TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
REINCIDÊNCIA
TENTATIVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário


I- A introdução dissimulada em Estabelecimento Prisional e entrega a recluso durante uma visita, de 15,445 gramas de cocaína, com um grau de pureza de 37,8, suficiente para 178 doses individuais, de 9,369 gramas de canábis (folhas/ sumidades), com um grau de pureza de 2,4 % (THC), suficiente para 4 doses individuais e de 21,181 gramas de Heroína, com um grau de pureza de 12,3%, suficiente para 25 doses individuais não configura crime de tráfico de menor gravidade p.p. no artº 25º mas sim no artº 21º do DCL15/93, agravado por reincidência do arguido.

II- A detenção de estupefaciente é por si um acto consumado do crime de tráfico e não constitui mera tentativa.

III- A sua introdução e detenção no EP assume um grau de censurabilidade com maior ressonância face ao perigo de disseminação inerente, embora não se tenha provado em concreto que o estupefaciente fosse detido para disseminação pela população prisional e tendo o arguido problemas de adição. Trata-se de quantidade que, não sendo elevada, também não é diminuta, sobretudo tendo em conta a diversidade das doses de cocaína e de heroína determinadas como alcançáveis em função da qualidade e do peso.

IV- Sem curar de analisar a problemática inerente a um tipo penal que deixa em aberto a caracterização da ilicitude da conduta como diminuta, tem-se considerado na jurisprudência que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento, avaliando não só a quantidade como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a atividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da atividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o “posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina”10.

V- O artº 21.º do DL 15/93 assume «cariz matricial» em relação ao crime do artº 25.º, sendo certo que, só quando se provem as contingências deste último artº, se deve afastar a conduta da previsão do artº 21.º, n.º 1. Assim, tendo em conta a análise global dos factos provados, face àquele modo de introduçºao em EP, á natureza e quantidade de estupefaciente não pode concluir-se por uma diminuição “considerável” da ilicitude, tal como o determina o disposto no artº. 25.º, do DL n.º 15/93.

VI- Tendo em atenção, no entanto, a agravação em 1/3, do mínimo da moldura abstracta do artº 21º, pela reincidência, a exigibilidade e operatividade de uma pena concreta de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão revela-se mais equilibrada, suficiente, proporcional e dissuasora, se comparada com outros casos de gravidade bem maior em que avultam quantidades de estupefaciente apreendidas e penas equivalentes (como acontece, v.g, com as aplicadas a correios de droga no tráfico internacional).

Texto Integral






Acordam em Conferência na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I-RELATÓRIO


1.1-Por acórdão de 7 de Junho de 2023, proferido no Juízo Central Criminal de ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto foi o arguido AA condenado, pela prática, como coautor material, na forma consumada, e como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas a este diploma legal, e artºs 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.


1.2- Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto.


Apresentou motivação com brevíssimas conclusões e o MP respondeu.


1.3- Após, por decisão sumária de 06.02.2024, proferida no Tribunal da Relação do Porto, foi declarado não ser esse tribunal o competente para o conhecimento do recurso, sendo-o antes este Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido ordenada a remessa dos autos em conformidade.


Para o efeito, considerou-se nessa decisão que:

“ (…)pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior - artº 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) o recorrente AA - apesar de afirmar fazê-lo - não impugna a matéria de facto, contestando, sim, o enquadramento jurídico-penal da factualidade dada como provada (pretende a condenação por tráfico de menor gravidade do artº. 25 do citado Decreto Lei), insurgindo-se, também, contra a determinação da medida concreta da pena que lhe foi fixada em 6 anos e 8 meses de prisão (concluindo que a condenação em cinco anos de prisão, suspensa na sua execução seria suficiente).

Nos termos do disposto no artº 432.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 (cinco) anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, não sendo admissível recurso prévio para a Relação.

Por conseguinte, sendo este o caso, deverão os autos ser remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, por ser o competente para conhecer do presente recurso.

(…)”

1.4 - O recorrente AA, inconformado com aquela condenação do tribunal a quo, apresentou as seguintes conclusões:


“(…)

1. - Foi condenado o arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente, p. e p. pelo artº. 21º n.º 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I- A, I- B e I-C anexa aquele diploma e artºs. 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

2. -a Com todo o respeito que é muito, o arguido não se compadece com a decisão proferida nem com a respetiva solução, razão pela qual vem impugnar a matéria de facto e de direito quanto à qualificação do tipo legal de crime.

3. - A condenação do arguido/Recorrente pela prática em coautoria material, de um tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artº. 25º alínea a) com respetiva referência ao artº. 21º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro e às tabelas I- A, I- B e I-C anexa aquele diploma, numa pena não superior a cinco anos, suspensa na sua execução ficariam garantidas todas as finalidades da punição.

4. - Diante do exposto a punição do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente, p. e p. pelo artº. 21º n.º 1 do Decreto-Lei referência às tabelas I- A, I- B e I-C anexa aquele diploma e artºs. 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, entende-se manifestamente descomedida.

5 - Deste modo em nome da Justiça e da equidade deve o arguido ser condenado a uma pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na sua execução.”

1.5- Em Resposta no TRP, o MPº considerou, no que agora ao tema admissível do recurso releva:

[“(…)

No que concerne à impugnação em matéria de direito, o recorrente limita-se a alegar existir erro na qualificação jurídico-penal, aludindo-se a um crime tentado, novamente sem invocar um argumento intelegível, sendo certo que o acto de detenção e transporte resultante da matéria de facto apurada é claramente integrador de um crime consumado.

A hipótese, nem sequer ventilada no recurso, do crime de menor gravidade do artº. 25º do DL 15/93, tem de ser prontamente afastada, face à quantidade e qualidade do produto apreendido, artºiculado com a circunstância do crime ser praticado em estabelecimento prisional, o que agrava sensivelmente a ilicitude da conduta, no quadro do tipo legal base do artº.21º pelo qual veio a ser condenado.

(…)

Vem ainda o recorrente reputar a pena de excessiva, pedindo a sua redução e consequente suspensão, novamente sem alinhavara um argumento crítico da decisão recorrida.

O tribunal a quo valorou adequadamente todas as circunstâncias relevantes para a determinação da pena do arguido.

Para além das implicações resultantes da gravidade do crime apurado e do respectivo modo de execução (em co-autoria, promovendo-se o transporte e introdução de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional), não poderia deixar de se considerar, na medida da pena, o passado criminal do arguido, com múltiplas condenações, inclusivamente por crimes de tráfico de estupefacientes, sendo certo que o mesmo não confessou os factos conforme vieram a ser dados como provados.

E, nesta medida, os factos apurados e o que os mesmos revelam quanto à personalidade do arguido, juntamento com a sua conduta anterior revelada pelo teor dos antecedentes criminais e persistência na preferência pela prática de ilícitos, encontrando-se preso ou em OPH desde 2019, apontam para a existência de fortíssimas necessidades de prevenção especial.

Note-se que a pena concreta apurada ficou dentro do primeiro terço da moldura abstratamente aplicável, o que já denota acentuada benevolência.

É, assim, parecer do Ministério Público que todas as vertentes atendíveis, quer as respeitantes à avaliação da ilicitude e culpa dos factos apurados, quer às necessidades de prevenção, geral e especial, do caso, impunham a aplicação de uma pena nunca inferior aos 6 anos e 8 meses apurados.

