PROPRIEDADE INTELECTUAL
OBTENÇÃO DE PROVA
MEDIDAS DE PRESERVAÇÃO DA PROVA
PATENTE EUROPEIA
OPOSIÇÃO
Sumário

I - As medidas previstas pelos arts. 339.º e 340.º do CPI visam a salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, seja na perspectiva de obtenção de prova que se encontre na disponibilidade da parte contrária ou de terceiros, seja na perspectiva de preservação de elementos de prova que corram o risco de se dissipar relativos a uma alegada violação destes direitos.
II - A protecção dos direitos de propriedade industrial decorre de se atribuir ao seu titular a faculdade de obter ou de preservar elementos de prova essenciais à instrução ou à decisão de procedimentos judiciais, com essa finalidade, que já estejam pendentes ou que ainda venham a ser instaurados. 
III - As medidas de obtenção de prova previstas pelo art.º 339.º do CPI devem ser decretadas desde que existam “(…) indícios suficientes da violação do direito de propriedade industrial ou de segredos comerciais (…)”, o que significa que a lei não exige um juízo de certeza e que se satisfaz com um juízo de probabilidade razoável sobre a violação do direito de propriedade industrial.
IV - Por seu turno, como as medidas de preservação da prova, previstas pelos arts. 340.º e 341.º do CPI, consubstanciam uma autêntica providência cautelar, o juiz deve avaliar o fumus boni iuris, ou seja, deve proceder a uma análise provisória ou perfunctória dos requisitos legais previstos para o seu decretamento, partindo do pressuposto de que a “alegada” violação do direito de propriedade industrial poderá ser dirimida, de modo definitivo, no processo principal.
V - A apresentação de oposição a um patente europeia, cuja titularidade já foi concedida à empresa recorrente, não inviabiliza, por si só, o decretamento das medidas para obtenção e para preservação da prova, atendendo a que, desde logo, não se exige a certeza, mas uma probabilidade razoável, sobre a alegada violação do direito de propriedade industrial.
VI - A patente europeia tem a duração de 20 anos a contar da data do depósito do pedido (art.º 63.º), confere ao seu titular os mesmos direitos que lhe conferiria uma patente nacional concedida nesse Estado (art.º 64.º) e o pedido de patente assegura, provisoriamente, ao requerente, desde a data da sua publicação, os mesmos direitos que são atribuídos ao titular de uma patente nacional (art.º 67.º Convenção de Munique sobre a Parente Europeia).
VII - Isto significa que, entre a apresentação do pedido e a concessão da patente, mostram-se assegurados, ainda que provisoriamente, ao requerente todos as faculdades inerentes a este direito de propriedade industrial. 
VIII - Esses direitos devem manter-se inalterados após a concessão da patente por parte das autoridades competentes (o que pressupõe um exame, que se presume rigoroso, dos requisitos necessários à sua concessão), mesmo que sejam apresentados processos de oposição à sua concessão.  
IX - A apresentação de oposição não restringe nem elimina os direitos do titular da patente, que só cessam caso a patente venha a ser revogada, com fundamento na verificação de algum dos motivos de oposição que estão previstos pelo art.º 100.º da Convenção de Munique sobre a Parente Europeia.

Texto Integral

Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO:
“PRESSES ET CISAILLES LEFORT”, com sede na Rua Tahon 1A, Gosselies, Bélgica, requereu, ao abrigo do disposto nos arts. 339.º e 340.º do CPI, contra “LOURITEX, LDA.”, com sede na Estrada Nacional n.º 361, Lourinhã, as seguintes medidas de obtenção e de preservação de prova:
a) Que seja ordenada uma inspecção à sede da Requerida bem como a armazéns que não se localizem na sua sede, e exame às máquinas designadas pela Requerida por “Mobile Shear, 500, 600 e 700 tons – on Tracks”, a realizar por agente de execução, de modo a recolher as seguintes informações:
Relativamente às características 4, 5 (Reiv.12) e 11, 12 (Reiv.1):
1) Elemento Empurrador (“pusher” ou “pusher ram” usado na documentação da Louritex (“Doc. n.º 6”))
a. Este elemento é atuado por um motor hidráulico?
ou
b. Este elemento é um empurrador hidráulico?
se a resposta for sim,
c. A máquina recorre a um sistema hidráulico para alimentar os atuadores e motores hidráulicos do empurrador, das lâminas e da prensa?

