DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DAS PENAS
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário

I - Em matéria de determinação da medida concreta das penas é incontornável que se proceda a fundamentação suficiente, coerente e bastante por forma a que se compreenda o percurso encetado na decisão proferida, impondo-se ao juiz que concretize as opções tomadas, de modo a que a justificação seja compreendida/percebida pelo destinatário da sentença.
II - A compreensão da decisão impõe que os seus destinatários a apreendam e entendam nos seus diversos patamares, postulando que o tribunal, para além de indicar com clareza os factos que considerou provados e aqueles que entendeu não provados, aponte também, de forma legível, a razão de tal, demonstrando e explicitando o percurso feito para formar a sua convicção, indicando o caminho traçado quanto à valoração que fez das diversas provas e como as interpretou/leu, e bem assim, porque optou por determinada solução.
III - Utilizar-se um tom absolutamente generalizado, relativamente a diversos crimes de injúrias, que basicamente operaram no mesmo tipo de contextualização/motivação, e aplicar a cada um deles penas diferentes, onde ressalta um aumento, sem apontar o que os diferencia nem especificar cada um deles, desenha claramente quadro de falta de fundamentação, emergindo a nulidade assacada, que importa colmatar nos termos do que consagram os artigos 379º, nº 1, alínea a), e 374º, nº 2, ambos do C. P. Penal.

Texto Integral



Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório


1. No processo nº 71/20.3GCRDD da Comarca de Évora – Juízo de Competência Genérica do Redondo, foi deduzida acusação contra A, imputando-lhe a prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a), nº 4, nº 5, do CPenal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), por referência ao artigo 2º, nº 1, alínea an), 3º, nº 2, alínea i) e artigo 4º, nº 6, todos da Lei nº 5/2006, de 23/02, na sua redação atual (Regime Jurídico das Armas e Munições).
A Assistente, conforme se extrai de fls. 722 e ss. veio acompanhar a acusação do Digno Mº Pº.
Efetuado um primeiro julgamento, foi proferida sentença, em 10 de novembro de 2022, onde se decidiu:
- Absolver o arguido A como autor material, e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a), nºs 4 e 5, do CPenal;
- Condenar o arguido A como autor material, e na forma consumada, de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do CPenal, na pena de 30 dias de multa, pelo crime de injúria praticado em 18.09.2020, e na pena de 40 dias de multa por cada um dos restantes crimes de injúria praticados em 28.10.2020 e em 29.10.2020, respetivamente;
- Condenar o arguido A como autor material, e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao artigo 2.º, n.º 1, al. an), 3.º, n.º 2, al. i) e artigo 4.º, n.º 6, todos da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na sua redação atual, na pena de 60 dias de multa;
- Operar o cúmulo jurídico das penas mencionadas e, em consequência, condenar o arguido A na pena única de 100 dias de multa, à razão diária de €10 (dez euros), o que perfaz um total de € 1000,00 (mil euros);
- Condenar o mesmo arguido no pagamento à assistente e demandante B da quantia de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora civis legais contados da presente data até integral e efetivo pagamento.

2. Inconformada com o decidido, veio a Assistente apresentar recurso para este Tribunal da Relação, questionando a decisão proferida, sendo que sessa sequência foi proferido Acórdão em 9 de maio de 2023 que, concedendo provimento parcial ao dito recurso, decidiu:
a) Declarar a verificação dos vícios - insuficiência para decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação – expressos no artigo 410º, nº2, alíneas a) e b) do CPPenal;
b) Determinar o reenvio dos autos para novo julgamento na primeira instância - artigos 426º, nº 1 e 426º-A, ambos do CPPenal -, versando sobre a totalidade da matéria em causa, por forma a que se apurem e esclareçam todos os aspetos notados neste Acórdão e outros que sequentemente daqueles decorram;
c) Não conhecer, o demais, suscitado em sede de recurso.

3. Em sequência teve lugar o julgamento em 1ª instância, onde se procedeu a alteração não substancial dos factos, relativamente à qual pela Ilustre Mandatária do arguido foi dito nada ter a requerer[1], após o que foi propalada sentença em 16 de outubro de 2023, decidindo:

A) Absolver o arguido A, da prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), nº 2, alínea a), e nºs 4 e 5, todos do CPenal,
B) Condenar o arguido A, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, pela prática de quatro crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do CPenal, nas penas de 50 (cinquenta) dias de multa, 70 (setenta (setenta) dias de multa, 80 (oitenta) dias de multa e 100 (cem) dias de multa, todas à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo os montantes de €400,00 (quatrocentos euros), €560,00 (quinhentos e sessenta euros), €640,00 (seiscentos e quarenta euros) e €800,00 (oitocentos euros), respetivamente.
C) Condenar o arguido A, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta dias), à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo o montante global de €1.040,00 (mil e quarenta euros).
D) Condenar o arguido A, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea d), por referência aos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea an), 3.º, n.º 2, alínea i) e 4.º, n.º 6, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro , na pena de 100 (cem dias), à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo o montante global de €800,00 (oitocentos euros).
E) Em cúmulo jurídico, das penas parcelares impostas, condenar o arguido na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo o montante global de €3.200,00 (três mil e duzentos euros).
Mais foi condenado, na qualidade de demandado, a pagar à demandante B a quantia de €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-se do demais peticionado.