(…)

Nesta conformidade, rejeitando o recurso interposto pelo arguido e confirmando em todas as suas vertentes o Acórdão recorrido. ]

1.6 - Neste Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer também no sentido da não procedência.


Sinteticamente, desde já diremos que assim concluíu com base na consideração de que:

“(…) a natureza, a variedade e a quantidade dos produtos estupefacientes encontrados em poder do recorrente, e o circunstancialismo concreto, no estabelecimento prisional em que se encontra recluído, permitem perceber a fixação da medida da pena em 6 anos e 8 meses de prisão, quantum que, importa precisar, se situa assaz próximo do limite mínimo, pouco acima do primeiro quartºo da penalidade abstracta aplicável (de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão, recorde-se).

E o que se impõe concluir é que, contrariamente ao pretendido, a pena de 6 anos e 8 meses de prisão aplicada ao recorrente, se configura justa, por adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artºs 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura, pena cuja suspensão na sua execução resulta vedada por lei (artº 50.º, n.º 1, do Código Penal).

Nestes termos, e na linha da tomada de posição do Ministério Público nas instâncias, emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido AA. (…)”

A defesa do arguido, apesar de notificada para os termos do artº 417º nº2 do CPP, não respondeu.


1.7- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.


II- Delimitação das questões a conhecer no âmbito do presente recurso


2.1- Visando permitir e habilitar este Supremo Tribunal a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida e tal como tem sido, aliás, posição pacífica da jurisprudência, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, devidamente congruentes, que o(s) recorrente(s) extrai(em) da respectiva motivação, sem prejuízo da ponderação das questões que sejam de conhecimento oficioso. (1)


Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.


Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.


Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).


2.2- Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das que possam existir de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são duas:

Encontra-se incorrectamente subsumida juridicamente a factualidade provada ao crime de tráfico p.p. no artº21º do DL15/93, devendo antes havê-lo sido no tipo do artº25º e sob a forma tentada?

A pena aplicada foi desproporcional e exagerada, devendo sê-lo, antes, suspensa na sua execução, ao abrigo do artº50º do CP?


III- O Direito


3.1.1- Questão prévia: a competência do STJ para conhecer directamente do recurso.


Nos termos do artº432º nº1 alínea c) do CPP:


recorre-se para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artº 410.º;


Por sua vez o nº 2 dispõe que:


Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artº 414.º “


O recorrente, apesar de exprimir, sem mais argumento ou fundamento algum minimamente desenvolvido ou especificador, querer impugnar a matéria de facto, ficou-se por aí, singelamente, na motivação, sequer invocando razões de discordância da convicção nem tão pouco vícios de decisão e, nas conclusões, apenas se limitou a convocar o questionamento da qualificação jurídica dos factos e a medida da pena.


Consequentemente, não vemos que crítica deva ou possa ser feita ao reenvio directo do recurso para o STJ, através daquela decisão sumária do relator no Tribunal da Relação.


Sufraga-se deste modo o acerto da decisão sumária aludida e assume-se plenamente a competência originária deste Supremo Tribunal na enunciação explicada.


3.1.2 - A qualificação jurídica dos factos: crime do artº21º ou do artº25º do DL 15/93, consumado ou tentado?


3.1.2.1-Embora o recorrente não retome nas conclusões a argumentação da tentativa, que invocou na motivação, deixaremos aqui e, desde logo, uma breve nota sobre essa problemática, já que é matéria de direito atinente à qualificação do crime e à sua modalidade.


Porém, vejamos em primeiro lugar o caso dos autos, na narrativa de facto e de direito:

“(…)

Para julgamento em processo comum e perante Tribunal Coletivo, o Ministério Publico acusou:

AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascido em .../.../1989, solteiro, mecânico, atualmente recluso no E.P. do ... (TIR fls. 77); e

DD, filha de EE e de FF, natural da freguesia de ..., concelho da ..., nascida em .../.../1980, solteira, cabeleireira, residente na Rua ... (TIR fls. 63);

imputando-lhes a prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelos artºs 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), ambos do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I- A, I- B e I-C anexa aquele diploma, devendo o arguido AA ser punido como reincidente, nos termos dos artºs. 75.º e 76.º, do Código Penal.

(…)

2. Fundamentação

2.1. Os factos provados

Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1-Os arguidos, à data dos factos infra descritos, eram namorados.

2. Em data não concretamente apurada, o arguido AA pediu à arguida DD, que introduzisse no interior do E.P. do ..., onde se encontrava recluso, produto estupefaciente, nomeadamente cocaína, heroína e cannabis (folhas/ sumidades), que foi aceite pela arguida DD.

3. Na execução do plano delineado entre ambos, no dia 08/05/2022, pelas 15h00, a arguida DD deslocou-se até ao E.P. do ..., sito na ..., em ..., com o propósito de visitar o seu namorado, o arguido AA, e de lhe entregar o produto estupefaciente que este lhe tinha solicitado, que transportava oculto no seu soutien.

4. No decurso da visita, a arguida DD retirou o produto estupefaciente do interior do seu soutien e entregou por debaixo da mesa ao arguido AA as seguintes substâncias que trazia consigo, que o arguido AA ocultou no interior das calças que trajava junto aos seus genitais:

Uma embalagem (saco) plástica, contento no seu interior 15,445 gramas de cocaína, com um grau de pureza de 37,8, suficiente para 178 doses individuais;

Uma embalagem (saco) plástica, contendo no seu interior 9,369 gramas de canábis (folhas/ sumidades), com um grau de pureza de 2,4 % (THC), suficiente para 4 doses individuais;

Uma embalagem (saco) plástica, contendo no seu interior 21,181 gramas de Heroína, com um grau de pureza de 12,3%, suficiente para 25 doses individuais.

5. Quando terminou a visita, o arguido AA, na posse de tais substâncias, encaminhou-se para o interior da sua ala no E.P., altura em que foi submetido a uma revista que detetou tais substâncias na sua posse.

6. A arguida DD transportou consigo e deteve na sua posse, sem que para tal estivesse autorizada, o produto estupefaciente referido, visando a cedência do mesmo ao arguido AA, seu namorado, como cedeu.

7. Por seu turno, o arguido AA deteve na sua posse tais substâncias estupefacientes sem para tal se encontrar autorizado, com o propósito concretizado de as introduzir no interior do E.P. onde se encontrava recluso.

8. Os arguidos agiram sempre em comunhão de esforços e conheciam a natureza e as características estupefacientes da substância apreendida.

9. Os arguidos sabiam que tal conduta lhes estava vedada por lei e, tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiram de a realizar, agindo de forma livre, deliberada e consciente.

10. O arguido AA foi condenado no âmbito do processo comum singular n.º 52/19.0..., que correu termos no Juízo Local Criminal de ..., por sentença transitada em julgado em 13/11/2020, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão efetiva, pela prática:

Em 10/10/2019, de um crime de detenção de arma proibida;

Em 10/10/2019, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade;

Em 27/11/2019, de um crime de detenção de arma proibida;

Em 28/10/2019, de um crime de detenção de arma proibida.

11. À data dos factos descritos supra o arguido AA encontrava-se em cumprimento da referida pena.

12. Entre a data da prática dos crimes por que foi condenado no âmbito do referido processo e a prática do crime por que ora é acusado não passaram ainda 5 (cinco) anos.

