PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCA
IMITAÇÃO
MARCA NOTÓRIA
Sumário

(elaborado pelo Relator):
I. O direito das marcas não existe para proteger as marcas, mas sim para proteger da confusão o público consumidor e, simultaneamente, para garantir ao titular da marca o seu direito a que o público não seja confundido.
II. A comparação entre sinais deve fazer-se através da “impressão de conjunto” e não por “dissecação de pormenores”.
III. Marca notória é aquela que é amplamente reconhecida pelo público como distintiva e associada a produtos ou serviços específicos.
IV. A notoriedade da marca agrava o risco de confusão.
V. O risco de confusão deve ter-se por verificado quando for de supor que o público vai acreditar que os produtos ou serviços correspondentes provêm da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas. O risco de associação (em sentido amplo) não é um risco autónomo, mas sim um elemento coadjuvante à averiguação da verificação do risco de confusão.
VI. O risco de associação em sentido estrito refere-se a uma situação em que o uso de uma marca pode criar uma relação indevida na mente dos consumidores entre dois produtos ou serviços, mesmo que não haja confusão direta entre as marcas em si.
VII. O risco de associação não existe se não se concluir que o público pode ser levado a supor que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas economicamente ligadas.
VIII. A marca CASAL ALEGRIA encerra risco de confusão, por associação em sentido estrito, com as marcas prioritárias , “CASAL GARCIA” e “HAJA ALEGRIA. HAJA CASAL GARCIA”.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
1.  SANER – SOCIEDADE ALIMENTAR DO NORTE, SA recorre da sentença que julgou procedente a ação e revogou o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional n.º 691087 CASAL ALEGRIA, para a classe 33.

Antecedentes, tal como descritos na sentença em recurso:

2.  AVELEDA, S.A. veio, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso judicial do despacho do Senhor Director de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional n.º 691087 CASAL ALEGRIA, para a classe 33 à Recorrida SANER – SOCIEDADE ALIMENTAR DO NORTE, SA.
Alegou, para tanto e em síntese, que é titular da marca “Casal Garcia”, que é uma marca notória em Portugal, gozando de reconhecimento na área dos vinhos, bem como a marca “HAJA ALEGRIA. HAJA CASAL GARCIA”, o que não foi devidamente atentado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Além disso, a marca registada a favor da recorrida constitui imitação das marcas da recorrente e existe a possibilidade de concorrência desleal.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial, tendo a Recorrida apresentado as suas alegações, mediante as quais pugnou pela manutenção do registo.

3.
O Tribunal da Propriedade Intelectual, proferiu a seguinte sentença:
“(…) julga-se procedente, por provado, o presente recurso judicial e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido do Senhor Director de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, proferido em 20/04/2023 e publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 26/04/2023, concedeu o registo da marca nacional n.º 691087 CASAL ALEGRIA, requerido por SANER – SOCIEDADE ALIMENTAR DO NORTE, SA. e, em consequência, recusa-se o seu registo. ”.
Condenou a então recorrida em custas.

Alegações da recorrente
4. Da sentença referida no parágrafo anterior veio a recorrente SANER – SOCIEDADE ALIMENTAR DO NORTE, SA interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo que deve “ser revogada a douta decisão proferida em primeira instância, substituindo-a por outra que aceite o peticionado e supra alegado pela Apelante.”