Relativamente à característica 8 (Reiv.12) e 15 (Reiv.1):
2) Elemento Controlo Remoto
a. Como é controlado a deslocação da máquina? e
b. O controlo remoto está configurado para comandar as operações da prensa de corte e o seu movimento?
b) Que seja ordenado o acesso a toda a documentação técnica – aqui se incluindo desenhos técnicos e manuais de funcionamento – dos produtos com a designação “Mobile Shear, 500, 600 e 700 tons – on Tracks”;
c) Que seja ordenado que a Requerida preste informações sobre as quantidades produzidas, fabricadas, comercializadas, exportadas e utilizadas das máquinas em causa, bem como sobre os compradores e preço obtido com aquelas actividades;
d) Que seja ordenado que a Requerida apresente todos os documentos contabilísticos e comerciais (facturas, notas de encomenda, guias de remessa, documentos alfandegários, etc.) relativos à produção, fabrico, comercialização, importação e/ou utilização de todas as máquinas designadas pela Requerida por “Mobile Shear, 500, 600 e 700 tons – on Tracks”;
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Por decisão proferida no dia 10-05-2023, o Tribunal da Propriedade Intelectual – J2, ordenou a realização das pretendidas medidas de obtenção e de preservação de prova, ao abrigo do disposto nos arts. 339.º, n.º 1 e 340.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPI, em virtude de ter considerado que se mostra “(…) sobejamente justificado a necessidade da célere preservação de provas da alegada violação e do receio da sua destruição pela entidade infractora (…)”.
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Inconformada com a decisão proferida, a requerida “LOURITEX, LDA.” veio apresentar “impugnação” no dia 31-07-2023, em que pediu que seja ordenada a revogação das medidas já decretadas e que seja determinada a devolução de todos os meios probatórios entretanto adquiridos.
De uma forma mais detalhada, a requerida “LOURITEX, LDA.” solicitou ao tribunal de primeira instância que se dignasse a:
a) revogar as medidas de preservação e obtenção da prova já decretadas e o não decretamento das que estiverem ainda pendentes, com devolução de todos meios probatórios entretanto adquiridos, por falta de direito da Requerente por invalidade da patente, falta de âmbito de proteção das reivindicações e falta de produção e venda pela requerida, de qualquer máquina que viole a “patente” da Requerente;
b) declarar a nulidade (ou então a mera invalidade) da patente por falta dos requisitos substantivos de novidade e actividade inventiva;
c) ordenar a suspensão do processo por força da existência de causa anterior cujos efeitos da sua procedência serão a revogação da patente;
d) decidir pela falta de cumprimento dos ónus previstos no n.º 1 do art.º 339.º do CPI de alegação e demonstração da necessidade de se recorrer á autoridade do tribunal para se obter provas e da impossibilidade de se obter tais provas sem esse recurso e, consequentemente, ordenar a revogação das medidas decretadas e ou o não decretamento das que estiverem ainda pendentes, com devolução de todos meios probatórios entretanto adquiridos;
e) decidir pela impropriedade do meio processual usado, tendo em conta que as provas requeridas se coadunam com o previsto no art.º 429.º do CPC e não com as medidas do CPI;
f) decidir pela falta de audiência prévia da requerida prevista no n.º 3 do art.º 339.º do CPI e, consequentemente, ordenar a revogação das medidas decretadas e ou o não decretamento das que estiverem ainda pendentes, com devolução de todos meios probatórios entretanto adquiridos;
g) decidir pela falta de cumprimento dos ónus previstos no n.º 1 do art.º 340.º do CPI de alegação e demonstração da violação do direito e do periculum in mora e, consequentemente, ordenar a revogação das medidas já decretadas, com devolução de todos meios probatórios entretanto adquiridos;
h) ordenar a revogação das medidas já decretadas, com devolução de todos meios probatórios entretanto adquiridos, por falta de cumprimento dos ónus previstos no n.º 1 do art.º 341.º do CPI de alegação e de demonstração da existência de risco sério de destruição ou ocultação da prova.
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 Por despacho proferido no dia 04-01-2024, o Tribunal da Propriedade Intelectual – J2 decidiu revogar as medidas de obtenção e de preservação de prova, em virtude da “PRESSES ET CISAILLES LEFORT” não ter comprovado a titularidade definitiva da patente, que foi objecto de oposição.
