi informado pelo Centro Nacional de Pensões, por carta datada de 16-09-2019, que o requerimento de pensão oportunamente apresentado tinha sido deferido, sendo-lhe reconhecido o direito a pensão por velhice com início em 01-09.2019, sendo o seu valor de 281,00€.
i) Tal valor foi sendo actualizado anualmente sendo, à data de instauração da acção, de 321,83€.
j) O autor remeteu à ré o deferimento da sua pensão por velhice enviando a informação do Centro Nacional de Pensões.
[l) Alvo de impugnação]
l) O autor passou à situação de reforma integrado no nível 10 do ACT para a Caixa Económica Montepio Geral.
m) À data da instauração da acção (10-05-2023) a ré entregava ao autor uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com o valor de pensão base de 1 107,03€, diuturnidades no valor de 256,98€ e complemento no valor de 262,12€.
n) À data da instauração da presente acção a ré deduz à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de € [Valor alvo de impugnação] .
o) De um valor total pago pelo Centro Nacional de Pensões de 14 871,34€ a ré descontou um total 3 067,06€, sendo 79,21€ de retroactivos em 2019, 59,36€ em Outubro e Dezembro de 2019, 79,21€ em Novembro de 2019, 118,72€ nos meses de Janeiro de 2020, 2021,2022 e 2023, 118,72€ nos meses de Novembro de 2020, 2021 e 2022, e 59,36€ em cada um dos restantes meses de 2020, 2021 e 2022 e em Fevereiro a Abril de 2023. »
Apreciação das questões recursivas
1ª questão – Deve ser eliminado o facto l), alterado o valor constante do facto n) e aditado mais um facto provado?
A recorrente/ré considera que deve ser eliminada a alínea l) [que tem os seguintes dizeres: « l) A ré notificou o autor para a reversão a favor do Montepio do período respeitante à integração do período de descontos previdenciais posteriores a Janeiro de 2011.»] por, alegadamente, não haver nos autos qualquer prova que a sustente.
Compulsados os autos, constata-se que tal matéria factual foi alegada pelo autor no art.º 11º da petição inicial e que a ré aceitou, expressamente, no art.º 132º da contestação.
Pelo que, conjugando o regime contido no art.º 574º do CPC e no art.º 358º do Código Civil, bem andou a Exmª juiz da 1ª instância em dar como provada tal factualidade aceite/confessada pela ré, judicialmente, na respectiva contestação firmada pelo respectivo procurador especialmente autorizado, e com força probatória plena contra a confitente.
Por isso, não tendo provimento esta parte do recurso em apreço.
A recorrente/ré considera que deve ser alterado o valor constante da alínea n) [que tem os seguintes dizeres: «n) À data da instauração da presente acção a ré deduz à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de 321,83€.»] por, alegadamente, ser no valor de € 59,36 conforme ambas as partes referem, respectivamente, no art.º 13º da petição inicial e no art.º 135º da contestação e nomeadamente consta do recibo de vencimento do autor junto como documento 3 daquele articulado.
Compulsados os autos, constata-se que, efectivamente, tal valor foi o alegado pelo autor no art.º 13º da petição inicial e pela ré no art.º 135º da contestação.
Pelo que, à luz do disposto no art.º 249º do Código Civil, trata-se de um manifesto erro de escrita e que importa corrigir, por forma a que, doravante, nessa alínea n) onde consta “…321,83€…”, passe a ler-se «59,36€».
Nesta conformidade, tendo provimento esta parte do recurso.
A recorrente/ré considera que dever ser aditado um facto provado [com a pretendida alínea e pretendidos dizeres: “p) O período de serviço militar de 1 ano e 8 meses do Autor foi contado pelo Réu para efeitos de reforma no sector bancário “] por alegadamente constar do teor dos documentos 10 e 11 juntos e aludidos no art.º 144º da contestação.
Compulsados os autos, constata-se que, efectivamente, do teor dos documentos nºs 10 e 11 juntos com a contestação (cuja genuinidade, nos termos dos arts. 444º e 446º do CPC, não foi posta em causa pelo autor) resulta comprovada a seguinte factualidade que (atento o seu relevo para a decisão da causa) deve ser aditada aos factos assentes na sentença, nesta conformidade:
«p-A) O autor cumpriu serviço militar obrigatório entre 17/7/1974 e 3/5/1976;
p-B) O autor requereu à ré que as contribuições relativas a esse período lhe fossem descontadas na retribuição para o respectivo Fundo de Pensões;
p-C) A ré contou para efeitos de reforma do autor o período de 20 meses de serviço militar prestado por este.»