5. Apresentou as seguintes conclusões:
A) A, ora, Apelante não se pode conformar com a Sentença proferida, porquanto tal decisão sob censura padece de diversos vícios, que merecem tutela jurisdicional, designadamente, incorrecta interpretação e aplicação do Direito e falta de Fundamentação.
B) Por isso, interpôs a Apelante o presente recurso da douta sentença que mandou revogar o despacho do Senhor Director de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo à marca nacional nº 691087 “CASAL ALEGRIA” para assinalar na classe 33: “Bebidas alcoólicas (excluindo cervejas”.
C) Ao contrário do entendimento expresso na douta sentença apelada, a marca nacional nº 691087 “CASAL ALEGRIA” deveria ter sido objecto de protecção porquanto não constitui violação de direitos da Apelada, tão pouco o seu registo é susceptível de propiciar actos de concorrência desleal.
D) A discordância da Apelante começa no juízo de confundibilidade dos sinais, sendo bizarro referir doutrina e decidir de forma oposta.
E) A sentença apelada considerou que estavam reunidos os requisitos cumulativos da figura da imitação de marca, todos eles vertidos no art.º 238º, nº 1 do CPI após efectuar uma dissecação analítica e não uma intuição sintética.
F) É por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas.
G) As marcas em litigo são marcas compostas e o juízo de aferição sobre marcas compostas deve incidir sobre o conjunto.
H) Na avaliação feita, a douta sentença apelada não atende à impressão do conjunto.
I) A sentença recorrida não pugnou por uma impressão de conjunto, mas sim de pormenor.
J) Na avaliação feita, a sentença apelada não refere quem é o público alvo da categoria dos produtos em causa e não traça o perfil deste consumidor.
K) O consumidor desta categoria de produtos é normalmente atento e razoavelmente bem informado.
L) O consumidor desta categoria de produtos tem cuidados redobrados na aquisição destes produtos (alcoólicos) pois sabe que terá impacto imediato no seu estado anímico.
M) A sentença apelada reconhece a existência de vários registos que contêm as mesmas palavras que compõem a marca da Apelada.
N) A sentença apelada reduz a sua apreciação a um único elemento argumento: “A marca da recorrida CASAL ALEGRIA é composta, na sua totalidade, por duas palavras contidas na marca prioritária HAJA ALEGRIA, HAJA CASAL GARCIA, sendo possível constatar que, parcelarmente, a fonética da marca da Recorrida é reproduzida nesta.”
O) A sentença do Tribunal a quo nada menciona quanto ao conceito subjacente aos sinais em apreço.
P) Considerando a semântica das marcas em confronto, de imediato se pode afastar o risco de confusão.
Q) A palavra “CASAL” é comumente associada a marcas destinadas a assinalar produtos na classe 33, estando sempre acompanhada de outros elementos verbais. A palavra “CASAL” não tem, por isso capacidade distintiva, quando associada a produtos na classe 33.
R) A palavra “ALEGRIA” sugere um estado emotivo ou um apelido.
S) A palavra “GARCIA” é conhecida como um apelido tipicamente português.
T) Dos sinais em análise não resulta uma semelhança gráfica, fonética ou conceptual que justifique a recusa do registo de marca da Apelante.
U) A relação entre o produto “vinho” e o estado emocional ALEGRIA remonta a séculos atrás, encontrando-se referencias bíblicas nesse sentido.
V) A palavra “ALEGRIA” integra firmas que se dedicam à produção de vinhos, como é o caso da “D`ALEGRIA - VINHOS, LDA”.
W) Conclui-se que não há vislumbre de existência dos indispensáveis elementos cumulativos que permitam considerar a existência de imitação ou usurpação de marca.
X) O uso da marca da Apelante não possibilitará a existência de actos de concorrência desleal.
Y) Tudo considerado, torna-se evidente que prejuízos não advirão para Apelada e Apelante nem para o tráfego comercial e honesto, da concessão do registo de marca nacional nº 691087 “CASAL ALEGRIA”.
Z) Termos em que a sentença proferida pelo Mm Juiz à quo deverá ser substituída por outra que aceite o peticionado pela Apelante, a saber a concessão do registo de marca nacional nº 691087 “CASAL ALEGRIA”

