CONTRA-ORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
NOTIFICAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
Sumário

- O despacho que rejeita a impugnação judicial, por extemporânea, apenas tem de pronunciar-se sobre os factos vertidos nesta que levam à sua aplicação/ justificação, conforme dispõe o artigo 63.º do RGCO;
- Não é válida a notificação da Pessoa Coletiva da decisão final da autoridade administrativa, endereçada para a sede antiga da mesma;
- Pelo facto da Recorrente se ter defendido (especificadamente) da decisão administrativa, mostrando conhecimento da mesma, sana-se o apontado vício, não havendo necessidade de repetir a respetiva comunicação/ notificação;
- Porém, já não se afigura possível “estender” esse aproveitamento à data em que ocorreu a notificação, seja pela incerteza quanto à mesma, seja porque não se extrai do comportamento processual da Recorrente.

Texto Integral

Acordam na Seção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
Ligue Telecomunicações, Lda, apresentou recurso de impugnação judicial da decisão proferida pela ANACOM- Autoridade Nacional de Comunicações, que o condenou nos seguintes termos:
“- uma coima no montante de 1.000,00 euros (mil euros), pela prática dolosa da contraordenação grave prevista na alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por não ter comunicado à ANACOM até 31.05.2019, a informação relativa à sua política de segurança;
- uma coima no montante de 1.100,00 euros (mil e cem euros), pela prática dolosa da contraordenação grave prevista na alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por não ter comunicado à ANACOM até 31.05.2019, a informação relativa à função de responsável de segurança, e, sendo o caso, de adjunto do responsável da segurança;
- uma coima no montante de 1.200,00 euros (mil e duzentos euros), pela prática dolosa da contraordenação grave prevista na alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por não ter comunicado à ANACOM até 30.07.2019, a informação relativa à função de ponto de contacto permanente;
- uma coima no montante de 1.300,00 euros (mil e trezentos euros), pela prática dolosa da contraordenação grave prevista na alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por não ter apresentado à ANACOM até 29.01.2021, o primeiro relatório anual de segurança; e
- uma coima no montante de 2.000,00 euros (dois mil euros), pela prática dolosa da contraordenação muito grave prevista na alínea z) do n.º 3 do artigo 113.º da LCE, por não ter enviado à ANACOM, até 04.05.2021, resposta ao pedido de informação que lhe foi remetido por esta Autoridade em 19.03.2021.

Deste modo, de harmonia com o disposto no artigo 5.º do RQCSC, e no artigo 58.º do RGCO, ao abrigo das competências previstas no n.º 2 do artigo 180.º da NLCE, delegadas nos termos da subalínea i) da alínea m) do n.º 2 da Deliberação n.º 1140/2023, publicada na 2.ª série do Diário da República n.º 217/2023, de 09.11.2023, e em respeito pelo regime da punição do concurso de contraordenações previsto no artigo 19.º do RGCO, aplica-se à Ligue Telecomunicações, Lda. em cúmulo jurídico, uma coima única no montante de 4.300,00 euros (quatro mil e trezentos euros), pela prática das 5 (cinco) contraordenações supra referidas.
3.2 Da sanção pecuniária compulsória
Juntamente com a acusação deduzida nos presentes autos, a arguida foi notificada da intenção desta Autoridade vir a ordenar, na decisão a proferir neste processo, nos termos do artigo 8.º do RQCSC, dos n.ºs 12 e 13 do artigo 113.º, e do artigo 116.º da LCE, então vigentes, o cumprimento de uma das obrigações violadas, mais concretamente o envio à ANACOM do primeiro relatório anual de segurança, por se ter considerado que tal informação era necessária para garantir o cumprimento do regime aplicável em matéria de segurança e integridade das redes e serviços, bem como de determinar a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de prestação de informação pela arguida.
Importa por isso verificar se a informação relativa ao primeiro relatório anual de segurança ainda é necessária e tem utilidade para esta Autoridade.
Considerando que o primeiro relatório anual de segurança deveria ter sido apresentado pela arguida até 29.01.2021, reportando-se ao primeiro ano civil seguinte ao ano civil em que o Regulamento de segurança entrou em vigor, i.e., ao ano de 2020, e que em 31.01.2022 e em 31.01.2023, a arguida já estava obrigada a apresentar o relatório anual de segurança do ano de 2021 e do ano de 2022, respetivamente, em face quer do lapso de tempo decorrido, quer da própria periodicidade anual com que tal reporte é imposto, conclui-se que a informação relativa ao primeiro relatório anual de segurança já não se revela útil e necessária para o exercício das competências de supervisão cometidas à ANACOM nesta matéria, pelo que decide-se não ordenar à arguida o cumprimento do dever de envio daquela informação.
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Por despacho proferido a 14.02.2024 não foi admitida a referida impugnação judicial, nos seguintes termos:
“Nestes termos e em face do exposto, decido rejeitar o recurso de impugnação judicial apresentado por LIGUE TELECOMUNICAÇÕES, LDA., por ser extemporâneo.”

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Inconformada com tal decisão, veio Ligue Telecomunicações, Lda interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões:
“A. A decisão impugnada é nula por incorrer no vício previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.
B. Fundamenta-se a nulidade invocada no facto de a decisão impugnada ter julgado determinadas alegações, presentes no Requerimento de 8 de Fevereiro de 2024, considerando-as “escritas” em detrimento de outras alegações do mesmo articulado, que foram consideradas como “não escritas”
C. Impõe-se ao Tribunal a Quo apreciar e julgar o alegado como um todo e não segmentar “partes” que interessem à sua fundamentação e não apreciar “partes” que a contrariem, não se pronunciando sequer sobre o seu conteúdo.
D. É agravada a censura e o vício quando é evidente pela tramitação do processo que o Tribunal visou erradicar o risco de prescrição da decisão impugnada, o qual foi bem identificado no despacho de 8 de Fevereiro de 2024 (Ref.ª 450008), com uma decisão que põe fim ao recurso sem apreciar os seus fundamentos e produzir a prova a que estava vinculado;
E. Além de nula, a decisão impugnada deve ser impugnada por insuficiência da matéria de facto provada para sustentar a decisão de não aceitação do recurso.
F. A decisão impugnada considerou provado que a notificação da decisão condenatória foi enviada para local diferente da sede da Recorrente e não apurou quando foi efetivamente notificada.