4. Inconformado, veio o arguido recorrer, extraindo da motivação apresentada, as seguintes conclusões: (transcrição)

1. O arguido não se conforma com a sentença proferida, pois, apesar de se conformar com a sua absolvição do crime de violência doméstica, não se conforma com a sua condenação pela prática de quatro crimes de injúrias, nem com a sua condenação pelo crime de ofensa à integridade física.
2. Tão pouco se pode conformar com a medida concreta das penas parcelares que lhe foram aplicadas e muito menos com a pena única que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico.
3. Dito isto, o presente recurso terá como fundamentação, o disposto no artigo 412º, nº 3 do CPP.
4. Impugnando-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que, infra se passará a especificar os pontos concretos da matéria de facto que se consideram incorretamente julgados, especificando-se as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
5. Entende, ainda, o arguido que o Tribunal a quo errou na determinação da medida concreta não só das penas parcelares, como também na medida concreta da pena única quando efetuou o cúmulo jurídico.
6. E, que prova produzida não é suficiente para se julgarem como provados os factos que se elencaram na sentença e nem os mesmos são aptos a configurar o tipo de crime em questão.
7. Por referência aos crimes de injúria, considera-se incorretamente provados os factos descritos na sentença recorrida em 8., 9., 11., 12. e 20. dos factos provados.
8. Pois, quanto aos factos 8. a 12., a sentença proferida refere que a convicção do tribunal se formou com base no que disse a assistente, considerando que a mesma depôs de forma credível, coerente, segura, que este terá sido consentâneo com o depoimento das demais testemunhas com conhecimento direto dos factos – C, D, E e F e com o que terá dito o próprio arguido.
9. E, quanto ao facto provado 20., o tribunal terá valorado as declarações prestadas pela assistente, que foram corroboradas pelas do arguido.
10. Referindo o texto da decisão recorrida quanto ao descrito em 20. que o arguido confirmou estes factos, o que não corresponde à verdade.
11. E, que a própria assistente relatou versão diversa deste facto.
12. O que é facilmente verificável por via da prova produzida, nomeadamente, das declarações do arguido.
13. Conforme consta da ata da audiência de discussão e julgamento de dia 13-09-2023, na qual se consignou que as declarações do arguido se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignado-se que o seu início ocorreu pelas 09:59:17 horas e termo 11:26:36 horas. (Ficheiro com a Ref. 20230913095915_1526961_2870801), nas passagens que se transcreveram e que se encontram na gravação ao minuto 44:00 a 44:12,min. 45:29 a 45:39, minuto 45:48 a 46:20, minuto 48:13 a 48:33.
14. A assistente, acerca desta situação e concretamente a propósito do facto que se julgou provado descrito em 20. da sentença relatou também ela versão diferente da que se encontra descrita em 20 dos factos provados, como poderão verificar pelas passagens que se transcreveram e que por referência à ata da audiência de discussão e julgamento de dia 13-09-2023, na qual se consignou que as declarações da assistente se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, ali se consignado que o seu início ocorreu pelas 14:16:58 horas e termo pelas 17:30:27 (Ficheiro Ref. 20230913141656_1526961_2870801), poderão ouvir a minutos: 1:26:00 a 1:27:08.
15. E, ao contrário que se julgou provado na sentença proferida das restantes testemunhas cujos nomes se referenciou, ninguém disse ter assistido às situações descritas, nem ouviram o arguido chamar nomes à assistente.
16. Excepto o filho da assistente, F, que confirmou, que na sequência do despacho de arquivamento da queixa crime, o arguido terá dito que a mãe/assistente era mentirosa.
18. O facto descrito em 9., que, alegadamente, ocorreu no dia 28 de outubro de 2020, em frente à funcionária do hotel D, na verdade, não foi confirmado pela testemunha.
19. Esta testemunha no seu depoimento, que, por referência à ata da audiência de discussão e julgamento de dia 14-09-2023, na qual se consignou que o depoimento da testemunha se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, ali se consignado que o seu início ocorreu pelas 11:37:52 horas e termo pelas 12:06:05 horas (Ficheiro com Ref. 20230914113750_1526961_2870801), minuto 20:46 a 20:50 disse o seguinte:
“Procuradora: Nem de nomes que fossem ditos um para o outro?
Testemunha: Não, nada.”
20. Perante, a prova testemunhal que foi agora analisada, as declarações da assistente e do próprio arguido, dúvidas não restam que foram incorretamente julgados como provados, os factos 9. e 20. constantes na sentença de que aqui se recorre.
21. E, que, a prova produzida foi apreciada incorretamente por parte do Tribunal a quo, pois, conforme se demonstrou, a prova produzida impunha decisão diversa da recorrida.
22. Pelo que, se impõe julgar como não provados os factos que supra se mencionaram.
23. Quanto aos factos descritos em 8. e 12., tendo em consideração toda a prova produzida, entendemos, que de facto, no ambiente de animosidade existente, com as discussões entre ambos, relativas ao negócio que ambos pretendiam manter, que a propósito do arquivamento da queixa crime apresentada pela assistente contra o arguido, dizer que a mesma mentiu, que era mentirosa, não assume relevância penal.
24. Nem se fez prova sequer que a assistente se tenha sentido ofendida, na sua honra ou consideração, ou de alguma forma humilhada perante esta afirmação.
25. Na verdade, a assistente nada diz, a esse respeito, nem as restantes testemunhas o referem.
26. Pelo que, também quanto a estes factos, o Tribunal a quo deveria ter decidido que, estas expressões, nas circunstâncias em que ocorreram e no contexto em que surgiram não assumiam relevância penal.
27. E, que as condutas descritas não eram aptas a configurar o tipo de crime em causa, desde logo, porque não se encontrava preenchido o elemento subsjectivo do tipo de crime em causa, não se tendo provado que houve intenção por parte do arguido em ofender ou atingir a assistente na sua honra e consideração.
28. Nestes termos, deverá o arguido ser absolvido da prática dos crimes de injúria pelos quais foi condenado.
29. Entendeu o Tribunal a quo que a conduta do arguido apesar de não ser apta a configurar crime de violência doméstica, era apto a integrar o tipo de crime de ofensa à integridade física simples, condenando-o.
30. Considerou assim que se provou que o arguido praticou os factos descritos em 15, 16 e 21 dos factos provados.
31. Consta na sentença recorrida que o Tribunal terá formado a sua convicção acerca destes factos, com base nas declarações da assistente e pelo que disseram as testemunhas C e D.
32. No entanto, pelas declarações prestadas pela assistente, que se encontram gravadas, por referência à ata da audiência de discussão e julgamento de dia 13-09-2023, na qual se consignou que as declarações da assistente se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, ali se consignado que o seu início ocorreu pelas 14:16:58 horas e termo pelas 17:30:27 (Ficheiro Ref. 20230913141656_1526961_2870801), minuto 1:10:27 a 1:11:24.
33. Pelo que foi dito pela testemunha C, cuja gravação e passagem se encontra, por referência à ata da audiência de discussão e julgamento de dia 14-09-2023, na qual se consignou que o depoimento da testemunha se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, ali se consignado que o seu início ocorreu pelas 09:58:01 horas e termo pelas 10:43:4 horas (Ficheiro com a Ref. 20230914095758_1526961_2870801), ao minuto 10:01 a 15:54.
34. E, analisando o que disse a testemunha D, cuja gravação e passagem se encontra, por referência à ata da audiência de discussão e julgamento de dia 14-09-2023, na qual se consignou que o depoimento da testemunha se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, ali se consignado que o seu início ocorreu pelas 11:37:52 horas e termo pelas 12:06:05 horas, Ficheiro com Ref. 20230914113750_1526961_2870801, minuto 6:00 a 7:35.
35. Podemos concluir que as versões não divergem apenas no facto do arguido ter agarrado a assistente por um braço, ou pelos dois.
36. Na verdade, a versão que o tribunal acolheu foi apenas e só contada pela assistente, sem qualquer outro suporte probatório.
37. A testemunha C disse já não se recordar dos pormenores da situação, recordando, em suma, que estava mais preocupada em ajudar a colega que desmaiou, do que, com a própria situação em si, nem se recordava de mais nada.
38. Do depoimento da testemunha D resultou que o arguido terá agarrado a assistente por um braço e a terá empurrado lá para fora, da cozinha para o exterior.
39. O que contraria e descredibiliza a versão relatada pela assistente, de que terá sido agarrada pelos dois braços e puxada da cozinha para a sala.
40. Em suma, da prova produzida e que se analisou, resulta que a versão da assistente não é suportada pelo depoimento das outras testemunhas.
41. Bem como, podemos dizer que não foi feita qualquer referência pela mesma, a que a conduta do arguido lhe tenha provocado dores ou angústia.
42. Pelo que, se impugna também aqui a matéria dada como provada, entendendo o arguido que o Tribunal julgou incorretamente como provados os factos descritos em 15, 16 e 21, pois, a prova produzida e que aqui se referiu, impunha, de facto, decisão diversa da recorrida.
43. Nunca poderia ter-se julgado provado que o arguido agarrou a assistente pelos dois braços, que a puxou, empurrou e que este o fez com força suficiente para lhe provocar dores e angústia.
44. Com efeito, não consta da acusação, do pedido de indemnização civil, nem da prova produzida o tipo de pressão que o arguido fez no braço da assistente (com muita ou pouca força), nem se existiram lesões ou dores.
45. Deveria, portanto, o Tribunal a quo, ter decidido que a prova produzida não permitia afirmar com uma certeza acima do razoável que o arguido agiu daquela forma e tais dúvidas teriam de ser valoradas a favor do arguido, em cumprimento do princípio constitucional in dubio pro reo.
46. Julgando-se os factos como não provados e, em consequência não condenar o arguido pelo crime de ofensa à integridade física simples.
47. Mais, atento a tudo isto, e sem mais elementos, nunca se poderia concluir pela verificação de uma qualquer agressão relevante, que tenha dignidade penal suficiente para se enquadrar na prática do crime de ofensa à integridade física simples.
48. Na verdade, da prova efetivamente produzida, não se consegue sequer extrair que se tenha verificado o respectivo elemento subjectivo.
49. Reitera-se que de acordo com a prova, efetivamente, produzida quanto a esta situação deveria o tribunal ter decidido que não havia prova suficiente para que o mesmo pudesse ser condenado.
50. Não o tendo feito, e fazendo uma correta apreciação da prova produzida deveria ter decidido no sentido de que não se provou que a situação em apreço tivesse dignidade penal, ou que fosse possível extrair da prova produzida o preenchimento do elemento subjectivo do tipo.
51. Nestes termos, deverá o arguido ser absolvido do crime de ofensa à integridade física simples.
52. Julgou o Tribunal como provado o facto descrito em 38., quanto às condições económicas do mesmo, que o arguido auferia a quantia média mensal de € 800,00 a € 900,00, sem qualquer referência à prova da qual se socorreu para julgar como provado este facto.
53. Tendo o arguido, referido, expressamente, nas suas declarações, que auferia apenas o vencimento mínimo nacional.
54. Dúvidas não restam, que houve uma errada apreciação da prova produzida, que a prova, efetivamente, produzida impunha decisão diversa da recorrida.
55. Pelo que, deverão V. Exas. revogar a decisão proferida, alterando a decisão da matéria de facto, julgando como não provados os factos que o tribunal a quo julgou como provados, identificados em 8., 9, 11, 12, 15, 16, 20, 21 e 38 da decisão recorrida.
56. E, em consequência, absolver o arguido da prática dos quatro crimes de injúrias, do crime de ofensa à integridade física simples.
57. Se assim não se entendesse, o que apenas por mera hipótese académica se admite, dir-se-à ainda, que o Tribunal a quo errou na determinação da medida concreta não só das penas parcelares aplicadas, como também na medida concreta da pena quando efetuou o cúmulo jurídico das mesmas.
58. Que, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 71º, nº1, 40º, nº 2 e
72º, nº 2 do Código Penal.
59. Pois, não ponderou as circunstâncias em que ocorreram os factos, e as exigências de prevenção especial e geral que se verificavam e aplicou penas que ultrapassam a medida da culpa do agente.
60. Concretamente, quanto ao crime de detenção de arma proibida, o tribunal não atendeu à confissão que o arguido fez dos factos, que o mesmo referiu que tinha o tal bastão há mais de trinta anos, que o tinha trazido consigo da África do Sul, nem que o mesmo se mantinha esquecido há anos numa gaveta.
61. Nem atendeu à prova produzida, da qual resulta que tal objecto surge nos autos por via de uma fotografia que a assistente tirou, sem consentimento do arguido e que enviou para a GNR.
62. E, apesar de considerar provado que o arguido entregou o bastão às autoridades voluntariamente, não fez refletir estas circunstâncias na determinação da pena concreta que aplicou.
63. Pois, o crime de detenção de arma proibida, por referência à alínea d) do n.º 1 do art.º 86.º do Regime Jurídico das Armas e Munições, é abstratamente punido com pena de prisão até quatro anos ou com pena de multa até 480 dias, tendo o tribunal aplicado 100 dias de multa.
64. Quando deveria ter considerado ainda como circunstância atenuante que o tal bastão nunca tinha sido visto por nenhuma das funcionárias que faziam a limpeza diária do espaço onde este se encontrava, e que estas só souberam da sua existência porque a assistente as chamou para lhes mostrar.
65. Pelo exposto, deveria o tribunal ter optado por uma pena próxima do limite mínimo, que de acordo com o disposto no artigo 47º, nº 1 do Código Penal, seria de 10 dias, pecando a aplicada por excessiva.
66. E, quanto ao montante diário da multa, que se fixou em 8,00€, para todas as situações, também este montante se considera excessivo.
67. Desde logo, porque o tribunal não atendeu ao disposto no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, que dispõe que a quantia de cada dia de multa deverá ser fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
68. Mais, considerou erradamente que o arguido auferia entre € 800,00 a € 900,00 mensais, sem ter por base qualquer elemento probatório, pelo que, também neste aspecto, merece censura a sentença recorrida.
69. Por fim, o Tribunal “a quo” errou ainda quando procedeu ao cúmulo jurídico, pois, não respeitou o disposto no artigo 77º, nº 2 do Código Penal.
70. Não considerou em conjunto os factos e a personalidade do agente.
71. E, portanto, aplicou a pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, muito perto do limite máximo da moldura penal da pena única que seria aplicável ao caso concreto.
72. Tendo justificado a aplicação daquela pena com uma fundamentação que em si acaba por ser contraditória e insuficiente.
73. Entende pois, o recorrente, que o Tribunal não ponderou devidamente a personalidade do arguido, que não teve em consideração que o mesmo confessou parte dos factos, que não tinha antecedentes criminais, que estava integrado social e profissionalmente, que, é uma pessoa válida na sociedade, um empresário que contribui ativamente para o desenvolvimento de um pequeno concelho, que tem a seu cargos trabalhadores e continua a assegurar postos de trabalho.
74. Se tivesse ponderando tudo isto, e as circunstâncias concretas em que ocorreram os factos, o clima de tensão permanente em que viviam, o Tribunal a quo teria decidido, certamente, pela aplicação de uma pena única próxima do limite mínimo da moldura penal aplicável.
75. Só assim, a pena única se poderia considerar adequada e proporcional ao caso concreto, nomeadamente, ajustada à medida da culpa do agente e às exigências de prevenção que se verificam, em respeito pelas normas penais.
76. Pelo que, também por via do que supra se apontou, deverá a decisão recorrida ser revogada.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser recebido, julgado procedente, e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, e substituída por outra, que altere a matéria de facto referente aos pontos que supra se concretizaram e julgando-se os mesmos não provados, deverá o arguido ser absolvido dos quatro crimes de injúria e do crime de ofensa à integridade física.
Assim não se entendendo, deverá a sentença recorrida ser revogada por erro na determinação da medida concreta das penas e errada determinação da pena única aplicada em cúmulo jurídico.
Tudo nos termos e com as demais consequências legais, nomeadamente, quanto à decisão proferida no âmbito do pedido de indemnização civil, devendo a mesma ser revogada e o arguido absolvido do pagamento da quantia em que foi condenado.

5. O Digno Mº Pº, veio responder opinando pela improcedência do recurso, concluindo: (transcrição)

1. O recorrente, arguido nos autos supra identificados, foi condenado pela prática de quatro crimes de injúria, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo o montante global de € 3.200,00 (três mil e duzentos euros) bem como nas custas de sua responsabilidade.

2. O arguido, não se conformando com o conteúdo da sentença condenatória, proferida a 16/10/2023, dela veio interpor recurso, mostrando a sua discordância, essencialmente no que respeita à valoração da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, pugnando, pela substituição da sentença proferida por outra que o absolva da prática dos crimes de injúria e ofensa à integridade física pelos quais foi condenado.
3. Mais se insurge quanto à determinação da medida das penas parcelares e da pena única obtida pelo cúmulo jurídico, que afirma ser severa, injusta e desequilibradamente doseada perante as necessidades preventivas do caso, peticionando a sua redução.
4. Alegou, para tanto, que os factos provados 8. 9. 11. e 12. foram incorretamente considerados provados pois a sentença proferida refere que a convicção do Tribunal se formou com base nas declarações da assistente, e que foram corroboradas pelo depoimento das demais testemunhas com conhecimento direto dos factos – C, D, E e F e com o que terá dito o próprio arguido – afirmando que tal factualidade não foi confirmada nem por tais testemunhas nem pelo arguido.
5. Entendemos que não assiste razão ao arguido.
6. Com efeito, veja-se que foi o próprio arguido quem admitiu que pudesse, no âmbito das discussões existentes e do clima de animosidade entre ambos ter apelidado a assistente de mentirosa e de burra e que o fez no contexto das discussões que existiam entre ambos, relativamente às questões relacionadas com o hotel que ambos exploravam.
7. Também a testemunha F, como bem referiu a sentença recorrida, confirmou ter presenciado o arguido a apelidar a assistente de “mentirosa”.
8. Quanto ao facto provado 20., alega o arguido que tal facto resultou somente das declarações da assistente e que não terá sido confirmado pelo arguido, conforme referido na motivação de facto da sentença.
9. No que a esta parte diz respeito, e pese embora não o tenha o arguido admitido na totalidade quando diretamente confrontado com este, conforme se refere na sentença recorrida, certo é que este se referiu a este episodio – a discussão motivada por uma decisão judicial para entrega provisória do hotel à assistente – e que o localizou no mesmo período temporal que a assistente.
10. Relativamente aos factos provados 15., 16. e 21. alega o arguido que os mesmos não poderiam ser dados como provados conforme descritos pela assistente.
11. Em concreto porque a testemunha D relatou que o arguido terá agarrado a assistente por um braço e a terá empurrado para fora da cozinha para o exterior da Guest House, enquanto que a assistente relata é que foi agarrada pelos dois braços pelo arguido e por este puxada da cozinha para a sala, em direção ao exterior da Guest House.
12. Discordamos do arguido também neste ponto, porquanto, é com base em divergências de pormenor que o arguido conclui que não devia este facto ter sido dado como provado conforme descrito pela assistente.
13. Não podemos deixar de ter em consideração que os factos ocorreram a 27 de novembro de 2020 e que o julgamento só teve lugar, com a produção de prova, a 13, 14 e 20 de setembro de 2023 e 4 de outubro de 2023, ou seja, quando se mostravam decorridos quase 3 anos.
14. Em face do hiato temporal decorrido, há pormenores que as testemunhas e o próprio assistente esquecem, pelo que se entende que não lhes será exigível que se recordem de tudo o que ocorreu, com ínfimo detalhe.
15. E, acrescente-se, o facto de existirem contradições nas declarações, em nosso entender, não as descredibiliza, ao invés demonstra que as mesmas não foram combinadas, nem acertadas e que o depoimento é espontâneo.
16. Por outro lado, veja-se que a testemunha D terá desmaiado na sequência desse episódio, o que também se apresenta como um aspeto que credibiliza a versão apresentada pela assistente que se manteve consciente durante o mesmo.
17. Ademais, e pelo mesmo motivo, também se compreende o facto de a testemunha D não se recordar com nitidez de todos os pormenores.
18. No mais, peca o arguido por não dar relevância ao depoimento da assistente, principal testemunha do episódio, ou mesmo às declarações do arguido ou, por último à motivação que o levou a agarrar a assistente pelos braços e a puxá-la para a sala.
19. Com efeito, inexistem duvidas de que o arguido agarrou a assistente em direção ao exterior do Hotel. Não só porque a assistente e a testemunha D o afirmaram como também por força das declarações do próprio arguido, que o confessou.
20. Por fim, e no que diz respeito ao facto 38., e como bem referido na sentença a quo, resulta das declarações do arguido que o seu rendimento enquanto gerente do Hotel é de cerca de € 800,00 a € 900,00.
21. Assim, bem andou o Tribunal ao dar como provados os factos como o fez e, em consequência, condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e quatro crimes de injúrias.
22. Alega ainda o arguido que as expressões “mentirosa” dirigidas pelo o arguido à vítima não revestem dignidade penal.
23. Discordamos com tal entendimento, perfilhando a razão da sentença condenatória a qual considerou que que “tais expressões são objetivamente ofensivas da honra e consideração da assistente, tanto mais que em duas ocasiões foram proferidas diante de outras pessoas, visando denegrir a imagem daquela quer quanto à sua capacidade de gerir a sociedade comercial, quer quanto às suas capacidades intelectuais.” Pelo que se conclui que são tais expressões são idóneas a “incomodar, perturbar e ofender.”
24. No que respeita aos factos 15., 16. e 21., alega igualmente o arguido que a conduta do arguido não reveste dignidade penal suficiente para se enquadrar na prática de um crime de ofensa à integridade física simples porquanto a assistente não sofreu quaisquer lesões.
25. Mais uma vez discordamos do entendimento sufragado pelo arguido. Com efeito, e também conforme explanado na sentença a quo, não exige o tipo de crime de ofensa à integridade física simples a existência de uma lesão corporal, dano físico ou dores, bastando-se para o preenchimento do tipo o ataque ao corpo ou à saúde de outra pessoa.
26. Pelo que bem andou o Tribunal à quo ao condenar o arguido pela prática de quatro crimes de injúria e um crime de ofensa à integridade física simples, desde já se pugnando pela manutenção da decisão recorrida também nesta parte.
27. No que diz respeito à pena aplicada pela prática do crime de detenção de arma proibida, refere o arguido que não foi ponderado pelo Tribunal o facto de arma em questão estar na posse do arguido há mais de 30 anos e que este dela se tenha esquecido numa gaveta, pugnando pela redução da pena para os mínimos legais, bem como a redução da taxa fixada.
28. No que à medida concreta da pena aplicada pelo cúmulo jurídico diz respeito, invoca o arguido que a pena que lhe foi aplicada se afere exagerada em face da inexistência de antecedentes criminais, da sua confissão em juízo e do facto de se encontrar social e profissionalmente inserido.
29. Entendemos, porém, ao contrário do alegado pelo arguido, que a sentença procedeu a uma análise rigorosa de todas as circunstâncias factuais e pessoais, procedendo à determinação da medida concreta da pena em estrito cumprimento do estabelecido nos artigos 40.º, 70.º e 71.º e 72.º, todos do Código Penal, não deixando de ter em vista as exigências subjacentes à aplicação da pena.
30. Com efeito, a sentença condenatória teve em consideração a ilicitude do facto, de grau médio, a inexistência de antecedentes criminais do arguido, os motivos que estiveram na base do seu comportamento, relacionados com questões financeiras e societárias e com um despacho de arquivamento, proferido na sequência da apresentação de queixa crime pela assistente, e a culpa do arguido, que se revelou mediana e que se foi agravando à medida que comete cada crime de injuria.
31. Foi ainda tido em consideração pelo Tribunal e merecedor de acrescido juízo de censura o facto de o arguido ter praticado o crime de ofensa à integridade física simples sobre a ofendida na presença de duas funcionárias, mostrando indiferença pelas consequências da sua conduta e pela desproporcionalidade entre tal conduta e as suas motivações.
32. Por fim e quanto ao crime de detenção de arma proibida, ao contrário do que é referido pelo arguido, foi tido em consideração pelo tribunal o grau de ilicitude e de culpa demonstrado, que se afigurou baixo, mostrando-se tal circunstância repercutida na determinação da pena parcelar aplicada ao arguido pela prática do crime em apreço.
33. Pelo que entendemos que nenhuma disposição legal foi preterida ou violada com a sentença proferida, que o arguido ora põe em crise, tendo o Tribunal decidido em estrita obediência à lei penal, fazendo uma correta e ponderada avaliação da matéria de facto dada como provada, da personalidade revelada pelo arguido e das condições de prevenção geral e especial que se impõe no caso concreto.
34. Assim, porque nada se encontra que mereça censura na sentença ora recorrida, a qual nos parece sensata, ponderada e adequada ao caso concreto, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a mesma, na íntegra.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto e em consequência deve ser mantida, na integra, a decisão proferida.
Vossas Excelências, porém, decidirão fazendo a costumada justiça!