7.– A recorrida Aveleda, S.A., por sua vez, pugna pela improcedência da presente apelação entendendo que não há quaisquer razões para alterar a sentença recorrida que, por isso, deverá ser mantida.
Apresentou as seguintes conclusões:
I – O presente recurso apenas versa sobre questões de direito;
II – Resultou provado que as marcas da Recorrida “CASAL GARCIA” e “HAJA ALEGRIA, HAJA CASAL GARCIA” são notórias;
III – A marca reclamada é composta exclusivamente pela expressão “CASAL ALEGRIA”;
IV – A marca reclamada encontra-se totalmente incluída na marca “HAJA ALEGRIA, HAJA CASAL GARCIA”;
V – Fazer uma análise do número de registos de marca que contêm o termo “CASAL” ou o termo “ALEGRIA” é dissecar a marca registanda, o que é contrário às regras aplicáveis à comparação entre marcas;
VI – Fazendo uma análise de conjunto verificamos que existe uma proximidade elevada de todos os elementos presentes;
VII – As marcas, “CASAL GARCIA” e “CASAL ALEGRIA” têm o mesmo número de palavras, a primeira é comum, a segunda tem a mesma terminação;
VIII – Conceptualmente existe uma proximidade muito grande entre “CASAL GARCIA” “CASAL ALEGRIA” e “HAJA ALEGRIA, HAJA CASAL GARCIA”;
IX – Sendo as marcas da Reclamante notórias a proximidade aumenta já que deixam “na memória do público uma lembrança certa, persistente”;
X – Haverá sempre uma confusão entre as marcas, ou, pelo menos uma associação da marca registanda às marcas anteriores, não permitindo ao consumidor distinguir a sua origem;
XI – O consumidor será sempre levado a crer que a marca registanda tem alguma relação com a ora recorrida, o que resulta numa situação de concorrência desleal.

Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos:

1. Em 26/08/2022, a Recorrida deduziu pedido de registo da marca nacional n.º 691087 CASAL ALEGRIA para assinalar produtos/serviços da classe 33: bebidas alcoólicas (excluindo cerveja), o qual foi concedido em 20/04/2023.
2. A Recorrente é titular da marca nacional n.º 139206 registada em 18-12-1967, para assinalar produtos/serviços da classe 33.
3. A Recorrente é titular da marca da UE n.º 011407781 CASAL GARCIA registada em 28/05/2013, para assinalar produtos/serviços da classe 33.
4. A Recorrente é titular da marca nacional n.º 380614 HAJA ALEGRIA. HAJA CASAL GARCIA registada em 2004.08.13, para assinalar produtos/serviços da classe 33.
5. A Recorrente é uma empresa familiar fundada em 1870 e que se dedica à produção de vinhos, cfr. documentos 1 e 2 juntos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. Em 1939, já vencedora de vários prémios pela qualidade dos seus vinhos, num ano de uma vindima particularmente boa, foi lançado um vinho ao qual foi dado o nome de uma das vinhas da Quinta da Aveleda, a de Casal Garcia, cfr. documento 3 junto e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7. O vinho Casal Garcia é o vinho branco, incluindo verdes e maduros, mais vendido no país, cfr. documento 4 junto e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
8. Sendo o vinho branco português mais vendido no mundo, cfr. documento 5 junto e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9. Mostram-se registadas e em vigor as seguintes marcas nacionais:
- N.º 562416 D'ALEGRIA, para assinalar produtos/serviços da classe 33, concedida em 26/09/2016;
- N.º 566610 SANGRIA ALEGRIA, para assinalar produtos/serviços da classe 33, concedida em 16-09-2016;
- N.º 693868, para assinalar produtos/serviços da classe 33, concedida em 06-03-2023;
- N.º 597745 CASAL FARIA, para assinalar produtos/serviços da classe 33, concedida em 04-06-2018;
- N.º 507258 CASAL NOVO, para assinalar produtos/serviços da classe 33, concedida em 15-02-2013;
- N.º 672606 CASAL BOM, para assinalar produtos/serviços da classe 33, concedida em 06-03-2023.

Não há factos não provados na sentença recorrida
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
Como é pacífico, o Tribunal tem de resolver questões e não apreciar argumentos, exceto quanto aos que constituam o núcleo da resolução da questão; e as questões são as que resultam das conclusões das alegações do recorrente. Acresce que este Tribunal de recurso, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido.
Por outro lado, são as conclusões de delimitam o objeto do recurso.