G. Uma vez que o aviso de receção foi feito por pessoa não associada ou identificada com a Recorrente.
H. Logo, não é admissível dar como assente que a notificação tenha ocorrido em 5 de Dezembro de 2023.
I. Não existe qualquer facto que permita julgar este facto como verificado.
J. Este juízo contraria inclusivamente a certidão permanente recebida e aceite no processo e as notificações anteriores expedidas pela ANACOM para a sede correta.
K. A decisão impugnada também viola as regras de contagem do prazo de impugnação.
L. A notificação presume-se realizada no terceiro dia posterior ao registo da carta que a concretize.
M. A expedição da notificação ocorreu no dia 4 de Dezembro de 2023; a notificação presume-se em 7 de Dezembro de 2023.
N. Entre a data da notificação e 8 de Janeiro de 2024 decorreram 20 dias úteis, prazo durante o qual a Recorrente podia impugnar e impugnou a decisão administrativa.
O. Evidencia-se, assim, que a decisão impugnada violou o disposto no n.º 1 do artigo 249.º do CPC e n.º 1 do artigo 104.º do CPP.
P. A decisão impugnada também violou o regime legal aplicável ao “justo impedimento”.
Q. A Recorrente em momento algum invocou “justo impedimento” para a prática de ato processual.
R. A lei processual explicita que independentemente de “justo impedimento”, os atos podem ser praticados nos termos previstos no CPC.
S. Permitindo a lei que o ato possa ser praticado num dos primeiros três dias úteis subsequentes ao termo do prazo (cf. artigo 139.º, n.º 5 do CPC)
T. Consequentemente, a decisão recorrida violou o disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 107.º do CPP e artigo 139.º do CPC.”
Concluiu:
“Nestes termos e nos demais de direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a decisão impugnada.”
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Admitido o recurso, respondeu a Autoridade Nacional de Comunicações, apresentando as seguintes conclusões:
“I. A Sentença recorrida não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia do Tribunal ad quo relativamente à globalidade da exposição apresentada pela Recorrente em 08.02.2024, porque aquele Tribunal não estava obrigado, nem podia conhecer nem se pronunciar sobre as alegações formuladas pela Recorrente no requerimento que juntou aos autos em 08.02.2024, e que não constavam do recurso de impugnação apresentado em 05.01.2024.
II. A Sentença recorrida também não enferma de qualquer nulidade por insuficiência dos factos provados, porque o Tribunal a quo não tinha de “dar como provado ou não provado” qualquer factualidade relevante para a decisão de não admissão de recurso, por não se tratar de Sentença de provimento ou não do recurso, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 64.º do RGCO.
III. E porque para decidir que o recurso de impugnação judicial apresentado pela Recorrente é extemporâneo, o Tribunal a quo considerou os factos que lhe competia considerar e apreciar.
IV. No recurso de impugnação judicial apresentado, a Recorrente não só não colocou em causa que a notificação da Decisão final tivesse ocorrido em 05.12.2023, como confirmou ter sido notificada dessa mesma Decisão.
V. Não há qualquer contradição insanável na fundamentação da Sentença recorrida porque o Tribunal a quo não julgou da matéria de facto.
VI. Não competia ao Tribunal a quo apurar em que data é que a Recorrente terá sido “efetivamente notificada” porque consta dos autos que essa notificação foi realizada em 05.12.2023, e no recurso de impugnação apresentado a arguida não alegou que “o aviso de receção foi feito por pessoa não associada ou identificada com a Recorrente” ou que a Decisão final não lhe foi notificada na data que consta da assinatura desse mesmo ofício.
VII. O Tribunal a quo não violou as regras de contagem do prazo de impugnação previstas nos artigos 104.º do CPP e 249.º do CPC, porque tais regras não são aplicáveis ao prazo para impugnação judicial de decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima, consagrado no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO.
VIII. O prazo previsto no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO é um prazo administrativo e não judicial, logo não se pode tratar de “prazo para a prática de ato processual” como previsto no artigo 104.º do CPP.
IX. O Tribunal a quo não referiu que a Recorrente invocou “justo impedimento” para a prática de ato processual fora do prazo, nem aplicou o referido instituto ao caso em apreço.
X. O regime previsto no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, não tem aplicação ao prazo de impugnação judicial previsto no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, porque este prazo é administrativo e não judicial, sendo a impugnação judicial «entregue na autoridade administrativa e não no Tribunal (artigo 58.º, n.º 3 RGCO).»
XI. Pelo que improcedem todas as conclusões do recurso interposto pela Recorrente,”
Concluiu:       
“Termos em que, tudo visto e ponderado, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, considerar  o recurso apresentado pela Ligue Telecomunicações, Lda. improcedente, pelos motivos melhor explicitados na MOTIVAÇÃO que antecede, assim se fazendo JUSTIÇA!”
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O Ministério Público também respondeu, apresentando a seguinte conclusão:
“O aviso de receção de fls. 97 documenta a receção pela arguida da decisão administrativa condenatória no dia 05/12/2023, constituindo a data referência para o início da contagem do prazo administrativo previsto no art.º 59º, nº 3 do RGCO, pelo que o recurso apresentado pela arguida, apenas no dia 08/01/2024, implica a sua rejeição por intempestividade, como considerado pela decisão judicial do TCRS de 14/02/2024 agora impugnada.”
Concluiu:
“Face ao exposto o recurso deverá improceder, assim se fazendo Justiça.”
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto, parecer, pugnando pela procedência do recurso, porquanto Resta, pois, por exclusão de partes, aceitar que a controvertida notificação só ocorreu (com total e indesmentível segurança e demonstrabilidade) a 14.12.23, dia admitido pela recorrente e suportado no e-mail de 14.12.23, expedido às 21h e 24m, por si junto no requerimento de 8.01.24, sob “doc. 3”, também referido no ponto 33 da Resposta do MºPº.
Ademais, o próprio Tribunal recorrido, com o intercalar Despacho de 8.02.24 parece admitir a possibilidade da extemporaneidade do Recurso, e da sua rejeição, não serem tão óbvias assim.
Nesta lógica, sendo o direito de defesa superlativo, tendemos a sugerir-vos, Exmos. Srs. Juízes Desembargadores, a procedência recursória, eventualmente com a adicional achega permitida pelo Ac. RL de 23.10.12, que permitiria a soma de mais três dias ao termo máximo estimado do prazo de Recurso.”