6. Igualmente, a Assistente, respondeu, evidenciando as seguintes conclusões: (transcrição)

1. Nestes autos o arguido A, inconformado com a sentença proferida, que o condenou em cúmulo jurídico na pena única e 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo o montante global de €3.200,00 (três mil e duzentos euros) e julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela assistente, condenando-o a pagar à demandante B a quantia de €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), vem dele recorrer, quer no que diz respeito à matéria de facto, quer no que diz respeito a diversas questões de Direito.
2. Em síntese, o recorrente defende relativamente ao crime de injúria as expressões utilizadas pelo arguido por não assumirem relevância penal não podem configurar o tipo de crime em causa.
3. Já a condenação pelo crime de ofensas à integridade física no entender do Recorrente não proceder, porquanto no seu entender inexistem provas suficientes que permitam afirmar com uma certeza acima do razoável que existiu uma agressão com dignidade penal suficiente para se enquadrar na prática do crime de ofensa à integridade física simples.
4. No entender do Recorrente a decisão recorrida não valorou devidamente a prova produzida em julgamento, o que levou a que o Tribunal a quo, tenha errado ao dar como provados os factos 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 20, 21 e 38, seja porque existe contradição entre os factos provados e a prova produzida, ou porque a prova produzida era insuficiente para as conclusões a que se chegou.
5. Acontece que, a nosso ver não assiste qualquer razão ao Recorrente, na medida em que, mesmo que se entenda que in casu o tipo legal do crime de violência doméstica não se encontra preenchido, todos os factos dados como provados, que o Recorrente põe em causa são consentâneos com a prova produzida em julgamento, pelo que contrariamente ao pretendido pelo Recorrente não se afigura possível afastar a relevância penal das condutas do arguido.
6. Também a fundamentação que o Tribunal a quo fez para proferir a sentença em que condena o arguido por 4 crimes injúria e um crime de ofensas à integridade física simples, parece-nos adequada aos factos dados como provados, razão pela qual, no nosso entender, a decisão a proferir no caso concreto se afigura acertada.
7. Com efeito, toda a atuação do arguido foi sempre pautada pelo propósito de intimidar, perturbar, incomodar, humilhar, ofender a honra e consideração da Assistente e provocar medo na Assistente, o que acabou por conseguir.
8. Diga-se que toda a prova produzida em julgamento é claramente coerente com os factos dados como provados e como não provados, pelo que muito bem esteve o Tribunal a quo na sua decisão.
9. Tanto a Assistente como as testemunhas referidas relataram fielmente os factos que presenciaram, devendo, por isso, ser valorados na íntegra e no sentido de que o Arguido quis, efetivamente, ofender física e psicologicamente a Assistente, com o intuito de castigá-la, tendo ficado claramente demonstrando quais os motivos subjacentes à prática de tais factos pelo Arguido.
10. Relativamente à matéria de facto:
a) Ficou demonstrado pelas declarações da assistente, conjugadas com os depoimentos das testemunhas e com as declarações do próprio arguido, que após o término da relação que unia a assistente ao arguido, foram várias as discussões, na sua maioria iniciadas pelo arguido, em que este em tom altivo dirigia vários insultos contra a pessoa da assistente.
b) Esta violência verbal que todos presenciaram, exercida na presença quer dos funcionários, quer de clientes, teve como propósito o rebaixamento e humilhação da Assistente.
c) Todas estas mentiras eram proferidas num tom agressivo e ameaçador que impediam a Assistente de se defender, na medida em que, apesar de ver sua dignidade posta em cheque, como estava em causa a paz e a tranquilidade da empresa a mesma via-se obrigada a sofrer em silêncio.
d) Resulta suficientemente provado que o arguido agarrou a ofendida pelos braços, apertando-os, arrastando-a de uma sala para outra, o que, tal como concluído pelo Tribunal a quo, atendendo às diferenças de compleição entre a Assistente e o arguido, facilmente se compreende que das referidas condutas só poderiam ter resultado danos para a saúde da Assistente, quanto mais não seja a ocorrência de hematomas.
e) Este sofrimento apenas se veio a agravar com a constatação de que a sua permanência na Guest House era absolutamente impossível, pois o crescendo de violência verbal acabou por culminar em violência física, quer contra a Assistente, quer contra o filho desta, o que a levou a temer pela sua segurança.
f) Com a sua atuação o Arguido violou o bem jurídico integridade física e psíquica, liberdade e honra da Assistente, que com a sua conduta o mesmo quis ofender esses bens jurídicos, e ainda que o mesmo atuou de forma livre, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
g) Fruto dos maus-tratos a que foi sujeita a Assistente sentiu profunda tristeza, angústia, desassossego e vergonha, uma vez que, não só se sentiu humilhada pela pessoa de quem gostava como tal situação foi conhecida no seu grupo de amigos, por todos os clientes que acolheu, parceiros, e na região que a viu crescer e onde há largos anos exerce a sua atividade profissional de forma reconhecida.
h) Esses sentimentos levaram a que se isolasse e tivesse mesmo de pedir ajuda psicológica à APAV, em virtude do pânico em que vivia, além de ter afetado as suas relações interpessoais e a sua autoestima também estava a afetá-la ao nível do sono.
i) Todos os danos acabados de descrever são consequência direta da conduta do Arguido.
11. Todas estas conclusões resultaram de forma absolutamente clara, quer dos depoimentos das testemunhas referidas, quer das declarações da Assistente, gravados nos ficheiros:
Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-13_14-16-56 (minuto 00.17.41 ao minuto 00.24.04; minuto 00.28.07 ao minuto 00.34.01; minuto 00.40.07 ao minuto 00.54.19; minuto 00.58.28 ao minuto 01.01.22; minuto 1.07.17 ao minuto ao minuto 01.13.14; e minuto 01.25.38 ao minuto 01.28.32), quanto às declarações da Assistente.
Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-14_09-57-59 (minuto 00.02.25 ao minuto 00.05.0o; minuto 00.05.04 ao minuto 00.06.04; Minuto 00.06.18 ao minuto 00.09.22; e minuto 00.09.29 ao minuto 00.16.05); e Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-14_10-20-44 (minuto 00.04.44 ao minuto 00.05.14; e minuto 00.09.57 ao minuto 00.11.24), relativamente ao depoimento da testemunha C.
Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-14_10-46-21 (minuto 00.03.17 ao minuto 00.04.00; minuto 00.07.30 ao minuto 00.09.50; minuto 00.11.14 ao minuto 00.11.44; minuto 00.13.33 ao minuto 00.15.09; minuto 00.17.49 a 00.19.25; e minuto 00.19.46 ao minuto 00.22.17), no que diz respeito à testemunha G.
Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-14_11-37-51 (minuto 00.04.29 a 00.07.57; minuto 00.08.27 ao minuto 00.09.32; minuto 00.11.13 a 00.12.18; e minuto 00.13.13 a 00.14.11), no se reporta ao depoimento da testemunha D.
Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-14_12-06-04 (minuto 00.05.58 ao minuto 00.11.32; minuto 00.13.32 ao minuto 00.16.38; minuto 00.18.55 ao minuto 00.20.28); e Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-14_12-26-38 (minuto 00.00.13 ao minuto 00.01.32), respeitante ao depoimento da testemunha F.
Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-14_14-52-51 (minuto 00.02.30 ao minuto 00.10.40; e minuto 00.12.58 ao minuto 00.14.17), em relação ao depoimento da testemunha E.
Ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-14_14-33-56 (minuto 00.16.31 ao minuto 00.17.40), no que se refere ao depoimento da testemunha H.
12. Por sua vez, também o arguido quando confrontado com os factos constantes da acusação embora tenha referido que os insultos foram proferidos no âmbito de discussões e que a agressão não tinha relevância, não deixou de admitir a sua prática, conforme pode ser atestado pelas declarações do arguido constantes do ficheiro de gravação designado Diligencia_71-20.3GCRDD_2023-09-13_09-59-15 (minuto 00.06.58 ao minuto 00.07.24; minuto 00.19.07 ao minuto 00.20.30; minuto 00.20.33 a 00.25.16; Minuto 00.23.01 ao 00.23.47; Minuto 00.25.16 ao minuto 00.27.17; minuto 00.27.37 a 00.29.02; minuto 00.29.26 ao minuto 00.31.51; Minuto 00.35.27 ao minuto 00.39.20; e minuto 00.42.33 ao minuto 00.49.31).
13. Também o facto 38 dos factos provados resulta suficientemente provado na medida em que as conclusões nele vertidas decorrem diretamente das declarações do arguido constantes do ficheiro de gravação designado Diligencia 71-20.3GCRDD_2023-09-14_16-47-02 (minuto 00.01.42 a 00.02.26).
14. Perante os depoimentos supratranscritos não restam dúvidas que a motivação de facto da decisão recorrida se afigura coerente com os mesmos e com as regras da experiência e do bom senso, pelo que os factos 8, 9, 11, 12, 15, 16, 20, 21 e 38 devem ser mantidos.
15. Face a toda a prova carreada para os autos, nomeadamente prova testemunhal, documental, a qual foi devidamente analisada em audiência de julgamento, consideramos que muito bem esteve o Tribunal em considerar como provados os factos nos termos em que o fez, pelo que dúvidas não houve em afastar o princípio do in dubio pro reo.
16. Ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
17. Não existe, pois, qualquer erro na apreciação da prova, pelo que deverá manter- se nos precisos termos em que foram dados como provados.
18. In casu, resulta do teor e circunstancialismo em que os factos ocorreram que a intenção do arguido não poderia ser outra que não aquela que ficou vertida no facto provado n.º 21, pelo que também neste ponto não se deverá dar provimento ao recurso apresentado pelo arguido.
19. Repare-se que as expressões utilizadas foram-no perante as funcionárias da assistente, com o intuito de a rebaixar e menorizar perante estas, pondo em causa a sua inteligência e competência no exercício das suas funções, o que naturalmente assume contornos de maior gravidade.
20. Assim, consideramos que deverão manter-se como provados todos os factos 8,9,11,12, 20 e 21 e, consequentemente manter-se a condenação pela prática de 4 crimes de injúria.
21. Também pelas agressões relatadas facilmente se percebe que o arguido praticou um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º do CP, dado que preencheu o elemento objetivo do tipo legal, atingindo a ofendida no seu corpo, e previu e quis atuar do modo descrito, pelo que atuou com dolo direto.
22. Nestes termos, consideramos que deverá manter-se a condenação do arguido, e que a pena única aplicada em cúmulo jurídico se afigura adequada às circunstâncias do caso.
23. Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pela Assistente deverá manter-se a condenação do arguido porquanto resultam suficientemente provados os pressupostos da responsabilidade civil: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano, gerando uma obrigação do Arguido Demandado para com a Assitente Demandante.
24. Pois, na sequência das agressões e humilhações sofridas, é incontestável que a assistente sofreu os danos constantes dos factos provados, sendo que contrariamente ao que o Recorrente afirma, sendo os mesmos consequência dos ilícitos por si praticados é este obrigado ao seu ressarcimento.
25. Por essa razão, concordamos com o Tribunal a quo quando deu como provado os factos relativamente aos danos sofridos pela Assistente.
26. E, consideramos que foram os mesmos provados em audiência de julgamento pelo que não assiste razão ao recorrente, tendo sido afastado o princípio do in dubio pro reo, devendo por isso manter-se a decisão recorrida, nos termos em que foi proferida.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá o presente recurso ser julgado totalmente IMPROCEDENTE, e em consequência deverá manter-se na íntegra a decisão proferida quanto à parte criminal, quer também quanto à parte do pedido de indemnização civil.

7. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, invocando (…) não nos parece que o alegado pelo recorrente seja de modo a considerar que existe erro ou insuficiência na análise da prova conducente à sua absolvição quanto a estes crimes (…) igualmente nos parece que também em termos das penas parcelares e depois na pena única o tribunal tenha cometido erro jurídico ou que estas fossem excessivas, incompatíveis com a culpa e ilicitude ou não exigidas pelas necessidades da prevenção geral e especial (…) o arguido não confessou a prática dos fatos, aliás ainda nem agora os admite, não contribuindo nem para a descoberta da verdade material, nem revelando arrependimento, de modo a que o tribunal a quo pudesse fazer um juízo de prognose positiva sobre a aplicação de penas inferiores como suficientemente adequadas a prevenir o cometimento de novos crimes.

O arguido reagiu em resposta seguindo a linha defendida no articulado recursivo.

8. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. A decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, ressaltam como temas de discussão:
- erro de julgamento da matéria de facto – impugnação dos factos provados constantes dos pontos 8 a 12, 15, 16, 20 e 21;
- aplicação do princípio in dubio pro reo;
- qualificação jurídica dos factos e erro na determinação da medida concreta das penas impostas, nas vertentes tempo e taxa diária da multa;
- pedido de indemnização cível – absolvição do mesmo.


2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)

A) Factos Provados
1. O arguido A e a assistente B conheceram-se em janeiro de 2010, via internet, através da plataforma “Meeting”, tendo iniciado uma relação de namoro em abril de 2010.
2. Em agosto/setembro de 2015 começaram a viver juntos, como se de marido e mulher se tratassem, em comunhão de leito, mesa e habitação, tendo ido residir para o Alandroal.
3. Em setembro de 2015 constituíram a sociedade Feelalentejo, Lda., que explora a casa de turismo rural Guest House, sita no Alandroal.
4. O arguido e assistente residiam nessa casa de turismo rural, cuja gestão cabia a ambos, partilhando um quarto.
5. Em março de 2020, o relacionamento amoroso entre ambos terminou.
6. Nessa sequência, a assistente abandonou o quarto do casal, continuando a residir na Guest House até novembro de 2020, onde também continuou a viver o arguido.
7. Após esta data, a assistente continuou a ir à Guest House, para tratar de assuntos relacionados com faturação e gestão das tarefas das funcionárias.
8. No dia 18 de setembro de 2020, à hora de almoço, no interior da Guest House e na sequência de uma discussão motivada pelo arquivamento de uma queixa-crime apresentada pela assistente contra o arguido, este último dirigiu-se à assistente e, aos gritos, disse-lhe que esta era “mentirosa” e “burra”.
9. No dia 28 de outubro de 2020, também no interior da Guest House, quando arguido e assistente se encontravam a discutir acerca de uma verba da sociedade que não se encontrava no cofre, o arguido dirigiu-se à assistente e apodou-a de “burra”, o que fez em frente à funcionária do hotel D.
10. Ainda neste dia, e na sequência da mesma discussão motivada por questões financeiras da sociedade, o arguido disse à assistente que qualquer dia aparecia pendurada num poste e que nada ali era dela.
11. No dia 29 de outubro de 2020, o arguido, no âmbito de uma conversa relacionada com assuntos patrimoniais da sociedade, ocorrida no interior da Guest House, disse ao filho da assistente, F, que “qualquer dia ficamos pendurados num poste”, acrescentando o vocábulo “financeiramente”.
12. Mais apodou a assistente de “mentirosa”, na presença do filho daquela.
13. Desde data não concretamente apurada e até 12 de novembro de 2020, o arguido A tinha na sua posse um bastão extensível, metálico, de abertura automática através de pressão sobre uma mola junta à pega, que permite a extensão rápida e automática dos elementos que compõem o bastão, com comprimento total de 52 cm.
14. A detenção de armas de classe A, onde se inclui a arma que o arguido tinha na sua posse é proibida e insuscetível de ser legalizada, sendo de uso exclusivo das Forças Armadas ou Forças de Segurança.
15. No dia 27 de novembro de 2020, na cozinha da casa de turismo rural Guest House, o arguido, ao ver a assistente a conversar com as funcionárias C e D, dirigiu-se a ela e, em tom de voz alto e exaltado, acusou-a de estar a falar mal dele.
16. Após, aproximou-se da assistente, agarrou-a pelos dois braços com força e, empurrando-a, puxou-a para a sala em direção ao exterior da Guest House, ao mesmo tempo que lhe dizia “Vai-te embora, sai daqui que isto é meu”.
17. No dia 1 de abril de 2021, tendo recebido uma mensagem do arguido no dia anterior em que lhe comunicava que o hotel iria encerrar, a assistente dirigiu-se à Guest House.
18. Quando a assistente se encontrava a fumar um cigarro na zona de fumadores contígua à cozinha do 1.º andar da Guest House, o arguido fechou à chave a porta que dá acesso a essa zona.
19. Acabando por abrir a mesma apenas quando se apercebeu que a assistente tinha consigo o botão de pânico e que o iria acionar.
20. Em data não concretamente apurada, mas após o mês de abril de 2021, no interior da casa de turismo rural Guest House, o arguido, após uma discussão motivada por uma decisão judicial para entrega provisória do hotel à assistente, em tom de voz alto e aos gritos, dirigiu-se a esta dizendo que a mesma era uma “burra”, que não sabia ser gerente, que não era uma pessoa honesta e era incompetente.
21. Com as condutas descritas, o arguido atuou com o objetivo conseguido de molestar o corpo da assistente, de a importunar, humilhar e ofender na sua honra e consideração, bem sabendo que as mesmas eram aptas a causar-lhe dores e angústia.
22. Mais sabia o arguido que praticava os factos descritos em 8., 9. e 12. no interior do hotel onde ambos residiam em tais datas, o que não o inibiu de os concretizar.
23. O arguido agiu com o propósito concretizado de deter o bastão extensível suprarreferido, conhecendo as suas características e sabendo que não tinha justificação, nem autorização para a sua detenção, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, não se coibindo de agir da forma supra descrita, bem sabendo que a referida detenção lhe estava vedada por lei e que o mesmo se encontrava apto a ser utilizado.
24. Agiu em tudo, o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava factos proibidos e punidos por lei penal.
(Do pedido de indemnização civil)
25. Na sequência da conduta do arguido, a assistente sentiu tristeza, angústia e vergonha.
26. E recebeu acompanhamento psicológico no Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Doméstica de Évora.
(Da contestação)
27. Por contrato de cessão de quotas e suprimentos datado de 20 de junho de 2022, a assistente cedeu a sua quota na sociedade Feelalentejo, Lda., bem como os créditos por si detidos, a I, pelo valor global de €215.723,01.
28. Tendo renunciado, na mesma data, ao cargo de gerente dessa sociedade.
Mais se provou,
29. A zona de fumadores referida em 18. é um espaço exterior que permite aceder a todo o jardim e piscina do hotel, no qual existem duas portas para a via pública que possibilitam o acesso à entrada principal da Guest House, da qual a assistente tinha uma chave.
30. Nas circunstâncias descritas em 18., a assistente não foi verificar se tais portas se encontravam fechadas à chave.
31. A assistente tinha uma casa em Évora, que se encontrava disponível para ela aí residir quando ocorreu o fim do relacionamento com o arguido, mais exercendo a sua atividade profissional principal nessa cidade.
32. O arguido procedeu voluntariamente à entrega às autoridades policiais do bastão extensível referido em 13. dos factos provados.
33. O arguido não averba qualquer condenação no seu Certificado de Registo Criminal.
34. É considerado por aqueles com quem se relaciona como uma pessoa alegre, divertida, educada e empreendedora.
35. Viveu durante 30 anos na África do Sul, onde trabalhou nas áreas da agronomia e atividades mineiras, tendo regressado a Portugal em 2009/2010.
36. Tem uma filha maior, com quem mantém uma relação de proximidade.
37. Atualmente continua a explorar o hotel rural no Alandroal, em conjunto com outro sócio.
38. Aufere a quantia média mensal de €800,00 a €900,00.
39. As suas despesas pessoais são suportadas pela sociedade Feelalentejo, Lda., não tendo qualquer outra despesa extraordinária.
40. Possui um bacharelato na área da Agronomia.
41. Confessou parcialmente os factos.

B) Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
1. Nas circunstâncias referidas em 15. e 16. dos factos provados, as funcionárias C e D, amedrontadas com a situação, diziam ao arguido para deixar a assistente B.
2. Nas circunstâncias referidas em 17. a 19. dos factos provados, o arguido só abriu a porta da cozinha que dava acesso à zona de fumadores passados 10 minutos.
3. Mais sabia, nas mesmas circunstâncias, que as portas mencionadas em 29. se encontravam fechadas à chave e que a assistente não tinha as mesmas.
4. O episódio descrito em 20. dos factos provados ocorreu no dia 22 de fevereiro de 2022.
5. O arguido estava ciente de que mantinha com a assistente B uma relação análoga à dos cônjuges e que, por esses motivos, lhe devia particular cuidado, respeito e consideração.
6. Sem prejuízo do descrito em 21. dos factos provados, agiu o arguido com o propósito concretizado de maltratar psicologicamente a assistente e de a ofender na sua dignidade pessoal, com a intenção de causar na mesma inquietação constante, sofrimento e o receio fundado de que atentasse contra a sua integridade física e psicológica, fazendo temer pela sua vida, o que logrou alcançar.
7. Ao proferir as expressões referidas em 10. e 11. dos factos provados, quis o arguido criar no espírito da assistente ideia de que a conduta prometida se viria a concretizar, visando assim amedrontá-la, afetar a sua liberdade e perturbar o seu sentimento de segurança.
8. Com as condutas descritas em 18. e 19., o arguido conseguiu atemorizar e inquietar a assistente, mas também afetar a sua liberdade de movimentos e de atuação.
9. Nas circunstâncias descritas em 15. a 20., bem sabia o arguido que praticava tais factos no interior do hotel onde ambos residiam, portanto, residência comum do casal, onde deve imperar um ambiente securizante, que não o inibiu de os concretizar.
(Da contestação)
10. No decurso das discussões entre arguido e assistente após o final do relacionamento amoroso, ambos gritavam e criticavam-se mutuamente.
(Do pedido de indemnização civil)
11. Em consequência das condutas do arguido, a assistente priva-se de se deslocar ao Alandroal, evitando compromissos profissionais.
12. E despendeu a quantia global de €28.167,21 em serviços jurídicos.