13 - O arguido já sofreu diversas condenações pela prática de crimes, das

quais se destacam, para além da referida, as seguintes:

- Por sentença de 11 de Maio de 2009, proferida no Processo Sumário nº 570/09.8... do ... Juízo Criminal de ..., transitada em julgado em 29 de Junho de 2009, pela prática, em 10 de Maio de 2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 7, o que perfaz o montante global de € 770 (Setecentos e setenta Euros),pena essa que foi, entretanto, declarada extinta pelo pagamento da multa;

- Por sentença de 28 de Setembro de 2009, proferida no Processo Sumaríssimo nº 856/08.9... do ... Juízo Criminal de ..., transitada em julgado em 28 de Setembro de 2009 (artº397º, nº 2, do Código de Processo Penal), pela prática, em 24 de Abril de 2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 7, o que perfaz o montante global de € 420 (Quatrocentos e vinte Euros), pena essa que foi, entretanto, declarada extinta pelo pagamento da multa;

- Por sentença de 15 de Julho de 2010, proferida no Processo Sumário nº 683/10.3... do ...Juízo Criminal de ..., transitada em julgado em 5 de Agosto de 2010, pela prática, em 24 de Junho de 2010, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz o montante global de € 720 (Setecentos e vinte Euros), pena essa que foi, entretanto, declarada extinta pelo pagamento da multa;

- Por sentença de 5 de Novembro de 2010, proferida no Processo Comum (Tribunal Singular) nº 1584/09.3... do ... Juízo Criminal de ..., transitada em julgado em 26 de Novembro de 2010, pela prática, em 17 de Dezembro de 2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, pena essa que, entretanto, foi declarada extinta;

- Por sentença de 5 de Maio de 2014, proferida no Processo Sumário

nº 432/14.7... do ... Juízo Criminal de ..., transitada em julgado em 4 de Junho de 2014, pela prática, em 4 de Maio de 2014, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 (um) ano, pena essa que, entretanto, foi declarada extinta, sem revogação da suspensão; e pela prática, em 4 de Maio de 2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, o que perfaz o montante global de € 487,50 (Quatrocentos e oitenta e sete Euros e cinquenta cêntimos), pena essa que, entretanto, foi declarada extinta;

- Por sentença de 19 de Abril de 2016, proferida no Processo Sumário nº 274/16.5... do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., transitada em julgado em 19 de Maio de 2016, pela prática, em 6 de Abril de 2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 72 (setenta e dois) dias de prisão por dias livres, pena essa que, entretanto, foi declarada extinta, pelo respectivo cumprimento;

- Por sentença de 27 de Janeiro de 2016, proferida no Processo Sumário nº 29/16.7... do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., transitada em julgado em 26 de Fevereiro de 2016, pela prática, em 11 de Janeiro de 2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 (um) ano de prisão, substituída por 365 (trezentos e sessenta e cinco) horas de trabalho a favor da comunidade, posteriormente substituída por 303 (trezentos e três) dias de prisão, em regime de permanência na habitação;

- Por sentença de 31 de Julho de 2019, proferida no Processo Sumário nº 563/19.7... do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ... transitada em julgado em 1 de Outubro de 2019, pela prática, em 16 de Julho de 2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, em regime de permanência na habitação, pena essa que, entretanto, foi declarada extinta pelo respectivo cumprimento;

- Por sentença de 22 de Outubro de 2019, proferida no Processo Sumário nº 37/19.6... do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., transitada em julgado em 22 de Novembro de 2019, pela prática, em 29 de Agosto de 2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, em regime de permanência na habitação;

- Por sentença de 6 de Janeiro de 2020, proferida no Processo Comum (Tribunal Singular) nº 19/19.8... do Juízo Local Criminal da ... – Juiz ..., transitada em julgado em 5 de Fevereiro de 2020, pela prática, em 16 de Agosto de 2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; Pela prática, em 26 de Março de 2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; Pela prática, em 16 de Agosto de 2018 e em 26 de Março de 2019, de um crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, na pena de 2 (dois) anos de prisão; e em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.

- Por sentença de 16 de Março de 2021, proferida no Processo Comum (Tribunal Singular) nº 52/19.0... do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., transitada em julgado em 5 de Fevereiro de 2020, pela prática, em 23.11.2020, de um crime de tráfico de menor gravidade, em 10.10.2019, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e de detenção de arma proibida, em 27 e 28.10.2019 na pena de 4 meses de prisão e na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão.

14- A arguida não possui antecedentes criminais.

Quanto à situação económica, familiar, social e profissional dos arguidos provou-se que:

(…) O arguido AA

AA é o mais novo de um grupo de cinco irmãos, de estrato socioeconómico desfavorecido e cujo processo educativo foi caracterizado por uma dinâmica familiar pouco equilibrada. Assim, as dificuldades económicas vivenciadas pela família e o alcoolismo da figura paterna, foram fatores que potenciaram a ocorrência de conflitos e constrangimentos na dinâmica do agregado.

Reporta o início do consumo de estupefacientes aos 16 anos, em contexto de grupo de pares, que evoluiu até à dependência de drogas de forte poder aditivo, problemática que sempre minimizou ao longo da sua vida. Sensivelmente em agosto de 2019 iniciou tratamento de desintoxicação no Centro de Respostas Integradas (CRI) do ..., beneficiando de consultas de psiquiatria, com prescrição medicamentosa.

AA tinha sensivelmente 17 anos quando abandonou o agregado de origem para estabelecer união de facto com aquela que viria a constituir-se como a sua companheira, existindo três filhos menores desta relação. Esta união foi pautada por separações e reconciliações, na sequência do consumo de estupefacientes protagonizado pelo condenado, tendo ocorrido o seu termo sensivelmente em outubro de 2020.

Possui como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade, tendo abandonado o percurso escolar com 15 anos, com registo de retenções, devido ao desinteresse demonstrado.

Regista um percurso profissional iniciado precocemente e irregular, com colocações profissionais pouco qualificadas e por curtos períodos, nomeadamente na área da construção civil e eletricidade, alternados com vários ciclos de desemprego. Conheceu ainda um curto período de emigração durante alguns meses em .... A companheira de AA efetuava trabalhos esporádicos, nomeadamente na área da restauração, vivendo o agregado durante vários anos na dependência de apoios sociais, nomeadamente da atribuição da prestação de Rendimento Social de Inserção (RSI).

AA nunca desenvolveu qualquer atividade profissional regular que lhe permitisse a sua autonomização e a sua rede relacional sempre esteve ligada a indivíduos com comportamentos relacionados com a problemática aditiva, mantendo um percurso laboral irregular e incipiente, alternado com os períodos de privação da liberdade.

A imagem social do arguido foi-se construindo na comunidade de residência (...) de forma negativa, assumindo um estilo de vida considerado desadequado.

AA regista antecedentes criminais, tendo sido já várias vezes condenado em medidas privativas e não privativas da liberdade, com acompanhamento pela equipa da DGRSP territorialmente competente, com registo de baixa adesão às obrigações decorrentes do mesmo e que deram inclusivamente origem a revogações e conversão em pena de prisão.

Sensivelmente desde o início de 2018, AA fixou residência no ..., correspondendo a um apartamento de tipologia T3, de habitação social, pelo qual pagava uma renda mensal de 4,26€.