Nesse despacho, deixou-se, em síntese, consignado o seguinte:
“Estatui o art.º 99.º da Convenção Europeia de Patentes que, “no prazo de nove meses a contar da publicação da menção de concessão da patente europeia no Boletim Europeu de Patentes, qualquer pessoa pode fazer oposição a essa patente europeia junto do Instituto Europeu de Patentes de acordo com o Regulamento de Execução.”
Dos documentos juntos pela Requerida mostra-se comprovado a interposição tempestiva de oposição no Instituto Europeu de Patentes, à concessão da patente titulada pela Requerente.
Ora, de acordo com o n.º 2 do mencionado artigo, “a oposição à patente europeia afecta essa patente em todos os Estados Contratantes em que a patente produz efeitos.” Ou seja, face às oposições deduzidas, a Requerente não goza de uma proteção senão meramente provisória até decisão definitiva e por essa via, embora tenha alguma proteção nos termos do art.º 5.º, n.º 1 do Código de Propriedade Industrial, também por força do preceituado nesse mesmo preceito, mas com base no número 4, não pode a Requerente obter uma decisão sem que esteja definitivamente decidida a questão da concessão da patente.
Assim sendo, e pelos mesmos fundamentos, o mesmo se há-de verificar em sede de procedimento cautelar.
Neste mesmo sentido, veja-se o acórdão de 4-6-2019, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 649/19.8YRLSB.L1-7.
Aliás, conforme decorre dos factos acima apurados, quando a Requerente intentou o presente procedimento, já a oposição à concessão da patente tinha sido interposta, pelo que não se mostrava definida de forma definitiva a titularidade da patente de que se arroga (…)”
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A requerente “PRESSES ET CISAILLES LEFORT” veio a interpor recurso desta decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual – J2, pedindo que seja revogada e que seja substituída por outra que mantenha o decretamento das medidas de obtenção e de preservação da prova por si requeridas.
Termina o recurso com a apresentação das seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem interposto da Decisão proferida pelo Tribunal a quo, que revogou as medidas de obtenção e preservação da prova previamente ordenadas através do Despacho de fls._, datado de 10.05.2023.
B. Tendo o Tribunal a quo, na sua Decisão notificada às Partes a 5 de Janeiro de 2024, junta ao processo a fls._, decidido que não se mostrando comprovada a titularidade definitiva da patente, - que foi objecto de oposição-, e tendo sido o pressuposto do deferimento do presente procedimento essa titularidade, revogo as medidas de obtenção e preservação da prova ordenadas. Custas pela Requerente que a elas deu lugar.
C. Concluindo que “(…) face às oposições deduzidas, a Requerente não goza de uma proteção senão meramente provisória até decisão definitiva e por essa via, embora tenha alguma proteção nos termos do art.º 5.º, n.º 1, do CPI, também por força do preceituado nesse mesmo preceito, mas com base no número 4, não pode a Requerente obter uma decisão sem que esteja definitivamente decidida a questão da concessão da patente.”
D. Salvo o devido respeito, a ora Apelante não pode concordar com a decisão da Mm.ª Juiz em questão por considerar que o entendimento perfilhado pelo Douto Tribunal a quo não se encontra correcto à luz dos critérios legais aplicáveis ao caso em apreço, pelas razões que adiante se exporão.
E. A Patente Europeia n.º 3405333, da qual é titular, sob a epígrafe “Método de trabalho para processamento de sucata metálica num centro de reciclagem de sucata, e prensa de cisalhamento ou prensa ou cisalhas empregues neste método”, foi pedida em 9 de Janeiro de 2017 (reivindicando a prioridade da patente BE 201605052 de 22.01.2016), tendo sido concedida em 28 de Setembro de 2022 e validada em Portugal em 31 de Outubro de 2022, sendo a sua data-limite de vigência o dia 9 de Janeiro de 2037, cfr. Certificado de Patente, que se juntou como “Doc. n.º 3” com o Requerimento Inicial.
F. Ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, resultou totalmente comprovada nos presentes autos a titularidade definitiva da patente europeia n.º 3405333 da ora Apelante.
G. O Tribunal a quo considerou que a existência de oposições apresentadas junto do Instituto Europeu de Patentes, confere à ora Apelante uma proteção meramente provisória (…) nos termos do art.º 5.º, n.º 1 do CPI.
