CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ADMISSÃO POR ACORDO DE FACTOS
CONFISSÃO FICTA
AFASTAMENTO DO EFEITO PROBATÓRIO DA CONFISSÃO FICTA
Sumário

I - A admissão por acordo, como consequência da revelia do réu (art. 567º nº1 do CPC) ou da não impugnação (art. 574º nº2 do CPC), integra uma confissão ficta dos respetivos factos, os quais, por força dela, se têm como provados;
II – Não sendo a confissão ficta uma confissão expressa, não é aplicável àquela o regime da retirada da confissão previsto no nº 2 do art. 465º do CPC, pois este, como ali consta, e como consta também no art. 46º do mesmo diploma, é para as “confissões expressas de factos”;
III – O afastamento ou destruição do efeito probatório da admissão por acordo é possível de alcançar através da declaração de nulidade ou anulação da mesma, pois tal confissão ficta é suscetível de ser declarada nula ou anulada, tal como a confissão judicial ou extrajudicial, e tal declaração de nulidade ou anulação deve ser obtida no recurso de revisão interposto contra a decisão baseada na ficta confessio e proposto pela parte interessada;
IV – Porém, a parte não tem de aguardar o trânsito em julgado da decisão para invocar a nulidade ou anulabilidade da admissão por acordo: se o fundamento for conhecido pela parte ainda durante a pendência da causa, esse mesmo fundamento pode ser invocado (nomeadamente, através de um articulado superveniente) na ação pendente.

Texto Integral

Processo nº18195/21.8T8PRT.P1
(Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 1)



Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Maria de Fátima Almeida Andrade
2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

A Herança de AA e BB, este por si e na qualidade de cabeça de casal daquela, propuseram ação declarativa comum contra CC, formulando os seguintes pedidos:

“I. Deve ser decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora herança e o Réu, com fundamento na falta de pagamento parcial das rendas vencidas entre Junho 2019 e Novembro de 2021, na sequência do que,

II- Deve, o Réu, ser condenado a despejar o locado e entregá-lo á Autora, livre de pessoas e bens, devendo fazê-lo de imediato, se, nos termos legais, todas as rendas parcialmente em mora, no total de 8.487€ (oito mil, quatrocentos e oitenta e sere euros) acrescidas da indemnização prevista no n.º1 do artigo 1041.º do Código Civil, não forem pagas até ao termo do prazo para a contestação;

III- Mais deve, o Réu, ser condenado a pagar as rendas vincendas até que seja decretada a resolução do arrendamento em questão e, ainda, a indemnização prevista no artigo 1045.º do Código Civil, desde então, até à efectiva entrega do locado”.

Alegaram para tal o seguinte:

- por contrato verbal celebrado há mais de 26 anos, DD, herdeira e irmã do Autor e cabeça de casal que então geria os arrendamentos e salas do edifício propriedade da herança Autora, cedeu ao Réu o gozo do 5.º andar Dt.º do n.º ...6 da Rua ..., no Porto, mediante a contrapartida mensal então fixada em escudos, a que em, Janeiro de 2019, correspondiam 257,60€, a ser liquidada no primeiro dia do mês anterior àquele a que respeitava;

- o local arrendado sempre se destinou ao exercício da advocacia;

- não obstante o contrato tenha sido celebrado verbalmente, o Autor, na qualidade de cabeça de casal da herança proprietária do imóvel, por si e seus mandatários, por várias vezes tentaram dar forma escrita ao referido contrato, sem que tivessem logrado obter a colaboração do Réu;

- em 28.02.2019, o Autor, na qualidade de cabeça de casal da herança, enviou ao Réu uma carta para, nos termos do disposto no artigo 30.º e ss da Lei 31/2012 de 14 de Agosto, comunicar a transição do contrato de arrendamento em questão para o NRAU, propondo que o contrato passasse a ter o prazo de cinco anos com renovações pelo período de dois anos e, atendendo ao valor patrimonial do imóvel (97.290,88€), que também foi comunicado e comprovado pela anexação da caderneta predial urbana do imóvel, foi proposta a renda de 540,50€, valor que, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 54.º da Lei 31/2012 de 14 de Agosto seria o mínimo exigível, por corresponder a um duodécimo do valor de 6.486€ que resultou da divisão do valor patrimonial tributário por 15, segundo o previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 35.º do NRAU;

- o Réu respondeu em 15.04.2019, opondo-se àquela proposta de transição, alegando um acordo de manutenção de renda que teria como fundamento a realização de obras;