2.2. Motivação da Decisão de Facto (transcrição):

O Tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade provada e não provada por via da apreciação conjugada e crítica, com base nas regras da experiência comum e da lógica, da prova produzida em audiência e da prova documental junta aos autos.
Na presente situação, cabe recordar as especiais características do crime de violência doméstica, as quais terão necessariamente que ser tidas em conta pelo julgador no processo de apreciação da prova.
Com efeito, a violência doméstica é um fenómeno que ocorre, na grande maioria das vezes, no interior da residência comum ou da vítima, o que suscita particulares dificuldades ao nível dos meios de prova, em virtude de tais factos não serem presenciados por terceiros, que sobre eles poderiam depor.
Assim, assumem especial relevância neste tipo de processos as declarações da vítima e do arguido, cabendo ao julgador a tarefa de destrinçar aquilo que efetivamente constitui a realidade dos factos, analisando criticamente a coerência, verosimilhança e consistência de tais depoimentos, mais os conjugando entre si e com outros meios de prova que existam nos autos, bem como com as regras da experiência em situações similares, atentas as especiais características deste tipo de criminalidade.
Descendo ao caso destes autos, além das declarações prestadas pelo arguido e pela assistente, foram igualmente valorados os depoimentos das seguintes testemunhas:
C, que trabalhou na Guest House explorada pelo arguido e assistente na data dos factos que aqui nos ocupam, bem como atualmente;
G, que conhece arguido e assistente e pontualmente ajudava nas tarefas da Guest House;
D, que trabalhou na Guest House explorada pelo arguido e assistente na data dos factos que aqui nos ocupam;
F, filho da assistente;
H, amigo do filho da assistente;
E, trabalhadora na Guest House entre o verão de 2020 e novembro do mesmo ano;
J, amigo do arguido;
L, amiga do arguido;
M, hóspede frequente da Guest House à data dos factos que aqui nos ocupam.
Cumpre referir que, na sua globalidade, os depoimentos das testemunhas acima identificadas se apresentaram coerentes e escorreitos, não obstante as vicissitudes destes autos e os lapsos de memória, próprios do tempo decorrido entre a data dos factos e aquela da audiência de julgamento.
Por outro lado, tais testemunhas não evidenciaram qualquer interesse no desfecho destes autos, afigurando-se-nos que não têm qualquer inimizade séria para com o arguido ou assistente, suscetível de as levar a alterar a realidade dos factos.
Por fim, e no que concerne às declarações da assistente e da testemunha F, filho da mesma, o Tribunal não valorou a parte relativa a alegados episódios que se encontram em investigação no inquérito n.º 176/20.0T9RDD, que corre termos no DIAP da Secção do Redondo, descritos na queixa-crime remetida a estes autos sob a ref.ª Citius 3769508.
Aqui chegados, importa expor o que esteve na base da convicção do Tribunal quanto à factualidade dada como provada e não provada.
Desde logo se dirá que o início do namoro entre arguido e assistente, o modo como estes se conheceram, bem como a data em que constituíram a sociedade Feealentejo, Lda. e começaram a explorar a casa de turismo rural Guest House, resultaram provadas das declarações de ambos que, quanto a esta matéria, se mostraram coincidentes.
Por outro lado, e nesta última parte, as mesmas encontram arrimo no teor da Certidão Permanente do Registo Comercial junta aos autos a fls. 1111 a 1114, na qual se constata que a sociedade foi efetivamente constituída em setembro de 2015, como decorre da correspondente inscrição pela Ap. 1/20150902.
O arguido, confrontado com os factos constantes da acusação, confessou aqueles atinentes à detenção de um bastão extensível, melhor identificado no facto que se veio a dar como provado em 13., referindo que o mesmo se encontrava na sua posse há mais de 30 anos, porquanto o havia adquirido na África do Sul, onde residiu por bastante tempo.
Por sua vez, a entrega voluntária de tal objeto às autoridades policiais, por parte do arguido, resultou provada do auto de apreensão de fls. 250 e 251, de onde também decorre a data que se consignou em 14. dos factos provados, tendo a suas características resultado do exame pericial elaborado pelo Núcleo de Armas e Explosivos da PSP, cujo juízo, nos termos das regras processuais penais aplicáveis, se presume subtraído à livre convicção do julgador.
No mais, e quanto aos restantes factos, apresentou uma versão distinta, ainda que pontualmente coincidente, com aquela da acusação.
Efetivamente, referiu o arguido que nunca viveu em comunhão de leito, mesa e habitação com a assistente, porquanto a mesma residia em Évora, onde trabalhava, indo ao Alandroal, localidade onde se situa a Guest House, apenas aos fins de semana.
De igual modo, mencionou que após a constituição da sociedade, em 2015, quem assumiu o cargo de gerente foi a assistente, sendo ele, porém, quem desempenhava a generalidade das tarefas práticas no hotel, nomeadamente receção de hóspedes, assuntos logísticos e de gestão corrente, organização do funcionamento do hotel, entre outros.
Assim, e na sua versão, o clima de animosidade entre ambos veio a agravar-se ao longo do tempo e a partir da constituição da sociedade, surgindo discussões relativas à assunção exclusiva, pela assistente, do cargo de gerente, com a qual o arguido não concordava, o que determinou a degradação do relacionamento e o seu término.
Confirmou que efetivamente, após o fim da relação, existiam discussões frequentes com a assistente, as quais eram exclusivamente motivadas por questões atinentes à gestão e administração do hotel, acrescentando que em tais discussões existia troca de insultos de parte a parte.
Já no que concerne aos demais factos descritos na acusação, admitiu como possível que tivesse apelidado a assistente de “mentirosa” no decurso de tais discussões, desculpabilizando-se, porém, com o facto de aquela o provocar, porquanto queria que ele abandonasse o hotel, ficando assim sem local para residir e sem meios económicos para o seu sustento.
No que diz respeito aos episódios referentes aos dias 28 e 29 de outubro, assumiu que apelidou a assistente de “burra”, mas que tal discussão, à semelhança das demais, foi provocada por questões patrimoniais relacionadas com a gestão da empresa, na medida em que era este quem se encontrava a suportar todos os encargos da Guest House e, em tal data, era a assistente que continuava a receber os valores provenientes das reservas efetuadas pelos hóspedes.
Nesse contexto, terá dirigido a expressão “qualquer dia apareces pendurada num poste” à assistente, referindo-se, segundo a explicação que deu ao Tribunal, a um eventual endividamento na sequência da falência da sociedade.
O mesmo se diga relativamente ao dia 29 de outubro de 2020, quando voltou a proferir idêntica expressão ao filho da assistente, acrescentando que se referia a si e àquela, tendo sempre como referência o já mencionado endividamento. Nessas circunstâncias, também terá apelidado a assistente de “mentirosa”, na presença do filho daquela.
No que concerne aos factos ocorridos em 27 de novembro de 2020, referiu inicialmente que apenas pegou na mala da assistente e a afastou do restaurante, para a “ajudar a sair”, vindo posteriormente a alterar tal versão, mencionando que efetivamente agarrou a assistente em direção ao exterior e lhe disse para sair dali porque o hotel era dele.
Relativamente ao ocorrido no dia 1 de abril de 2021, confirmou que tinha fechado à chave a porta da cozinha que dava acesso à zona exterior de fumadores, enquanto a assistente aí se encontrava, justificando tal comportamento com o facto de “não a querer ouvir mais” e referindo que abriu a porta posteriormente, porque pensava que aquela já se teria ido embora.
Também explicou ao Tribunal que tal zona dava acesso à área do jardim e piscina, no qual existem portas para a via pública, permitindo o regresso à Guest House da assistente, pela entrada principal.
Por fim, confirmou as expressões por si proferidas à assistente e constantes da acusação, na sequência de uma discussão motivada por uma providência cautelar relacionada com a gestão do hotel, desculpabilizando a sua conduta com o facto de aquela também já lhe ter dito, em momento anterior, expressões idênticas e, bem assim, com a circunstância de aquele se ver numa posição em que poderia ficar sem casa e sem quaisquer recursos económicos.
Ora, desde logo se dirá que a versão apresentada pelo arguido, de que não vivia em comunhão de leito, mesa e habitação com a assistente, não colhe, na medida em que foi frontalmente infirmada pelas declarações daquela e, bem assim, pelos depoimentos das testemunhas C, D, G, E e F.
Com efeito, tanto a assistente como essas testemunhas mencionaram, de forma unânime e consentânea entre si, que arguido e assistente viviam, desde agosto/setembro de 2015, na qualidade de casal, na Guest House, partilhando um quarto.
Tais testemunhas também referiram, corroborando a assistente, que esta se deslocava diariamente a Évora, onde exercia a sua atividade profissional principal, sendo certo que tanto de manhã como ao final da tarde tratava de questões atinentes ao hotel, designadamente faturação, organização das tarefas diárias das funcionárias e, bem assim, prestava ajuda nos pequenos almoços dos hóspedes.
Por sua vez, e pese embora o arguido tenha mencionado que o relacionamento terminou ainda no decurso do ano de 2019, a assistente referiu que tal ocorreu por sua iniciativa em março de 2020, no que foi corroborada pela testemunha E, que mencionou que quando iniciou o trabalho no hotel a assistente já vivia sozinha num quarto, bem como pelo seu filho F.
Deste modo, resultou claro ao Tribunal que, pese embora a Guest House fosse uma casa de turismo rural onde se encontravam vários hóspedes e funcionárias, era simultaneamente, desde agosto/setembro de 2015 e até março de 2020, o local onde ambos residiam, fazendo vida de casal, isto é, em condições análogas às dos cônjuges (factos provados 2. e 4.).
Por outro lado, do depoimento da assistente e das testemunhas indicadas supra, também se provou que, após o término da relação, a assistente continuou a residir em tal local, tendo abandonado o quarto comum e passado a dormir na sala, num primeiro momento e, após, num quarto individual.
Tal sucedeu, como por aquela foi referido, até novembro de 2020, data em que foi residir para Évora, numa casa sua propriedade que se encontrava disponível já na altura em que colocou termo à relação com o arguido.
Questionada acerca do motivo que a levou a manter-se na Guest House após tal período, esclareceu que tinha tarefas a desempenhar na mesma, adstritas à gestão do hotel e tendo em vista honrar os seus compromissos financeiros, acrescentando que após ter saído de lá continuou a deslocar-se à Guest House com frequência.
Isto mesmo também foi referido pela testemunha C, funcionária do hotel em tal data, que confirmou que a assistente se deslocava regularmente a este, nomeadamente para lhe abrir a porta.
No mais, a assistente, depondo de modo que se afigurou credível, porque coerente, seguro e globalmente consentâneo com o depoimento das demais testemunhas com conhecimento direto dos factos – C, D, E e F – e com o do próprio arguido, nos termos já referidos supra, relatou ao Tribunal os episódios ocorridos nos dias 18 de setembro, 28 e 29 de outubro e 27 de novembro, todos do ano de 2020, e 1 de abril de 2021, relato esse coincidente com o que se deixou vertido nos factos provados 8. a 12. e 15. a 19..
De igual modo, esclareceu ao Tribunal o concreto contexto em que tais episódios ocorreram, que também se encontra discriminado em tais factos.
No que concerne, especificamente, ao ocorrido no dia 27 de novembro, a assistente concretizou que o arguido a agarrou com força nos dois braços, empurrando-a para a sala do restaurante em direção à zona exterior do hotel, tendo a funcionária D desmaiado na sequência de tal episódio.
Ora, isto mesmo foi dito pelas testemunhas C e D, que presenciaram tais factos. Por outro lado, pese embora estas tenham referido que o arguido agarrou a assistente por um braço, nesta parte, e considerando o tempo já decorrido e o especial impacto que tal conduta teve na assistente, permanecendo, por essas razões, mais nítido na sua memória, deu-se maior credibilidade às declarações desta última.
Já quanto ao dia 1 de abril de 2021, o Tribunal também alicerçou a sua convicção nas declarações da assistente, corroboradas parcialmente quer pelo arguido, como pela testemunha C.
Contudo, e quanto a este episódio, a prova produzida não permite afirmar com uma certeza acima do razoável que o arguido sabia que as duas portas existentes na zona do jardim e piscina, que dão acesso à via pública, se encontravam trancadas e, bem assim, que a assistente não teria as chaves das mesmas.
Pela assistente foi dito que não procurou indagar se tais portas se encontravam abertas (facto provado 30.), porquanto a zona do jardim e piscina se encontrava “abandonada” e esta tinha receio de se dirigir a esse local, com medo que o arguido lhe fizesse algum mal, sendo certo que tinha as chaves da entrada principal da Guest House.
Porém, a testemunha C, que confirmou a existência dessas duas portas, não fez qualquer referência a esse alegado estado de abandono, antes referindo que os espaços exteriores do hotel estiveram sempre bem cuidados.
Note-se que esta testemunha, não obstante mantenha atualmente uma relação laboral com a sociedade em que o arguido é sócio, não evidenciou qualquer constrangimento emergente de tal facto. Com efeito, não se inibiu de relatar ao Tribunal os episódios dos quais teve conhecimento direto, referindo repetidamente, e de modo espontâneo, que já não se lembrava de alguns dos pormenores, porquanto já passaram cerca de 3 anos desde a sua ocorrência.
Assim, e face à prova produzida, não é possível inferir que a assistente não verificou tais portas devido ao motivo que relatou ao Tribunal e, bem assim, que o arguido teve a intenção e conseguiu afetar a sua liberdade de movimentos e atuação.
Consequentemente, tais dúvidas terão que ser valoradas a favor do arguido, em cumprimento do princípio constitucional in dubio pro reo, razão pela qual se consignaram os factos não provados 3. e 8., este último atinente ao elemento subjetivo de tal conduta.
No mais, nem a assistente nem a referida testemunha concretizaram de forma segura o tempo que a primeira se encontrou na zona de fumadores e, consequentemente, aquele que o arguido levou a abrir a porta, o que determinou que se desse como não provado o facto 2..
Por fim, e quanto ao que se deixou consignado no facto provado 20., o Tribunal valorou as declarações prestadas pela assistente, que foram corroboradas pelas do arguido.
Com efeito, esta relatou tal episódio, que já havia sido mencionado pelo próprio arguido, confirmando que dirigiu aquelas expressões à assistente, ainda que assumindo uma postura desculpabilizante nos termos que supra se explicitaram.
Contudo, não resultou das declarações de ambos que tal episódio tenha efetivamente ocorrido no dia 22 de fevereiro de 2022, e embora exista nos autos um relatório de serviço relativo a tal data, elaborado por OPC, o seu teor não pode ser valorado pelo Tribunal.
Certo é que, tanto pelo arguido como pela assistente, foi dito que este se verificou na sequência de uma providência cautelar atinente ao hotel, em que a gestão ficou atribuída à assistente, não se suscitando dúvidas que ambos se referiam ao mesmo episódio.
Não obstante isto, a assistente situou o mesmo em data posterior a abril de 2021, o que é coincidente com o que também foi mencionado a este propósito pelo arguido, que remeteu para data anterior àquela de 22 de fevereiro de 2022.
Em face de tudo o que se deixou exposto, o Tribunal não teve dúvidas que o arguido efetivamente praticou os factos que se deixaram vertidos na factualidade provada. Acrescente-se, ainda, que a sua postura em audiência, assumindo um comportamento algo beligerante e altivo para com o mandatário da assistente, se mostra consentâneo com o estado de exaltação em que o mesmo se encontrava em tais momentos, conforme descrito pela assistente e pelas testemunhas C, D, E e F.
A prova das circunstâncias de tempo e lugar dos factos descritos em 8. a 12. e 15. a 19. resultaram da conjugação das declarações do arguido e assistente, dos depoimentos das testemunhas acima referidas e, bem assim, dos aditamentos ao auto de notícia de fls. 407 a 411 e 429 a 435.
Por sua vez, a prova dos factos atinentes ao elemento subjetivo e à culpa fez-se por inferência daqueles demonstrados quanto ao elemento objetivo.
Efetivamente, o arguido não ignorava, porque tal resulta das mais elementares regras da experiência comum e de convivência em sociedade, que ao apodar a assistente de “mentirosa” e “burra”, mais lhe dizendo que não sabia ser gerente, que não era uma pessoa honesta e que era incompetente, a ofendia na sua honra e consideração, importunando-a, humilhando-a e causando-lhe angústia.
Por outro lado, também não poderia desconhecer que ao agarrar com força nos braços da assistente, mais a empurrando em direção ao exterior da Guest House, a atingia no seu corpo, causando-lhe dores no momento desse contacto físico, porque a aptidão de tais condutas para esse resultado é do conhecimento de qualquer pessoa medianamente formada.
Mais sabia o arguido que praticava os factos descritos em 8., 9. e 12. dos factos provados no interior do hotel que, à data dos mesmos, era a residência de ambos, não se tendo, ainda assim, inibido de adotar tal comportamento.
Para além disto, o arguido também não podia desconhecer as concretas características do bastão extensível que tinha na sua posse, bem como a falta de autorização legal para essa detenção, porque tal é evidente para qualquer cidadão comum.
Com efeito, o simples facto de tais objetos não se encontrarem livremente disponíveis para venda reforça a convicção generalizada de qualquer cidadão que a sua detenção obedece a requisitos legais estritos, só sendo permitida nos casos autorizados por lei e nos condicionalismos aí estabelecidos.
De igual modo, não poderia o arguido ignorar que as condutas por si levadas a cabo e melhor descritas na factualidade provada eram proibidas e punidas por lei, porque tal é do conhecimento de qualquer cidadão medianamente formado e amplamente divulgado junto da comunidade.
Assim, as suas ações apenas poderão ser compreendidas como uma manifestação de vontade finalisticamente dirigida à produção dos resultados desvaliosos que se vieram efetivamente a verificar.
Nada nos autos nos permite concluir que o arguido não tinha a capacidade ou a liberdade para assumir comportamento diverso, pelo que se impõe a conclusão de que, ao adotar tais condutas, mesmo estando ciente da sua censurabilidade jurídico-penal, o fez de forma livre, voluntária e consciente.
No que concerne ao facto provado 25., o Tribunal teve em conta as declarações da assistente e das testemunhas C, D, F, E e H, que descreveram ao Tribunal o estado anímico daquela, sendo certo que tal sempre decorreria das regras da experiência comum.
Já quanto ao facto provado 26., o mesmo resultou das declarações da assistente, conjugadas com as declarações emitidas pelo Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Doméstica de Évora (fls. 550 e ref.ª Citius 3763332), as quais foram livremente valoradas pelo Tribunal na parte desprovida de juízos conclusivos.
Os factos provados 27. e 28. assim se consideraram tendo em conta os contratos de cessão de quotas e suprimentos de fls. 788 e ss. e o documento relativo à renúncia do cargo de gerente pela assistente, de fls. 787v.º, conjugados com a certidão permanente do registo predial da sociedade, junta aos autos sob a ref.ª Citius 33388911.
O facto provado 34., relativo à perceção da personalidade do arguido pelas pessoas com quem se relaciona, resultou dos depoimentos das testemunhas L, J e M, que mereceram a credibilidade deste Tribunal e que se afiguraram isentas, não obstante as relações de amizade que mantêm com o arguido.
Já aqueles relativos à sua condição económica e social resultaram provados das suas declarações, que se reputaram credíveis, conjugadas com o teor do relatório social junto aos autos.
Para prova da ausência de antecedentes criminais do arguido, o Tribunal socorreu-se do Certificado de Registo Criminal atualizado junto aos autos, sob a ref.ª Citius 3745221.
No que diz respeito aos factos não provados a que ainda não nos referimos supra, estes assim se consideraram por falta ou insuficiência de prova ou por se encontrarem em contradição com a factualidade dada como provada.
Assim, deu-se como não provado o facto 5. porquanto os episódios descritos nos factos provados ocorreram, todos eles, após o término da convivência em condições análogas à dos cônjuges que existiu entre arguido e assistente.
Por outro lado, atento o concreto circunstancialismo em que as condutas do arguido tiveram lugar, é forçoso concluir que estas tinham como motivação discórdias relativas à gestão e administração do hotel propriedade de ambos, bem como o arquivamento de uma queixa-crime, não emergindo direta ou indiretamente da relação de união de facto e de namoro que haviam tido anteriormente.
Note-se que, a este propósito, a própria assistente concretizou ao Tribunal o concreto circunstancialismo em que tais factos ocorreram, mais acrescentando, no que foi secundada quer pelo arguido como pelas testemunhas C, D, E e G, que a partir de setembro de 2020 todas as discussões eram espoletadas por motivos atinentes à sociedade e sua gestão e administração.
Pese embora, quanto a esta matéria, a testemunha F tenha mencionado que as discussões após o final da relação ocorriam inicialmente devido a questões da sociedade, tendo posteriormente passado a ser motivadas por “qualquer coisa”, quando convidado a concretizar tal expressão acabou por se referir a um episódio em que o arguido colocou no lixo umas lulas que haviam sido adquiridas pela assistente.
Ora, a própria assistente, no decurso das suas declarações, também se referiu a tal facto, tendo mencionado que chegou a comprar comida para o hotel e o arguido a deitou fora, o que também aconteceu com umas tintas, que o arguido se recusou a utilizar.
Daqui decorre que o motivo das discórdias entre ambos se prendia, além da questão pontual do arquivamento da queixa-crime, com questões societárias e/ou estritamente patrimoniais e financeiras, sem qualquer ligação com a sua anterior relação de conjugalidade, dando-se como não provado o correspondente elemento subjetivo (facto não provado 6.).
Acresce que a circunstância de a assistente ter uma casa em Évora, que poderia habitar após o final da relação, tendo optado por não o fazer, também nos leva a concluir, por apelo às regras da experiência e da lógica, que pese embora se sentisse importunada, humilhada e envergonhada em virtude das condutas levadas a cabo pelo arguido, não vivia em inquietação constante ou temendo pela sua integridade física e/ou psicológica e vida, nos termos relatados em tal elemento subjetivo.
Com efeito, não se encontrando esta na dependência económica e emocional do arguido, tanto mais que tinha outra atividade profissional e foi quem colocou termo à relação amorosa, seria expectável que, sentindo temor pela sua integridade física ou vida, bem como inquietação constante, tivesse ido residir sozinha para Évora, o que poderia ter feito.
No que concerne ao facto não provado 7., foram aqui valoradas as declarações do arguido e da assistente e, bem assim, da testemunha F.
Sendo certo que o arguido confirmou que disse à ofendida, no dia 28 de outubro de 2020, que qualquer dia aparecia pendurada num poste, não foi possível, atento o circunstancialismo em que que tal discussão ocorreu, perceber o concreto sentido e intenção de tal expressão.
De facto, pese embora a explicação dada pelo arguido ao Tribunal se tenha afigurado confusa, tendo resultado provado que a expressão em causa foi proferida no contexto de uma discussão acerca de uma verba da sociedade que não se encontrava no cofre, na qual o arguido também disse à assistente, como esta referiu, que nada ali era dela, não é possível afastar a hipótese que o arguido tenha efetivamente querido utilizar tal expressão por referência a questões financeiras, nomeadamente atinentes a um futuro endividamento.
Igual raciocínio se teve relativamente à expressão idêntica proferida no dia seguinte, à qual o arguido acrescentou o vocábulo “financeiramente”, como mencionou a testemunha F.
Certo é que na linguagem corrente é comum referir-se que alguém endividado fica “com a corda ao pescoço”, pelo que tal dúvida, quanto ao concreto sentido e intenção do arguido ao proferir tais expressões, terá necessariamente que ser valorada a seu favor, razão pela qual se deu como não provado o facto atinente ao correspondente elemento subjetivo.
Já quanto ao facto não provado 9., este assim se considerou porque os factos descritos em 15. a 20. ocorreram em datas em que a assistente já não se encontrava a residir na Guest House.
Da prova produzida também não resultou que a assistente dirigisse expressões injuriosas ao arguido, antes que o tentava acalmar, pelo que o facto não provado 10. assim se considerou por absoluta falta de prova.
O mesmo se diga quanto ao facto não provado 11., que também não foi referido por nenhuma das testemunhas inquiridas e, bem assim, pela própria assistente.
Por fim, quanto ao facto não provado 12., este assim se consignou por falta de prova, que competia à assistente/demandante nos termos gerais das regras de repartição do ónus da prova. Com efeito, muito embora tenham sido juntas aos autos faturas-recibo atinentes a serviços jurídicos, não se provou que estes tenham sido prestados em consequência das condutas do arguido, sendo certo que, em tal caso, sempre seriam de incluir em sede de cálculo a título de custas de parte.

