NULIDADE DA SENTENÇA
CORRECÇÃO DA DECISÃO
Sumário

I - Não basta a invocação abrangente do artigo 379º, nº 1 do C. P. Penal, como forma de apontar a nulidade da sentença, sendo antes necessário que, por alguma forma, se concretize o que tal encerra, partindo da decisão proferida.
II - O artigo 380º do C. P. Penal, pela sua própria epígrafe, respeita a aspetos relativos à correção da sentença que, como do mesmo decorre, apenas e só abarca a possibilidade de se corrigirem lapsos/falhas/erros/obscuridades que não sejam essenciais/vitais indispensáveis na estrutura normativa da sentença.
III - No dito preceito abarcam-se unicamente todas aquelas situações que não configurem qualquer caso de nulidade de sentença precavido no artigo 379º, nº 1, do C. P. Penal, ou que desenhem erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não implique modificação essencial do decidido.
IV - Tendo os arguidos recorrentes interposto recurso e não solicitado a correção da sentença junto de quem inicialmente a subscreveu, é patente que não se verifica situação enquadrável na previsão do artigo 380º do C. P. Penal.

Texto Integral



Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

1. No processo nº 120/19.8T9LAG da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Lagos – Juiz 1, foi deduzida acusação contra,
A,
B,
e
C, imputando:
- ao primeiro, a prática, em autoria material e em concurso real e efetivo, de dois crimes de burla, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1, do CPenal, um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Decreto-Lei n.º 454/91 de 28/12, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 316/97 de 19/11 em conjugação com o art.202º, alínea a), do CPenal, um crime de coação agravada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 154º, nº 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do CPenal, um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo artigo 205º, n.º 1 e nº 4, alínea a) por referência ao artigo 202º, alínea a), ambos do CPenal, um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do CPenal e um crime de dano, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do CPenal;
- à segunda, a prática de dois crimes de burla, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1, do CPenal, nos termos do artigo 11º, nº 2, do mesmo diploma legal e,
- ao terceiro, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do CPenal.

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D, constituindo-se Assistente, deduziu acusação particular contra o arguido A, imputando-lhe a prática de um crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181º e seguintes do CPenal e de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º do CPenal, deduzindo pedido de indemnização civil contra o arguido/demandando A, reclamando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a notificação do demandado até efetivo e integral pagamento.
Por despacho proferido em 07.06.2022 foi rejeitada a acusação particular atrás referida e deduzida pelo assistente D e respetivo pedido de indemnização civil que a acompanhava.
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O Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E, deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos / demandados A e C, pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia de € 51,00, correspondente às despesas hospitalares pela assistência prestada a E, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação dos demandados até efetivo e integral pagamento.
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E, constituindo-se Assistente, deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos / demandados A e C, pedindo a condenação do demandado A na quantia de € 434,86, a título de danos patrimoniais, e a condenação dos demandados a pagar-lhe quantia não inferior a € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais por si sofridos, alegadamente decorrentes diretamente da conduta dos demandados, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação dos demandados até efetivo e integral pagamento.
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D, constituindo-se Assistente, deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido / demandado A, pedindo a condenação deste a pagar-lhe quantia de € 14.000,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde 1 de dezembro de 2018 até efetivo e integral pagamento.
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F, constituindo-se Assistente, deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos / demandados A, C e a sociedade arguida B pedindo a condenação dos demandados a pagar-lhe quantia de € 12.242,03, acrescida de juros de mora legais até efetivo e integral pagamento.
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G deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos / demandados A, C e a sociedade arguida B pedindo a condenação dos demandados a pagar-lhe quantia de € 12.242,03, acrescida de juros de mora legais até efetivo e integral pagamento.
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Efetuado o julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu:
a) Absolver o arguido A, da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo artigo 205º, nºs 1 e 4, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), ambos do CPenal;
b) Absolver o arguido A, da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154º, n.º 1 e 155º, nº 1, alínea a), ambos do CPenal;
c) Condenar o arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do CPenal, na pena parcelar de 1 ano de prisão;
d) Condenar o arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do CPenal, na pena parcelar de 8 meses de prisão;
e) Operar o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em c) e d) e condenar o arguido A, na pena única de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
f) Suspender pena de prisão aplicada em arguido em e) pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, mediante subordinação a regime de prova, a acompanhar pelos Serviços da Direcção-Geral de Reinserção Social, que vigiará e apoiará a respetiva execução, elaborando plano de reinserção social que deverá ir ao encontro das necessidades de aposta na plena reinserção social do arguido;
g) Condenar o arguido C, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 720,00 (setecentos e vinte euros);
e) Condenar os arguidos nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça a pagar por cada um deles em 3 (três) unidades de contas.
h) Julgar PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL formulado pelo demandante D, totalmente improcedente e, em consequência ABSOLVER o demandado A do pedido contra si formulado.
i) Julgar o PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL formulado pelo demandante CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO ALGARVE, E.P.E., totalmente procedente e, em consequência CONDENAR os demandados A e C a pagar, solidariamente, àquele a quantia de € 51,00 (cinquenta e um euros), acrescida de juros de mora à taxa legal civil desde a data de notificação do pedido de indemnização até integral pagamento.
j) Julgar o PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL formulado pela demandante E, totalmente procedente quanto ao pedido de indemnização civil a título de danos patrimoniais e, em consequência CONDENAR o demandado A a pagar àquela a quantia de € 434,86 (quatrocentos e trinta e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização cível até efetivo e integral pagamento;
k) Julgar o PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL formulado pela demandante E, parcialmente procedente quanto ao pedido de indemnização civil a título de danos não patrimoniais e, em consequência CONDENAR os demandados A e C a pagar, solidariamente àquela a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento.
l) Custas do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante D, pelo demandante.
m) Sem custas pelo pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E, atento o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais.
n) Custas do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente E, a título de danos patrimoniais, pelo demandado A e, quanto a título de danos não patrimoniais, pela demandante e demandados, na proporção do respetivo decaimento.

2.Inconformados com o decidido, recorrem os arguidos questionando a decisão proferida, concluindo: (transcrição)

- O presente recurso tem como objeto uma incongruência que consideramos relevante e com efeitos claros na douta sentença proferida (uma vez que os factos provados assentam unicamente no depoimento da assistente E e no que outros ouviram desta, funcionando como caixa de ressonância), ao conferir credibilidade às testemunhas ‘de ouvir dizer’ e ao não conferir credibilidade a testemunhas que estavam no local e presenciaram pelo menos parte dos acontecimentos.
- O tom calmo, com tempo para as testemunhas explanarem as suas ideias, que presidiu à audição das testemunhas ‘de ouvir dizer’ arroladas pelo Ministério Público, deu lugar a alterações de voz, constantes interrupções, desnecessários à partes que até certo ponto acuaram as testemunhas de defesa, uma das quais saiu da sala de audiência chorosa e a outra muito nervosa e sentindo-se humilhada por duvidarem da sua seriedade.
- Esse tom levou mesmo uma testemunha, H, que estava no local dos acontecimentos em análise (foi a própria assistente a confirmá-lo) a dizer “Não vi nada, assim não vi nada”, mentindo, precisamente por se sentir acuado.
- Entendemos que a desvalorização do que foi trazido a Tribunal pelas testemunhas de defesa (ao invés do que sucedeu com as testemunhas ‘de ouvir dizer’) não contribuiu para a descoberta da verdade material e teve precisamente o efeito oposto, conforme resulta dos factos provados e não provados.
- O artigo 32.º nº 5 da Constituição da República Portuguesa diz: “O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.”
- Da consagração da estrutura acusatória do processo penal resulta que “o juiz tem de ser em absoluto imparcial e isento, superior às partes e alheio ao interesse punitivo do Estado e, por isso, não pode assumir a veste de acusador, ainda que indirectamente”, in “Princípios Gerais do processo penal e Constituição da República Portuguesa”, Germano Marques da Silva.
- Princípio essencial, fundador e conformador do processo penal (de todos os modelos ou soluções particulares e mais ou menos idiossincráticas dos diversos sistemas processuais democráticos), o princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo" ("fair trial"; "due process"), é integrado por vários elementos, um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual; os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram”, idem.
- O processo equitativo, como "justo processo", supõe que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa. Mas determina também, por correlação ou contraponto, que as autoridades que dirigem o processo, seja o Ministério Público, seja o juiz, não pratiquem actos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projecção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais actos. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.09.2003).
- O reputado Professor Germano Marques da Silva assinala, como vimos, que “o juiz tem de ser em absoluto imparcial e isento, superior às partes e alheio ao interesse punitivo do Estado e, por isso, não pode assumir a veste de acusador, ainda que indirectamente”, o que, no caso aqui em apreço, nos parece estar em crise.
39. Se tal é ou não suficiente para se traduzir na nulidade da sentença é algo que nos suscita dúvidas, tendo em conta o disposto no artigo 379.º do Código de Processo Penal, nas diversas alíneas do seu n.º 1.
- Todavia, e por outro lado, o exame crítico das provas parece-nos claramente inquinado pelos motivos acima expostos e, quanto a nós, foram dados como provados factos que não nos parecem devidamente sustentados (por resultarem apenas da versão da assistente, pois as testemunhas por esta indicada nada viram e foram caixas de ressonância, e por as testemunhas de defesa, que observaram parte dos acontecimentos, terem sido, na prática, desconsideradas) e que formaram uma convicção do Tribunal que entendemos, com todo o respeito, como errónea.
- Tendo em conta o acima exposto, dirigimo-nos aos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal de Évora, no sentido do Tribunal ad quem:
i) Pronunciar-se por uma eventual nulidade da sentença, considerando em particular, o que consta nos n.ºs 35, 36, 37 e 38 deste recurso e que aqui damos por replicado, com as devidas consequências legais.
ou
ii) Pronunciar-se sobre uma errónea enumeração dos factos provados e não provados, em face do acima exposto, com a consequente correção da sentença, nos termos do artigo 380.º do Código de Processo Penal.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, OU A SUA CORREÇÃO, COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL E COSTUMADA JUSTIÇA