- perante a referida oposição à transição do contrato para o NRAU, em 22.04.2019, o Autor respondeu, informando que desconhecia a existência de qualquer acordo de manutenção de rendas e muito menos a realização de «obras de reconstrução levadas a cabo no locado» tanto mais que nunca tinha dada autorização para o efeito; mais informou que já se estava a proceder à reabilitação da fachada do edifício; e comunicou que a renda exigível a partir de junho de 2019 passaria a ser de 540,50€;

- em junho de 2019 o Réu apenas pretendia pagar a renda anteriormente praticada sem qualquer atualização, pelo que, por indicação do representante da herança Autora, o porteiro do edifício, que habitualmente procedia à receção das rendas, se recusou a aceitar o pagamento parcial da renda atualizada; após, o Réu tentou pagar a renda em questão através do envio, via CTT, de um cheque, que o cabeça de casal da herança Autora devolveu à procedência;

- como, a partir da referida data, o Autor, como representante da herança, deixou de aceitar o pagamento de 257,60 €, o Réu informou-o de que passaria a depositar em instituição bancária aquele montante de 257,60 €;

- em 18 de Julho de 2019 foram enviadas, ao Autor, as guias dos 2 primeiros depósitos, na conta n.º ...50 da Banco 1..., de 257,60€ cada, pelo que, ainda que o Réu tenha continuado a depositar mensalmente montante igual ao comunicado, se encontram em divida parte das 30 rendas vencidas desde Junho de 2019 até à data da propositura da ação, no total de 8.487€, que correspondem ao montante de 540,50€ de renda mensal atualizada que deveria ter sido paga depois de descontar os depósitos mensais de 257,60€ que se supõe que o Réu tenha continuado a fazer na conta supra identificada, multiplicado pelos meses de renda vencidos entre Junho de 2019 e Novembro de 2021.

O Réu, na qualidade de advogado em causa própria, deduziu contestação. Nesta começou por deduzir a exceção de ilegitimidade ativa e, depois de admitir a existência do contrato de arrendamento, impugnou que tivesse ocorrido a sua transição para o NRAU e que se encontre em dívida parte das 30 rendas vencidas desde junho de 2019, no valor total de €8.487,00.

Alegou ainda:

- que o contrato de arredamento foi negociado e celebrado com a supra referida DD e que o valor da renda acordado foi de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais e sem qualquer possibilidade de aumento de tal valor, como contrapartida das obras de reconstrução do locado levadas a cabo, a suas expensas e dos seus colegas de escritório, àquela data, sem qualquer comparticipação monetária da senhoria, tendo as mesmas custado cerca de €70.000,00 (setenta mil euros);

- que todas estas obras tiveram que ser levadas a cabo em virtude de o locado, àquela data, se encontrar em completo estado de ruína;

- que caso se venha a entender e decidir nos presentes autos que os Autores têm o direito de aumentar o valor da renda mensal do locado, tem o Réu o direito de exigir dos Autores o pagamento pelas benfeitorias levadas a cabo no locado, assim como tem o Réu direito a ser indemnizado pelas benfeitorias levadas a cabo no locado caso se venha a decidir pela resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo;

- que ocorre litigância de má-fé dos Autores.

Terminou a pugnar pela total improcedência da ação, e, “subsidiariamente, caso venha a ser decidido o aumento do valor da renda do locado e/ou a resolução do contrato de arrendamento aqui em crise e, consequente, despejo, devem os Autores serem condenados a pagarem, solidariamente, ao Réu, em sede de Reconvenção, como contrapartida / compensação pelas benfeitorias levadas a cabo no locado, o valor de €70.000,00 (setenta mil euros)”, “Sendo que, caso o Réu venha a ser condenado a pagar aos Autores qualquer quantia, o que só em tese meramente académica se equaciona, deve esta ser deduzida, a título de compensação, à quantia que os Autores forem condenados a pagar ao Réu, em sede de Reconvenção”, e ainda, a pedir a condenação solidária dos Autores, por litigância de má fé, a pagarem-lhe uma indemnização, a arbitrar pelo tribunal, num valor nunca inferior a €5.000,00 (cinco mil euros).

Teve lugar audiência prévia, tendo nela sido proferido despacho saneador – em sede do qual se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa deduzida na contestação – e ulterior despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sendo estes integrados por dois pontos: “1. Acordo de manutenção de renda com fundamento na realização de obras; 2. Obras realizadas no locado pelo Réu/reconvindo, custo e autorização dos senhorios”.

Após tal audiência prévia, o Réu, por requerimento entrado nos autos a 24/6/2022, veio requerer a correção do valor da reconvenção para 7.000 € e reduzir o montante do pedido nela formulado para igual quantia, requerer a junção de um documento, dando conta que por via dele o contrato de arrendamento dos autos remonta ao ano de 2009 e não tem mais de 26 anos, e reformular o seu rol.