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Após exame preliminar, foram os autos aos vistos e, de seguida, à conferência.
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II - Questões a decidir
- se a decisão é nula (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP);
- se o despacho padece de insuficiência da matéria de facto provada para sustentar a decisão de não aceitação do recuro;
- se é tempestiva a impugnação judical (momento em que se considera notificada a recorrente e contagem do respetivo prazo).
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III - Fundamentação
A - Factos provados
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. A decisão administrativa foi notificada à Recorrente LIGUE TELECOMUNICAÇÕES, LDA mediante carta registada com aviso de receção para a morada seguinte: Avenida da República, (…) piso, 1050-191 Lisboa;
2. O aviso de receção foi assinado em 05.12.2023 por (…); (fls. 97)

3. A morada da notificação corresponde à antiga morada da sede da Recorrente, a qual foi alterada em 26.10.2022 para a Avenida da Liberdade, (…), 1250-143 Lisboa;
4. O recurso de impugnação judicial foi enviado para a ANACOM por email de 08.01.2024; (fls. 99 e ss.), com o conteúdo constante de fls. 99 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Porém, para conseguirmos analisar de forma precisa os argumentos da Recorrente vemo-nos na contingência de fazer uma descrição cronológica dos actos praticados no processo.
- No dia 28 de junho de 2021, a Direção de Fiscalização remeteu ao Departamento Geral de Supervisão, ambos da ANACOM, o relatório de fiscalização da agora Recorrente.
- No dia 23 de setembro de 2022, foi determinada a instauração do competente processo de contraordenação contra a agora Recorrente.
- No dia 27 de setembro de 2022, a autoridade administrativa remeteu “acusação” ao representante legal da arguida para o domicílio, sito na Avenida da República, (…), 1050-191 Lisboa, por carta registada com AR. O AR foi recebido pela arguida no mesmo dia 27/09/2022 e foi assinado pela Sr.ª (…).
- No dia 26.10.2022, a Recorrente alterou o registo da morada da sede para a Avenida da Liberdade, (…), 1250-143 Lisboa, sendo que até então a sede estava registada na Avenida da República, (…), 1050-191 Lisboa.
- No dia 16/05/2023, a ANACOM notificou o representante legal da arguida para a sede social, sita na Avenida da República, (…), 1050-191 Lisboa, para dar conhecimento da retificação feita ao artigo 1º da matéria de facto da acusação. Onde se referiu «A arguida é prestadora de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público» deveria ler-se «A arguida é prestadora de serviços de comunicações eletrónicas». A notificação foi endereçada para a sede social da arguida por carta registada com AR (v. fls 42), o qual consta de fls 44, tendo sido recebido no dia 15/05/2023, receção assinada pela Srª (…).
- No dia 1 de junho de 2023, a Anacom enviou notificação à Recorrente para efeito de liquidação de taxas, sendo que endereçou a carta para a respetiva sede, ou seja, para a Avenida da Liberdade, (…), 1250-143 Lisboa.
- No dia 29 de novembro de 2023, a Anacom proferiu decisão administrativa de condenação da agora Recorrente.
- A Anacom enviou a decisão administrativa, através de carta registada com aviso de receção, tendo como destinatário a Recorrente, para a morada Avenida da República, (…), 1050-191 Lisboa.
- No dia 05.12.2023, o aviso de receção foi assinado por (…).
- No dia 08.01.2024, a Recorrente enviou a impugnação judicial para a ANACOM por email.
Na impugnação da decisão administrativa a Recorrente, além do mais, alegou que a notificação da decisão final não foi efetuada na sede da arguida e, em conformidade, pugnou pela sua nulidade (artigo 120.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, al. d).
- A Recorrente afirma ter tido conhecimento do teor da decisão administrativa no dia 14 de dezembro de 2023.
- O Tribunal a quo, por despacho de 8 de fevereiro de 2024, notificou a Recorrente para se pronunciar sobre a extemporaneidade na apresentação da impugnação judical.
- A Recorrente repondeu à notificação, conforme requerimento de 8 de fevereiro de 2024, dando conta que “desconhece quem assinou o aviso de receção em 5/12/2023”, sendo que “não foi nenhum funcionário ou legal representante” ; que “alterou a sede social para a Avenida da Liberdade, (…), 1250-143 Lisboa tendo promovido o respetivo registo comercial através da AP. 20221026”; que essa “alteração … foi conhecida pela ANACOM, que em 1 de julho de 2023 notificou a Impugnante, na sua sede social alterada … para liquidação de taxas”; que “apenas recebeu na sua sede social a notificação da decisão impugnada em 14 de Dezembro de 2023.” 
- No dia 14/02/2024, foi proferido despacho judicial que rejeitou o recurso por intempestividade.
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IV - O Direito
O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. os artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal).
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- Da nulidade da decisão.
A Recorrente pugna pela nulidade da decisão em crise por, no seu entender, incorrer em vício previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.
Para o efeito alega que “a decisão impugnada ter julgado determinadas alegações, presentes no Requerimento de 8 de Fevereiro de 2024, considerando-as “escritas” em detrimento de outras alegações do mesmo articulado, que foram consideradas como “não escritas” e que “Impõe-se ao Tribunal a Quo apreciar e julgar o alegado como um todo e não segmentar “partes” que interessem à sua fundamentação e não apreciar “partes” que a contrariem, não se pronunciando sequer sobre o seu conteúdo.”
Por sua vez, a Anacom entende que “A Sentença recorrida não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia do Tribunal ad quo relativamente à globalidade da exposição apresentada pela Recorrente em 08.02.2024, porque aquele Tribunal não estava obrigado, nem podia conhecer nem se pronunciar sobre as alegações formuladas pela Recorrente no requerimento que juntou aos autos em 08.02.2024, e que não constavam do recurso de impugnação apresentado em 05.01.2024.”
O Ministério Público, a este respeito, refere que “a arguida deu seguimento à notificação que lhe foi endereçada por via postal com o AR, este assinado pela Srª (…) no dia 05/12/2023. A arguida apresentou recurso, justamente, no seguimento desta notificação. É esta circunstância que permite, só por si, sanar a irregularidade traduzida no envio da dita notificação para o anterior endereço da arguida.