O agregado familiar era composto pelo arguido, ex-companheira e pelos três filhos do casal, menores, sendo a subsistência daquele núcleo familiar assegurada por prestações de cariz social, beneficiando ainda do apoio possível por partºe da progenitora do arguido.

O casal mantinha um ciclo de separações e reconciliações atribuídas à instabilidade decorrente da problemática aditiva que AA vinha assumindo há vários anos.

AA foi em 11/09/2019 sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por vigilância eletrónica (OPHVE), à ordem do proc. 19/19.8..., do Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz ....

Iniciou acompanhamento no Centro de Respostas Integradas (CRI) do ... - ET de ..., em julho de 2019, mas com registo de baixa adesão às orientações terapêuticas, apresentando indicadores de manutenção do consumo de estupefacientes, consubstanciados nos incumprimentos da medida de OPHVE, dado ausentar-se da habitação, apesar de judicialmente proibido, durante o período noturno.

Assim, em 29/11/2019 foi conduzido ao Estabelecimento Prisional ..., onde foi colocado em prisão preventiva, na sequência de mandado de condução emitido no âmbito do proc. 52/19.0... do Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz ... indiciado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes durante o período de OPHVE.

No entanto, em 14/10/2020 foi novamente conduzido à habitação para cumprimento da pena de 1 ano e 8 meses de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, à ordem do proc. 37/19.6... do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., por decisão transitada em julgado em 22/11/2019. A execução da pena iniciou-se na habitação do agregado constituído pela ex-companheira e filhos, no entanto, as incompatibilidades relacionais e consequente rutura da relação determinou a alteração de residência de AA para o agregado materno durante a execução da pena, interrompida em 17/02/2021, data em que foi novamente conduzido ao Estabelecimento Prisional ....

2.2. Os factos não provados

A- Que a actividade descrita em 2 e 7 fosse com vista à posterior cedência e alienação do produto estupefaciente pela comunidade prisional.

(…)

3.1. Enquadramento jurídico-penal

Perante o elenco factual provado, cumpre ora proceder, sem mais delongas, ao respectivo enquadramento jurídico-criminal.

Aos arguidos vem imputada a prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado previsto e punido pelos artº. 21º, nº 1 e 24º, al. h) do DL 15/93 de 22 de Janeiro.

A incriminação do facto típico abrangentemente designado por “tráfico de estupefacientes” tutela bens jurídicos diversos, tais como a vida, a integridade física e a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes. Há mesmo quem acrescente “protecção da própria humanidade”, se encarada a sua destruição a longo prazo.

Porém, tudo se pode resumir no conceito de saúde pública em geral.

No que respeita à natureza do crime de tráfico, na dogmática das qualificações penais, pode dizer-se que se trata de um crime de perigo abstracto, na medida em que se não exige, para a sua consumação, o dano ou o perigo de dano de um dos concretos bens jurídicos protegidos com a incriminação, mas somente a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos.

A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para os supra mencionados bens, a que acrescem valores de tranquilidade e coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade, considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine.

Esclarecida a natureza do crime, cumpre analisar os seus elementos, quer objectivos, quer subjectivos.

São elementos objectivos do crime previsto no artº. 21º, o cultivo, a produção, a extracção, a venda, a distribuição, a cedência, a detenção (entre outras situações também previstas pelo legislador) sem autorização, fora dos casos previstos no artº. 40º (consumo) de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.

A estes elementos objectivos deve, naturalmente, acrescer o elemento subjectivo, o dolo.

A natureza ilegal da substância apreendida tem que estar demonstrada no processo, isto para todos os crimes relativos a estupefacientes. Por isso é necessário proceder ao exame laboratorial das substâncias apreendidas, em conformidade com o artº. 62º do D.L. nº 15/93, de 22/01 e, bem ainda, artº. 10º, n.º 1, da Portaria n.º 94/96 de 26.03, segundo o qual «na realização do exame laboratorial referido nos nºs 1 e 2 do artº 62º (…) o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência».

*

O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém, pois, a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes.

Já em relação à agravação postulada pelo artº. 24º “As circunstâncias de agravação, que, como tal, integram o tipo agravado, e pertencem, num certo limite, ainda à tipicidade, têm refracções consequenciais na ilicitude por adensarem o nível do ilícito, revelando maior contributo na dimensão do perigo para os bens jurídicos que as incriminações dos tráficos de estupefacientes se destinam a tutelar.

A maior dimensão da ilicitude que a agravação traduz há-de ser essencial para a interpretação e integração da referida noção indeterminada, que, por integrar ainda por si um elemento do tipo agravado, requer a definição segundo o modelo de rigor que tem de ser próprio à definição dos elementos da tipicidade.

A agravação supõe, pois, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base - os artºs 21º, 22º e 23º do referido Decreto-Lei, e consequentemente, uma dimensão que, moldada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o círculo base das descrições-tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base…” – assim, Ac. do STJ no âmbito do processo n.º 04P4221, datado de 26.01.2005, em que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro Dr. Henrique Gaspar.

Dito isto, e analisada criticamente toda a prova produzida nos moldes supra enunciados, resulta provado que no decurso da visita, a arguida DD retirou o produto estupefaciente do interior do seu soutien e entregou por debaixo da mesa ao arguido AA as seguintes substâncias que trazia consigo, que o arguido AA ocultou no interior das calças que trajava junto aos seus genitais:

Uma embalagem (saco) plástica, contento no seu interior 15,445 gramas de cocaína, com um grau de pureza de 37,8, suficiente para 178 doses individuais;

Uma embalagem (saco) plástica, contendo no seu interior 9,369 gramas de canábis (folhas/ sumidades), com um grau de pureza de 2,4 % (THC), suficiente para 4 doses individuais;

Uma embalagem (saco) plástica, contendo no seu interior 21,181 gramas de Heroína, com um grau de pureza de 12,3%, suficiente para 25 doses individuais.

Quando terminou a visita, o arguido AA, na posse de tais substâncias, encaminhou-se para o interior da sua ala no E.P., altura em que foi submetido a uma revista que detetou tais substâncias na sua posse.

A arguida DD transportou consigo e deteve na sua posse, sem que para tal estivesse autorizada, o produto estupefaciente referido, visando a cedência do mesmo ao arguido AA, seu namorado, como cedeu.

Tendo presente o teor do exame efectuado pelo, não se nos oferece dúvidas a natureza e quantidade do produto apreendido; e que os arguidos conheciam as características estupefacientes de tal substância, assim como sabiam que tal posse era proibida.

Perante a quantidade e qualidade de estupefaciente apreendido e número de doses a que se destinava, facilmente se constata encontrar-se ultrapassada a quantidade aceitável como necessária para consumo médio individual durante o período de 10 dias.

(…)

O arguido não admitiu que o produto estupefaciente se destinava à venda ou cedência dentro do EP, pelo que tal facto teve que ser dado como não provado. Seja como for, o preenchimento do tipo basta-se com a mera detenção (ilícita) de estupefacientes.

Os arguidos não se encontravam autorizados para tal conduta, encontra-se, pois, preenchido o elemento típico objectivo do crime de tráfico.

Os arguidos nunca deixaram de estar conscientes da ilicitude das suas condutas, conformando-se com ela.

*

Como vimos, aos arguidos vem imputada a prática, em co-autoria, do crime de estupefacientes agravado por força do disposto no artº. 24º, al. h) do Decreto-Lei 15/93 de 22.01, supra elencado.