Os Autores pronunciaram-se sobre tal requerimento por requerimento de 7/7/2022, não se opondo à redução do pedido e, quanto ao documento entretanto junto e considerações tecidas sobre ele pelo Réu, que o por si alegado no art. 1º da petição inicial (onde se diz que o contrato de arrendamento foi celebrado verbalmente há mais de 26 anos) não foi impugnado pelo Réu, pelo que não constitui matéria controvertida nos autos.

Por despacho de 7/9/2022 foi admitida a redução do pedido reconvencional.

Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu julgar a ação procedente e condenar o Réu no pedido e julgar a reconvenção improcedente, dela se absolvendo os Autores do pedido.

De tal sentença veio o Réu interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1º) O Autor intentou ação de despejo contra o Réu com fundamento de que este não pagava a parte da renda que tinha resultado de um aumento da mesma que tinha efetuado com fundamento da transição do contrato para o NRAU.

2º) Sucede que o Réu contestou a ação, com fundamento num acordo de não aumento da renda que havia sido celebrado em 2007, aquando da celebração do contrato de arrendamento não habitacional aqui em crise, correspondente a um escritório designado nos presente autos por 5º andar direito, sendo que tal acordo era a contrapartida por ter que fazer obras de reconstrução do locado, sem qualquer comparticipação monetária do Autor.

3º) Contudo, o Réu pese embora tivesse conhecimento que o contrato tinha sido celebrado em 2007, não impugnou no artigo 1º da PI a alegação do Autor no sentido que o contrato havia sido celebrado há mais de 26 anos (isto à data da proposição da ação que foi em 2021), em virtude de não ter participado nas negociações e estar convicto que tal contrato do 5º andar direito iria supostamente ser integrado no contrato do 5º andar esquerdo que â data estava arrendado ao seu colega EE que o Réu também estava convicto que tal arrendamento lhe tinha sido transmitido pelo seu Patrono, e que não se tratava de um facto pessoal, supondo, por isso, que o contrato do 5º Esquerdo pudesse ter os mais de 26 anos, razão pela qual, não impugnou tal facto, e o mesmo foi considerado admitido por acordo e, consequentemente, julgado provado, constando do ponto 1 dos factos provados.

4º) Mas, entretanto, já depois da realização da audiência prévia o Réu tomou conhecimento que o contrato aqui em crise, o do 5º andar direito, não tinha sido incorporado no contrato do 5º Esquerdo e, por isso, era um contrato independente, pelo que, foi aos autos e, apesar de não ter impugnado a data do contrato alegada pelo Autor, apresentou um Requerimento nos autos a explicar a situação à Mma. Juiza à quo e a Requerer que fosse oficiado às finanças para virem informar os autos a data do registo do contrato e o nome da pessoa que havia procedido ao registo do mesmo, sendo que, a Mma. Juiza a quo ao não se ter oposto a tal pedido o Réu ficou convicto que tal facto relativo à data do contrato pudesse não ser considerado provado, ainda mais convicto ficou quando as finanças vieram informar que tinha sido o Autor que registou o contrato no ano de 2009.

5º) Destarte, o Réu tomou consciência de que, não tendo o contrato mais de 26 anos, o mesmo não transitou para o regime NRAU, e desde logo se opôs à referida intenção de transição.

6º) Em consequência, o Autor não podia ter levado a cabo o aumento da renda, que o Réu sempre se recusou a pagar, por falta de fundamento legal,

7º) Em consequência, o Réu não deve ao Autor qualquer quantia da parte da renda resultante de tal aumento ilegal,

8º) Por estas razões, como o fundamento da ação era a falta de pagamento da parte da renda resultante deste aumento ilegal, extinguiram-se os fundamentos da ação;

9º) Contudo, o Réu foi surpreendido com a decisão da Mma. Juiza à quo que decidiu manter como provado o facto de que o contrato tinha mais de 26 anos, considerando que o mesmo foi admitido por acordo, na falta da impugnação do mesmo.

10º) Desta forma, mantendo-se os fundamentos da ação, o Réu foi condenado com a resolução do contrato e no pagamento das rendas em atraso.

11º) Contudo, o Réu entende que esta situação é manifestamente injusta, mormente porquanto está a prevalecer a verdade formal à material, ao que acresce o facto de durante a audiência de julgamento ter sido demasiada prova no sentido de que, na pior das hipóteses, o contrato foi celebrado no ano de 2002, é o que ressalta da abundante prova testemunhal transcrita acima, mormente a constante dos artigos 160º, 165º, 176º, 200º, 204º, 205º, 217º, 222º, 225º, 226º, 228º, 229º, 230º, 232º, 233º, 244º, 254º, 258º, 266º, 267º, 269º, 272º, 273º e 287º.