3.O Digno Mº Pº notificado do despacho de admissão do recurso e do mesmo, veio responder, concluindo: (transcrição).

i) Recurso do arguido C
A) DA REJEIÇÃO DO RECURSO
1. O recurso apresentado pelo recorrente omite completamente nas conclusões a referência a qualquer norma jurídica pretensamente violada, bem como parcialmente também na sua motivação, ao que acresce o facto de não ter formulado qualquer pedido devidamente integrado com as pretensas normas violadas, o que se traduz, em súmula, na falta de conclusões, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 412.º do Código Processo Penal.
2. O incumprimento deste formalismo legal, esvazia de conteúdo legal objecto de apreciação técnico jurídico e, desta forma impossibilita o seu conhecimento pelo tribunal ad quem, não havendo, nestes casos, lugar ao convite de aperfeiçoamento, pelo que deve o recurso apresentado pelo recorrente ser rejeitado, nos termos dos artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, nº 1, do Código de Processo Penal.
B) DO RECURSO, PROPRIAMENTE DITO
3. O Tribunal “a quo” não violou qualquer princípio consagrado na Constituição e/ou no Direito Penal ou Processual Penal, mormente os princípios da independência e imparcialidade, nem a sentença recorrida padece de qualquer vício ou está ferida de qualquer nulidade.
4. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada, em toda a prova produzida, enumerando os elementos probatórios que contribuíram para a formação da sua convicção, indicação as razões que os dotaram de relevância e credibilidade - à luz de critérios de normalidade e da experiência comum.
5. A sentença recorrida fez uma correta apreciação da prova produzida em audiência, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do tribunal que imponha a alteração da matéria de facto provada ou a insuficiência desta para a decisão, nem se verificando a existência de quaisquer razões objetivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelo recorrente, como melhor resulta da motivação do presente recurso.
6. Pelo que, e ainda pelas razões expendidas na motivação acompanhamos integralmente a sentença recorrida, a qual não nos merece nenhum reparo e à qual nada se nos oferece acrescentar com utilidade.
7. Não se mostram, pois, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente o disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 14.º, 26.º, 40.º, 70.º, 71.º 143.º, n.º 1 e 212.º, n.º 1, todos do Código Penal e no artigo 127.º do Código do Processo Penal.
Face ao exposto deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, a decisão judicial recorrida.

ii) Recurso do arguido A
A) DA REJEIÇÃO DO RECURSO
1. O recurso apresentado pelo recorrente omite completamente nas conclusões a referência a qualquer norma jurídica pretensamente violada, bem como parcialmente também na sua motivação, ao que acresce o facto de não ter formulado qualquer pedido devidamente integrado com as pretensas normas violadas, o que se traduz, em súmula, na falta de conclusões, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 412.º do Código Processo Penal.
2. O incumprimento deste formalismo legal, esvazia de conteúdo legal objecto de apreciação técnico jurídico e, desta forma impossibilita o seu conhecimento pelo tribunal ad quem, não havendo, nestes casos, lugar ao convite de aperfeiçoamento, pelo que deve o recurso apresentado pelo recorrente ser rejeitado, nos termos dos artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, nº 1, do Código de Processo Penal.
B) DO RECURSO, PROPRIAMENTE DITO
3. O Tribunal “a quo” não violou qualquer princípio consagrado na Constituição e/ou no Direito Penal ou Processual Penal, mormente os princípios da independência e imparcialidade, nem a sentença recorrida padece de qualquer vício ou está ferida de qualquer nulidade.
4. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada, em toda a prova produzida, enumerando os elementos probatórios que contribuíram para a formação da sua convicção, indicação as razões que os dotaram de relevância e credibilidade - à luz de critérios de normalidade e da experiência comum.
5. A sentença recorrida fez uma correta apreciação da prova produzida em audiência, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do tribunal que imponha a alteração da matéria de facto provada ou a insuficiência desta para a decisão, nem se verificando a existência de quaisquer razões objetivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelo recorrente, como melhor resulta da motivação do presente recurso.
6. Pelo que, e ainda pelas razões expendidas na motivação acompanhamos integralmente a sentença recorrida, a qual não nos merece nenhum reparo e à qual nada se nos oferece acrescentar com utilidade.
7. Não se mostram, pois, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente o disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 14.º, 26.º, 40.º, 70.º, 71.º 143.º, n.º 1 e 212.º, n.º 1, todos do Código Penal e no artigo 127.º do Código do Processo Penal.
Face ao exposto deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, a decisão judicial recorrida.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer secundando a argumentação constante das respostas apresentadas pelo Digno Ministério Público na 1ª instância, referindo, (…) (a)companhamos as respostas (?) apresentadas pelo Ministério Público em 1ª instância (Ref.ªs 12057133 e 12057134) (…) as mesmas nos parecem fundamentadas, qualquer adenda de substância seria despiciente, restando-nos acompanhá-las, na íntegra[1].

Na sua sequência não foi apresentada qualquer resposta.

5. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelos arguidos, nem sempre claros e escorreitos em termos de enunciação, sem robusta evidenciação relativa aos dispositivos legais que possam estar em causa, e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
- erro de julgamento - factos incorretamente julgados;
- nulidade da sentença;

- correção da sentença – artigo 380º do CPPenal.




2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)

Com relevo para a decisão, resultam provados os seguintes factos:
DA ACUSAÇÃO PÚBLICA:
PROCESSO N.º 161/19.5GALGS
1. Na manhã do dia 24/05/2019, o assistente D deslocou-se na companhia de A, seu filho, e de J, até ao concelho de Lagos para confrontar o arguido A sobre a venda de património imobiliário da empresa “I” que este tinha realizado sem conhecimento e sem autorização da sócia gerente J.
2. Ao tomar conhecimento que D encontrava-se no concelho de Lagos com aquela pretensão e desagradado com esse facto, o arguido A telefonou, na tarde desse mesmo dia, 24/05/2019, em que aquele lhe disse as seguintes expressões: “andas aí com uns capangas à minha procura. Vai ter ao meu Stand que eu vou buscar a caçadeira a casa e dentro de quinze minutos já aí estou”, “vem cá filho da puta que eu vou a casa buscar uma caçadeira e dou-te um tiro que te mato”.
3. Movido pelo medo e temendo pela sua vida ou integridade física, o assistente D desistiu da sua pretensão e regressou a casa situada em (…..), concelho do Seixal.
4. A conduta praticada pelo arguido A, acima descrita, com recurso às palavras que proferiu nessa sequência, deixaram D intranquilo e assustado, receoso como ficou de que aquele possa levar a cabo o propósito anunciado.
5. Ao atuar como se descreveu, o arguido A agiu com o propósito concretizado de constranger o assistente/ofendido a não o procurar contra a sua vontade, mediante o anúncio de que o mataria ou, no mínimo, o molestaria fisicamente alvejando-o a tiro, bem sabendo que dessa forma o deixava assustado, inquieto e com receio de vir a sofrer qualquer ato atentatório da sua vida ou integridade física, querendo agir da forma por que o fez.