Por isso, tendo provimento esta parte do recurso.
2ª questão – O cálculo do valor a reter pela ré (aquando do pagamento da pensão de reforma do autor) deve fazer-se em função da diferença de valores (entre a pensão a seu cargo e a pensão a cargo do CNP) relativamente ao mesmo período temporal e ao valor das respectivas retribuições recebidas durante o mesmo?
A recorrente/ré considera que o critério a aplicar não deve ser apenas o factor temporal, mas sim uma ponderação do factor tempo com o factor retribuições recebidas pelo autor nesse mesmo período temporal.
Desde já se adianta que – salvo o devido respeito – não lhe assiste qualquer razão.
Conforme já salientaram quer a Exma. Juiz da 1ª instância, quer o autor, quer a Digna Procuradora-Geral Adjunta (tudo nos termos já referidos, constantes dos autos e aqui dados como reproduzidos), trata-se de uma questão já tão apreciada de forma exaustiva, pacífica e uniforme por toda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que (desde há vários anos) já deixou de ser controvertida.
Vejamos o que dispunha a cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (publicado no BTE nº 3 de 22/1/2011):
«Cláusula 136.ª - Âmbito
1 — As instituições de crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta secção aos respectivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste acordo.
2 — Para efeitos da 2.ª parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17.ª e 143.ª
3 — As instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social as mensalidades a que por este acordo tiverem direito, entregando estes à instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de segurança social a título de benefícios da mesma natureza.»
Vejamos o que dispõe a cláusula 98ª do Acordo Colectivo de Trabalho entre a Caixa Económica Montepio Geral e outros e a Federação do Sector Financeiro - FEBASE e outro (publicado no BTE nº 8, de 28/2/2017):
«Cláusula 98.ª - Garantia de benefícios e articulação de regimes
1- As instituições subscritoras garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 96.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições subscritoras a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.
2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 107.ª
3- Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respetivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições subscritoras logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação. (…) »
Desta forma, no sector bancário (onde a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários fora extinta, com integração no Instituto da Segurança Social, I.P. por imposição do D.L. nº 1-A/2011, de 3-1, com efeitos a partir de 1/1/2011) se visava e visa evitar que o mesmo trabalhador bancário auferisse uma dupla reforma por velhice – paga pela entidade bancária e paga pelo Centro Nacional de Pensões – relativamente ao mesmo período de desconto para o regime geral da Segurança Social enquanto trabalhador de instituição bancária.
Assim se evitando um enriquecimento sem causa (previsto no art.º 473º do Código Civil) do trabalhador do sector bancário, por duplicação de benefícios da mesma natureza e relativamente ao mesmo período temporal, indevidamente recebidos.
Aliás, este regime convencional [enquanto fonte específica de normas aplicáveis aos contratos individuais de trabalho existentes no sector bancário – conforme a previsão do art.º 12º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (aprovado pelo D.L. nº 49 408, de 24-11-1969) que vigorou até 30/11/2003 e conforme a previsão do art.º 1º do Código do Trabalho (doravante CT) em qualquer das redacções vigentes desde 1/12/2003 em diante] estava e está em consonância com o art.º 67º, nº 1, da Lei nº 4/2007 de 16-1 (com a redacção dada pela Lei nº 83-A/2013, de 30-12) que – a propósito das bases gerais do sistema de segurança social – prevê, expressamente:
«Artigo 67º - Acumulação de prestações
1 - Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.»
Ora, não sendo cumuláveis/sobreponíveis entre si as pensões de reforma por velhice pagas, por um lado, pela instituição bancária e, por outro lado, pelo Centro Nacional de Pensões, referentes ao mesmo trabalhador bancário e ao mesmo período temporal de trabalho no sector bancário em que este efectuara descontos para a Segurança Social, este factor temporal é o único que importa como referência para o efeito.
Não se descortinando, no supra-transcrito regime convencional que (em termos literais, teleológicos, sistemáticos ou quaisquer outros) haja qualquer outra ponderação e/ou correcção a ser feita no valor a descontar/reter pela instituição bancária - nomeadamente qualquer ponderação do valor das retribuições sobre as quais incidiram aquelas contribuições (nos termos defendido pela ré/recorrente).