H. No entanto, e enquanto inexistir uma decisão do IEP que revogue a anterior decisão de concessão de uma patente europeia, esta mantém-se válida e em vigor e sem qualquer limitação no que aos direitos conferidos pelo art.º 102.º do Código da Propriedade Industrial (adiante CPI), por força do art.º 64.º da Convenção da Patente Europeia diz respeito
I. Uma vez concedida, a patente europeia n.º 3405333 foi validada em Portugal a 31 de Outubro de 2022, nos termos do art.º 81.º do CPI, cfr. Certificado de Patente, que se juntou como “Doc. n.º 3” com o Requerimento Inicial.
J. Tendo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P. (adiante INPI) procedido à publicação, no Boletim da Propriedade Industrial (adiante, BPI) n.º 217/2022 de 2022.11.08 (cfr. Certificado de Patente, que se juntou como “Doc. n.º 3” com o Requerimento Inicial), de um aviso relativo à remessa das traduções referidas no art.º 81.º, contendo as indicações necessárias à identificação da patente europeia e a eventuais limitações, nos termos do n.º 1 do art.º 84.º do CPI.
K. Produzindo assim a patente europeia n.º 3405333 a totalidade dos seus efeitos em território nacional.
L. Sendo inaplicável a esta situação, como, erradamente, entendeu o Tribunal a quo, o art.º 5.º, n.º 1, do CPI, respeitante à protecção provisória, que é conferida a pedidos de patente e não a patentes já concedidas e posteriormente objecto de validação, como o caso da patente europeia n.º 3405333, que gozam, como supra se expôs, de protecção definitiva.
M. A apresentação de uma oposição à concessão de uma patente europeia junto do IEP, faz iniciar um procedimento independente numa fase pós-concessão, isto é, num momento em que o titular goza, em cada Estado contratante designado, dos mesmos direitos que lhe seriam conferidos por uma patente nacional concedida nesse Estado (cfr. arts. 64.º e 99.º da CPE).
N. E até à decisão da Divisão de Oposição do IEP, que, nos termos do art.º 102.º do CPE, pode ser de revogação da patente, mas também pode ser de manutenção da mesma tal como concedida ou modificada, o titular da patente goza de todos os benefícios que este direito lhe confere, sem qualquer limitação.
O. Para justificar a sua decisão, o Tribunal a quo invoca o art.º 99.º, n.º 2 da Convenção da Patente Europeia, que estabelece que “a oposição à patente europeia afecta essa patente em todos os Estados Contratantes em que a patente produz efeitos.”
P. No entanto, este artigo estabelece apenas o âmbito territorial da oposição – todos os Estados contratantes – e não qualquer limitação derivada da sua simples apresentação.
Q. Ademais, é necessário ter presente que a concessão de patentes implica a presunção da verificação dos requisitos da sua concessão (cfr. art.º 4.º, n.º 2, do CPI).
R. É um facto que, tratando-se de uma presunção juris tantum, ela pode ser ilidida mediante prova em contrário (cfr. art.º 350.º, nº 2, do Código Civil).
S. Porém, admitir e considerar prova do contrário no âmbito de medidas de obtenção e preservação da prova, significaria antecipar a discussão de fundo da causa e exigir a produção plena da prova à Requerente (…) a qual só poderá ter lugar em sede de acção declarativa condenatória, com as garantias respectivas, designadamente do respeito pelo princípio do contraditório.
T. Com efeito, os requisitos de patenteabilidade presumidos pelo acto de concessão da patente não podem ser infirmados através de uma impugnação de medidas de obtenção e preservação da prova.
U. Sendo que, a quase certeza da sua validade, que resulta da presunção instituída no art.º 4.º, n.º 1, do CPI, nunca poderia ser retirada dos elementos probatórios constantes dos presentes autos, que respeitam, unicamente, a três Oposições apresentadas junto do IEP, com fundamentos cujo mérito não foi sequer discutido nos presentes autos.
V. Em face do exposto, esteve mal o Tribunal a quo, na consideração de que não se mostrava comprovada a titularidade definitiva da patente, justificando, desse modo, a revogação das medidas de obtenção e preservação da prova ordenadas.