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PROCESSO N.º 629/19.3PGALM
6. Em data não concretamente apurada do ano de 2018, o assistente D, na qualidade de proprietário, aceitou a parceria proposta pelo arguido A na comercialização da viatura automóvel usado da marca Peugeot, modelo 508, cor cinza, matrícula (…..) e número de quadro (…..), pelo preço de 12.000,00€ (doze mil euros).
7. Para o efeito, nesse período temporal, o assistente D entregou, nas instalações do Stand sito no (…..), concelho de Lagos, o descrito veículo motorizado para exposição ao público e venda aos cuidados e à responsabilidade do arguido A.
8. Ficou acordado entre ambos, que seria devida pelo proprietário, o aqui assistente, uma comparticipação monetária a favor do arguido A.
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PROCESSO N.º 407/19.0GALGS
9. No dia 02/11/2019, a hora não concretamente apurada, a assistente E deslocou-se, aos comandos da sua viatura automóvel da marca Renault, modelo Megane, com a matrícula (…..), à residência do arguido A, localizada na localidade do (…..), concelho de Lagos, para pedir o pagamento dos salários devidos a L, cônjuge daquela e de quantia que lhe tinham entregue para aquisição de um lote de terreno.
10. Aí chegada, parqueou a viatura automóvel junto à entrada daquela habitação.
11. Nesse local e ocasião, a assistente E abordou o arguido A, sobre a falta de pagamento dos salários devidos a L e a devolução de quantia monetária, em montante não apurado, que o casal havia entregue, numa ocasião, a este arguido para a aquisição de um lote de terreno, cuja negociação não se concretizou e que este se negava a restituir.
12. Ocasião em que o arguido A iniciou uma discussão com E, desagradado com a deslocação ao local de E e o assunto por esta abordado.
13. Nesse contexto, o arguido A arremessou, pelo menos, três pedras, de dimensões não apuradas, na direção da viatura automóvel de matrícula (…..), pertença de E, quebrando um dos vidros da porta da bagageira.
14. Seguidamente, o arguido A aproximou-se da assistente E e colocou as suas mãos na zona do pescoço desta, pressionando-as com o uso da força.
15. Ato contínuo, o arguido A desferiu vários empurrões, chapadas, murros e pontapés na direção da assistente E, que a atingiram em distintas partes do corpo.
16. Por essa altura e através de método não apurado, o arguido A pegou o telemóvel da marca Huawei, pertença de E, e colocou-o no chão, pisando-o até quebrar o vidro do ecrã desse equipamento, que viria a suceder.
17. Posteriormente, surge o arguido C, irmão do arguido A, que se encontrava em casa deste último, e nas circunstâncias atrás referidas, aproximou-se da assistente E e agarrou-a, com a força das mãos, pelos braços, empurrando-a para que ela se ausentasse do local.
18. Como consequência direta e necessária destes factos, E sentiu fortes dores nas partes do corpo atingidas e sofreu as seguintes lesões: ao nível do pescoço na face anterior à direita da linha média, equimose avermelhada medindo 3 cm x 2 cm; ao nível do tórax no terço superior da face anterior (bilateralmente) equimose avermelhada medindo 10 cm x 7 cm, as quais lhe determinaram 158 dias de doença, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
19. A mencionada ofendida necessitou de tratamento médico, no próprio dia, no Centro Hospitalar de Lagos.
20. Com a aludida conduta, causou o arguido A a E prejuízo no valor de 284,87€ (duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos) respeitantes ao vidro da viatura automóvel, ao que acresce o prejuízo por conta da compra de um novo telemóvel, em virtude de o arguido A ter quebrado o ecrã do telemóvel da marca Huawei referido em 16), que ascendeu a quantia de € 149,99 (cento e quarenta e nove euros e noventa e nove cêntimos).
21. Ao atuar da forma descrita, o arguido A tinha o propósito concretizado de lesar o corpo e a saúde da ofendida E, o que, atuando de modo apto a tal, conseguiu alcançar.
22. Também na sua conduta supra descrita, o arguido A quis agir como agiu, com intenção de danificar e tornar não utilizável, como conseguiu, aquele vidro da porta da bagageira da viatura automóvel com a matrícula (…..) e o do ecrã do telemóvel da marca Huawei, que sabia pertencerem a E e que atuava contra a sua vontade.
23. Ao atuar da forma descrita, o arguido C tinha o propósito concretizado de lesar o corpo e a saúde da ofendida E, o que, atuando de modo apto a tal, conseguiu alcançar.
24. Em todas as condutas supra elencadas, os arguidos A e C agiram sempre de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que as suas condutas eram proibidas por Lei.
Mais se provou que:
25. O arguido C é solteiro, exerce a atividade de cozinheiro, auferindo mensalmente cerca de € 800,00. Reside com a sua companheira e os seus três filhos, menores de idade, em casa arrendada, pagando mensalmente a quantia de € 650,00 a título de renda. A companheira exerce a atividade de assistente de dentista, auferindo mensalmente cerca de € 850,00. Possui um veículo automóvel da marca Ford, modelo (…..), do ano de 2014. Possui um crédito pessoal pagando mensalmente a quantia de € 120,00. Estudou até ao 12.º ano de escolaridade.
26. O arguido A é solteiro, reside com uma companheira e com os seus três filhos, menores de idade. É o segundo de quatro filhos de um casal de pequenos empresários de comércio automóvel, tendo crescido num contexto familiar equilibrado e normativo. Frequentou o sistema de ensino até terminar o 7.º ano de escolaridade, deixando a escola aos 16 anos de idade. O arguido já se empregou na área da jardinagem e trabalhou vários anos na empresa (…..), mas a partir dos 21 anos começou a colaborar na forma de comércio de automóveis do pai, onde se manteve até 2011, ano em que constituiu a sua própria sociedade em conjunto com um dos irmãos (“B”). Os negócios nesta empresa correram favoráveis até 2015, altura em que o irmão saiu da empresa. Após, surgiram problemas na gestão do negócio, tendo cessado a atividade na empresa em 2019/2020, situação agravada pela pandemia. Atualmente encontra-se a trabalhar em Cabo Verde na conclusão de uma empresa, não auferindo, por ora, qualquer quantia, sendo a empresa que, de momento, se encontra a custear as despesas de deslocação e alojamento e estando previsto que após o início de atividade desta (que se prevê para entre os meses de julho e agosto de 2023). Encontra-se a pagar semestralmente a quantia de € 23.000,00 referente a uma conta da sociedade comercial B que avalizou. Estudou até ao 7.º ano de escolaridade.
27. O arguido C não possui antecedentes criminais registados.
Consta do certificado de registo criminal do arguido A:
28. O arguido foi condenado por sentença de 04.02.2016, transitada em julgado em 25.02.2016, proferida no processo n.º 89/15.8GTBJA pelo Juízo Local Criminal de Beja, pela prática em 23.08.2015 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses, ambas declaradas extintas.
29. O arguido foi condenado por sentença de 27.04.2016, transitada em julgado em 02.03.2017, proferida no processo n.º 435/15.4PALGS pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos – Juiz 1, pela prática em 08.08.2015 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa, à razão diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses, ambas declaradas extintas.
30. O arguido foi condenado por sentença de 15.11.2017, transitada em julgado em 15.12.2017, proferida no processo n.º 636/16.8PALGS pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos – Juiz 2, pela prática em 22.12.2016 de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de uso e porte de arma sob o efeito de álcool ou estupefacientes, na pena de 300 dias de multa, à razão diária de € 8,00, declarada extinta.
31. O arguido foi condenado por sentença de 20.08.2020, transitada em julgado em 30.09.2020, proferida no processo n.º 250/20.3GALGS pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos – Juiz 2, pela prática em 12.08.2020 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 95 dias de multa, à razão diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 meses, ambas declaradas extintas.
*
Do pedido de indemnização civil da assistente E:
32. Como consequência e necessária da conduta do arguido A referida em 13), a demandante E teve que colocar um vidro novo no veículo automóvel da marca Renault Megane, o que orçou a quantia de € 284,87.
33. Ainda como consequência e necessária da conduta do arguido A referida em 16), a demandante E teve que comprar um telemóvel smartphone, o que orçou a quantia de € 149,99.
34. Como consequência direta e necessária das condutas dos arguidos C e A a demandante E teve dores, medo, angústia, aflição e inquietação.
*
Do pedido de indemnização civil do Centro Hospitalar Universitário do Algarve:
35. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos C e A supra referida, a assistente E foi assistida na unidade hospitalar de Portimão do demandante, onde lhe foram prestados tratamentos médicos urgentes, o que orçou a quantia de € 51,00.
*
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, não se provou que:
Da acusação pública
Processo n.º 161/19.5GALGS
a) Por referência ao facto 1) que J é esposa do assistente.
Processo n.º 629/19.3PGALM
b) O facto 6) tenha ocorrido entre os dias 30/10/2018 a 05/11/2018.
c) No período que mediou entre o citado dia 30 de Outubro e o mês de Dezembro de 2018, no Stand sito no (…..), concelho de Lagos, o arguido A vendeu a M o veículo automóvel usado da marca Peugeot, modelo 508, cor cinza, matrícula (…..) e número de quadro (…..), pelo preço de 16.000,00€ (dezasseis mil euros).
d) Com a concretização desta venda, o arguido A decidiu obter para si a importância integral correspondente ao preço acordado com este cliente, M, e não entregar a quantia monetária devida ao seu legítimo proprietário, D, não inferior a 12.000,00€ (doze mil euros), apoderando-se da mesma.
PROCESSO N.º 407/19.0GALGS
e) O facto 9) ocorreu pelas 16h30m.
f) Por referência aos factos 11) o arguido A estava acompanhado do arguido C.
g) Por referência ao facto 12) o arguido C iniciou uma discussão com E.
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Do pedido de indemnização civil da assistente E:
h) Em consequência da conduta dos arguidos/demandados C e A supra descrita, a demandante E ainda sofre dores.
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Do pedido de indemnização civil do assistente D:
i) O demandando A tenha vendido a viatura automóvel da marca Peugeot, modelo 508, com a matrícula (…..), pelo preço de 14.000,00, tendo obtido um ganho de € 2.000,00 a título de comissão.