Vistas as alegações de recurso, verificamos que a recorrente impugna a matéria de facto dada como provado pelo tribunal a quo.
Ora, como se sabe, e a fim de evitar que a impugnação a matéria de facto seja unicamente a manifestação de inconformismo perante a decisão, o art.º 640.º, do Código de Processo Civil, impõe, no n. 1, um tríplice ónus ao recorrente: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
 a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgado;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida; e quanto ao ora em análise,
c) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Ora, a recorrente só não cumpriu nenhum destes ónus, o que teria como consequência a rejeição da impugnação, como tal matéria não consta das conclusões.
É, pois, assim, acertada a conclusão da recorrida quando alega que o presente recurso versa unicamente sobre matéria de direito e, para além da alegação de nulidade da sentença por “falta de fundamentação” (conclusão A, parte final), a questão a decidir é a de saber se ocorreu erro de julgamento por deficiente, ou errada, aplicação das regras aplicáveis aos factos apurados.

A primeira questão é a de apurar se apurar se a sentença é nula por falta de fundamentação de facto e de direito.
Segundo o recorrente tal nulidade ocorre porque a sentença proferida “a fundamentação do Tribunal a quo é errada e insuficiente, não tendo levado em consideração a existência de jurisprudência relevante para a decisão dos autos, a qual refere a possibilidade de existirem sinais que contêm as mesmas palavras, para assinalarem os mesmos produtos, sem que ocorra erro ou confusão por parte do consumidor” (10 das alegações).
Ora, percorrendo a sentença torna-se evidente que a decisão está fundamentada de facto e de direito. Par tal é suficiente cotejar os factos descritos em 1 a 9 (fundamentação de facto) com as considerações constantes da sentença a páginas 3 a 8, em especial e em concreto, a páginas 7 e 8 (fundamentação de direito).
Aliás, apenas gera nulidade a falta de fundamentação e não a insuficiente ou errada fundamentação.
É, pois, negativa a resposta a esta questão, não ocorrendo a invocada nulidade da sentença. 

A segunda questão é a de apurar se a sentença padece de erro de julgamento ao ter considerado que entre as marcas há risco de confusão.
Não oferece grandes dúvidas[1], e a sentença aponta-o, que a comparação deve fazer-se através da “impressão de conjunto” (intuição sintética) e não por “dissecação de pormenores”: “A regra de ouro” da comparação entre sinais é a que esta deve fazer-se através duma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, como sublinha a jurisprudência europeia, ao declarar que “o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades” [2]. Sendo que o consumidor médio geralmente apreende uma marca como um todo, sem examinar os detalhes, confiando na imagem imperfeita que conserva na memória.
Parte-se, ainda, do princípio de que o consumidor médio da categoria de produtos em causa é um consumidor razoavelmente informado e razoavelmente atento e avisado[3].

Considerou a sentença, depois de pertinente citação jurisprudencial e doutrinal que:
“No presente caso, a Recorrente é titular de duas marcas com sinais nominativas simples e um sinal figurativo composto, importando, como tal, atender à impressão global criada.
Por outro lado, cremos como importante realizar o presente juízo por referência a cada marca autonomamente considerada.
A marca da Recorrida CASAL ALEGRIA é composta, na sua totalidade, por duas palavras contidas na marca prioritária HAJA ALEGRIA. HAJA CASAL GARCIA, sendo possível constatar que, parcelarmente, a fonética da marca da Recorrida é reproduzida nesta.
Adicionalmente, julgamos que os restantes vocábulos insertos na referida marca prioritária não existem em tal ordem que nos permita concluir que a marca recorrida possui suficiente marco de distintividade. É que é a marca recorrida que precisa conter um cunho suficientemente distinguível das marcas registandas. Tratando-se de uma expressão composta por duas palavras que são integralmente idênticas às constantes da referida marca prioritária e inexistindo qualquer outro elemento que lhe atribua a singularidade necessária, pensamos que existe um determinado risco de confusão, no que concerne, pelo menos, à sua origem empresarial, podendo haver risco de associação.
Por assim ser, nos termos do artigo 311.º, n.º 1, al. a) do Código da Propriedade Industrial, o uso da marca impugnada pode constituir um acto de concorrência desleal e, como tal, ao abrigo do disposto no artigo 232.º, n.º 1, al. h) do Código da Propriedade Industrial, o seu registo deve ser recusado.”