W. Deste modo, a sentença recorrida acabou por violar o disposto nos arts. 4.º, n.º 2, 102.º, 439.º, 340.º do CPI e 64.º n.º 1 da CPE, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que mantenha o decretamento das medidas de obtenção e preservação da prova requeridas pela ora Apelante (…)”.
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A requerida “LOURITEX, LDA.” respondeu ao recurso interposto, que terminou com a apresentação das seguintes conclusões:
“A) O Tribunal a quo decidiu bem ao relevar a falta de definitividade da patente e, se assim o entendesse, poderia também ter decidido pela revogação das medidas de obtenção e preservação da prova com base noutros fundamentos, como sejam:
a. Inexistência do direito por correrem 3 oposições à patente da Recorrente;
b. Causa prejudicial por força das 3 oposições à patente;
c. Nulidade da patente por falta de novidade e atividade inventiva;
d. Inexistência de violação da patente por parte da Recorrida por não produzir os produtos que a Recorrente diz serem produzidos;
e. Inaplicabilidade do art.º 339.º CPI por falta de alegação da necessidade de recurso ao tribunal para obter os meios da prova;
f. Inaplicabilidade do art.º 340.º CPI por falta de alegação e demonstração do periculum in mora;
g. Inaplicabilidade do art.º 340.º CPI por falta de alegação e demonstração dos danos irreparáveis e do sério risco de destruição ou ocultação da prova por força do atraso na aplicação das medidas;
h. Impropriedade dos meios processuais usados, e;
i. Própria nulidade da decisão de deferimento das medidas para obtenção da prova por falta de audiência prévia da Recorrida;
B) A Recorrente não tem qualquer razão ao proferir o entendimento que da existência de 3 oposições à sua patente não resulta que a mesma não seja definitiva, pelas seguintes razões:
Natureza administrativa do procedimento
C) O processo de concessão de uma patente europeia é um procedimento administrativo que tem 2 fases: uma fase de exame e concessão da patente e outra fase de oposição à patente.
D) Pelo que, enquanto não terminar segunda fase, não há definitividade da patente, logo não há certeza do direito.
Efeitos do Processo de Oposição
E) Finalizado o Processo de Oposição, o IEP pode proferir uma de três decisões: manter, limitar ou revogar a patente – ver art.º 105.º-B do CPE;
f) Pelo que só no fim da segunda fase é que se saberá quais as reivindicações finais e qual o âmbito de proteção final,
G) Podendo estes variar significativamente entre a concessão da patente e a decisão da Divisão de Oposição,
H) Pelo que, enquanto não terminar segunda fase, não há definitividade da patente, logo não há certeza do direito.
Possibilidade do titular da patente alterar a patente
I) Além dos efeitos do processo de oposição, também o próprio titular da patente pode, durante o prazo de oposição, revogar a sua patente, ou alterá-la, para acomodar as críticas dos oponentes – ver arts. 101.º, n.º 3 e 105ª do CPE e decisão G 0003/14 24-03-2015 do Board of Appeals do IEP aqui;
J) Donde se conclui que se durante o processo de oposição, o titular da patente pode limitar as revindicações da sua patente, alterando o seu conteúdo e, necessariamente, o âmbito de proteção, então quer dizer que a definitividade da patente só é alcançada findo o processo de oposição.
K) Pelo que, enquanto não terminar segunda fase, não há definitividade da patente, logo não há certeza do direito.
L) Assim, nada há a apontar à decisão do tribunal a quo, posto que é facto assente que a patente da Recorrente, por estar sob 3 oposições, não é, nem certa, nem definitiva.”
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Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO:                
Como decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Deste modo, compete à parte que se mostra inconformada com a decisão judicial proferida indicar, nas conclusões do recurso que interpôs, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto. 
A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso.
Isto significa que está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas e, por consequência, que os seus poderes de cognição se encontram delimitados pelo recurso interposto no âmbito de um processo da iniciativa das partes.
A iniciativa das partes condiciona a intervenção do tribunal de recurso e delimita os seus poderes de cognição, sem prejuízo do caso julgado já formado e de eventuais questões que possam ser apreciadas a título oficioso.
A recorrente “Presses et Cisailles Lefort” insurge-se com a decisão proferida pelo tribunal a quo, que, no dia 04-01-2024, julgando procedente a “impugnação” apresentada pela recorrida “Louritex, Lda.”, decidiu revogar as medidas de obtenção e de preservação de prova, que, inicialmente, tinham sido decretadas, ao abrigo do disposto nos arts. 339.º e 340.º, ambos do CPI.