2.2. Fundamentação da matéria de facto: (transcrição)

O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica e conjugada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento. A valoração da prova foi norteada pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado pelo legislador no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual encontra os seus alicerces nos princípios da oralidade e da imediação.
Assim, foram objeto de atenta análise e ponderação, sem postergar o princípio «in dubio pro reo», os seguintes elementos que contribuíram para formar a convicção Tribunal: declarações dos arguidos A e C, declarações dos assistentes D e E, depoimento das testemunhas N, J, M, L, O, P, Q, H e R, e prova documental, designadamente no auto de notícia de fls. 235 a 238, documentos de fls. 494, 508 a 512, fotogramas e fls. 478 a 480, elementos clínicos de fls. 472 a 476, certidão permanente de fls. 688 a 691, relatório social junto aos autos, últimos certificados de registo criminal juntos aos autos.
Cumpre concretizar como foram estes meios probatórios tidos em conta.
Quanto ao processo n.º 161/19.5GALGS:
O arguido A prestou declarações nas quais, em síntese, alegou desconhecer se no dia 24.05.2019 telefonou ao assistente D, negando que tenha proferido as expressões que lhe são imputadas.
Ora, a versão dos factos apresentada pelo arguido foi frontalmente infirmada pelas demais prova produzida, razão pela qual não mereceu credibilidade ao Tribunal.
Assim, a factualidade provada assentou nas declarações do assistente D, concatenadas com os depoimentos das testemunhas N e J.
Com efeito, o assistente, não obstante ser ofendido nos autos, relatou de forma escorreita, clara, concisa e pormenorizada – sem que também do nosso ponto de vista tivesse procurado efabular ou empolar o sucedido, para além daquilo que nos pareceu ser o seu real e verdadeiro sentir –, as circunstâncias de tempo, modo e lugar, a razão pela qual se deslocou a Lagos, onde se encontrava, com quem, expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido, atos subsequentes às mesmas e estado emocional após as expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido.
A versão do assistente foi corroborada pelo depoimento das testemunhas N e J, respetivamente filho e ex-mulher, as quais apesar da relação familiar com o assistente, depuseram de forma escorreita, clara e pormenorizada, confirmando as circunstâncias de tempo, modo lugar, que se deslocaram de Lisboa para Lagos, a razão que determinou essa deslocação, que presenciaram o arguido a proferir as expressões ao assistente (a chamada telefónica estava em voz alta), quais as concretas expressões proferidas pelo arguido ao assistente, atos subsequentes do assistente após essas expressões e estado emocional deste, e, bem assim, que nesse dia foram apresentar queixa no posto territorial da GNR de Lagos.
Aqui chegados, importa salientar que a circunstância de assistente ter mencionado que os factos ocorreram em data distinta da mencionada pelas testemunhas (o primeiro referiu que os factos ocorrerem dia 21 ou 22 de maio e as testemunhas que ocorreu dia 24 de maio), o certo é que, não tendo, nesta parte, as declarações/depoimentos sido integralmente coincidentes entre si em todos os pormenores, não abala a sua credibilidade, antes pelo contrário, posto que denotam que as mesmas não foram previamente articuladas e preparadas.
Com efeito, resulta das regras da normalidade social e da experiência comum que as pessoas não retêm todas memórias idênticas dos factos, as quais dependem desde logo da posição que ocupam relativamente aos mesmos e do que cada um avalia como mais ou menos impressivo. Por outro lado, não se pode olvidar o período temporal já decorrido desde os factos e o efeito deste decurso sobre a memória.
O que ao tribunal surge como manifestamente impressivo para conferir credibilidade a esta versão dos factos é a circunstância de todas estas pessoas referenciarem congruentemente as expressões que o arguido dirigiu ao assistente.
Sob outra perspetiva, importa ter em consideração que quer o assistente, quer as testemunhas referiram que no dia dos factos foi apresentada queixa no posto territorial da GNR de Lagos.
Ora, do compulso do auto de notícia de fls. 235 a 238, constata-se efetivamente que o assistente no dia 24.05.2019 apresentou queixa no posto territorial da GNR de Lagos.
Quanto aos factos que confirmam os elementos subjetivos, os mesmos extraem-se dos respetivos factos objetivos, atendendo à conduta adotada pelo arguido e ao seu contexto, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum.
Donde, da conjugação destes elementos probatórios, não teve o Tribunal dúvidas em considerar os factos 1) a 5) como provados, nos moldes em que o fez.