Sendo de salientar – o que a recorrente/ré olvida ou quer que seja olvidado – que a pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões obedeceu ao regime contido no Decreto-Lei nº 187/2007, de 10-5 (incluindo com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 16-A/2021, de 25-2) que definiu e regulamentou o regime de protecção na velhice dos beneficiários do regime da Segurança Social, cujos arts. 26º e 28º consignam expressamente:
«Artigo 26º - Montante
1 - A pensão estatutária é a que resulta da aplicação das regras de cálculo da pensão.
2 - O montante mensal da pensão estatutária é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo factor de sustentabilidade, nos termos previstos na presente secção.»,
«Artigo 28º - Remuneração de referência
1 - A remuneração de referência para efeitos do cálculo das pensões é definida pela fórmula TR/(n x 14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas, nos termos do artigo anterior, de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
2 - Quando o número de anos civis com registo de remunerações for superior a 40, considera-se, para apuramento da remuneração de referência, a soma das 40 remunerações anuais, revalorizadas, mais elevadas.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a remuneração de referência, para efeitos de determinação de P1, a que se refere o artigo 33.º, é definida pela fórmula R/140, em que R representa o total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondam as remunerações mais elevadas, compreendidos nos últimos 15 anos da carreira contributiva até ao mês de início da pensão, com registo de remunerações.
4 - Nos casos em que o número de anos civis com registo de remunerações seja inferior a 10, a remuneração de referência a que alude o número anterior obtém-se dividindo o total das remunerações registadas pelo produto de 14 vezes o número de anos civis a que as mesmas correspondam.
5 - Quando, pela natureza e antiguidade dos registos de remunerações existentes nas instituições de segurança social, se não mostrar tecnicamente possível a aplicação dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 3, são considerados os valores convencionais de remunerações fixados na Portaria n.º 56/94, de 21 de Janeiro, nos termos nesta estabelecidos e sem prejuízo da possibilidade aí prevista de os beneficiários comprovarem, relativamente a todos os anos a que a mesma se aplique, os valores das remunerações efectivamente auferidas e que sejam base de incidência contributiva para a segurança social. »
Isto é, a pensão fixada pelo Centro Nacional de Pensões já ponderou a remuneração de referência do respectivo trabalhador e tendo como base as remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva do respectivo trabalhador e o número de anos civil com registo de remunerações, nos termos de todas estas sobreditas correcções e ajustamentos legalmente fixados.
Por isso, se fosse acolhido o entendimento da ré/instituição bancária/ recorrente (no sentido de uma segunda/acrescida ponderação do valor das retribuições recebidas pelo mesmo trabalhador durante o período temporal em apreço já abrangido pela ponderação de toda a carreira contributiva) aquela sobredita diferença - destinada a evitar o enriquecimento sem causa do respectivo trabalhador - redundaria num enriquecimento sem causa da ré/instituição bancária recorrente (nos termos da definição contida no art.º 473º do Código Civil).
Pois, aproveitar-lhe-ia (a esta empregadora/instituição bancária) outro factor, sem qualquer fundamento (quer convencional quer legal) e relativamente ao qual o montante da pensão (do Centro Nacional de Pensões a favor desse trabalhador) já havia atendido e relativamente ao qual esse mesmo trabalhador já havia contribuído com os respectivos descontos, e geraria uma inerente sobreposição valorativa em prejuízo, injustificado, deste trabalhador.
Em suma, não há qualquer dúvida de que é o factor temporal o único que releva.
Sendo durante essa respectiva duração temporal (em que um trabalhador esteve a trabalhar no sector bancário, também, efectuando descontos para o regime geral da Segurança Social) que houve uma inequívoca/indiscutível sobreposição e relativamente a esse hiato temporal é que importará descontar, na pensão de reforma por velhice a cargo da instituição bancária, o valor da pensão de reforma por velhice pago pelo Centro Nacional de Pensões ao mesmo trabalhador.
Estando o cumprimento do sobredito regime (quer convencional quer legal) a dar cumprimento ao desiderato constitucional de aproveitamento integral do tempo de serviço para cálculo da pensão de reforma por velhice.