A decisão impugnada assenta na argumentação de que o decretamento das medidas de obtenção e de conservação da prova, previstas pelos mencionados dispositivos legais, exige que a titularidade da patente já esteja reconhecida de modo definitivo, o que, no caso vertente, não se verifica, na medida em que a concessão da patente foi objecto de oposição, apresentada nos termos do art.º 99.º da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia.
Como se viu, a recorrente “Presses et Cisailles Lefort” pretendia a obtenção e a preservação de elementos de prova, nos moldes previstos no requerimento inicial, com o intuito de serem utilizados em procedimento judicial que visa a condenação da recorrida “Louritex, Lda.” a abster-se de infringir ou de violar os seus direitos de propriedade industrial.
Os citados arts. 339.º e 340.º do CPI encontram-se inseridos na Secção I do Capítulo IV do Título III do CPI, respeitante a “medidas e procedimentos que visam garantir o respeito pelos direitos de propriedade industrial”.
Perante a sua inserção no CPI, afigura-se incontornável que estas medidas visam a salvaguarda dos direitos de propriedade industrial (v.g. marcas e patentes), seja na perspectiva de obtenção de prova que se encontre na disponibilidade da parte contrária ou de terceiros (art.º 339.º), seja na perspectiva de preservação de elementos prova que corram o risco de se dissipar relativos a uma alegada violação destes direitos (art.º 340.º).  
A protecção dos direitos de propriedade industrial decorre de se atribuir ao seu titular a faculdade de obter ou de preservar elementos de prova essenciais à instrução ou à decisão de procedimentos judiciais, com essa finalidade, que já estejam pendentes ou que ainda venham a ser instaurados. 
Como deixa assinalado Pedro Sousa e Silva, “(…) entre as alterações decorrente da Directiva 2004/98/CE conta-se a tipificação de medidas destinadas à obtenção e à conservação de provas e informações necessárias à instrução dos processos destinados à tutelada dos DPI. Neste sentido, os arts. 339.º a 343.º prevêm diversos mecanismos de obtenção de meios de prova e sua preservação, que podem preceder não só a acção declarativa, mas até o próprio procedimento cautelar. Aliás, embora a lei não os qualifique explicitamente como tal, alguns desses mecanismos constituem verdadeiras providências cautelares, como sucede com as medidas previstas no art.º 340.º do CPI” (in “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, pág. 585, 2.º Edição, Almedina).
O art.º 7.º, n.º 1, da Directiva 2004/98/CE, de 29-04-2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, respeitante a medidas de preservação de elementos de prova no âmbito de direitos de propriedade intelectual, tinha previsto que “(…) antes de se intentar uma acção relativa ao mérito da causa, os Estados-Membros devem garantir que as autoridades judiciais competentes possam, a pedido de uma parte que tenha apresentado provas razoavelmente disponíveis para fundamentar as alegações de que o seu direito de propriedade intelectual foi ou está prestes a ser violado, ordenar medidas provisórias prontas e eficazes para preservar provas relevantes da alegada violação, desde que a protecção das informações confidenciais seja salvaguardada (…)”.
A obtenção de prova que esteja na disponibilidade da parte contrária ou de terceiros encontra, de algum modo, correspondência nos arts. 419.º, 420.º e 429.º, todos do CPC, muito embora esteja sujeita a um regime jurídico distinto.
Como decorre expressamente deste dispositivo, as medidas de obtenção de prova devem ser decretadas desde que existam “(…) indícios suficientes da violação do direito de propriedade industrial ou de segredos comerciais (…)”, o que significa que a lei não exige um juízo de certeza e que se satisfaz com um juízo de probabilidade razoável sobre a violação do direito de propriedade industrial.
Por seu turno, as medidas de preservação da prova, previstas pelos arts. 340.º e 341.º do CPI, consubstanciam uma providência cautelar, ainda que isso não resulte, de modo explícito, deste diploma, destinada à conservação de meios de prova que correm o risco de ser perder relativos a uma alegada violação do direito de propriedade industrial ou de segredo comercial.