*
Processo n.º 629/19.3PGALM
No que concerne à factualidade constante em 6) a 8), o tribunal ancorou-se nas declarações prestadas pelo assistente D, o qual apesar de ser ofendido nos autos, prestou declarações escorreitas e claras, esclarecendo a razão pela qual conhecia o arguido A, negócios com este realizados, circunscreveu no tempo, modo e lugar o negócio celebrado relativo ao Peugeot melhor identificado no facto 6) (o veículo automóvel foi deixado à consignação pelo assistente no stand do arguido A, tendo sido estabelecido pelo primeiro que pretendia receber, na eventualidade de o arguido o vender, a quantia de € 12.000,00, sendo que se o arguido vendesse por valor superior, tal quantia seria para o arguido A a título de comissão de venda) e que os documentos do veículo ficaram na sua posse. Ora esta factualidade, nesta parte, foi, em certa medida, corroborada pelas declarações do arguido A o qual referiu que no período temporal em que celebrou negócios com o assistente de venda de veículos automóveis, o assistente deixou o veículo Peugeot, à consignação, para venda no seu stand, não se recordando se o valor que o assistente pretendia pela venda do veículo seria € 12.000,00, mas que o tinha à venda por € 16.000,00.
Para além disso, o tribunal ancorou-se no teor da ficha de registo automóvel de fls. 553, da qual se extraí que a propriedade do Peugeot se encontra registada a favor do assistente, bem assim as caraterísticas do referido veículo.
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Processo n.º 407/19.0GALGS
Importa primariamente esclarecer que a convicção do Tribunal assentou em grande medida no teor das declarações da assistente E, ofendida nos presentes autos, à qual atribuímos grande relevância, sustento e sobretudo credibilidade. Isto porque, para além de ter sido um depoimento bastante sofrido e sentido, o facto de ao longo da sua inquirição constantemente se ir recordando dos vários acontecimentos, elucidando-os com bastante pormenor, é demonstrativo da sua espontaneidade.
Com efeito, E prestou declarações que se revelaram credíveis, sinceras, sem que também do nosso ponto de vista tivesse procurado efabular ou empolar o sucedido, para além daquilo que nos pareceu ser o seu real e verdadeiro sentir.
Aliás, é de registar que o seu depoimento não foi sequer contrariado por qualquer outro meio de prova, como infra se densificará, para além das declarações prestadas pelos arguidos e pelas testemunhas arroladas pela defesa (depoimentos que não mereceram a credibilidade do tribunal como infra se densificará), sendo que quanto aos arguidos, com exceção do facto de terem confirmado que estiveram com a assistente, negaram que em algum momento a tenham agredido. No que concerne ao arguido A, negou também que em momento algum tenha danificado o veículo e o telemóvel da assistente, referindo quanto a este último que foi a assistente que o deixou cair no chão.
Ora, a versão trazida aos autos pelos arguidos não mereceu credibilidade ao tribunal, porquanto a mesma foi frontalmente infirmada pelas declarações da assistente que, como se referiu, de forma escorreita, clara, sofrida e concisa, esclareceu o tribunal das circunstâncias de tempo, modo e lugar, razão pela qual se deslocou ao local, com quem interagiu, agressões que foi alvo por banda dos arguidos (aqui se destacando o pormenor e precisão das ofensas que descreveu, zonas do corpo atingidas), estado físico (sequelas) e emocional após tais agressões, diligências subsequentes às mesmas, designadamente que posteriormente foi ao hospital no mesmo dia dos factos, danos no veículo (identificado o veículo em que seguia) e no telemóvel perpetradas pelo arguido A e o modo de execução de tais danos.
Ademais, a assistente foi confrontada com os fotogramas de fls. 478 a 480 (do telemóvel e do vidro do veículo automóvel), confirmando ser aquele o seu telemóvel, que o mesmo não tinha quaisquer danos antes dos factos em equação nos autos, descrevendo, em concreto, a conduta perpetrada pelo arguido A para colocar o telemóvel no estado em que é percetível visualizar no fotograma de fls. 478, sendo que também referiu como é que o arguido A danificou o vidro do veículo, confirmando que os fotogramas de fls. 479 a 480 espelham o dano proveniente da conduta perpetrada pelo arguido. Quanto ao valor da reparação do vidro do veículo e custo na aquisição de novo telemóvel, o tribunal ancorou-se nos documentos juntos pela assistente com o pedido de indemnização civil.
A versão da assistente foi corroborada pelo depoimento das testemunhas L e O, reforçando, assim, a credibilidade das declarações da assistente. Apesar de tais testemunhas não terem presenciado os factos, não possuindo conhecimento direto, o certo é que as mesmas relataram aquilo que a assistente lhes havia transmitido.
Com efeito, L, apesar de ser marido da assistente, apresentou um depoimento claro, coerente e escorreito, esclarecendo que a sua esposa se deslocou a casa do arguido A, a razão pela qual o fez, narrou tudo o que se havia sucedido nesse dia, por quem tinha sido agredida, sequelas com que ficou, danos no telemóvel e no veículo automóvel, bem assim que se deslocou ao centro hospitalar nesse dia, esclarecendo a razão pela qual não a acompanhou.
Por sua vez, O, irmã da assistente, não obstante a relação familiar, prestou um depoimento escorreito e claro, descrevendo a razão pela qual tinha conhecimento dos factos (a assistente quando se encontrava no hospital no dia dos factos telefonou-lhe a narrar o que havia sucedido), as agressões de que foi alvo por banda dos arguidos A e C, descrevendo os vários acontecimentos que lhe foram narrados pela assistente e o estado emocional em que a mesma se encontrava.
Ora, ao arrepio da versão trazida pelos arguidos, constata-se que as declarações prestadas pela assistente são corroboradas pelo depoimento das testemunhas atrás referidas, os quais vêm reforçar a sua versão, permitindo ao Tribunal fortalecer, ainda mais, a severidade dos factos por esta relatados e vivenciados.
Para além disso, o tribunal concatenou as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas atrás referidas com a prova documental junta aos autos, designadamente nos fotogramas de fls. 478 a 480, elementos clínicos de fls. 472 a 476 e no teor dos relatórios periciais de fls. 372 a 376 e 643 a 644 verso, dos quais se verifica as lesões que a assistente ficou em virtude das agressões de que foi alvo.
No que concerne às consequências que advieram para a assistente, o tribunal teve em consideração o teor dos relatórios de avaliação de dano corporal de fls. 372 a 376 e 643 a 644 verso.
Por sua vez, o depoimento apresentado pelas testemunhas H e R (arroladas pela defesa dos arguidos), revelaram-se vagos, imprecisos e não isentos, razão pela qual não mereceram a credibilidade do tribunal.
Com efeito, ambas as testemunhas admitiram que quando chegaram ao local dos acontecimentos (que ocorreram no exterior da habitação), já os desacatos se haviam iniciado, referindo que não viram quaisquer agressões, sendo que a testemunha R, companheira do arguido A, se mostrou muito desagradada pela circunstância de a assistente ir para junto da sua habitação «aos gritos» e alega ter visto a assistente com um sapato na mão (circunstância admitida pela assistente a qual esclareceu a razão pela qual o tinha na mão).
Ora, ambas as testemunhas admitem que não sabem se em momento prévio à chegada ao local onde ocorreram os factos houve agressões. Ademais, não se descortina a razão pela qual a testemunha R refere que teve de acalmar o seu companheiro A, quando a própria refere que a assistente é que se encontraria exaltada.
Acresce que, também não descortina o tribunal a razão pela qual ambas as testemunhas referem não ter visualizado hematomas na assistente, algo que se mostra totalmente infirmado pelas declarações prestadas pela assistente, pelo depoimento da testemunha L e pelo teor dos relatórios periciais supra identificados.
Por fim, também não se descortina a razão pela qual a testemunha H, pessoa a quem a assistente referiu ter solicitado que liga-se às autoridades, uma vez que o seu telemóvel tinha sido danificado pelo arguido A, não se recorde de a mesma lhe ter solicitado tal circunstância. Importa ainda salientar que a testemunha apesar de inicialmente ter referido que não tinha presenciado quaisquer agressões, o certo é que a final do seu depoimento acaba por admitir que afinal nada sabe sobre os factos.
Assim, uma vez que os depoimentos destas testemunhas se mostraram vagos, imprecisos e contraditórios com a demais prova produzida, não mereceram a credibilidade do tribunal.
Quanto aos factos que confirmam os elementos subjetivos, os mesmos extraem-se dos respetivos factos objetivos, atendendo à conduta adotada pelos arguidos e ao seu contexto, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum.
Donde, da conjugação destes elementos probatórios, não teve o Tribunal dúvidas em considerar os factos 9) a 24) como provados, nos moldes em que o fez.
No que concerne à situação pessoal e económica dos arguidos A e C o tribunal valorou as declarações destes prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento que se mostraram sérias e que pela sua espontaneidade mereceram a credibilidade, sendo que quanto ao arguido A o Tribunal ainda se ancorou no teor do relatório social junto aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais, teve-se em consideração os últimos certificados do registo criminal dos arguidos juntos aos autos. No que respeita aos factos 32) a 34), o tribunal teve em consideração o teor dos documentos juntos pelas assistente com o pedido de indemnização civil, bem assim as declarações da assistente prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento que como supra se referiu foram credíveis para o tribunal, na qual, além do mais, descreveu o estado físico e emocional após as agressões de que foi alvo pelo arguidos A e C.
Por fim, o facto 35) relativo ao pedido de indemnização civil do Centro Hospitalar Universitário do Algarve resultou da fatura junta com o mesmo, em consonância com as lesões sofridas.
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Quanto à factualidade dada como não provada em a) a d) e i), o tribunal considera que não foi feita prova em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo que a prova documental junta aos autos não permite elação diversa, senão vejamos.
Antes de mais, dão-se por reproduzidas as considerações supra tecidas quanto para dar como provados os factos 6) e 7).
Importa referir que o arguido A, prestando declarações referiu sempre que nunca havia vendido o veículo automóvel a quem quer que seja. Admitiu, no entanto, que chegou a “emprestar” o veículo automóvel ao Sr. M, algo que fazia com alguma regularidade, por forma a que este último “experimenta-se” o veículo para fazerem posteriormente o negócio de venda pelo valor de € 16.000,00, negócio este que nunca foi levado a efeito.
O assistente D prestando declarações referiu que tomou conhecimento pelo funcionário do arguido A, de nome P, que este lhe havia adquirido o veículo Peugeot e pago o respetivo preço e não tinha a viatura em seu nome (uma vez que os documentos estavam na posse do assistente). Face essa alegação, o tribunal encetou diligências para apurar quem seria o funcionário do arguido A, o que logrou.
A testemunha P (pessoa referida pelo assistente como sendo o funcionário P), prestou um depoimento escorreito, claro e conciso, confirmando a razão pela qual conhecia os arguidos, o período temporal que trabalhou para a empresa B, detida pelo arguido A, que conhecia o assistente, a razão pela qual o conhecia (realizar negócios de venda de veículos com o arguido A), a forma como os negócios se realizavam (quer através da compra de veículos ao assistente, quer através da consignação de veículos pelo assistente no stand de automóveis do arguido A para este último vender), que efetivamente chegou a estar interessado na aquisição do Peugeot objeto nos autos, tendo inclusive estado uns dias a testá-lo, mas que efetivamente acabou por não o adquirir, uma vez que não dispunha de disponibilidade financeira para tal.
A referida testemunha referiu pese embora tenha ficado com a ideia que o veículo havia sido vendido ao Sr. L, o certo é que tal só adveio do facto de não mais ter visto o veículo no stand do arguido A, desconhecendo se efetivamente o veículo havia ou não sido vendido. Porém, a referida testemunha também referiu que efetivamente o Sr. M levava alguns carros para testar quando demonstrava interesse na aquisição de veículos (factualidade que foi corroborada pelo arguido A e até pela testemunha M).
Por sua vez a testemunha M, inquirida em sede de audiência de discussão e julgamento, apresentou um depoimento vago e impreciso porquanto apesar de ter referido que efetivamente teria acordado com o arguido A a aquisição do veículo Peugeot pelo valor de € 16.000,00, tendo andado uns dias a testar o veículo, mas que nunca o adquiriu pelo facto de não possuir disponibilidade financeira para tal, o certo é que tal factualidade foi infirmada pelo depoimento da testemunha R, senão vejamos.
Com efeito, R, prestou depoimento escorreito e claro, referindo que estava interessada na aquisição de um BMW 320 e que a testemunha M acabou por oferecê-lo, adquirindo o mesmo ao arguido A. Posteriormente, uma vez que o BMW estava a dar alguns problemas, o arguido A enquanto tentava resolver a questão do BMW, entregou a carrinha Peugeot, a qual esteve na posse da referida testemunha cerca de 2 meses, sendo que nunca andou com a referida carrinha, porquanto o arguido também não possuía os documentos.
Aqui chegados cumpre referir que não se fez prova que o veículo em momento algum tenha sido vendido a quem quer que seja (conforme havia sido referido pelo assistente), sendo que o tribunal não pode desconsiderar que efetivamente o assistente havia deixado o Peugeot no stand do arguido A à consignação para venda. Ora, do acordo não havia qualquer impedimento na realização de teste drive no veículo, sendo que também não podemos olvidar que a entrega do Peugeot à testemunha R foi realizada no âmbito da gestão comercial do arguido na resolução de um problema com o veículo BMW que havia vendido, não podendo, assim, considerar-se que o mesmo em algum momento fez o veículo seu. Na realidade o que o arguido fez, isso sim, foi tentar resolver uma questão na aquisição de um veículo automóvel.
Aliás, diga-se até, que a situação em concreto eventualmente insere-se no eventual incumprimento contratual entre as partes (assistente D e o arguido A) e não no foro criminal.
Por fim, o depoimento apresentado pela testemunha Q não assumiu qualquer relevância para o objeto do litígio, porquanto não obstante tenha referido que chegou a ver o veículo Peugeot na habitação da testemunha M (seu tio), o certo é que desconhecia a existência de qualquer negócio entre o mesmo e o arguido A, sabendo apenas que o seu tio havia entregue a Peugeot.
Em face do exposto, o tribunal considerou como não provados os factos a) a d) e i).
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No que concerne à factualidade dada como não provada (factos e) a g)), o Tribunal considera que não foi carreada para os autos prova que sustente a sua verificação, porquanto tal factualidade foi infirmada pelas declarações da assistente E, sendo que quanto ao facto h) a assistente E não fez prova de tal factualidade, conforme lhe incumbia.