2.3. Da matéria a decidir
Em primeiro e imediato momento, sobressai cristalinamente do instrumento recursivo, considerando todo o acervo vertido nas conclusões e, bem assim, a motivação que o sustenta, ser intento principal do arguido recorrente, seguir a linha de questionamento / impugnação da matéria de facto pela via mais ampla, tentando abalar o recorte factual que integra os pontos 8 a 12, 15, 16, 20 e 21, dados com provados, ou seja, tudo o que pode desenhar os crimes de injúrias e de ofensa à integridade física simples, pelos quais foi condenado.
Pacificamente emerge, crê-se, que o apelo recursório em termos de matéria de facto pode surgir por duas formas invocativas, a saber: enunciação dos vícios da revista alargada, nos termos do plasmado no artigo 410º, nº 2 do CPPenal, aqui por simples referência ao texto da decisão recorrida; alegação de erros de julgamento por chamamento de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, que imponha diversa apreciação.
Na primeira situação, ao recorrente cabe enunciar as falhas operadas, o que não é obrigatório, pois oficiosamente o tribunal o pode fazer, sendo que no segundo caso pede o legislador que se cumpra o ónus de impugnação especificada contido nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPPenal.
Aqui, na linha do texto preambular do DL nº 39/95, de 15 de fevereiro, parece límpido que não se patenteia (…) a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Deste modo, não será de aceitar que o recorrente se baste com o questionamento genérico / global / indiferenciado da decisão de facto, sustentando apenas e só a necessidade de reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando abrangente discordância com o decidido, sendo antes imperioso que se observe um específico ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.
Neste formato de sindicância do decidido, não está em causa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria em litígio, constituindo antes um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, procedendo-se a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que se especifiquem como incorretamente julgados.
Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os aspetos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[2].
Ante tal, pensa-se, demanda-se ao recorrente que nas conclusões especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (e as concretas provas a renovar) e que, estando em causa a prova gravada, com referência ao consignado na acta — quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência —, indique concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 6 do artigo 412º).
Nessa medida, como o que está em questão é despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, ao recorrente impõe-se o específico o ónus de proceder a uma tríplice especificação, como decorre do artigo 412.º, n.º 3, do CPPenal:
-a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados - alínea a);
- a indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida – alínea b);
- a indicação das provas que devem ser renovadas – alínea c).
Visitando todo o instrumento recursivo, sendo claro que não prima o mesmo pelo rigor / justeza / precisão no cumprimento das máximas supra enunciadas e extraídas do disposto nas diversas alíneas integradoras do nº 3 do artigo 413º do CPPenal, crê-se que daquele exubera um mínimo elucidativo de tal, propiciador da ponderação nesta vertente.
Não deixou, por isso, este tribunal de proceder à audição da gravação respeitante à prova indicada pelo arguido recorrente, sem prejuízo de ouvir outras passagens que não as indicadas (nº 6 do artigo 412º do CPPenal) e de analisar a motivação que sustenta a decisão recorrida, por forma a verificar se as conclusões alcançadas pelo tribunal recorrido, a partir da prova que valorou, se mostram razoáveis ou se, eventualmente, as provas e posicionamento indicados, à luz de um raciocínio comum, impõem decisão diversa - alínea b) do nº3 do artigo 412º.
O que se pretende num julgamento é conhecer um acontecimento pretérito e por isso, a valoração das provas sobre o mesmo tem de traduzir uma atividade racional, objetivada e motivada, para além de toda a dúvida razoável, consistente na eleição da hipótese mais provável entre as diversas reconstruções possíveis dos factos.
E procedeu-se dessa forma tendo sempre em vista que, como realçou oportunamente o STJ[3], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que advém da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo / novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida.
Ora, considerando todos estes matizes, as próprias referências trazidas pelo arguido recorrente e, bem assim, toda a motivação traçada na decisão revidenda, é-se tentado a concluir no sentido de que não lhe assiste razão neste segmento.
Com efeito, mostra-se claro que o arguido recorrente, optando por referenciar algumas das partes de depoimentos prestados em sede de audiência, o que faz é, apenas e só, ler de um modo diferente daquele que o tribunal o fez, a prova produzida – mormente as suas declarações, as da Assistente e das testemunhas C e D – optando por de tal retirar as suas próprias conclusões e ilações - quanto a estes factos, apesar de se julgarem como praticados pelo arguido, devia o Tribunal a quo ter decidido que, estas expressões, nas circunstâncias em que ocorreram e no contexto das discussões que existiam não tinham relevância penal e que as condutas descritas não eram aptas a configurar o tipo de crime em causa, não se tendo provado que houve intenção por parte do arguido em ofender ou atingir a assistente na sua honra e consideração (…) podemos concluir que as versões não divergem apenas na questão de o arguido ter agarrado por um braço, ou pelos dois, a assistente, na verdade, a versão que o tribunal optou por acolher foi a que foi contada pela assistente, sem outro suporte probatório (…) a testemunha C disse que já não se recordava dos pormenores da situação, recordando, em suma, que estava mais preocupada em ajudar a colega que desmaiou, do que, com a própria situação em si e que nem se recordava de mais nada (…) a testemunha D, referiu que o arguido terá agarrado a assistente por um braço e a terá empurrado lá para fora, da cozinha para o exterior, quando o que a assistente relata é que foi agarrada pelos dois braços e puxada da cozinha para a sala.
Ora, não basta, ao que se pensa, que o recorrente pretenda fazer uma revisão de toda a convicção criada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível e, nesse contexto fazer valer a tua tese interpretativa, substituindo-se ao tribunal na tarefa que a este está acometida de analisar e ponderar o acervo probatório coligido e produzido.
Exige-se-lhe que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade racional, uma impossibilidade probatória, um exercício arbitrário, um raciocínio leviano, imprudente e superficial, uma violação de regras de experiência comum, uma ostensiva errada utilização de presunções naturais.
Ou seja, necessário se mostra a demonstração não do mero relativo possível, mas sim a absoluta evidência de que outra convicção é a obrigatória e definitiva conclusão. Dito ainda de outra forma, cabe configurar e evidenciar que, face a todo o contexto probatório, a convicção a assumir só pode ser outra / diferente / diversa da tida pelo tribunal recorrido.
Tal, não exubera de todo o instrumento recursivo, sendo que congeminando toda a decisão propalada, nomeadamente o trajeto encetado em termos de aclaração tomada para assentar todo o elenco factual que se pretende abalar, a supra dita conclusão de que seria obrigatória e inelutável outra conclusão, não assola.
Com efeito, o percurso motivacional trazido pela decisão recorrida surge consistente / robusto / verosímil / lógico - O arguido (…) confessou aqueles atinentes à detenção de um bastão extensível, melhor identificado no facto que se veio a dar como provado em 13., referindo que o mesmo se encontrava na sua posse há mais de 30 anos, porquanto o havia adquirido na África do Sul, onde residiu por bastante tempo (…) quanto aos restantes factos, apresentou uma versão distinta, ainda que pontualmente coincidente, com aquela da acusação (…) na sua versão, o clima de animosidade entre ambos veio a agravar-se ao longo do tempo e a partir da constituição da sociedade, surgindo discussões relativas à assunção exclusiva, pela assistente, do cargo de gerente, com a qual o arguido não concordava, o que determinou a degradação do relacionamento e o seu término (…) Confirmou que efetivamente (…) existiam discussões frequentes com a assistente, as quais eram exclusivamente motivadas por questões atinentes à gestão e administração do hotel, acrescentando que em tais discussões existia troca de insultos de parte a parte (…) admitiu como possível que tivesse apelidado a assistente de “mentirosa” no decurso de tais discussões, desculpabilizando-se, porém, com o facto de aquela o provocar, porquanto queria que ele abandonasse o hotel, ficando assim sem local para residir e sem meios económicos para o seu sustento (…) No que diz respeito aos episódios referentes aos dias 28 e 29 de outubro, assumiu que apelidou a assistente de “burra”, mas que tal discussão, à semelhança das demais, foi provocada por questões patrimoniais relacionadas com a gestão da empresa (…) No que concerne aos factos ocorridos em 27 de novembro de 2020, referiu inicialmente que apenas pegou na mala da assistente e a afastou do restaurante, para a “ajudar a sair”, vindo posteriormente a alterar tal versão, mencionando que efetivamente agarrou a assistente em direção ao exterior e lhe disse para sair dali porque o hotel era dele. (…) confirmou as expressões por si proferidas à assistente e constantes da acusação, na sequência de uma discussão motivada por uma providência cautelar relacionada com a gestão do hotel, desculpabilizando a sua conduta com o facto de aquela também já lhe ter dito, em momento anterior, expressões idênticas e, bem assim, com a circunstância de aquele se ver numa posição em que poderia ficar sem casa e sem quaisquer recursos económicos (…) a assistente, depondo de modo que se afigurou credível, porque coerente, seguro e globalmente consentâneo com o depoimento das demais testemunhas com conhecimento direto dos factos – C, D, E e F – e com o do próprio arguido, nos termos já referidos supra, relatou ao Tribunal os episódios ocorridos nos dias 18 de setembro, 28 e 29 de outubro e 27 de novembro, todos do ano de 2020, e 1 de abril de 2021, relato esse coincidente com o que se deixou vertido nos factos provados 8. a 12. e 15. a 19 (…) esclareceu ao Tribunal o concreto contexto em que tais episódios ocorreram, que também se encontra discriminado em tais factos (…) especificamente, ao ocorrido no dia 27 de novembro, a assistente concretizou que o arguido a agarrou com força nos dois braços, empurrando-a para a sala do restaurante em direção à zona exterior do hotel, tendo a funcionária D desmaiado na sequência de tal episódio (…) isto mesmo foi dito pelas testemunhas C e D, que presenciaram tais factos (…) pese embora estas tenham referido que o arguido agarrou a assistente por um braço, nesta parte, e considerando o tempo já decorrido e o especial impacto que tal conduta teve na assistente, permanecendo, por essas razões, mais nítido na sua memória, deu-se maior credibilidade às declarações desta última (…) quanto ao dia 1 de abril de 2021, o Tribunal também alicerçou a sua convicção nas declarações da assistente, corroboradas parcialmente quer pelo arguido, como pela testemunha C.
Nesta senda, e sem necessidade de outras considerações, cai totalmente por terra esta via reativa.