Vejamos.
Para a resolução da questão expressa devemos considerar as seguintes ideias fortes:
. A regulamentação das marcas visa garantir a lealdade de concorrência (art.º 1º, do CPI).
. A marca é um sinal com função distintiva, que se destina, primacialmente, a orientar o consumidor, de modo claro e preciso, no processo de decisão com vista à aquisição de produtos. Revela a origem do produto, e permite recordar, no futuro, através de um mecanismo quase reflexo, a respetiva proveniência empresarial.
. Pressuposto básico da marca é a sua função distintiva. Assim, não deverão gozar dos efeitos jurídicos que decorrem da titularidade de uma marca os sinais que:
a) sejam desprovidos de qualquer carácter distintivo;
b) sejam constituídos, exclusivamente, pela forma ou por outra característica imposta pela própria natureza do produto, pela forma ou por outra característica do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma ou por outra característica que confira um valor substancial ao produto;
c) sejam constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
d) sejam constituídos, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (art.º 209.º, do CPI).
. A lei prevê nos artigos 231.º e 232.º do CPI a possibilidade de recusa do registo de uma marca, nomeadamente, nas seguintes situações-tipo:
a) Reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos;
b) Reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) Reprodução de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja idêntica aos produtos ou serviços a que a marca se destina;
d) Reprodução de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina ou a imitação, no todo ou em parte, de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja idêntica ou afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
. Na ponderação da similitude dos sinais devem ser ponderados, por princípio, conjuntamente e de forma interdependente todos os fatores pertinentes, de natureza fonética, gráfica e conceptual, conferindo-se particular atenção aos elementos dominantes dos sinais pretendidos. Os quais, contudo, não são suficientes.
. o juízo comparativo deve ser feito por intuição sintética e não por dissecação analítica, o juízo a fazer acerca da imitação, deverá ter em conta uma impressão de conjunto, desagregação do sinal, e não de pormenor das marcas ou produtos, sendo relevantes os elementos que essencialmente, as distinguem por serem os dominantes.
. Este juízo deve ser efetuado atendendo ao consumidor médio da categoria de produtos em causa que esteja normalmente informado e razoavelmente atento e advertido.
. A averiguação da similitude de produtos deve atender à possibilidade de tais produtos serem comercializados no mesmo sector ou nicho de mercado, ou seja, serem encontrados pelo consumidor normal e médio nos mesmos locais e circuitos comerciais e nessa medida, serem confundidos em termos de origem e credibilidade empresariais.
. O risco de confusão deve ter-se por verificado quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro, atendendo, designadamente, à semelhança das marcas e dos produtos ou serviços designados.
. O risco de confusão é tanto mais elevado quanto o carácter distintivo da marca anterior se reconhece como importante.
. O risco de associação verifica-se quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro.

Para adequadamente respondermos a tal questão importa, desde logo, apurar se as marcas as marcas da Recorrida “CASAL GARCIA” e “HAJA ALEGRIA, HAJA CASAL GARCIA” são notórias, como pugna a recorrida.

Dispõe o n. 1, do art.º 234.º, do Código da Propriedade Intelectual, com a epígrafe de “Marcas notórias”, que:
“É recusado o registo de marca que constitua:
a) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos;
b) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços afins, ou a imitação ou tradução, no todo ou em parte, de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sempre que com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.
2. Os interessados na recusa dos registos das marcas a que se refere o número anterior só podem intervir no respetivo processo depois de terem efetuado o pedido de registo da marca que dá origem e fundamenta o seu interesse.”

Genericamente podemos afirmar que uma marca notória é aquela que é amplamente reconhecida pelo público como distintiva e associada a produtos ou serviços específicos. Por tal reconhecimento, à marca notória é conferida proteção especial[4] em virtude dessa reputação excecional e à sua capacidade de identificar a origem dos produtos ou serviços que representa.
Tal proteção visa, em especial, evitar a diluição[5] da sua distintividade prevenindo o uso indevido por terceiros.
Estabelece o art.º 234.º, n. 1, al. b), quanto às marcas notórias, na parte que agora nos interessa, que é recusado o registo de marca que constitua a imitação ou tradução, no todo ou em parte, de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sempre que com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da  marca notória.