Como sabemos, o art.º 63º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (sob título “Segurança social e solidariedade” integrado no Capítulo dos “Direitos e deveres sociais”) consigna: «4 - Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado
Seguindo de perto a interpretação de Gomes Canotilho e Vital Moreira (em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª edição, pág. 819), em termos técnicos, pretende-se o aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias actividades e respectivos descontos para os diversos organismos da Segurança Social, impondo-se a prorratização, isto é, a totalização dos períodos de seguro e a repartição das cargas prestacionais de acordo com a duração dos períodos cumpridos em cada um dos sistemas.
Posto isto, é tempo de voltar aos autos em apreço.
Conforme ficou assente, o autor teve a seguinte carreira contributiva:
- De 05/1965 a 08/1970, de 07/1974 a 01/1976 e de 01/1978 a 02/1981, o autor efetuou descontos para a Segurança Social decorrentes do exercício de actividade dependente remunerada a entidade não bancária. Sendo que no período entre 17/7/1974 e 3/5/1976 o autor cumprira serviço militar;
- De 02/1981 a 12/2010, o autor, enquanto trabalhador bancário, efetuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB);
- A partir de 1/1/2011 (com a extinção da CAFEB por integração no Instituto da Segurança Social, I.P.), o autor passou a descontar, enquanto trabalhador bancário, para a Segurança Social, até passar à situação de reforma por invalidez presumível no sector bancário, em 30/11/2011 (integrado no nível 10 do aludido ACT);
- Desde esta última data, passando a receber uma pensão de reforma paga pela ré. Pensão esta para a qual, também, contou o período de 20 meses de serviço militar que o autor havia prestado e relativamente ao qual, a pedido do autor, a ré efectuara descontos, na respectiva retribuição, para o Fundo de Pensões;
- Desde 1/9/2019, o autor passou a ser reformado por velhice, recebendo do Centro Nacional de Pensões uma pensão por velhice (abrangendo a totalidade dos anos civis que o autor descontou para o regime geral – quer nos anos que antecederam a prestação no sector bancário quer no ano em que sucedeu a integração do CAEFB na Segurança Social).
Havendo duas pensões de reforma reportadas ao mesmo período temporal, ao mesmo trabalho prestado pelo mesmo trabalhador e tendo havido a correspectiva contribuição do trabalhador para cada uma delas, através dos respectivos descontos que este trabalhador suportara/efectuara na sua remuneração laboral ilíquida durante esse mesmo hiato temporal.
Por isso, é acertada a decisão da Exmª Juiz da 1ª instância ao considerar que o autor tem direito a receber a pensão unificada de velhice por todo o tempo de trabalho prestado (14 anos de carreira contributiva), a cargo do Centro Nacional de Pensões. Sendo aplicada a regra “pro-rata temporis” ou regra de três simples pura no apuramento da respectiva parte da pensão do Centro Nacional de Pensões a entregar, ao Banco/ré.
Não se vislumbra que a decisão recorrida tenha efectuado uma errada interpretação das aplicáveis e aludidas cláusulas do respectivo ACT que se sucederam no tempo e com regime convencional similar.
Pois, conforme já vimos, a pensão de reforma por velhice do autor é uma só/unificada, em função da totalidade da respectiva carreira contributiva do autor, quer dentro quer fora do sector bancário, e para a qual o autor, também, sempre efectuou descontos.
Não sendo de confundir nem devendo ser confundidas as regras de formação do valor da pensão única de reforma (por velhice) com regras de repartição do valor dessa pensão em função do tempo de trabalho prestado ao serviço de uma instituição bancária empregadora e ao serviço de outras entidades patronais.
Não se vislumbrando que haja qualquer lacuna/omissão em tais normas convencionais a propósito da aplicação dessas regras no tocante ao apuramento da aludida diferença/parte da pensão do Centro Nacional de Pensões a entregar à instituição bancária empregadora/ré.
Pois esse acordo colectivo de trabalho exprimiu aquilo que, exactamente, foi pretendido [como fonte interna especifica de direito para as relações individuais de trabalho desse sector de actividade] para impedir um duplo benefício da mesma natureza e relativamente ao mesmo período temporal.
Bastando para este efeito (de evitar essa sobreposição/acumulação de pensões, já calculadas nos termos legais, relativamente a esse período temporal) obter a diferença através da regra proporcional ao tempo em causa [regra de três simples pura/”pro-rata temporis” como era esta expressão de origem latina], reportada a esse mesmo concreto período temporal e, assim, sanando-se essa acumulação durante esse hiato temporal.