“30. A este respeito importa recordar que no recurso da arguida, interposto da decisão administrativa, nada foi alegado sobre tal irregularidade ou qualquer dificuldade acrescida em tomar contacto com o procedimento sancionatório. De resto, a arguida já sabia da existência deste procedimento desde o dia 26/09/2022 (v. fls 38 e 39), altura em que foi notificada, na morada correspondente à sede social, da acusação da ANACOM para exercer o direito de audição e defesa - v. o disposto no art.º 50.º do RGCO.
Caso a arguida não tivesse reagido ou a leitura dos autos tivesse evidenciado que teve uma efetiva e real dificuldade acrescida para exercer o direito de recurso da decisão administrativa, aí sim, seria de considerar que o seu direito de defesa tinha sido afetado.
31. O AR de fls 97, cujo teor aqui se reproduz, é inequívoco no sentido de permitir inferir que a autora da assinatura, a Srª (…), mantinha contacto direto com a arguida, e que por isso lhe fez chegar prontamente a notificação. Caso contrário o AR teria sido devolvido, o que não aconteceu.
32. O facto de no dia 08/01/2024 o ilustre advogado da arguida, Sr. Dr. (…), ter remetido à ANACOM email com pedido de submissão ao TCRS «da impugnação/recurso em anexo» (v. fls 99), permite, por si só, inferir que o mesmo teve contacto direto com a decisão final da arguida por via daquela notificação.
33. No requerimento de 08/02/2024, a arguida juntou o Doc. 3, respeitante a email que foi enviado a 14/12/2023, pelas 21:24h de (…) para o ilustre advogado Sr. Dr. (…), do seguinte teor: «Boa tarde, Dr. (…)! Segue notificação da ANACOM, recebida hoje, sobre a decisão final do processo referente ao relatório anual de segurança. Fico no aguardo de suas considerações e informações dos próximos passos. Obrigada! Com meus melhores cumprimentos». O Sr. Dr. (…) é um dos destinatários da procuração junta a fls 136. O recurso de impugnação de fls 113 e ss, assim como o presente, que visa a decisão de rejeição do TCRS, foram subscritos pelo Sr. Dr. (…).
34. O email em apreço consolida a conclusão de a arguida ter tomada efetivo conhecimento da notificação assinada no dia 05/12/2023. Demonstra que houve uma cadeia interna que assegurou a transmissão e tratamento dessa notificação desde a primeira hora, não sendo a ANACOM responsável pela organização interna da arguida, maxime, pela interação que existiu entre os colaboradores desta.
Ao afirmar que desconhece a pessoa que assinou o AR de 05/12/2023, a arguida não explica por que razão e como teve conhecimento da decisão final da ANACOM, que permitiu mobilizar o ilustre causídico no dia 14/12/2023. «Segue a notificação da ANACOM, recebida hoje» mais não demonstra que foi recebida a 14/12/2023 pela Srª remetente do email, a Srª (…), sem explicar o encaminhamento que foi dado à decisão final da ANACOM nos dias anteriores.
O recurso de impugnação apresentado pela arguida no dia 08/01/2024 foi totalmente omisso sobre o eventual encaminhamento tardio da notificação da ANACOM. Assim como foi omisso sobre a existência de circunstâncias que tivessem dificultado a reação da arguida para exercício do seu direito de defesa, prova de que o acesso à correspondência recebida da ANACOM no dia 05/12/2023 foi um não problema.”
Vejamos, então.
Dispõe artigo 379.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “nulidades da sentença”, que:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.” (destaque é nosso).
Importa desde já adiantar que não se verifica a apontada nulidade.
Isto porquanto a decisão do Tribunal a quo não corresponde a sentença ou, aplicado ao RGCO, a decisão por despacho judicial que se reporte ao mérito da decisão administrativa.
Na verdade, conforme resulta do confronto dos artigos 63.º e 64.º do RGCO, a decisão em crise é prévia ao conhecimento da decisão administrativa.
Vejamos, então.
Estabelece o referido artigo, sob a epígrafe “Não aceitação do recurso”, que:
“1 – O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
2 – Deste despacho há recurso, que sobe imediatamente.”
Por sua vez, dispõe o artigo 64.º, sob a epígrafe “Decisão por despacho judicial”, que:
“1- O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
4 - Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.
5 - Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contraordenação.”  
Como é bom de ver, e disso deu conta a decisão em crise, o despacho objeto do recurso foi proferido ao abrigo do artigo 63.º, pois que, no seguimento do envio dos autos ao Ministério Público e deste os ter presente ao juiz (valendo como acusação), o recurso foi rejeitado – por meio de despacho – por ter sido feito fora do prazo.
Nessa medida, a abrangência do referido despacho, por força daquele dispositivo legal, mostrava-se bastante circunscrito, tendo o Tribunal a quo dado cumprimento ao mesmo.
Efetivamente, a decisão em crise, depois de fazer um apanhado dos momentos que reputou de relevantes, considerou/ decidiu que o recurso era extemporâneo.
Importa referir que, como é jurisprudência assente, o Tribunal não tem de rebater e/ ou considerar todos os argumentos que os intervenientes processuais suscitem sobre as questões, o que tem, e isso, como referido, foi feito, é de decidir as questões suscitadas, naturalmente, justificando-as.
No caso, como vimos, a questão suscitada, como, aliás, o Tribunal havia dado conta ao Recorrente, aquando do despacho de 8 de fevereiro de 2024, está delimitada pelo artigo 63.º e, mais uma vez, como já referido, foi objeto de resposta/ decisão.
Dito isto, improcede a pugnada nulidade.
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Da insuficiência da matéria de facto provada (para sustentar a decisão de não aceitação do recuro).
A Recorrente pugna ainda que a decisão em crise viola o disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
Alega, a esse respeito, que:
“Consta do processo a certidão permanente do registo comercial da Recorrente na qual não se identifica (…) como legal representante da Recorrente, ou com qualquer outro vínculo legal estabelecido que lhe conferisse representação desta.
Não resulta da matéria de facto provada quando foi a Recorrente notificada da decisão impugnada e a partir de quando se iniciou, efetivamente, o prazo de recurso perante o Tribunal a Quo.
Não obstante foi decidida a rejeição do recurso por alegada – mas não provada – extemporaneidade.
Mais, foi julgado pôr fim ao processo com alegada extemporaneidade, mesmo sabendo que a notificação fora enviada para um local insuscetível de determinar o início da contagem do prazo de recurso.
Deste modo, não estando provado o momento em que se iniciou o prazo de recurso não pode o Tribunal a Quo presumi-lo em desfavor da Recorrente.”