Os factos provados são ressalvados o devido respeito por outra opinião, manifestamente suficientes para considerar a marca “CASAL GARCIA” uma marca notória. Já o mesmo não podemos considerar quanto à marca “HAJA ALEGRIA, HAJA CASAL GARCIA”.
Os factos relevantes constam dos n.ºs 7 e 8 (o vinho Casal Garcia é o vinho branco, incluindo verdes e maduros, mais vendido no país, sendo o vinho branco português mais vendido no mundo). Para além de que nos factos 5 e 6 demonstra-se quer a antiguidade quer a qualidade da recorrida na produção de vinhos. Perante tais factos é nosso entendimento de que a marca “CASAL GARCIA” atingiu notoriedade suficiente a fim de lhe ser concedida a proteção especial prevista no citado art.º 234.º, n.º 1, al. b), do Código da Propriedade Intelectual.
Contudo, continua a exigir-se risco de confundibilidade ou associação. Ainda que, como tem sido afirmado de forma consistente quer pela jurisprudência nacional, quer pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, “a notoriedade da marca agrava o risco de confusão, uma vez que uma marca notória deixa na memória do público consumidor uma lembrança persistente e tentadora[6]” (é nosso o sublinhado). E que nos casos de marcas notórias “pode verificar-se um risco de confusão, apesar do mínimo grau de semelhança entre os produtos ou serviços designados, quando a semelhança das marcas é grande e o caracter distintivo da marca anterior, em especial a sua notoriedade, é elevado[7](é nosso o sublinhado).
Por sua vez, o risco de associação em sentido estrito refere-se a uma situação em que o uso de uma marca pode criar uma relação indevida na mente dos consumidores entre dois produtos ou serviços, mesmo que não haja confusão direta entre as marcas em si. Ou seja, ainda que as marcas não sejam idênticas ou muito semelhantes pode haver violação se o uso de uma delas levar os consumidores a acreditar erroneamente que existe uma conexão, cooperação ou relação comercial entre as empresas por trás das marcas.
 Vejamos, assim, se existe risco de confusão ou associação entre as marcas dos autos.
Impõe-se, ainda, esclarecer que entendemos que “o direito das marcas não existe para proteger as marcas, mas sim para proteger da confusão o público consumidor e, simultaneamente, para garantir ao titular da marca o seu direito a que o público não seja confundido[8]”; e, ainda, que a interpretação do direito nacional deve fazer-se de harmonia com a Diretiva (UE) 2015/2436 do PE e do Conselho, de 16/12/2016, transposta para o nosso ordenamento jurídico pelo Código da Propriedade Intelectual.
Parte-se, ainda, do princípio de que o consumidor médio da categoria de produtos em causa é um consumidor razoavelmente informado e razoavelmente atento e avisado[9]. Sendo de considerar que o público consumidor de vinhos é ou especialmente atento e conhecedor das marcas e respetivas proveniências (territoriais e empresariais), e este consumidor tipo, por regra escolhe a região e dentro da região um produtor e dentro desse produtor uma determinada colheita ou produção; ou, por outro lado, é um consumidor menos exigente que não dá qualquer relevo à marca ou ao produtor, atendendo, essencialmente, ao custo.
Os critérios gerais para a avaliação do risco de confusão foram elencados no acórdão do TJUE de 22 de junho de 1999 (C-342/97 - Lloyd v. Klijsen[10]):
. O risco de confusão é o risco de o público acreditar que os produtos ou serviços correspondentes provêm da mesma empresa ou, se for caso disso, de empresas economicamente ligadas.
. A existência de um risco de confusão para o público deve ser apreciada como um todo, tendo em conta todos os fatores pertinentes no caso concreto.
. A apreciação global acima referida implica uma certa interdependência entre os fatores tomados em consideração e, em especial, a semelhança entre as marcas e entre os produtos ou serviços abrangidos. Assim, um baixo grau de semelhança entre os produtos ou serviços abrangidos pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre as marcas e vice-versa.
. No que respeita à semelhança gráfica, fonética ou conceptual das marcas em conflito, a apreciação global do risco de confusão deve basear-se na impressão global por elas produzida, tendo em conta, nomeadamente, os seus elementos distintivos e dominantes.
Para apreciar o grau de semelhança entre as marcas em causa, deve-se, igualmente, determinar o seu grau de semelhança gráfica, fonética e conceptual e, sendo caso disso, apreciar a importância a atribuir a esses diferentes elementos, tendo em conta a categoria dos produtos ou serviços abrangidos e as concretas condições em que são comercializados.
O risco de confusão também tem sido profusamente tratado nesta secção da PICRS de modo, essencialmente, uniforme[11].