Pedro Sousa e Silva pronunciou-se, a este respeito, nos seguintes moldes (vide ob. cit., pág. 586): “Sob a epígrafe de «medidas de preservação da prova», o art.º 340.º instituiu uma verdadeira providência cautelar, semelhante ao arrolamento. Assim, havendo violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial ou de segredo comercial, pode o interessado requerer medidas provisórias urgentes e eficazes que se destinem a preservar provas da alegada violação”.
Como a medida de preservação da prova consubstancia uma providência cautelar, o juiz deve avaliar o fumus boni iuris, ou seja, deve proceder a uma análise provisória ou perfunctória dos requisitos legais previstos para o seu decretamento, partindo do pressuposto de que a “alegada” violação do direito de propriedade industrial irá ser dirimida, de modo definitivo, no processo principal.
Deste modo, enquanto que as medidas previstas pelo art.º 339.º do CPI estão vocacionadas para a obtenção, mediante a intervenção do tribunal, de meios de prova que se encontrem na disponibilidade da parte contrária ou de terceiros, o art.º 340.º, n.º 1, do CPI, centra o enfoque na conservação de meios de prova, que correm o risco de se dissipar, relacionados com uma alegada violação do direito de propriedade industrial ou de segredo comercial.
In casu, conforme se encontra demonstrado nos autos, a recorrente “Presses et Cisailles Lefort” é titular da patente europeia com o n.º 3405333, (que foi requerida no dia 09-01-2017, que foi concedida em 28-09-2022 e que se mostra válida em Portugal desde 31-10-2022), que, não obstante, foi objecto de oposição.
A apresentação de oposição a esta patente europeia, cuja titularidade já foi concedida à recorrente “Presses et Cisailles Lefort”, não impede, por si só, o decretamento das medidas para obtenção e para preservação da prova em referência, atendendo a que, desde logo, não se exige a certeza, mas uma mera probabilidade razoável, sobre a alegada violação do direito de propriedade industrial, que poderá ser dirimida, de modo definitivo, no processo principal.
Isto significa que, pelo menos, existem indícios suficientes de que, neste momento, a empresa “Presses et Cisailles Lefort” é titular de um direito de propriedade industrial, por ser titular da patente europeia com o n.º 3405333, ainda que essa questão jurídica possa vir a ser apreciada no processo principal, levando-se, eventualmente, em consideração as oposições que foram apresentadas.
 A probabilidade séria da existência desse direito de propriedade industrial, decorrente de ser titular da patente europeia com o n.º 3405333, ainda que sujeita a processos de oposição, justifica que a empresa possa recorrer às medidas para obtenção e para preservação da prova, desde que cumpridos os demais requisitos legais previstos pelos mencionados arts. 339.º e 340.º do CPI.   
O art.º 339.º do CPI fala expressamente em “indícios suficientes de violação do direito de propriedade industrial”, enquanto que o artigo seguinte consigna que o interessado pode requerer “medidas provisórias urgentes e eficazes que se destinem a preservar provas da alegada violação (…)”.
Como se viu, a decisão recorrida assenta no disposto no art.º 99.º da Convenção de Munique sobre a Parente Europeia, muito em particular no seu n.º 2, no qual se estabelece que “(…) a oposição à patente europeia afecta essa patente em todos os Estados Contratantes em que a patente produz efeitos (…)”.
Todavia, deste dispositivo não se consegue retirar a conclusão de que a apresentação de oposição a uma patente europeia já concedida implica a perda ou a não atribuição dos direitos por ela conferidos, designadamente o direito exclusivo de exploração ou o direito de impedir terceiros de explorar a invenção e, por consequência, a faculdade do seu titular defender esses seus direitos. 
As medidas para a obtenção e para a conservação da prova justificam-se na perspectiva de salvaguarda dos direitos decorrentes da concessão da patente, que implicam a exploração exclusiva e a inibição de terceiros de explorar a invenção. 
Salvo o devido respeito, o n.º 2 do mencionado art.º 99.º desta convenção apenas estabelece que a oposição produz efeitos em todos os Estados em que a patente está inscrita, mas, de modo nenhum, limita (ou muito menos exclui) os direitos atribuídos ao titular da patente durante a pendência do processo de oposição, que inclusive poderá vir a ser recusada por falta de fundamento suficiente.
Aliás, de acordo com o disposto no art.º 102.º da Convenção de Munique sobre a Parente Europeia, a patente só será revogada caso se mostrem comprovados os fundamentos que serviram para motivar a oposição.