2.3. Das questões a decidir

Preliminarmente, e repescando o posicionamento tido pelo Digno Mº Pº em sede de respostas ao recurso interposto pelos arguidos, uma breve nota quanto ao rumo tomado por estes em termos da sua postura recursiva.
Analisando todo o articulado em exame, o qual acaba por não fazer qualquer destrinça relativamente ao que se pretende especificamente questionar quanto a cada um dos arguidos recorrentes, considerando as motivações e, bem assim, as conclusões, emerge que não se mostra direta e claramente indicada qualquer norma jurídica que tenha sido violada pelo tribunal a quo nem tão pouco enquadram juridicamente os arguidos recorrentes a sua tese de modo a que, linear e cristalinamente, pudesse este tribunal percecionar / antever que preceito ou preceitos foram violados na decisão em sindicância.
Tal posicionamento tomado poderia, prima facie, e numa versão estrita e rigorosamente formal, conduzir a que o recurso não pudesse prosseguir.
Na verdade, como parece ser o caso em ponderação, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enuncia com perspicuidade as especificações legais que entende / perceciona / antevê como beliscadas, ainda que em termos mínimos, exubera falha que pode afetar todo o recurso e, nessa medida, inviabilizar quer uma interpretação corretiva por parte deste Tribunal, quer um convite ao aperfeiçoamento[2].
Conquanto, alavancando os princípios da celeridade e da economia processual, existindo elementos mínimos / básicos que permitem antever o intento recursivo e, nessa medida, uma abordagem ao mesmo, prosseguirá a sua apreciação.