Concomitantemente, não podemos ignorar que “Há que atender, neste âmbito, a que os consumidores recordam vocábulos de maneira pouco precisa e rigorosa e de forma sempre desfocada pela nebulosidade da memória, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação». Ou seja, uma memória é tanto mais forte quanto mais intensa e firme tenha sido a implantação inicial (o que se consegue, por exemplo, através da novidade, originalidade e contexto). E será mais intensa se a palavra aparecer ou for usada várias vezes. A retenção a longo prazo no espaço cerebral sempre beneficia da possibilidade de ligar o elemento a conservar a um outro anteriormente conhecido, assim produzindo o referido efeito de associação. São a semântica e a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção – na verdade, retemos o que destrinçamos[12]”.

Em concreto, dos factos provados retira-se a conclusão de que estão em confronto marcas mistas (a descrita em 1 dos factos provados) e nominativas (as restantes). Na marca mista o elemento preponderante é o nominativo, ou seja, “CASAL GARCIA”.
Tratando-se, pois, de comparação entre marcas nominativas[13] ou mista com elemento nominativo preponderante, a comparação tem, necessariamente, de proceder à análise de cada um dos seus componentes, sem esquecer a impressão de conjunto. 
Desta, da impressão de conjunto, verifica-se alguma similitude entre a marca da recorrente e as marcas da recorrida. Concorda-se com a recorrida quando alega que “Conceptualmente existe uma proximidade muito grande entre “CASAL GARCIA” “CASAL ALEGRIA”, mas já não se concorda com tal proximidade relativamente à marca “HAJA ALEGRIA, HAJA CASAL GARCIA”.
Sendo a marca CASAL GARCIA uma marca notória, como já referimos, verifica-se uma, não despicienda, sonoridade parecida entre CASAL GARCIA e CASAL ALEGRIA (ca-sal-gar-cÍA / ca-sal-ale-grÍA) que pode confundir. A junção de “CASAL”, elemento da marca notória, com “ALEGRIA”, elemento também relacionado à marca notória, essencialmente, pela marca ““HAJA ALEGRIA, HAJA CASAL GARCIA”, permite concluir pela forte possibilidade de associação da marca CASAL ALEGRIA a uma das marcas da recorrida.
Como já referimos, existe risco de associação, em sentido estrito, sempre que o uso de uma delas levar os consumidores a acreditar erroneamente que existe uma conexão, cooperação ou relação comercial entre as empresas por trás das marcas, ainda que as marcas não sejam idênticas ou muito semelhantes.
Os produtos das marcas em questão destinam-se a ser comercializados no mesmo sector ou nicho de mercado, ou seja, há grande probabilidade de serem encontrados pelo consumidor nos mesmos locais e circuitos comerciais e nessa medida, serem confundidos em termos de origem e credibilidade empresariais

É, no caso, irrelevante que já se mostrem registadas outras marcas, para o mesmo tipo de produtos, com as expressões “CASAL” ou “ALEGRIA” já que, no caso, há uma evidente tentativa de associar a nova marca à marca notória, prioritária, com a utilização simultânea e exclusiva, de ambas as expressões, o que não sucede nos outros casos.

Acresce que, pelo que já referimos, o registo da marca CASAL ALEGRIA potencia a prática de atos de concorrência desleal por ser suscetível de gerar confusão, essencialmente por associação, com as marcas prioritárias, em especial com a marca notória, e levar os consumidores a os produtos CASAL ALEGRIA apenas por tal circunstância, com eventual desvio de clientela e eventual afetação da reputação da marca CASAL GARCIA.