 A patente europeia tem a duração de 20 anos a contar da data do depósito do pedido (art.º 63.º), a patente europeia confere ao seu titular os mesmos direitos que lhe conferiria uma patente nacional concedida nesse Estado (art.º 64.º) e o pedido de patente assegura, provisoriamente, ao requerente, desde a data da sua publicação, os mesmos direitos que são atribuídos ao titular de uma patente nacional (art.º 67.º).
Isto significa que, entre a apresentação do pedido e a concessão da patente, mostram-se assegurados, ainda que provisoriamente, ao requerente todos as faculdades inerentes a este direito de propriedade industrial. 
Esses mesmos direitos devem manter-se inalterados após a concessão da patente por parte das autoridades competentes (o que pressupõe um exame, que se presume rigoroso, dos requisitos necessários à sua concessão), mesmo que sejam apresentados processos de oposição.
A apresentação de oposição não restringe nem elimina os direitos do titular da patente, que só cessam caso a patente venha a ser revogada, com fundamento na verificação de algum dos motivos de oposição que estão previstos pelo art.º 100.º da Convenção de Munique sobre a Parente Europeia.
Aliás, mostrar-se-ia incongruente que o pedido de patente atribuísse maiores poderes ao requerente (todos os que estão previstos para as patentes nacionais, ainda que, naturalmente, assegurados a título provisório) do que aqueles que são conferidos ao titular da patente, objecto de oposição, após a conclusão de um processo conduzido pelas autoridades competentes, com vista à apreciação dos requisitos necessários para a sua concessão. 
De modo compatível com os mencionados dispositivos da convenção, estabelece o art.º 102.º, n.ºs 1 e 3, do CPI, sob a epígrafe “direitos conferidos pela patente”, que a patente confere, designadamente, ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português e ainda o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de fabricar, de oferecer, de armazenar ou de colocar no mercado produtos que sejam objecto da patente.
Acresce que, conforme se deixou assinalado no recurso, a concessão de um direito de propriedade industrial constitui presunção (ainda que ilidível, por estar dependente da apresentação de prova em contrário) da verificação dos requisitos da sua concessão, de acordo com o disposto no art.º 4.º, n.º 2, do CPI. 
Como existe essa presunção, ou seja, como se deve presumir, até prova em contrário, que estão preenchidos todos os requisitos que conduziram à sua concessão, o titular da patente não poderá ficar inibido de se socorrer das medidas de obtenção e de conservação da prova previstas pelos arts. 339.º e 340.º do CPI, destinadas à salvaguarda dos seus direitos de propriedade industrial (v. g. exploração exclusiva da invenção e inibição de terceiros de a explorar), sob o pretexto de que estão pendentes processos de oposição, com destino ainda incerto.
Como se disse, essas medidas justificam-se na perspectiva de salvaguarda dos direitos resultantes da concessão da patente, que implicam a exploração exclusiva e a inibição de terceiros de explorar a invenção, que, aliás, são reconhecidos, a título provisório, logo que seja apresentado o pedido de patente. 
Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, considera-se que deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual – Juiz 2, que partiu do pressuposto que as medidas para a obtenção e para a preservação da prova, previstas pelos mencionados arts. 339.º e 340.º do CPI, não podem ser decretadas durante a pendência de processos de oposição à concessão da patente, por ainda não estar comprovada a sua “titularidade definitiva”.  
Por conseguinte, impõe-se ao tribunal recorrido que proceda à apreciação dos restantes fundamentos constantes da “impugnação” apresentada pela recorrida “Louritex, Lda.” no dia 31-07-2023 e que decida em conformidade, seja no sentido da manutenção, seja no sentido da revogação, das medidas para a obtenção e para a preservação da prova que foram decretadas.

III – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto pela recorrente “PRESSES ET CISAILLES LEFORT” e, em consequência, revogar a decisão proferida no dia 04-01-2024 pelo Tribunal de Propriedade Intelectual – Juiz 2,  para que proceda à apreciação dos restantes fundamentos constantes da “impugnação” apresentada pela recorrida “LOURITEX, LDA.” e para que decida em conformidade, seja pela manutenção, seja pela revogação, das medidas para a obtenção e para a preservação da prova que foram decretadas.
Custas a cargo da recorrida.
           
Lisboa, 10 de Abril de 2024
Paulo Registo
Carlos M.G. de Melo Marinho                 
Armando Cordeiro