*
Por questões de lógica no seu tratamento, atente-se à majestática afirmação recursiva (…) o juiz tem de ser em absoluto imparcial e isento, superior às partes e alheio ao interesse punitivo do Estado e, por isso, no caso aqui em apreço, nos parece estar em crise (…) tal é ou não suficiente para se traduzir na nulidade da sentença é algo que nos suscita dúvidas, tendo em conta o disposto no artigo 379.º do Código de Processo Penal, nas diversas alíneas do seu n.º 1.
Não se descortinando, com cristalina segurança, o que os arguidos efetivamente pretendem neste passo discutir, mormente a eventual existência de nulidade da sentença, sempre se dirá que calcorreando todo o processo decisório, e concatenando-o com a diversa normação que compõe as várias alíneas do nº 1 do artigo 379º do CPPenal, por nenhuma forma se alcança, ainda de subliminarmente, alguma das máculas ali enunciadas.
De outra banda, os arguidos recorrentes, para além da mera invocação abrangente do dito normativo, por nenhum momento e por nenhuma forma a concretizam.
Assim sendo, falece por completo este vetor recursivo.
Nesta mesma linha, vêm os arguidos recorrentes aduzir a existência de (…) uma errónea enumeração dos factos provados e não provados (…) com a consequente correção da sentença, nos termos do artigo 380.º do Código de Processo Penal.
Igualmente aqui, não se vislumbra o que os arguidos recorrentes pretendem tratar.
O artigo 380º do CPPenal, pela sua própria epigrafe, respeita as aspetos relativos à correção da sentença que, como do mesmo prontamente decorre, apenas e só abarca a possibilidade de se corrigirem lapsos / falhas / erros / obscuridades que não sejam essenciais / vitais / indispensáveis na estrutura normativa da sentença, abarcando-se aqui unicamente todas aquelas situações que não configurem qualquer caso de nulidade de sentença precavido no artigo 379º, nº 1 do CPPenal ou que desenhem erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não implique modificação essencial do decidido[3].
Ora, como se verá adiante, o que os arguidos recorrentes pretendem, do que se retira do seu instrumento recursório, vai muito para além de tal, razão que os levou a interpor recurso e não solicitar a correção da sentença junto de quem a inicialmente a subscreveu.
E, nesse desiderato, baqueia, também, este segmento.
*
Prosseguindo na visita à peça recursiva apresentada pelos arguidos recorrentes, sem que a mesma o transmita de modo claro / evidente / límpido e imediatamente legível, parece que pretendem aqueles, insurgir-se quanto à matéria de facto considerada como provada.
Nesse alinhamento, ancorando-se na existência de erro de julgamento, sem nunca o declarar inequivocamente, ao que pensa, pretende-se impugnar a matéria de facto, sendo de referir que, neste particular, tal mecanismo de reação não se apresenta como um direito inacabável / irrestrito / infindável, assumindo-se antes como um remédio jurídico para enfrentar quadros de ilustração de um decidir erróneo / desajustado / inadequado.
Desponta como nota enformadora do sistema processual penal vigente, que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do CPPenal, sendo que, no tocante à matéria de facto, o trajeto a seguir é o de apurar, primeiramente, com base no mecanismo da impugnação alargada, se esta tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado compêndio legal, condição para que a mesma seja apreciada, e depois, e se for o caso, dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, do dito diploma legal.
Aqui, ao que tudo aponta, os arguidos recorrentes, nunca o mencionando em termos prontos e cristalinos – a peça recursória (motivações e conclusões), como já se disse, é totalmente omissa na referência a qualquer inciso legal relativo ao questionamento em termos de matéria de facto -, parecem ensaiar posicionamento integrável na vertente mais ampla, ou seja, aquela a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
O erro de julgamento abordado neste trecho ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Desta feita, este caminho de reação leva a que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que contém e se pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPPenal.
Tem-se por certo que aqui não está em causa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria em questionamento, agora com base na audição de gravações, mas antes constitui um mero expediente para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os aspetos da materialidade fáctica questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[4].
E, nesse desiderato, porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros “in judicando” (violação de normas de direito substantivo) ou “in procedendo” (violação de normas de direito processual), o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do CPPenal.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa àquela que consta da decisão revidenda, justificando, com base no todo dos elementos probatórios existentes e produzidos, considerando-os na globalidade e não apenas em parcelas cirurgicamente selecionadas, e em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o tribunal ter decidido de forma diferente.
De outro modo, exige-se que o recorrente observe / respeite os requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorretamente julgados, das concretas provas e a referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou indevidamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na ata, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso.
Tal exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exato / preciso sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser cabalmente exercido o contraditório[5].
Sequentemente, como o que está em questão, tal como se afirmou, é despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, o ónus da tríplice especificação decorrente do artigo 412º, nº 3, do CPPenal, que se impõe observar, encerra:
- indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
- indicação das provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
Por sua vez, a pormenorização das «concretas provas» só se satisfaz com a enunciação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a particularização das provas que devem ser renovadas implica o elenco dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda.
Relativamente às duas últimas individuações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, tal como decorre do plasmado nos nºs 4 e 6 do artigo 412º do CPPenal.
Nesta dimensão, importa salientar que (v)isando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações[6].
Debruçando um olhar, ainda que de soslaio, sobre o apetrecho recursivo em ponderação, exubera como evidente, pensa-se, que os arguidos recorrentes não primam pelo rigor / justeza / precisão no cumprimento das máximas supra enunciadas e extraídas do disposto nas diversas alíneas integradoras do nº 3 do artigo 413º do CPPenal, limitando-se, no fundo, a apontar genérica e soltamente algumas partes de determinados depoimentos e a fazer apelos a notas de imparcialidade e isenção que deveriam ter norteado o tribunal recorrido e que, no seu entender, não o foram.
Igualmente, trespassa de todo o articulado em exame que não se descortina que os arguidos recorrentes cumpriram, cabal e suficientemente, o ónus de impugnação especificada a que estavam vinculados, desde logo, enunciando com mínima clareza que factos / pontos pretendem impugnar.
Acresce que percorrendo todo o elenco das motivações exibidas e, também, das conclusões produzidas os arguidos recorrentes pura e simplesmente não afloram as restantes exigências deste tipo de impugnação.
E, nessa base, o que se faz é, apenas e só, ler de um modo diferente daquele que o tribunal o fez, a prova produzida – mormente os diversos depoimentos prestados, quer por testemunhas, quer pela Assistente E -, sem se dar o efetivo e cabal cumprimento às exigências que dimanam desta forma de impugnação factual.
Não basta, ao que se pensa, que o recorrente pretenda fazer uma revisão de toda a convicção criada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível.
Exige-se-lhe que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade racional, uma impossibilidade probatória, um exercício arbitrário, um raciocínio leviano, imprudente e superficial, uma violação de regras de experiência comum, uma ostensiva errada utilização de presunções naturais.
Ou seja, necessário se mostra a demonstração não do mero relativo possível, mas sim a absoluta evidência de que outra convicção é a obrigatória e definitiva conclusão. Dito ainda de outra forma, cabe configurar e evidenciar que, face a todo o contexto probatório, a convicção a assumir só pode ser outra / diferente / diversa da tida pelo tribunal recorrido.
Tal, não exubera de todo o instrumento recursivo, sendo que congeminando toda a decisão propalada, nomeadamente o trajeto encetado em termos de fundamentação da matéria de facto, a supra dita conclusão de que seria obrigatória e inelutável outra conclusão, não assola.
Na realidade perpassa como explicativo do caminho seguido pelo tribunal a quo, quanto à factualidade apontada ao arguido A – (…) A prestou declarações nas quais (…) alegou desconhecer se no dia 24.05.2019 telefonou ao assistente D, negando que tenha proferido as expressões que lhe são imputadas (…)a versão dos factos apresentada pelo arguido foi frontalmente infirmada pelas demais prova produzida, razão pela qual não mereceu credibilidade ao Tribunal (…) a factualidade provada assentou nas declarações do assistente D, concatenadas com os depoimentos das testemunhas N e J (…) o assistente, não obstante ser ofendido nos autos, relatou de forma escorreita, clara, concisa e pormenorizada – sem que também do nosso ponto de vista tivesse procurado efabular ou empolar o sucedido, para além daquilo que nos pareceu ser o seu real e verdadeiro sentir –, as circunstâncias de tempo, modo e lugar, a razão pela qual se deslocou a Lagos, onde se encontrava, com quem, expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido, atos subsequentes às mesmas e estado emocional após as expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido (…) foi corroborada pelo depoimento das testemunhas N e J, respetivamente filho e ex-mulher, as quais apesar da relação familiar com o assistente, depuseram de forma escorreita, clara e pormenorizada, confirmando as circunstâncias de tempo, modo lugar, que se deslocaram de Lisboa para Lagos, a razão que determinou essa deslocação, que presenciaram o arguido a proferir as expressões ao assistente (a chamada telefónica estava em voz alta), quais as concretas expressões proferidas pelo arguido ao assistente, atos subsequentes do assistente após essas expressões e estado emocional deste, e, bem assim, que nesse dia foram apresentar queixa no posto territorial da GNR de Lagos (…) não tendo (…) as declarações/depoimentos sido integralmente coincidentes entre si em todos os pormenores, não abala a sua credibilidade, antes pelo contrário, posto que denotam que as mesmas não foram previamente articuladas e preparadas (…) resulta das regras da normalidade social e da experiência comum que as pessoas não retêm todas memórias idênticas dos factos, as quais dependem desde logo da posição que ocupam relativamente aos mesmos e do que cada um avalia como mais ou menos impressivo (…) importa ter em consideração que quer o assistente, quer as testemunhas referiram que no dia dos factos foi apresentada queixa no posto territorial da GNR de Lagos (…) do compulso do auto de notícia de fls. 235 a 238, constata-se efetivamente que o assistente no dia 24.05.2019 apresentou queixa no posto territorial da GNR de Lagos (…) da conjugação destes elementos probatórios, não teve o Tribunal dúvidas em considerar os factos 1) a 5) como provados, nos moldes em que o fez (…), sendo que relativamente à materialidade envolvendo ambos os arguidos recorrentes (…) a convicção do Tribunal assentou em grande medida no teor das declarações da assistente E, ofendida nos presentes autos, à qual atribuímos grande relevância, sustento e sobretudo credibilidade (…) para além de ter sido um depoimento bastante sofrido e sentido, o facto de ao longo da sua inquirição constantemente se ir recordando dos vários acontecimentos, elucidando-os com bastante pormenor, é demonstrativo da sua espontaneidade (…) o seu depoimento não foi sequer contrariado por qualquer outro meio de prova (…) para além das declarações prestadas pelos arguidos e pelas testemunhas arroladas pela defesa (depoimentos que não mereceram a credibilidade do tribunal como infra se densificará), sendo que quanto aos arguidos, com exceção do facto de (…) a versão trazida aos autos pelos arguidos não mereceu credibilidade ao tribunal, porquanto a mesma foi frontalmente infirmada pelas declarações da assistente (…) foi confrontada com os fotogramas de fls. 478 a 480 (do telemóvel e do vidro do veículo automóvel), confirmando ser aquele o seu telemóvel, que o mesmo não tinha quaisquer danos antes dos factos em equação nos autos, descrevendo, em concreto, a conduta perpetrada pelo arguido A para colocar o telemóvel no estado em que é percetível visualizar no fotograma de fls. 478, sendo que também referiu como é que o arguido Miguel Fernandes danificou o vidro do veículo, confirmando que os fotogramas de fls. 479 a 480 espelham o dano proveniente da conduta perpetrada pelo arguido. Quanto ao valor da reparação do vidro do veículo e custo na aquisição de novo telemóvel, o tribunal ancorou-se nos documentos juntos pela assistente com o pedido de indemnização civil (…) foi corroborada pelo depoimento das testemunhas L e O, reforçando, assim, a credibilidade das declarações da assistente. Apesar de tais testemunhas não terem presenciado os factos, não possuindo conhecimento direto, o certo é que as mesmas relataram aquilo que a assistente lhes havia transmitido (…) O, irmã da assistente, não obstante a relação familiar, prestou um depoimento escorreito e claro, descrevendo a razão pela qual tinha conhecimento dos factos (a assistente quando se encontrava no hospital no dia dos factos telefonou-lhe a narrar o que havia sucedido), as agressões de que foi alvo por banda dos arguidos A e C, descrevendo os vários acontecimentos que lhe foram narrados pela assistente e o estado emocional em que a mesma se encontrava (…) Para além disso, o tribunal concatenou as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas atrás referidas com a prova documental junta aos autos, designadamente nos fotogramas de fls. 478 a 480, elementos clínicos de fls. 472 a 476 e no teor dos relatórios periciais de fls. 372 a 376 e 643 a 644 verso, dos quais se verifica as lesões que a assistente ficou em virtude das agressões de que foi alvo (…) Por sua vez, o depoimento apresentado pelas testemunhas H e R (arroladas pela defesa dos arguidos), revelaram-se vagos, imprecisos e não isentos, razão pela qual não mereceram a credibilidade do tribunal (…) ambas as testemunhas admitiram que quando chegaram ao local dos acontecimentos (que ocorreram no exterior da habitação), já os desacatos se haviam iniciado, referindo que não viram quaisquer agressões, sendo que a testemunha R, companheira do arguido A, se mostrou muito desagradada pela circunstância de a assistente ir para junto da sua habitação «aos gritos» e alega ter visto a assistente com um sapato na mão (…) ambas as testemunhas admitem que não sabem se em momento prévio à chegada ao local onde ocorreram os factos houve agressões. Ademais, não se descortina a razão pela qual a testemunha R refere que teve de acalmar o seu companheiro A, quando a própria refere que a assistente é que se encontraria exaltada (…) também não descortina o tribunal a razão pela qual ambas as testemunhas referem não ter visualizado hematomas na assistente, algo que se mostra totalmente infirmado pelas declarações prestadas pela assistente, pelo depoimento da testemunha L e pelo teor dos relatórios periciais supra identificados - que se apresenta exaustiva e detalhadamente tratado, toda a ponderação levada a efeito é uma possibilidade aceitável / verosímil / lógica / congruente e, nessa sequência, sem qualquer mácula.
Desta feita, o que parece exultar de todo o recurso em exame é uma mera leitura diferente de toda a prova produzida, mormente a abordagem relativa aos depoimentos dos arguidos, das testemunhas N, J, L e O e dos Assistentes e o modo como os interpretar / apreender / considerar.
Ora, ao que se crê, transluz que é jurisprudência consolidada dos nossos tribunais superiores, que a atribuição de credibilidade, ou não, a prova por declarações ou testemunhal, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar, se for contrária às regras da experiência comum e lógica[7], sendo que nada impede que o julgador possa atribuir credibilidade a parte de um depoimento ou declarações e não a atribuir noutro vetor[8].
E tal, ao que se cogita, não supõe / implica / desencadeia qualquer ataque a notas de isenção, imparcialidade e equidistância que se exigem ao julgador.
Com efeito, neste circunspecto, há que chamar à colação o princípio enformador do processo penal, princípio da livre apreciação da prova. O tribunal ouviu, avaliou, ponderou e decidiu. E todo esse processo foi seguido de um modo sustentado, lógico, racional e justificado, não resultando de uma mera opção arbitrária, caprichosa, descuidada e / ou insensata.
Sopesando toda a parte decisória relativa à fundamentação da matéria de facto, e como acima já se fez notar e se reproduziu em pormenor, transparece, pensa-se, que está devidamente explicada a razão para o tribunal a quo ter dado como provados os factos que permitiram apontar aos arguidos os crimes pelos quais foram condenados.
Ante tal sucumbe este matiz recursivo.
*
Por fim, um mero e telegráfico apontamento.
Nunca o mencionando os arguidos recorrentes, sempre se dirá que sendo do conhecimento oficioso, poderia este Tribunal intervir por via do instituto inserto no nº 2 do artigo 410º do CPPenal.
Todavia, analisando toda a decisão propalada, por nenhum modo se exibe a existência de alguma das máculas tratadas nas diversas alíneas que integram o dito inciso legal.
Assim sendo, também por este caminho nenhuma censura há a fazer ao decidido em 1ª instância.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelos Arguidos A e C, e consequentemente decidem manter a decisão recorrida.