Não se vislumbrando que qualquer uma dessas cláusulas atente contra o art.º 63º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
Pois, conforme já vimos, é atendido o respectivo tempo de trabalho do autor (incluindo prestação de serviço militar obrigatório) e, durante a sua carreira contributiva, todo o tempo de trabalho tem igual peso ou igual importância para a formação da respectiva pensão deste trabalhador.
E, aliás, para a qual o trabalhador, também, contribuiu através dos descontos que o mesmo efectuou.
Em suma, esta parte do recurso em apreço não é credora de qualquer provimento.
3ª questão – Deve a proporção a considerar ser de 3 anos (e não de 1 ano) em 14 anos?
A recorrente/ré requereu que nesse período temporal fosse ponderado (para além do período de 11 meses), também, o hiato de tempo (de 20 meses) relativo ao serviço militar prestado pelo autor e relativamente ao qual, a pedido deste, também a ré efectuara descontos para o respectivo Fundo de Pensões.
Ora, tendo em conta a sobredita factualidade aditada aos factos assentes da sentença da 1ª instância, a proporcionalidade temporal a atender, no caso em apreço, tem de ponderar não só o período de descontos efectuados pelo autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário (durante 11 meses), como também o período de descontos efectuados pelo autor, para o Fundo de Pensões da ré, relativamente à prestação de serviço militar obrigatório (durante 20 meses), perfazendo 31 meses.
Pois, como sabemos, na sequência da legislação que anteriormente regulava a mesma matéria, o Dec. Lei nº 187/2007 de 10-5 (em vigor à data da atribuição da pensão em apreço nos autos) estabelece no seu art.º 48º (sob o título «Contagem de tempo de serviço militar obrigatório»):
“1 - O tempo de serviço militar obrigatório é contado, a requerimento dos interessados, aos beneficiários ativos ou pensionistas que:
a) À data da prestação desse serviço não estivessem abrangidos por regimes de segurança social, em termos de conferirem direito ao registo de remunerações por equivalência à entrada de contribuições;
b) Não tenham usufruído da contagem do referido tempo para efeito de qualquer outro regime, ainda que de outro sistema de proteção social.
2 - A contagem de tempo, a que se refere o número anterior, faz-se nos termos gerais e produz efeitos exclusivamente na taxa de formação da pensão.
A prestação de serviço militar obrigatório (que praticamente não era remunerado) assumia enorme relevância social, a ponto de o legislador considerar o tempo da sua prestação como período contributivo para efeito do cálculo da pensão de reforma, independentemente do valor das contribuições efetivamente efectuadas, ou não, durante tal período.
Voltando ao caso em apreço e na sequência de requerimento por parte do autor/pensionista/recorrido, o período de prestação de serviço militar obrigatório foi tido em conta quer pela Segurança Social quer pela ré/recorrente, tendo o autor efectuado os respectivos descontos.
Impondo-se fazer este ajuste temporal, para evitar a sobredita duplicação de prestações emergentes do mesmo facto.
Pelo que, ponderando este período de 31 meses naqueles 14 anos totais, corresponde-lhes a percentagem de 18,45% contabilizáveis para a ré e sendo o restante (na percentagem de 81,55%) para o autor/recorrido.
Nesta conformidade, havendo parcial procedência desta questão recursiva.
Decisão
Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
I – Rectificar o erro de escrita quanto ao valor contido na alínea n) dos factos provados da sentença, passando a ler-se «n) À data da instauração da presente acção a ré deduz à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de 59,36.»;
II – Aditar aos factos provados da sentença as seguintes alíneas com o seguinte teor respectivo:
«p-A) O autor cumpriu serviço militar obrigatório entre 17/7/1974 e 3/5/1976;
p-B) O autor requereu à ré que as contribuições relativas a esse período lhe fossem descontadas na retribuição para o respectivo Fundo de Pensões;
p-C) A ré contou para efeitos de reforma do autor o período de 20 meses de serviço militar prestado por este.»
III – Reconhecer ao autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 18,45%, correspondente ao período de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário e que prestara serviço militar obrigatório;
IV – Quanto ao mais, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento que se fixa em 20% para o autor e 80% para a ré (art.º 527.º, nºs 1 e 2 do CPC e art.º 6º, nº 2, do RCP e Tabela I-B anexa).
Notifique.
(Este acórdão foi elaborado pela relatora, revisto e assinado por todas digitalmente)

Lisboa, 10 de Abril de 2024
Paula de Sousa Novais Penha
Alda Martins
Maria José Costa Pinto