*
Em correlação com esta dimensão recursória vem o arguido recorrente fazer um apelo à utilização, no quadro em presença, do princípio in dubio pro reo.
Tal máxima constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, pois impõe uma orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos que leva o tribunal a decidir em favor do reo, sendo que essa dúvida tem que envergar forma que impeça a convicção do tribunal.
Ao que exulta, como se propalou, avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não emergiram dúvidas sobre a existência dos factos referidos pelo arguido recorrente, tal como o tribunal recorrido os considerou e deu como provados.
Efetivamente perscrutada toda a prova e a avaliando segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não assolou dúvida / incerteza / insegurança sobre a existência / verificação da materialidade assente e vertida nos pontos em discussão.
Nesse seguimento, nenhum apelo há a fazer ao brocardo em referência, estando sedimentado todo o acervo factual atribuído ao arguido recorrente e, assim sendo, também improcede nesta parte o pretendido recursivamente.
*
Importa então um debruce sobre o segmento da qualificação jurídica dos factos e, sequentemente, no que tange à concreta das penas impostas, nas vertentes tempo e taxa diária da multa.
Quanto ao primeiro aspeto – qualificação jurídica dos factos – defende o arguido recorrente que o apelidar a Assistente de burra e mentirosa, em contexto de discussões, não tem relevância penal, exuberando condutas que não são aptas a configurar os crimes de injúrias apontados.
Surgindo, desde logo, de duvidosa consistência a linha seguida – pugna-se pela inexistência de ilícito neste conspecto, mas depois apela-se à revisão das penas aplicadas, sendo que só há pena se houver crime -, tem-se por frágil / débil / vulnerável o entendimento veiculado.
Na verdade, perfilhar que em sede de discussão é permitido / possível / aceitável que se usem determinados epítetos ainda que os mesmos, objetivamente, possam molestar a honra e consideração de outrem, é permitir que por essa via se atinja impunemente quem quer que seja, sendo o veículo discussão o mote / a forma para se ofender sem qualquer consequência.
É caminho que definitivamente não se segue.
Ora, espreitando a descrição do iter criminis em causa, tem-se entendido que o bem jurídico que se pretende acautelar é a honra, vista esta numa dúplice conceção fáctico-normativa que inclui a reputação e o bom nome de que cada um goza na comunidade e a dignidade inerente a cada individuo independentemente do seu estatuto / classe social[4], ou seja, a honra é vista como um bem jurídico complexo o qual abrange o valor pessoal ou interior de cada pessoa, radicado na sua dignidade e, também, a sua reputação ou consideração exterior[5].
Assim, a honra mostra-se ligada à imagem que cada um tem de si próprio, com repercussão no apego a valores de probidade e honestidade, assumindo-se, também, como nota a reter a reputação / a boa fama / o apreço social sobre a dignidade de cada um[6], ou seja, a honra é a opinião dos outros sobre o nosso mérito / ser / estar e o nosso receio dessa opinião[7].
Diga-se, igualmente, que há quem distinga honra de consideração, integrando aquela a essência da personalidade humana, a probidade, a retidão, a lealdade, o caráter, significando a consideração todo o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter conseguido ao longo da sua vida, provindo do juízo em que somos tidos pelos outros[8].
Refira-se, também, que este crime se assume como de perigo abstrato-concreto pois, basta-se com a possibilidade de ofensa à honra e consideração, sem haver necessidade de concretização do perigo, mas em que tal perigo seja concretamente possível[9].
Por outro lado, é um crime doloso onde se basta com o dolo genérico.
Nessa senda, ao que se pensa, apelidar alguém de “burra”, “mentirosa”, significando tais menções ignorante / tola / néscia / lerda / inepta – o primeiro – e falsa / impostora / trapaceira / enganadora – o segundo -, é por demais evidente que constitui padrão suscetível que beliscar / questionar / afetar a honra e consideração de quem é o destinatário de tais expressões.
E tanto mais significativo tal se torna quando o é feito por forma audível e presenciada por terceiros, assumindo maior carga vexatória e humilhante.
Assim sendo, nada há a censurar, neste conspecto, a decisão propalada.
Neste vetor recursório, impõe-se então sopesar a aventada questão das penas parcelares impostas e, bem assim, a pena única arbitrada.
Desponta que o arguido recorrente, também aqui não executa um questionamento absolutamente claro pois, se a dado passo se limita a referir em termos gerais e abrangentes que o tribunal errou na determinação da medida concreta não só das penas parcelares aplicadas, como também na medida concreta da pena quando efetuou o cúmulo jurídico das mesmas, vem depois particularizar, em termos de penas parcelares, apenas, quanto ao crime de detenção de arma proibida, o tribunal não atendeu à confissão que o arguido fez dos factos, para depois concluir quanto ao montante diário da multa, que se fixou em 8,00€, para todas as situações (…) se considera excessivo (…) aplicou a pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, muito perto do limite máximo da moldura penal da pena única que seria aplicável ao caso concreto (…) Se tivesse ponderando tudo isto, e as circunstâncias concretas em que ocorreram os factos, o clima de tensão permanente em que viviam, o Tribunal a quo teria decidido, certamente, pela aplicação de uma pena única próxima do limite mínimo da moldura penal aplicável.
Perscrutem-se, assim os autos, mormente, a decisão propalada neste particular segmento.
Considerando todo o percurso decisório tomado em matéria de determinação concreta das penas parcelares e, ainda, relativamente à pena única arbitrada – espetro este diretamente em sindicância recursiva - exuberam falhas que se pensam incontornáveis de fundamentação e, nessa medida, o retrato da nulidade da sentença, deformidade de conhecimento oficioso, tal como o refletem os incisos conjugados dos artigos 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2 do CPPenal.
Discorrendo sobre a previsão em causa, retira-se que esta nulidade ocorre sempre que na sentença se omite a fundamentação ou a decisão, sempre que haja falta da enumeração dos factos provados e não provados, a indicação / exposição dos motivos de facto e de direito que justificam e suportam o decidido, bem como a indicação e análise crítica da prova que alicerçou a convicção do tribunal[10].
Ou seja, elucubrando sobre a anunciada normação, retira-se que tal ocorre sempre que a sentença “(…) não contiver as menções referidas no nº 2 do artigo 374.º (…)”, ou seja, nos casos em que falha “(…) a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação penal, a determinação da sanção, a responsabilidade civil constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações (….), incluindo os factos não provados da contestação, importando saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação (…) a indicação da razão de ciência de cada pessoa cujo depoimento o tribunal tomou em consideração (…) a indicação dos motivos de credibilidade de testemunhas, documentos ou exames (…) a indicação dos motivos porque se preferiu uma versão dos factos em detrimento de outra”[11].
Na verdade, o que se reclama é uma fundamentação suficiente – impõe-se ao juiz que concretize as opções tomadas no contexto da decisão de forma a que a justificação seja compreendida / percebida pelo destinatário da sentença – coerente – o juiz no processo argumentativo encetado deve apresentar-se linear, sem elementos contraditórios nem fatores conflituantes – e razoável - o justo equilíbrio entre a complexidade, a clareza, a racionalidade e o acerto[12].
Estas exigências decorrem da necessidade que o legislador imprimiu em concretizar o princípio constitucional expresso no artigo 205º, nº 1 da CRP, o qual no domínio penal reclama um alicerce reforçado, com vista a uma total transparência da decisão.
A compreensão da decisão impõe que os seus destinatários a apreendam e entendam nos seus diversos patamares, postulando que o tribunal para além de indicar com clareza os factos que considerou provados e aqueles que entendeu não provados, aponte também, de forma legível a razão de tal, demonstrando e explicitando o percurso feito para formar a sua convicção, indicando o caminho traçado quanto à valoração que fez das diversas provas e como as interpretou / leu , e bem assim, porque optou por determinada solução[13].
Em suma, é de exigência legal imprescindível que por força da leitura da sentença / acórdão, se perceba a razão que determinou o tribunal decidir num certo sentido e não noutro, também possível, optou por esta ou aquela pena, entendeu adequada determinada dosimetria punitiva.
Acresce, igualmente, neste específico conspecto da determinação da medida da pena, a necessidade da sentença expressamente dever referir os fundamentos / razões que à mesma conduziram – artigo 71º, nº 3 do CPenal.
Na verdade, trata-se de exigência tão forte que por força deste inciso legal, a lei penal acalentou uma norma de matiz processual, no sentido de obrigar o juiz a fundamentar as suas opções e trajeto traçado para chegar a esta ou àquela pena[14], tornando assim claro que é incontornável e irretorquível esse exercício.
Em suma, é condição essencial e primeira que da leitura da sentença não restem quaisquer dúvidas / incertezas no espírito dos sujeitos processuais e da comunidade em geral sobre o que se decidiu e por que desse modo se decidiu.
Ora, cotejando todo o percurso decisório encetado quanto às penas parcelares encontradas, mostra-se confortavelmente seguro que relativamente aos crimes de ofensa à integridade física simples e de detenção de arma proibida se alcança o caminho traçado e o raciocínio elaborado pelo tribunal a quo para concluir nos termos em que o fez, com o qual se concorda inteiramente, nada despontando que denote fragilidade / inconsistência quanto ao decido a reclamar intervenção por este tribunal ad quem.
Na realidade, quanto a este segmento não se denota ausência de fundamentação nem quadro de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, entendendo-se de equilibrada justeza a solução encontrada.
Todavia, em termos de penas impostas ao arguido recorrente, no que concerne aos crimes de injúrias e, bem assim, à pena única encontrada, parece por demais evidente que se denota trajeto algo falho / demissionário / ausente em termos de fundamentação.
Utilizando um tom absolutamente generalizado, no que tange às penas impostas a cada um dos crimes de injúrias pelos quais foi condenado o arguido recorrente propaga-se (…) dolo, que em todos os crimes é direto e na sua forma mais intensa (…) ilicitude da conduta relativa à prática dos crimes de injúria, que se reputa como média, porquanto o arguido proferiu as expressões “burra” e “mentirosa” na presença de terceiros (…) acusou a assistente de não ter capacidade intelectual e profissional para desempenhar a atividade de gerente da sociedade comercial, colocando em causa a sua honra e consideração em duas vertentes distintas (pessoal e profissional) (…) o arguido praticou tais crimes em quatro circunstâncias distintas, demonstrando que não se trataram de meros crimes de oportunidade, potenciados exclusivamente por um estado de exaltação momentâneo (…) a culpa do arguido é mediana (…) (…) a verdade é que relativamente aos crimes de injúria (…) a sua culpa agrava-se à medida que comete cada crime de injúria, porquanto teve oportunidade de se arrepender e conformar o seu comportamento, tanto mais que dispunha de meios legais para fazer valer os seus direitos sobre a sociedade (…) não só não o fez, como persistiu no mesmo comportamento em mais três situações distintas, praticando-o ora diante de terceiros, ora aumentando o número de expressões injuriosas dirigidas à assistente.
Apesar de neste excurso argumentativo se enquadrarem os quatro crimes de injúrias apontados ao arguido recorrente, todos eles integrando o mesmo tipo e, por isso puníveis com a mesma pena abstrata, e basicamente operando o mesmo tipo de contextualização / motivação, entendeu-se aplicar a cada um deles, penas diferentes onde ressalta um aumento de 50 para 70 dias, seguido de um passo de 80 para 100 dias de multa, sem uma aparente justificação do que conduziu a esta diferenciação.
Fica, efetivamente, por saber qual o labor realizado pelo tribunal recorrido para assim decidir. Ou seja, em nenhum passo deste capítulo se elencam razões / fundamentos que sustentem as diferenças / particularidades encontradas - para além da repetição -, relativamente a cada crime, para se concluir por penas distintas, o porquê de uma primeira diferenciação de 50 para 70 dias, para depois um salto diferencial de apenas 10 dias, fixando-se a terceira situação em 80 dias, para um novo patamar de 100 dias, ou seja, novamente um hiato de 20 dias.
Nenhum explicativo para este percurso, ainda que em breves notas / tonalidades se antecipa.
De outra banda, calcorreando toda a sentença, ainda que em momentos não especialmente dedicados à determinação das penas em concreto, nada se destaca / resulta / avulta como explicativo que possa, ainda que indiretamente, apontar para notas / dados / sinais diferenciadores de cada situação, que não a mera repetição, a justificar / explicitar / concretizar particularidades que conduzam às diferentes punições concretas em matéria de crimes de injúrias pelos quais o arguido recorrente foi condenado.
Admite-se que possa fazer todo o sentido o entendimento preconizado pelo tribunal recorrido. Contudo, míster é que tal se mostre devidamente explicitado e justificado, nomeadamente as opções de uma escolha de 50 para 70 dias (diferenciativo de 20 dias), para um tempo de 80 dias (uma diferença de 10 dias), seguido de um patim de 100 dias (novamente um espaço de 20 dias), no recorte e palco factual em presença.
Por seu turno, debruçando um olhar, agora, sobre a linha executada quanto à pena única – vertente também questionada recursivamente – igualmente assolam brechas na fundamentação.
O tribunal a quo, nesse segmento, apelando a considerações que se reputam de alguma generalidade - o arguido agiu sempre com dolo direto, persistindo na sua atuação e na intenção ofender a honra e consideração da assistente (…) a atingindo na sua integridade física (…) não demonstrou arrependimento nos períodos que intermediaram as diferentes situações que constituem objeto destes autos, antes renovando o desígnio criminoso (…) o arguido demonstrou, com a conduta adotada, que não conseguiu adotar uma atitude normativa e consonante com os valores do ordenamento jurídico, o que desde logo é patente na reiteração de comportamentos que sabia serem proibidos e punidos por lei, independentemente das suas concretas motivações -, acaba por concluir pela imposição de uma pena única algo acima da mediania possível.
Igualmente aqui, se admite que o tracejado tido pelo tribunal recorrido pode ser o adequado ao caso concreto. Todavia, seria importante perceber porque assim concluiu e o que se pesou como variantes de favor e de desfavor para, in casu, se aplicar uma pena a ultrapassar o ponto médio punitivo possível, tanto mais que se afirma que o arguido não tem personalidade que evidencie uma particular tendência criminosa, e se reconhece que aquele se encontra profissional e socialmente bem inserido, de ser primário, de ter confessado parcialmente os factos.
Ante tal, cumpre interrogar sobre como aqui se chegou, o que se ponderou, o que se pesou positiva e negativamente, de que critérios se socorreu face ao elenco constante dos normativos conjugados dos artigos 77º, nº 1 e 71º, nº 2 do CPenal.
Todo este elenco interrogativo, desenha claramente falta de fundamentação, nesta parte, emergindo a nulidade assacada, que importa colmatar - artigos 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2, ambos do CPPenal - o que, pese embora a estatuição do nº 2 do artigo 379º do CPPenal, cabe o tribunal recorrido a suprir, pois só este está na posse de todos os elementos necessários à explicitação das razões que orientaram a sua decisão.
*
No que diz respeito à vertente relativa à indemnização arbitrada à Assistente, defende o arguido recorrente, em termos de pedido final recursivo que a decisão deve ser revogada e o arguido absolvido do pagamento da quantia em que foi condenado.
Resulta que o quantitativo arbitrado o foi tendo como suporte o disposto no artigo 71º do CPPenal, ou seja, o cometimentos dos crimes pelos quais foi condenado.
Mais se extrai de todo o decidido que o quantitativo encontrado de €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), reporta-se a danos não patrimoniais sofridos pela Assistente, fundamentando o tribunal a quo o seu posicionamento em (…) a demandante se sentiu humilhada, importunada, triste, angustiada e envergonhada, mais vendo a sua honra e consideração atingidas (…) viu o seu corpo molestado, mais sentindo dores, angústia e tristeza (…) tais condutas foram levadas a cabo pelo arguido no período que mediou o dia 18 de setembro de 2020 e até data não concretamente apurada, mas após abril de 2021, de forma reiterada, sendo que três delas ocorreram diante de terceiros, designadamente funcionárias do hotel em que a demandante assumia as funções de gerente, pelo que (…) ponderado o grau de culpabilidade do agente, que se afigura mediano porquanto se lhe impunha a adoção de comportamento diverso, a sua situação económica e a gravidade dos danos, julga-se equitativo e proporcional fixar a título de danos não patrimoniais o dito montante.
Cotejando todo o justificativo apresentando, crê-se que nada há desaprovar / censurar, denotando-se equilíbrio e justeza no decido.
Acresce que, tanto quanto se pensa, atentando ao valor em causa e ao plasmado nos normativos combinados dos artigos 44º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, alterada em último pela Leiº 18/2024, de 5 de fevereiro – e 400º, nº 2 do CPPenal, neste vetor, não é admissível recurso.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A e consequentemente decidem:
a) Declarar parcialmente nula a sentença recorrida por inobservância das disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1 alínea a) do CPPenal, na matéria respeitante à escolha e determinação das penas parcelares relativas aos crimes de injúrias e da pena única;
b) Determinar a reformulação da referida sentença, por forma a que se supram os apontados vícios de fundamentação em relação ao momento da escolha e determinação da medida da pena nos termos supra apontados – fundamentação de cada uma das penas parcelares relativas aos crimes de injúrias; fundamentação da pena única, considerando todos os aspetos enquadráveis no disposto no artigo 71º, nº 2 do CPenal;
c) Manter, no mais, todo o decidido em 1ª Instância.