Por sua vez, a este respeito, a Anacom entende que:
“A Sentença recorrida também não enferma de qualquer nulidade por insuficiência dos factos provados, porque o Tribunal a quo não tinha de “dar como provado ou não provado” qualquer factualidade relevante para a decisão de não admissão de recurso, por não se tratar de Sentença de provimento ou não do recurso, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 64.º do RGCO.
E porque para decidir que o recurso de impugnação judicial apresentado pela Recorrente é extemporâneo, o Tribunal a quo considerou os factos que lhe competia considerar e apreciar.
No recurso de impugnação judicial apresentado, a Recorrente não só não colocou em causa que a notificação da Decisão final tivesse ocorrido em 05.12.2023, como confirmou ter sido notificada dessa mesma Decisão.
Não há qualquer contradição insanável na fundamentação da Sentença recorrida porque o Tribunal a quo não julgou da matéria de facto.
Não competia ao Tribunal a quo apurar em que data é que a Recorrente terá sido “efetivamente notificada” porque consta dos autos que essa notificação foi realizada em 05.12.2023, e no recurso de impugnação apresentado a arguida não alegou que “o aviso de receção foi feito por pessoa não associada ou identificada com a Recorrente” ou que a Decisão final não lhe foi notificada na data que consta da assinatura desse mesmo ofício.”
O Ministério Público, a este respeito, extrai os elementos existentes nos autos e concluiu pugnando pela confirmação da decisão em crise.
Cumpre decidir.
Assinale-se que estando em causa o recurso de despacho judicial proferido em processo de contraordenação, o disposto no artigo 75º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27/10 (RGCO) estabelece que “se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Não obstante, dispõe o artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamentos de recurso”, que:
“….
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recuso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) erro notório na apreciação da prova.”
Ora, é também com base nestas disposições que o Recorrente suscita a intervenção deste tribunal.
Vejamos se lhe assiste razão.
*
Para se verificar a insuficiência da matéria de facto para a decisão, “a matéria de facto apurada no seu conjunto terá de ser incapaz para, em abstrato, sustentar a decisão condenatória ou absolutória tomada pelo tribunal. “A afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada perspectiva do objecto do processo, cujos confins são fixados pela acusação e/ou pronúncia complementada pela pertinente defesa. (…) Se se constatar que o tribunal averiguou toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente – afinal o objecto do Processo – ainda que toda ela tenha porventura obtido resposta de «não provado», então o vício de insuficiência está afastado. Os factos pertinentes obtiveram resposta do tribunal, a matéria de facto é bastante para a decisão”.
Assim, apenas quando da própria decisão não decorrem elementos fácticos suficientes para que se possa adotar aquela solução jurídica, em virtude de o Tribunal ter deixado de dar resposta a um facto essencial que integre o objeto do processo, é que se poderá considerar estarmos perante uma insuficiência da matéria de facto.
Nesta medida, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a matéria de facto dada como provada: ali, o que se critica é o facto de o tribunal não ter investigado e apreciado todos os factos que podia e devia, carecendo a decisão de direito de suporte fáctico bastante; aqui, censura-se o facto de o tribunal ter dado como provados factos sem prova suficiente”(cfr. Ac. do STJ de 7 de junho de 2023, proferido no âmbito do processo 8013/19.2T9LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Tal vício ocorre, assim, quando analisada a peça processual, a conclusão nela contida extravasa as premissas por a matéria de facto provada ser insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, sempre na economia da decisão.
Não pode, por isso, incluir-se na insuficiência da matéria de facto a sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/efectuar à forma como os factos dados como provados foram julgados ou enquadrados juridicamente ou sequer àquela como o Tribunal Recorrido valorou a prova produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artigo 127.º, do Código Processo Penal.
Dito de outra forma, aquele vício tem de resultar do texto da decisão recorrida e não de elementos processuais a ela estranhos, ainda que produzidos no âmbito da discussão judicial do caso, designadamente depoimentos testemunhais, pelo que, a insuficiência da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação, ou contradição entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova devem resultar de per si do texto da decisão recorrida e ser analisados em função do aí consignado, conjugado com as regras de experiência.
“Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objecto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento do recurso em matéria de facto” (CCP Comentado, 3.ª Ed revista, António Henriques Gaspar e outros, p. 1291), objecto de recurso que em matéria contraordenacional está excluído do Tribunal de 2ª instância, conforme decorre do referido art.º 75º nº 1 do RGCO.
*
O caso em análise não se subsume à citada norma.
Efetivamente, da análise da decisão proferida pelo Tribunal a quo, salvo melhor opinião, constam factos que subsumidos às normas legais que considerou aplicáveis em termos de notificação de pessoa coletiva, prazo e contagem de prazo para interposição da impugnação judicial, são suscetíveis de concretizar a conclusão a que chegou.
Dito de outra forma, concordando-se ou não com a conclusão a que chegou, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente se mostra notificada com a assinatura do aviso de receção por parte de (…), que ocorreu no dia 5 de dezembro de 2023.
Nessa medida, entendemos que a decisão em crise não padece de insuficiência de factos provados.
*
Tempestividade da impugnação judicial (momento em que se considera notificada a Recorrente e contagem do prazo para o efeito).
A Recorrente pugna ainda que a decisão em crise erra ao considerar notificada a Recorrente e viola regras de contagem do prazo de impugnação.
Alega, a esse respeito, que:
F. A decisão impugnada considerou provado que a notificação da decisão condenatória foi enviada para local diferente da sede da Recorrente e não apurou quando foi efetivamente notificada.
G. Uma vez que o aviso de receção foi feito por pessoa não associada ou identificada com a Recorrente.
H. Logo, não é admissível dar como assente que a notificação tenha ocorrido em 5 de Dezembro de 2023.
I. Não existe qualquer facto que permita julgar este facto como verificado.
J. Este juízo contraria inclusivamente a certidão permanente recebida e aceite no processo e as notificações anteriores expedidas pela ANACOM para a sede correta.
K. A decisão impugnada também viola as regras de contagem do prazo de impugnação.
L. A notificação presume-se realizada no terceiro dia posterior ao registo da carta que a concretize.
M. A expedição da notificação ocorreu no dia 4 de Dezembro de 2023; a notificação presume-se em 7 de Dezembro de 2023.
N. Entre a data da notificação e 8 de Janeiro de 2024 decorreram 20 dias úteis, prazo durante o qual a Recorrente podia impugnar e impugnou a decisão administrativa.