Ou seja, a impressão de conjunto não afasta o risco de confusão com a marca da recorrente. Sendo que este risco é um risco suficientemente forte para obstar ao registo da marca.

Deste modo, merece, também, resposta negativa esta questão, por inexistir erro de julgamento.

III. DECISÃO:
Pelo exposto, negamos provimento ao recurso e, em consequência mantemos na íntegra a sentença impugnada que revogou o despacho do Senhor Director de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, proferido em 20/04/2023 e publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 26/04/2023, que concedeu o registo da marca nacional n.º 691087 CASAL ALEGRIA, requerido por SANER – SOCIEDADE ALIMENTAR DO NORTE, SA., e recusou o seu registo.

II. Custas pela recorrente.

Cumpra-se o disposto no artigo 34.º, n. 5, do CPI aplicável ex vi art.º 46.º do mesmo diploma, após trânsito e baixa dos autos.

Lisboa, 10/4/2024
Armando Manuel da Luz Cordeiro
Eleonora Viegas
Bernardino Tavares
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[1] Cf. por todos o Acórdão do TJUE no processo C-251/95 de 11 de novembro de 1997 caso Sabel BV vs Puma AG Rudolf Dassler Sport, consultável in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A61995CJ0251 “Esta apreciação global deve, no que respeita à semelhança visual, auditiva ou conceptual das marcas em causa, basear-se na impressão de conjunto produzida pelas marcas, atendendo, designadamente, aos elementos distintivos e dominantes destas. Com efeito, resulta da redação do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), da diretiva, nos termos do qual “existe, no espírito do público, um risco de confusão...», que a perceção das marcas que tem o consumidor médio do tipo de produto ou serviço em causa desempenha papel determinante na apreciação global do risco de confusão. Ora, o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades” – 23.
[2] Pedro Sousa e Silva, in Direito Industrial – Noções Fundamentais, Almedina, 2019, 2ª edição, página 279 e ss..
[3] Para mais desenvolvimentos cf.  Francisco Pardal, O Conceito de Consumidor No Direito da Propriedade Intelectual, 2017, in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/29392/1/tese%20final%20pdf.pdf
[4] Para mais desenvolvimentos v. entre muitos outros os acórdãos do TJUE L'Oréal vs. Bellure (C-487/07), Intel vs. CPM (C-252/07) e Hauck vs. Stokke (C-205/13), todos disponíveis in https://eur-lex.europa.eu/
[5] Sobre a diluição da marca cf. Marcas, estudos, Manuel C. Nogueira Serens, Gestelegal, 2023, pp. 241 e segs.
[6] Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.06.2020, desta secção, proferido no processo 385/19.5YHLSB.L1-PICRS e disponível in www.dgsi.pt
[7]  Acórdão do Tribunal de Justiça de 22.06.2000, processo C-425/98. Disponível in https://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/pt/
[8] Tribunal de Apelação do Sétimo Circuito, caso James Burrough, Ltd v. Sign of the Beefeater, Inc., 1976 (passagem extraída da tradução espanhola de FERNANDEZ-NOVOA, Fundamentos de Derecho de Marcas, Madrid, 1984, p. 45).
[9] Para mais desenvolvimentos cf.  Francisco Pardal, O Conceito de Consumidor No Direito da Propriedade Intelectual, 2017, in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/29392/1/tese%20final%20pdf.pdf
[10] Consultável in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/HR/TXT/?uri=CELEX:61997CJ0342
[11] Por todos cf. o acórdão de 26.05.2023, proferido no processo 62/22.0YHLSB.L1-PICRS e disponível in www.dgsi.pt
[12] Ac. desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.11.2022, proferido no processo 399/21.5YHLSB.L1-PICRS, e disponível in http://www.dgsi.pt
[13] Também chamadas marcas verbais, constituídas por palavras, formando ou não frases, letras, ou números e que podem corresponder a vocábulos já existentes ou a formas ou siglas inventadas ou modificadas, na noção de Pedro Sousa e Silva, in Direito Industrial, 2ª ed. Reimp., Almedina 2020, p. 218.