Sem custas.


Évora, 9 de abril de 2024
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94º, n.º 2, do CPPenal)

Carlos de Campos Lobo
Ana Bacelar
Renato Barroso


__________________________________________________
[1] Cfr. fls. 1148, vº.
[2] Neste sentido ver os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em ww.dgsi.pt.
[3] Acórdão do STJ, de 12/06/2008, proferido no Processo nº 07P4375, disponível em www.dgsi.pt.
[4] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2021, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p.786.
[5] Neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Artigos 131º a 201º, 1999, Coimbra Editora, p. 607.
[6] Neste sentido, MIGUEZ GARCIA, M., O Direito Penal Passo a Passo, I, p.333.
[7] Neste sentido, NELSON HUNGRIA, citado em LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau, Parte Especial, Volume III, Crimes Contra a Pessoa (Artigos 128º a 195º), 2014, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 417.
[8] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/02/1996, in CJ, Ano XXI, T. 1, p. 156.
[9] Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/6/2001, CJ Ano XXVI, T.3, p. 53, referido por SÁ PEREIRA, Victor de e LAFAYETTE, Alexandre, Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2ª edição, 2014, Quid Juris, p. 523.
[10] Neste sentido GASPAR, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia Costa, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, Almedina, pg.1132.
No mesmo sentido ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 959.
[11] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p. 944-945.
No mesmo sentido, GASPAR, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia Costa, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p.1120-1121.
[12] Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo IV Artigos 311º a 398º, 2022, Almedina, p. 765.
[13] No Acórdão do STJ de 10/04/07, proferido no processo nº 83/03.1TALLE.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se “(…)Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto (…) A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova, no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido (…)”.
[14] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2021, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 395.
Também, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J. M., Código Penal, Parte Geral e especial – Com Notas e Comentários, 2015, 2ª Edição, Almedina, p. 391 – A fixação da medida da pena não pode deixar de ser sindicável em recurso, devendo o juiz “consciencializar ou racionalizar as operações que o levam a proferir uma pena com uma cerra medida concreta”.