O. Evidencia-se, assim, que a decisão impugnada violou o disposto no n.º 1 do artigo 249.º do CPC e n.º 1 do artigo 104.º do CPP.
P. A decisão impugnada também violou o regime legal aplicável ao “justo impedimento”.
Q. A Recorrente em momento algum invocou “justo impedimento” para a prática de ato processual.
R. A lei processual explicita que independentemente de “justo impedimento”, os atos podem ser praticados nos termos previstos no CPC.
S. Permitindo a lei que o ato possa ser praticado num dos primeiros três dias úteis subsequentes ao termo do prazo (cf. artigo 139.º, n.º 5 do CPC)
T. Consequentemente, a decisão recorrida violou o disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 107.º do CPP e artigo 139.º do CPC.”
Por sua vez, a este respeito, a Anacom entende que:
IV. No recurso de impugnação judicial apresentado, a Recorrente não só não colocou em causa que a notificação da Decisão final tivesse ocorrido em 05.12.2023, como confirmou ter sido notificada dessa mesma Decisão.
V. Não há qualquer contradição insanável na fundamentação da Sentença recorrida porque o Tribunal a quo não julgou da matéria de facto.
VI. Não competia ao Tribunal a quo apurar em que data é que a Recorrente terá sido “efetivamente notificada” porque consta dos autos que essa notificação foi realizada em 05.12.2023, e no recurso de impugnação apresentado a arguida não alegou que “o aviso de receção foi feito por pessoa não associada ou identificada com a Recorrente” ou que a Decisão final não lhe foi notificada na data que consta da assinatura desse mesmo ofício.
VII. O Tribunal a quo não violou as regras de contagem do prazo de impugnação previstas nos artigos 104.º do CPP e 249.º do CPC, porque tais regras não são aplicáveis ao prazo para impugnação judicial de decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima, consagrado no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO.
VIII. O prazo previsto no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO é um prazo administrativo e não judicial, logo não se pode tratar de “prazo para a prática de ato processual” como previsto no artigo 104.º do CPP.
IX. O Tribunal a quo não referiu que a Recorrente invocou “justo impedimento” para a prática de ato processual fora do prazo, nem aplicou o referido instituto ao caso em apreço.
X. O regime previsto no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, não tem aplicação ao prazo de impugnação judicial previsto no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, porque este prazo é administrativo e não judicial, sendo a impugnação judicial «entregue na autoridade administrativa e não no Tribunal (artigo 58.º, n.º 3 RGCO).»
O Ministério Público, a este respeito, extrai os elementos existentes nos autos e concluiu pugnando pela confirmação da decisão em crise.
“35. Como assinalado no despacho judicial agora impugnado, é hoje incontrovertido que o prazo de 20 dias para impugnar a decisão administrativa, previsto no art.º 59º, nº 3 do RGCO, constitui um prazo administrativo que é contado em dias úteis (v. art.º 60º do RGCO) e, por isso, não lhe são aplicáveis as normas dos arts. 104.º e 107.º-A, do CPP.
36. A ANACOM adotou um tipo de notificação (via postal com aviso de receção) que não está previsto nem no CPA (v. art.º 112º, nº 1), nem no CPP (v. art.º 113º, nº 1)10. Trata-se, contudo, de um procedimento mais robusto que a simples remessa postal registada, pois nesta não é documentada a data precisa em que foi recebida pelo destinatário. Daí que nos casos de simples notificação por via postal registada o legislador estabeleça regras de presunção quanto à data da receção.
O Ac. da RG de 29/12/2004, P. 1756/04-2, entendeu que no caso de notificação por via postal, com aviso de receção, se considera a notificação efetuada na data da assinatura do AR. No sentido da admissibilidade desta notificação, mas de se considerar como data da notificação não a aposta no AR, mas necessariamente a do 3º dia posterior ao do registo, vide o Ac. da RL de 23/10/20212, P. 408/09.6TFLSB.L1-5.
37. A solução a adotar não é, pois, unívoca. Propendo a considerar a data do AR, por constituir um plus de segurança para o destinatário relativamente à mera carta registada, na qual não ocorre qualquer intervenção do destinatário ou de um seu colaborador: Se está documentada a data e a identificação da pessoa autora da assinatura, como no caso aqui apreciado quanto ao AR de fls 97, é inegável que a notificação se concretizou, tendo tornado inútil qualquer mecanismo extra de segurança jurídica, como a dilação temporal na receção postal determinada por presunção.
De referir que nos casos de citação de pessoas coletivas, o CPC considera que a mesma se concretiza no caso de ser recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário (art.º 246º, nº 3 do CPC), o que não deixa de ser um elemento de interpretação coadjuvante, apesar de se tratar de uma regra processual civil.
38. Face ao exposto, atentas as circunstâncias do caso acima narradas, é de aceitar como válido o entendimento vertido no despacho judicial recorrido, segundo o qual as datas marco a considerar são o dia 05/12/2023, data em que se iniciou a contagem do prazo, e o dia 08/01/2024, data da remessa do email com apresentação do recurso da arguida.
De acordo com estas datas, o último dia para apresentação do recurso de impugnação da decisão administrativa foi o dia 05/01/2024, como assinalado no despacho judicial recorrido.”
Finalmente, a este respeito, o Exmo. Senhor PGA pugna não haver “segurança (documental) alguma que ateste a data da efecitivadade da notificação, pelo menos em momento anterior a 14.12.23 (5.12.23, em que se respaldam o douto Despacho e as Respostas aludidas), porquanto a opção de anterioridade (5.12.23) implicaria (como reconhecido pelo TCRS, MºPº e autoridade administrativa) presunção (ilidida) de que a dita (…) era representante legal ou alguém credenciado da arguida, o que a certidão permanente exclui, convenhamos.
Nem sequer se pode, por atenção às garantias oferecidas pelo direito contra-ordenacional, plasmadas no art.º 32º,10, CRP, ficcionar que, então, aquela assinante do “AR”, encontrada na sede antiga, seja membro ou colaboradora da organização da arguida, que com ela, pelo menos, detém contacto directo e em cadeia, pois que essa ilação contende com a efectivação do direito de defesa, entrando em terrenos voláteis e movediços, insustentavelmente.