Serão, no entanto, tais factos susceptíveis de integrarem o tipo legal de crime agravado previsto no artº. 24º, al. h), cuja prática lhe vem imputada e que prevê uma agravação da moldura penal prevista no artº. 21º, entre o mais, quando a infracção tiver sido cometida em estabelecimento prisional?

A primeira questão que se coloca é determinar se essa circunstância agravante tem efeito automático ou obrigatório, de tal modo que o seu preenchimento não possa ser afastado.

Como vem sendo entendido pela jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, com a qual concordamos, o facto de o ilícito ter sido cometido em estabelecimento prisional não tem um efeito agravativo automático.

Efectivamente, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/6/06, proferido no processo nº 06P1796 e publicado em www.dgsi.pt, (…)

No mesmo sentido vejam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos do STJ de 8/2/06 (proc. nº 399/04.0), de 30/3/05 (proc. 3963/04), de 21/4/05 (proc. n.º 1273/05), de 14/7/04 (proc. n.º 2147/04), de 2/5/07 (proc. nº 1013/07), de 7/7/09 (proc. nº 52/07.2PEPDL.S1) e de 2/12/13 (proc. nº 116/11.8JACBR.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.

Assente que está o não funcionamento automático da circunstância agravante prevista na alínea h) do artº. 24º do DL 15/93, coloca-se uma segunda questão, saber se, no caso, essa agravante se mostra preenchida.

Como se refere no Acórdão do STJ 2/5/07 (proc. nº 1013/07), “o intuito do legislador, com a agravante da al. h) do artº. 24º do DL nº 15/93, de 22/1, é a de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e perigos de contacto com os estupefacientes, e não a defesa da autoridade do Estado dentro de certos territórios. Sendo aquela a razão de ser da agravante modificativa, natural é que a agravação só deva funcionar quando se provar que, no caso, a conduta traduz um perigo acrescido para a saúde daquelas populações.

Donde, não é simplesmente a ocorrência do tráfico de estupefacientes num dos lugares referidos no preceito, por exemplo o “estabelecimento prisional”, que determina automaticamente a agravação. Necessário é que o tráfico, para além de ocorrer aí, constitua um ilícito agravado relativamente ao “comum”, por pôr em perigo a saúde daqueles que a lei quer especialmente proteger.

Existirá ilícito agravado, em princípio, quando houver disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, quando a quantidade for significativa, ou quando a intenção for meramente lucrativa. É a análise do caso que determinará a verificação, ou não, da agravação.

Não se verificando a agravação e reconduzidos os factos ao crime comum do artº. 21º do mesmo diploma, nada obsta a que eles possam ser subsumidos ao artº. 25º, também do DL nº 15/93, desde que, evidentemente, os respectivos pressupostos (menor gravidade) estejam reunidos

No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ de 7/7/09 (proc. nº 52/07.2PEPDL.S1) ao considerar que, sendo a razão de ser da agravação a perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e o grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta, a mesma só deverá funcionar perante comportamentos através dos quais se haja processado a difusão de substâncias estupefacientes pelos estabelecimentos prisionais ou, pelo menos, face a condutas potenciadoras desse perigo.

Concluindo que, “no caso de mera detenção, por partºe de recluso, de pequenas quantidades de heroína e de canábis, sendo o arguido consumidor de substâncias estupefacientes, não se pode configurar a existência de difusão ou perigo de difusão da droga pelos reclusos, havendo que afastar a aplicabilidade da al. h) do artº. 24º do DL 15/93”.

Na mesma senda, o acórdão do STJ de 15/02/07, Proc. nº 4092/06 - 5ª Secção Rodrigues da Costa (relator), onde se consignou, “a lei considera que o crime praticado nas instalações de um estabelecimento prisional, tal como de um estabelecimento de educação, de acção social ou de tratamento de consumidores de droga, é mais grave, quer devido às características funcionais desses estabelecimentos, quer aos objectivos que lhes presidem, quer ainda ao maior perigo de disseminação do consumo pelas pessoas que os frequentam. Não é a qualidade de “preso” do agente (no caso de se tratar de um estabelecimento prisional) que confere gravidade à conduta; é o facto de a infracção ser praticada nos referidos espaços, com desprezo por aquelas características, objectivos e acentuação do perigo de disseminação.

Não comete o crime agravado de tráfico de estupefacientes o agente, que, como único elemento de conexão com o espaço prisional tem apenas o facto de estar preso em cumprimento de pena por outro crime”.

Transpondo estas considerações para o caso concreto, verificamos que não resulta da matéria de facto que o arguido pretendesse disseminar a droga que detinha pela população prisional do Estabelecimento Prisional ... e que com isso pretendesse obter lucro, motivo pelo qual entendemos que, no caso concreto, não está atingida a razão de ser da agravação em referência e, consequentemente, não há lugar à agravação prevista no artº. 24º do DL 15/93.

Ao assim dispor, a factualidade provada é repristinada ao enquadramento legal do crime comum do artº. 21º.

Não se verificando a agravação os factos são reconduzidos ao crime comum do artº. 21º do mesmo diploma pois, para que o tipo objectivo se preencha, basta a mera detenção ilícita daqueles produtos estupefacientes.

É certo que o artº. 25º do mesmo diploma legal dispõe que “Se nos casos dos artºs 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de (a) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI, consagrando o crime de tráfico de menor gravidade.

Porém, no caso em apreço, considerando a quantidade de estupefaciente apreendida, o número de doses que permitiria obter, a qualidade do produto- cocaína, heroína e canábis-, a circunstância de os factos terem ocorrido em ambiente prisional, julgamos que a situação não se enquadra na nitidamente na menor ilicitude reclamada pelo artº. 25º.

Resulta do exposto que a conduta dos arguidos se subsume à previsão dos elementos objectivos e subjectivos do artº. 21º, nº 1 do DL 15/93, tendo os arguidos agido com dolo, na modalidade de dolo directo, nos termos do disposto pelo artº 14º, nº 1 do Código Penal. Efectivamente age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção de o realizar, sendo ainda a conduta dos arguidos culposa, pois, sendo imputáveis, actuaram com consciência da ilicitude.

(…)

A moldura penal abstractamente prevista é de prisão de 4 a 12 anos, conforme o disposto pelo artº. 21º, nº 1 do DL 15/93 de 22/1.

(…)

No caso há que valorar:

- Ao nível da ilicitude, o facto de o crime ter sido cometido em estabelecimento prisional;

- A intensidade do dolo, directo;

- O modo de actuação dos arguidos;

- A circunstância de se tratar apenas de uma actuação;

- A qualidade das substâncias detidas pelos arguidos, cocaína, heroína e canabis, aqui se incluindo drogas pesadas cuja danosidade social é maior em comparação com outro tipo de estupefacientes;

- A quantidade detida, e o seu grau de pureza, com destacado significado no que respeita ao número de doses individuais que permite obter;

- No que respeita às exigências de prevenção especial, relativamente à arguida não há antecedentes criminais a referir, contrariamente do que sucede com o arguido que já sofreu diversas condenações e encontrando-se actualmente a cumprir pena de prisão efectiva pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, condenações que não o impediram de voltar a cometer novo ilícito e a reincidir na prática do crime de tráfico de estupefacientes;

- AA nunca desenvolveu qualquer atividade profissional regular que lhe permitisse a sua autonomização e a sua rede relacional sempre esteve ligada a indivíduos com comportamentos relacionados com a problemática aditiva, mantendo um percurso laboral irregular e incipiente, alternado com os períodos de privação da liberdade.