Custas a cargo dos Arguidos, fixando-se a taxa de justiça, devida por cada um, em 4 UCs (artigo 513º, nºs 1 e 3 do CPPenal).

Évora, 9 de abril de 2024

(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPPenal)

Carlos de Campos Lobo

Filipa Costa Lourenço

Fernando Pina

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[1] Cfr. fls. 1038 e 1039.

[2] Neste sentido, a Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/03/2023, proferida no Processo nº 216/19.6PILRS.L1-9, disponível em www.dgsi.pt.

[3] Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal – Tomo IV, Artigos 311º a 398º, 2022, Almedina, pp. 343-344.

[4] Neste sentido ver os Acórdãos do S.T.J., de 14/03/2007, Processo 07P21, de 23/05/2007, Processo 07P1498, de 3/07/ de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em www.dgsi.pt.

[5] Neste sentido o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/03/2012, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18-04-2012.

[6] Acórdão do STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012.

[7] Neste sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/01/2017, proferido no Processo nº 112/15.6GAPNC.C1 e de 17/05/2017, proferido no Processo nº 430/15.3PAPNI.C1 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/01/2017, proferido no Processo nº 1050/14.5PFCSC.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.

[8] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14/12/2005, proferido no Processo nº 1559/05-1, disponível em www.dgsi.pt.