Resta, pois, por exclusão de partes, aceitar que a controvertida notificação só ocorreu (com total e indesmentível segurança e demonstrabilidade) a 14.12.23, dia admitido pela recorrente e suportado no e-mail de 14.12.23, expedido às 21h e 24m, por si junto no requerimento de 8.01.24, sob “doc. 3”, também referido no ponto 33 da Resposta do MºPº.
Ademais, o próprio Tribunal recorrido, com o intercalar Despacho de 8.02.24 parece admitir a possibilidade da extemporaneidade do Recurso, e da sua rejeição, não serem tão óbvias assim.”
Cumpre decidir.
Recorde-se que a decisão em crise considerou extemporânea a impugnação judicial apresentada nos presentes autos e, em consequência, não admitiu.
Estabelece o artigo 59.º do RGCO, sob a epígrafe “Forma e prazo”, que:
“1. A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é suscetível de impugnação judicial.
2. O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3. O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.” (destaque nosso).
Por sua vez, dispõe o artigo 60.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Contagem do prazo para impugnação”, que:
 “1. O prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2. O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
Estabelece o artigo 46.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Comunicação de decisões”, que:
“1. Todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem.
2. Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação.”
Dispõe ainda o artigo 47.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Da notificação”, que:
“1. A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2. A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.
3. No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.
4. Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo de impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.”
Estabelece o artigo 87.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Processo relativo a pessoas coletivas ou equiparadas”, que:
“1. As pessoas coletivas e as associações sem personalidade jurídica são representadas no processo por quem legal ou estatutariamente as deve representar.
2. Nos processos relativos a pessoas coletivas ou a associações sem personalidade jurídica é também competente para a aplicação da coima e das sanções acessórias a autoridade administrativa em cuja área a pessoa coletiva ou a associação tenha a sua sede.” 
Dispõe o artigo 223.º do CPC, sob a epígrafe “citação ou notificação de incapazes e pessoas coletivas”, que:
“1 - Os incapazes, os incertos, as pessoas coletivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º.
2 - Quando a representação pertença a mais de uma pessoa, ainda que cumulativamente, basta que seja citada ou notificada uma delas, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16.º.
3 - As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.”
Estabelece o artigo 246.º do CPC, sob a epígrafe “Citação de pessoa coletiva”, que:
1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.
2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.
4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.
5 - O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória.
6 - Quando a citação for efetuada por via eletrónica, nos termos do n.º 5 do artigo 219.º, não é aplicável a dilação a que se refere o artigo anterior.”
Reportado ao caso em análise, está, portanto, em causa aferir se a Recorrente foi devidamente notificada e, em caso afirmativo, a data que se deve considerar para o efeito.
Vejamos.
Resulta dos autos que a notificação da decisão administrativa foi enviada para a Recorrente, a 4 de dezembro de 2023, por carta registada com aviso de receção, cujo aviso foi assinado por (…), em 5 de dezembro de 2023.
Acresce que a morada para a qual foi envida a referida notificação, Avenida da República, deixara de ser a sede da Recorrente, desde 26 de outubro de 2022, data em que foi alterada no registo das pessoas coletivas, passando a estar sediada na Avenida da Liberdade.
Aliás, no dia 1 de junho de 2023, a Anacom notificou a Recorrente, na morada da Avenida da Liberdade, para efeito de liquidação de taxas.
Mais resulta que, no dia 8 de janeiro de 2024, por email, a Recorrente enviou para a Anacom a impugnação judicial.
Finalmente, que nesta impugnação, além do mais, deu conta que a notificação da decisão final não fora efetuada na sua sede e, em conformidade, pugnou pela sua nulidade, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, al. d), do CPP.
Dito isto, perante o regime legal citado, é manifesto que a notificação da decisão administrativa não foi enviada para a sede (legal) da Recorrente.
Igualmente é manifesto que a Anacom tinha conhecimento da alteração da sede, pelo menos desde 1 de junho de 2023. 
Porém, também resulta que a Recorrente teve conhecimento da decisão administrativa e que, no dia 8 de janeiro de 2024, enviou a respetiva impugnação judicial.
A respeito da notificação da pessoa coletiva Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao RGCO, refere que este diploma “não contém qualquer regra específica para a notificação das sociedades e demais pessoas coletivas. As novas regras para notificação da pessoa coletiva no CPP não são aplicáveis no âmbito do RGCO, pois elas supõem a indicação da morada nos termos da al. c) do n.º 5 do artigo 196.º, que não tem lugar no processo contraordenacional (ver artigo 113.º, n.º 16, do CPP). Sendo assim, a notificação da pessoa coletiva em processo contraordenacional deve ser feita no termos do artigo 246.º do CPC (acórdão do TRP, de 28.05.2014, processo 134/12.9TPPRT.P1, e acórdão do TRP, de 2.5.2021, in CJ, XXXVII, 3, 230, referindo-se ao então vigente artigo 236.º do CPC, ou seja, por meio de carta registada com aviso de receção, dirigida ao citando e endereçada para a respetiva sede ou local onde habitualmente funciona a administração).  A notificação deve ser feita na pessoa do legal representante ou na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde habitualmente funciona a administração (acórdão do TRL, de 12.9.2013, processo 385/17.0Y4LSB.L1-3). Se a notificação for feita na sede da pessoa coletiva, sendo nesse local rececionada por pessoa que o respetivo aviso e do qual consta o número do seu documento de identificação, é válida (acórdão do TRE, de 11.7.2013, processo 45/13.0TBETZ.E1).”
Prossegue, o referido autor, dizendo que “na falta da notificação de uma decisão, a decisão não produz efeitos, não se iniciando o prazo para a impugnar (artigo 268.º, n.º 3, do CRP), mas a nulidade deve considerar-se sanada se o arguido vier deduzir a sua defesa (acórdão do TRP, de 19.3.1997, processo 9610331).

O vício da notificação deve ser arguido com o recurso interposto da decisão comunicada, sob pena de sanação do vício (acórdão do TRL, de 16.11.2000, in CJ, XXV, 5, 144). Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal deve declarar inválida a instrução administrativa a partir da notificação viciada. Contudo, se o impugnante se prevalecer na impugnação do direito preterido, a nulidade da notificação viciada deve considerar-se sanada (acórdão do TRC, de 16.5.2018, processo 0242514).” (cfr. Comentário do RGCO, 2.ª Ed., pág. 234 e 235).
Face aos ensinamentos citados, a que aderimos, por deles concordar, resulta que a notificação não foi efetuada conforme o regime legal.