- As particulares exigências de prevenção geral ligadas ao tráfico de droga, agravadas pelo facto de o acto ilícito ter ocorrido em meio prisional;

Ponderando estes factores, os limites abstractos da pena de prisão, a necessidade de prevenir novos crimes e o grau de culpa do agente, e tendo ainda em consideração o número e o valor das circunstâncias já enunciadas que militam a favor ou contra os arguidos, entende-se adequado impor à arguida DD a pena de 5 (cinco) anos de prisão e ao arguido AA a pena de 6 (seis) anos de prisão.

*

Da reincidência:

O arguido AA vem acusado como reincidente.

Prescreve o artº. 75º, n.º 1 do Código Penal: É punido como reincidente quem, por si ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

Conforme refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, pág. 263 e ss, são pressupostos formais da reincidência:

- que estejamos em presença de crimes dolosos;

- que ambos os crimes sejam e tenham sido punidos com pena de prisão efectiva superior a seis meses;

- que a condenação pelo crime anterior tenha transitado em julgado quando o novo crime é cometido;

- que entre a prática do crime anterior e a do crime seguinte não tenham decorrido mais de 5 anos, não se computando o prazo durante o qual o agente tenha cumprido pena privativa da liberdade (cf. n.º 2 do artº. 75º). Interessando por isso apurar a data da prática do crime anterior (e não a da sentença condenatória) e a data da prática do crime actual.

A par destes pressupostos exige ainda a lei um pressuposto material, “que se mostre, segundo as circunstâncias do caso, que a condenação ou as condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime”.

(…)

In casu, percorrendo a factualidade vertida na acusação e dada como assente constatamos que a condenação nos autos 52/19.0... vindo a praticar esses factos em 10.10.2019, 27.11.2019 e 28.10.2019 e a cometer os que ora estão em apreciação a 8.05.2022, conclui-se não terem ainda decorrido os 5 anos previstos para afastar a eventual prescrição da reincidência, sendo que as penas parcelares em que foi condenado no mencionado processo são superiores a 6 meses.

Apurou-se também que a condenação foi por tráfico de produto estupefaciente, pelo que, no paralelismo entre a comissão do mesmo crime de tráfico de estupefacientes, é nosso entendimento que as circunstâncias do caso já são de molde a censurar este arguido por tal condenação (anterior) não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, mormente, pela renovação de tipo legal que atenta contra valor jurídico comum a ambos os ilícitos, que já o tinha levado à prisão.

Vale isto por dizer que o crime que o arguido agora praticou não pode ser intrinsecamente dissociado da personalidade evidenciada como desvaliosa, porquanto, incapaz de se deixar motivar pela condenação anterior e pelo cumprimento de pena de prisão – elemento material – sendo patente a homogeneidade axiológica do seu comportamento infractor.

Pelo que, preenchidos estão os pressupostos para considerar este arguido reincidente.

Preceitua o n.º 1 do artº.º 76.º que, verificando-se a reincidência, o limite mínimo da pena aplicável é elevado de um terço, não sofrendo o limite máximo qualquer alteração.

Assim, sendo o limite mínimo elevado de 1/3 passa a ser de 5 (cinco) anos e 4 (quatro)meses.

Face ao exposto, decide-se condenar o arguido AA, como como autor matéria e reincidente, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

(…)”

3.1.2.2- A qualificação jurídica


A) Visto o caso como foi decidido e tendo em atenção os limites decorrentes das conclusões de recurso, importa agora saber se o crime, cuja agravação pela reincidência não foi posta em causa, é o do tipo previsto no artº21º ou o do artº25º do DL 15/93. E, depois, se o definido como o correctamente subsumível perante aos factos provados é consumado ou tentado.


A opção, quanto à primeira questão, passa por saber se estamos ou não perante uma infracção de ilicitude consideravelmente diminuída.


O tribunal a quo demarcou as linhas da subsunção jurídica descritas nos tipos penais e as razões pelas quais optou pela inclusão no artº21º do DL15/93.


O artº. 25º do diploma legal citado dispõe que “Se nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de (a) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI, consagrando o crime de tráfico de menor gravidade.


Aquilo que distingue o crime de tráfico de estupefacientes previsto no artº. 21.º, do DL n.º 15/93 do crime previsto no artº. 25.º do mesmo diploma, reside apenas na consideravelmente menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo. Segundo a lei, constituem, entre outros, fatores relevantes dessa menor ilicitude, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a modalidade e circunstância em que a conduta é realizada, a qualidade e quantidade do produto vendido, entre outros fatores que, atento o caso concreto, possam diminuir a ilicitude da conduta realizada.


Sem curar de analisar a problemática inerente a um tipo que deixa em aberto a caracterização da ilicitude da conduta como diminuta, teremos de recorrer à jurisprudência para que, com alguma constância, possamos determinar o que integra a menor ilicitude num comportamento de tráfico de estupefacientes.


Assim, tem-se considerado que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento2, avaliando não só a quantidade como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a atividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da atividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o “posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina”3.


Numa tentativa de estabelecer critérios para o que se possa designar de tráfico de menor gravidade, em acórdão de 20114 foi então considerado que integram esta categoria aqueles casos em que cumulativamente se verifiquem as seguintes circunstâncias:


a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);


b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;


c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;


d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.


e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;


f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;


g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;


h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no artº 24.º do DL 15/93.”


Por seu turno, estaremos perante um comportamento a integrar no tipo fundamental de crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artº. 21.º do DL n.º 15/93, quando estamos perante um vendedor com uma atividade de média ou grande escala provocadora de uma danosidade social média ou elevada, sem que, no entanto, se atinja o grau de ilicitude agravada pressuposto no artº. 24.º referido.


É certo que poderemos considerar que existem alguns casos cuja gravidade não se apresenta como significativa, sem que, porém, se possa concluir existir uma considerável diminuição da ilicitude. Será aquilo que este Supremo Tribunal5 integrou no que designou como “zona cinzenta”, em que “o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os cinco anos de prisão. (...) Naqueles casos a que chamámos de «zona cinzenta», o legislador apontou para que se aplicasse o crime regra – o do artº. 21.º - mas permitiu que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do artº 25.º. (...)


Note-se que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser “exclusiva”. Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra” 6.


No artº25º trata-se de um tipo privilegiado, uma válvula de segurança do sistema destinado a evitar que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial (cfr. Lourenço Martins, Nova Lei Anti-Droga, Um Equilíbrio Instável, cit. por João Rocha, in Droga, Regime Jurídico, pág. 86).


Na sua base existe sempre um comportamento subsumível ao artigo 21.º ou 22.º, do Decreto-Lei em análise.


O artº 21.º do diploma em aplicação assume «cariz matricial» em relação ao crime do artº 25.º, sendo certo que, só quando se provem as contingências deste último artº, se deve afastar a conduta da previsão do artº 21.º, n.º 1.


Da análise global dos factos apresentados, não poderemos ab initio concluir por uma diminuição “considerável” da ilicitude, tal como o determina o disposto no artº. 25.º, do DL n.º 15/93.


É certo que não se provou que o estupefaciente fosse detido para disseminação pela população prisional e se sabe que o arguido tem problemas de adição mas estamos perante uma quantidade que, não sendo elevada, também não é diminuta, sobretudo tendo em conta a diversidade das doses de cocaína e de heroína determinadas como alcançáveis em função da qualidade e do peso.


Depois, ainda que não sendo caso de agravação pelo factor “local do crime” (detenção em EP) a sua introdução e detenção no EP assume um grau de censurabilidade com maior ressonância face ao perigo de disseminação inerente. Também a carga de desvalor da acção é maior e exigiu por parte dos infractores uma atitude mais temerária, maior ousadia na dissimulação e audácia no processo de ocultação (no soutien, em zona íntima de menor frequência de verificabilidade e inspecção).


No caso em apreço, considerando a quantidade de estupefaciente apreendida, o número já considerável de doses que permitiria obter, a qualidade do produto- cocaína, heroína e canábis-, a circunstância incontornável de os factos terem ocorrido em ambiente prisional, leva-nos a concluir, de igual modo, que a situação não se enquadra na consideravelmente menor ilicitude reclamada pelo artº. 25º. E, isso, tanto mais que nem seria uma detenção em quantidade, mesmo no excesso que representa, perto sequer do mínimo legal necessário para o consumo (se fosse o caso) durante 10 dias.


Consequentemente, não consideramos suficientemente justificada a pretendida inclusão jurídico-subsuntiva dos factos no artº25º.


Confirma-se, pois, o acerto da decisão em os qualificar nos termos p.p. no artº21º do DL 15/93, agravado pela reincidência, sendo a moldura penal determinável a partir de um mínimo de 5 anos e 4 meses (ex vi do n.º 1 do artº.º 76.º do CP que estipula que, verificando-se a reincidência, o limite mínimo da pena aplicável é elevado de um terço, não sofrendo o limite máximo qualquer alteração.


Assim, sendo o limite mínimo de 4 anos é elevado de 1/3 (equivalente a mais um ano e 4 meses)


*


B) No tocante à sub-questão da tentativa/consumação, caberá dizer, sinteticamente, que não oferece grandes dúvidas de caraterização.


Apelando ao excelente e profundo desenvolvimento que foi feito sobre o crime de tráfico de estupefacientes no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2023, 7 a que aderimos sem hesitação e a que recorremos por economia de esforços, a detenção é por si um acto consumado do crime.


Citando dele: (as notas entre parêntesis numeradas no texto atêm-se às constantes em rodapé do texto original):

[“Trata-se de uma previsão típica muito generalizada - uma previsão «assumidamente compreensiva e de largo espectro», diz-se no AcSTJ de 29.10.2008(35) -, abrangendo todo o caminho percorrido pelo produto estupefaciente desde a detenção, plantação ou produção até à efectiva entrega aos consumidores, enumerando-se de forma exaustiva e praticamente esgotante as condutas congemináveis que, aliás, vão muito além do tráfico stricto sensu considerado como a efectiva colocação da droga ao alcance dos consumidores. (…)

Tipo plural, então, «com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito»

(…)

corporizam prática do crime desde actos que, na dinâmica das formas da sua realização, ainda seriam, noutros casos, tidos como meramente preparatórios - e, por isso que, em princípio, não puníveis nos termos do artº 21.º do CP - ou de tentativa, como aconteceria, v. g., com o cultivo, produção, fabrico, extracção, preparação, compra, recebimento, transporte, importação, exportação, colocação em trânsito ou simples detenção de estupefaciente - até situações que são de completa realização da conduta proibida e de produção do evento típico - como v. g., a da venda ou cedência a terceiro da substância ou produto ilícitos.

(…)

Sendo que - antecipa-se - a construção de uma previsão legal agregadora de condutas tão diversas e tão heterogéneas só se explica em razão da existência de «um denominador comum [...], exactamente a [...] aptidão», de todas e cada uma delas, «para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação»

(…)

Trata-se de crime de perigo comum e abstracto.

(b). O tráfico como crime de perigo.

22 - Subscrevendo as palavras do legislador penal em 1982(41) acerca da modulação e fundamento material dos crimes de perigo:

- «A lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos, basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstracto) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. O dano que se possa vir a desencadear não tem interesse dogmático imediato. Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social. Adiante-se que devido à natureza dos efeitos altamente danosos que estas condutas ilícitas podem desencadear o legislador penal não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a protecção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta».

Ora, foi precisamente uma ideia assim que norteou o Decreto-Lei n.º 15/93 na construção do tipo matricial do tráfico, sendo muito evidente que, «nas condutas que [nele] descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine», fazendo «recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta»(42).

E, daí, o seu, comummente afirmado, acolhimento na figura do crime de perigo, é dizer - repete-se - na de ilícito que, baseando-se «na suposição legal de que determinados comportamentos são geralmente perigosos» para os bens ou valores protegidos pela incriminação, se basta com «a aptidão genérica de determinadas condutas para constituírem um perigo» de lesão deles(43), por isso fazendo recuar a tutela penal reclamada pelo crime consumado para fases mais precoces do iter criminis em que ainda não ocorreu o efectivo atingimento dos bens ou interesses protegidos, como as dos actos preparatórios ou da tentativa.

E, no seio de categoria de crime de perigo, é, igualmente, pacífica a sua catalogação em de perigo abstracto - porquanto o perigo resultante da acção não está individualizado em qualquer vítima ou em qualquer bem, não sendo a sua produção ou verificação elemento do tipo, tão-só constituindo fundamento da punição, e sem que, por isso, haja que «comprovar, no caso concreto, se esse perigo efectivamente se verifica»(44) - e de perigo comum - porquanto «o perigo se expande relativamente a um número indiferenciado e indiferenciável de objectos de acção sustentados ou iluminados por um ou por vários bens jurídicos»(45), sendo susceptível de causar um dano difuso com potência expansiva, apto a causar alarme social(46).

Características do tipo estas que, de resto, explicam «que seja punida a mera detenção de estupefacientes» - ou o seu (mero) cultivo, produção, fabrico, extracção, preparação, compra, recebimento, transporte, importação, exportação ou colocação em trânsito - «sem que chegue a ocorrer venda ou cedência destes e, portanto, efectivo perigo ou prejuízo para a saúde de consumidores concretos, bastando o perigo de que, em abstracto, tal venha verificar-se»(47). E sem que seja necessário - insiste-se -, com relação aos actos que não envolvam, directa e imediatamente, introdução no circuito da distribuição, apurar o concreto fim visado, não exigindo o tipo legal a existência de uma efectiva transmissão a terceiros do produto estupefaciente, precisamente em razão do perigo que cada uma das actividades descritas representa de a droga vir a ser traficada, e sendo que «[o] conhecimento» daquele fim «só pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto e, no caso de ser para o consumo próprio, para a qualificação do crime»(48)

(…)

O tráfico como crime de empreendimento e crime exaurido.

23 - Aparentadas e, ou, conexionadas com as que o qualificam como crime perigo abstracto andam as ideias, (também) comummente afirmadas na doutrina e na jurisprudência, de que o crime de tráfico de estupefacientes é um ilícito de empreendimento e um ilícito exaurido ou excutido.

Veja-se o que com cada uma das classificações se quer significar.