Porém, a Recorrente apresentou impugnação judicial e, além de ter invocada a “nulidade da notificação”, objetivamente impugnou a decisão administrativa.
 Assim, terá de se considerar, face aos referidos ensinamentos, sanada a nulidade da notificação viciada.
O Aresto do mais Alto Tribunal 1/2003, de 16 de outubro de 2003, in DR n.º 21/2003, Série I-A de 25 de janeiro de 2003, pág. 547, de reportado a matéria contraordenacional, perante vícios da notificação, decorrentes do regime legal aplicável à data, consignou que:
“11.7 - Em síntese: a nulidade (insanável) por «falta do arguido, nos casos em que a lei exigir a sua comparência» restringe-se, no processo penal, aos casos em que, obrigando a lei à presença/comparência do arguido em certos actos processuais, v. g., na audiência de julgamento (artigo 332.º do CPP) e no debate instrutório (artigo 300.º), esses actos venham a ser praticados sem a sua presença (ver nota 38).
11.8 - De qualquer modo, a eventual preterição, no decurso da instrução contra-ordenacional, do «direito (processual) de audição» garantido pelo artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações haveria de ficar «sanada» (ver nota 39) - por força do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal - se o arguido viesse a prevalecer-se, na impugnação judicial da «acusação» administrativa, do direito (de defesa) «a cujo exercício o acto anulável se dirigia».
11.9 - Com efeito, não faria sentido (e seria, mesmo, processualmente antieconómico) (ver nota 40) anular a «acusação» (a não ser que a impugnação se limitasse a arguir a correspondente nulidade) se o «participante processual interessado» aproveitasse a impugnação (da «decisão administrativa» assim volvida «acusação») para exercer - dele enfim se prevalecendo - o preterido direito de defesa, em ordem (cf. artigo 286.º, n.º 1) à «comprovação judicial» (negativa) (ver nota 41) da «decisão de deduzir acusação».
11.10 - Com essa excepção (sanação do vício por os participantes processuais se terem prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia), «o legislador procura evitar a anulação do processado por motivos de mera forma, contribuindo para a construção de um sistema menos formalista e mais preocupado com a justiça material. Se o acto, apesar de imperfeito, cumpriu os objectivos para os quais foi pensado pelo legislador [...], não se justifica a sua repetição» (ver nota 42).
O Tribunal a quo depois de considerar, e bem, sanada a nulidade da notificação, deu um “novo passo” e, porque considerou que a notificação ocorreu no dia em que foi assinado o A/R, concluiu pela extemporaneidade da impugnação.
Entendemos, no entanto, que tal “passo” não se mostra conforme à lei.
Vejamos porquê!
Naquela hipótese, ou seja, chegado à conclusão que se mostra sanado o vício, será que também se pode considerar que a notificação ocorreu no dia em que foi assinado o A/R?
Não vemos, com o devido respeito, que aquela conclusão, apesar de salvar o referido vício, permita também “salvar” a putativa data em que ocorreu a notificação.
Recorde-se que o referido “aproveitamento” decorre da própria circunstância de o Recorrente, além de demonstrar efetivo conhecimento da decisão administrativa, se ter defendido (especificadamente) da mesma, ou seja, porque efetivamente exerceu o direito de defesa, tendo demonstrado conhecimento completo daquela, não se vendo, assim, necessidade de declarar o vício que, na prática, acabou por não pôr em causa o direito de defesa.
Dito de outra forma, o vício que se mostra superado é o do conhecimento da decisão administrativa por parte da Recorrente, não havendo, por isso, necessidade de repetir a respetiva comunicação/ notificação.
Porém, já não vemos que o mesmo aproveitamento se possa “estender” à data em que putativamente a mesma foi efetuada, desde logo, pela incerteza quanto à mesma, coisa que, como vimos, não se verifica quanto ao dito conhecimento, assim como, também não se extrai do comportamento processual da Recorrente a sua confirmação (da data em que teve conhecimento).   
Pelo contrário, a Recorrente, além de ter suscitado o vício da decisão administrativa, depois de notificado para se pronunciar sobre o “tempo do recurso”, referiu que apenas teve conhecimento da decisão no dia 14 de dezembro de 2023, ou seja, em data posterior à que consta do A/R enviado para a morada errada. 
Nessa medida, estender o dito aproveitamento ao momento em que ocorreu o conhecimento da decisão (notificação), como o fez o Tribunal a quo, colide com a salvaguarda do exercício do direito de defesa da Recorrente.
Efetivamente, a ser assim, tal como refere o Exmo. Sr. PGA, estaríamos a presumir que o conhecimento ocorreu numa data, sem, porém, terem sido observadas as regras legais para a notificação e, ainda, sem que do respetivo comportamento processual se possa igualmente inferir ter aquele ocorrido nessa mesma data.
Dito isso, concluindo como fez o Tribunal a quo, estaríamos a limitar/ condicionar o exercício de um direito sem a segurança que, julgamos, decorre e exige o regime geral das notificações.
Pelo exposto, seja pela incerteza quanto ao momento, seja pela garantia do direito de defesa do Recorrente, julgamos, pois, que não se pode considerar a data da assinatura do AR, ou seja, o dia 5 de dezembro de 2023, porque não efetuada na sede da Recorrente ou em local onde habitualmente funciona a sua administração, para efeito do início do prazo de apresentação da impugnação judicial.
Resta assim, na falta de outros elementos e guiados pela necessidade de salvaguardar o direito de defesa e a sua compatibilização com o aproveitamento (possível) dos atos processuais, declarar para efeito do início daquele a data em que o mesmo admitiu ter tido conhecimento da decisão, ou seja, o dia 14 de dezembro de 2023. 
Finalmente, considerando que se está perante um prazo administrativo que suspende-se aos sábados, domingos e feriados e, caso não seja possível praticá-lo no último dia, o mesmo transfere-se para o dia útil seguinte, conforme decorre do artigo 60.º do RGCO, julgamos que a impugnação foi apresentada em tempo.
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Por todo o exposto, julgamos procedente o recurso apresentado pela Recorrente, determinando, em consequência, que o Tribunal a quo admita a referida impugnação judicial.
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V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso apresentado, determinando a admissão da impugnação judicial.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 10 de abril de 2024
Bernardino Tavares
Armando Manuel da Luz Cordeiro
Alexandre Au-Yong Oliveira