«Os crimes de empreendimento [...] (classificação usada no sistema alemão) também designados por crimes de atentado no sistema italiano, são caracterizados pelo facto de os atos que noutros casos seriam classificados como de tentativa são aqui tidos como atos de consumação do próprio crime. Ou seja, são crimes onde ocorre uma antecipação da tutela penal, antes mesmo da lesão do bem jurídico, constituindo condutas criadoras de um perigo para o bem jurídico, condutas que integram atos dirigidos de forma imediata à realização do tipo e idóneas à criação daquele perigo.

Tratando-se de casos onde ocorre uma equiparação entre a tentativa e a consumação [...], verifica-se não só uma antecipação da tutela penal, mas também uma punição mais grave do que aquela que ocorreria se aqueles mesmos atos fossem punidos segundo as regras da tentativa (uma vez que não há lugar à atenuação da pena como ocorre nos casos de tentativa; cf. artº. 23.º, n.º 2, do CP).»(49).

E, revista a descrição típica e a compreensão do conceito, bem se compreende a subsunção do tráfico nesta categoria ou não preencha por inteiro a respectiva tipicidade que não apenas a tentativa prevista no artº 22.º do CP, v. g., a detenção, à margem de permissão legal, de alguma planta, substância ou preparação enumerada nas tabela I a III anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, posto que não exclusivamente destinada ao autoconsumo, mesmo que o propósito último do agente não seja a sua venda ou cedência ou que, sendo-o, estas não cheguem a concretizar-se, maxime, por circunstância alheia à sua vontade.

24 - Identificativo, então, dos crimes de empreendimento é que «[o] resultado típico», a consumação, se alcança «logo com o que normalmente configura a realização inicial do iter criminis (uma mera tentativa), precisamente porque já aí, antes de se verificar qualquer lesão, se verifica o perigo dessa lesão», punindo-se o ilícito enquanto «um processo, e não apenas como resultado de um processo»(50).

Tal particularidade - isto é, a circunstância de o estádio de realização da tipicidade ocorrer logo com o primeiro acto praticado que preenche os elementos objectivos do tipo, independentemente de a finalidade última perseguida pelo agente ainda não ter sido totalmente alcançada - alerta para uma especificidade dos crimes desta categoria, precisamente a de neles se poderem divisar, ao menos idealmente, dois momentos de consumação, quais sejam o da consumação formal - que se verifica por ocasião da prática daquele primeiro acto - e o da consumação material, terminação ou conclusão - que ocorre quando o agente, com a sua continuada actuação, preenche integralmente todos os elementos do tipo, alcançando a «"realização completa do conteúdo do ilícito em vista do qual foi erigida a incriminação», ou, dito de outro modo, verificando-se o «resultado que interessa ainda à valoração do ilícito por directamente atinente aos bens jurídicos tutelados e à função de protecção da norma".»(51).

E, conferindo para rematar nesta parte, é muito nítida na estrutura do crime de tráfico de estupefacientes essa distonia entre consumação formal e consumação material(52), acontecendo aquela com a prática do primeiro acto do agente relacionado com a droga em qualquer das modalidades enumeradas no artº 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 - e independentemente de, sim ou não, se lhe seguirem outras de similar ou de diversa índole - e, esta, com a cessação da actividade com ela relacionada, no limite - mas não necessariamente -, com a sua introdução no circuito da distribuição e consumo, maxime a troco de compensação económica. (…)”]

Em face do exposto, a tese do arguido no sentido de apenas existir tentativa é de todo inconsistente.


2.3.2- A medida da pena- Redução até 5 anos de prisão e suspensão da sua execução.


Dado o exposto anteriormente, tendo em conta que a pena aplicada, mesmo que o tivesse sido no limite moldural mínimo previsto no artº21º, agravado pela reincidência, seria sempre superior a 5 anos de prisão, mostra-se inaplicável o regime de suspensão de execução da pena previsto no artº50º do CP (cujo limite-pressuposto não poderia nunca ultrapassar os 5 anos de prisão) ficando assim prejudicada esta segunda questão neste segmento)


Porém, ainda que em face da reincidência, consideramos que a pena aplicada se mostra desproporcionada em relação à gravidade da conduta do arguido. O mesmo convoca alguma maior exigência de prevenção especial, sem dúvida. Mas o mínimo moldural com a agravação é já suficientemente expressivo para se exigir alguma ponderação no sentido de, a partir dele, se considerar que em si já se revela claramente dissuasor, tanto mais que a quantidade de substâncias não foi elevada.


Na linha do reflectido no Ac do STJ 25 de Maio de 2023,Proc. n.º 2/20.0GABJA.S1 (relatora Helena Moniz), diremos ainda, que:

“(…) É certo que poderemos considerar que existem alguns casos cuja gravidade não se apresenta como significativa, sem que, porém, se possa concluir existir uma considerável diminuição da ilicitude. Será aquilo que este Supremo Tribunal8 integrou no que designou como “zona cinzenta”, em que “o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artºs 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os cinco anos de prisão. (...) Naqueles casos a que chamámos de «zona cinzenta», o legislador apontou para que se aplicasse o crime regra – o do artº.º 21.º - mas permitiu que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do artº.º 25.º. (...) Note-se que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser “exclusiva”. Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra” 9. (…)”

Ora, com as devidas adaptações deste raciocínio ao caso concreto tendo em conta, no entanto, a agravação em 1/3, do mínimo da moldura abstracta, pela reincidência , ponderamos, contudo, que a exigibilidade e operatividade de uma pena concreta de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão parece-nos bem mais equilibrada, suficiente, proporcional e dissuasora, se comparada com outros casos de gravidade bem maior em que avultam quantidades de estupefaciente apreendidas e penas equivalentes (como acontece, v.g, com as aplicadas a correios de droga no tráfico internacional).


Por isso, a pena aplicada a quo é reduzida a esse limite.


III- DECISÃO


3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente provido, apenas se modificando a decisão quanto à pena aplicada e que se reduz para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.


3.2 - Sem tributação face à parcial procedência

STJ, 11 de Abril de 2024

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº94º do CPP)

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Agostinho Torres- (Relator)

Leonor Furtado- (1ª adjunta)

João Rato - (2º adjunto)







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1. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.↩︎

2. Neste sentido, ac. do STJ, proc. n.º 111/10.4PESTB.E1.S1, de 07.12.2011, relator: Cons. Rodrigues da Costa, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0d5a0c6991279928025799e003c8c90?OpenDocument↩︎

3. Ac. do STJ, proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1, de 15.04.2010, relator: Cons. Maia Costa, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a76d4064195af838025771c004b7568?OpenDocument↩︎

4. Cf. Acórdão do STJ, proc. n.º 127/09.3PEFUN.S1, de 23.11.2011, Relator: Cons. Santos Carvalho, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9961da644ecd915e8025795200362d57?OpenDocument.↩︎

5. Cf. Acórdão do STJ de 23.11.2011, supra citado.↩︎

6. Cf. Acórdão do STJ de 23.11.2011, supra citado.↩︎

7. Publicado no Diário da República n.º 184/2023, Série I de 2023-09-21, páginas 25 – 53 ; vide https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/9-2023-221904889↩︎

8. Cf. Acórdão do STJ de 23.11.2011, supra citado.↩︎

9. Cf. Acórdão do STJ de 23.11.2011.↩︎

10. Ac. do STJ, proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1, de 15.04.2010, relator: Cons. Maia Costa, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a76d4064195af838025771c004b7568?OpenDocument↩︎