12º) Não restando outra alternativa ao Réu que não seja a de tentar demonstrar ao longo do presente recurso que a decisão de julgar tal facto provado pode ser reversível atenta o meio como foi considerado provado.

13º) Os AA. alegaram que o contrato aqui em crise foi celebrado há mais de 26 anos, ou seja, em data anterior ao DL 257/95, de 30/09, tal facto foi dado como provado pela Meritíssima Juíza a quo.

14º) Contudo da audiência de discussão e julgamento, resultou PROVADO, sem margem para quaisquer dúvidas, que o contrato de arrendamento aqui em crise foi celebrado entre os anos de 2002 e 2007! É o que ressalta da abundante prova testemunhal transcrita acima, mormente a constante dos artigos 160º, 165º, 176º, 200º, 204º, 205º, 217º, 222º, 225º, 226º, 228º, 229º, 230º, 232º, 233º, 244º, 254º, 258º, 266º, 267º, 269º, 272º, 273º e 287º.

15º) Ora, da análise dos depoimentos acima transcritos resulta de uma forma clara e inequívoca que o Réu não participou nas negociações do contrato de arrendamento e que este foi celebrado entre os anos de 2002 e 2007 e, por isso, não foi celebrado antes do DL 257/95.

16º) Pelo que, se impõe-se a alteração do ponto 1º dos Factos Provados, ao qual deverá ser aditado que o contrato foi celebrado entre o ano de 2002 e o ano de 2007, em substituição de “há mais de 26 anos”, devendo tal ponto passar a ter a seguinte redação: “Por contrato verbal celebrado entre os anos de 2002 e 2007, DD, herdeira e irmã do Autor, também herdeiro e cabeça de casal que então geria os arrendamentos e salas do edifício, propriedade da herança Autora, cedeu, ao Réu, o gozo do 5º andar Dt.º do n.º ...6 da Rua ..., no Porto.”

17º) Destarte, verifica-se que não existiu a transição do contrato de arrendamento aqui em crise para o regime do NRAU, desde logo, por falta do pressuposto de o contrato não ter sido celebrado antes do referido DL 257/95, de 30/09;

18º) Em consequência, o Autor não tinha fundamento para aumentar a renda ao Réu, pelo que, tal aumento não era legal;

19º) Razão pela qual, o Réu não deve qualquer quantia ao Autor.

20º) Em consequência, deve a ação ser julgada improcedente por falta de pressupostos e fundamentos legais;

21º) Mantendo-se o contrato aqui em crise entre Autor e Réu em vigor.

22º) A ação aqui em crise foi estruturada tendo como dado adquirido que o contrato de arrendamento não habitacional aqui crise foi objeto de transição para o regime do NRAU e que este procedimento cumpriu todos os requisitos para o efeito, designadamente que o contrato foi celebrado antes do DL 257/95 de 30/09, e foram levadas a cabo todas às notificações necessárias.

23º) Contudo, como ao diante veremos, nem o contrato foi celebrado antes do suprarreferido decreto de lei, nem uma das notificações foi levada a cabo com base na legislação em vigor aplicável a transição.

24º) Ora a Mma. Juíza à quo no ponto 1º dos Factos Provados considerou provado que o contrato de arrendamento aqui em crise foi celebrado há mais de vinte e seis anos, com fundamento no facto de o Réu não ter impugnado tal facto constante do artigo 1º da PI;

25º) No entanto, o Réu entende que, ao abrigo da 2ª parte do nº 2 do artigo 574º do CPC, tal facto não pode ser considerado provado, por estar em oposição com a defesa considerada no seu conjunto e não se tratar de um facto pessoal.

26º) Senão vejamos, desde logo, porque, cfr. consta do ponto 3º dos factos provados (art. 3º da PI não impugnado por o Réu e por isso também admitido por acordo), o locado sempre se destinou ao exercício da advocacia, contudo o Réu só se inscreveu como Advogado na respetiva ordem no final do primeiro trimestre do ano de 2006, mais concretamente em 31-03-2006.

27º) Acresce que, o Réu através dos artigos 11º a 16º da contestação, impugnou a matéria constante dos artigos 4º e 5º, 16º, 19º a 22º da PI, negou sempre que a renda estivesse desatualizada, negou ainda que o contrato de arrendamento aqui em crise tivesse transitado para o NRAU, negou ainda que tivesse dívidas relativas às rendas vencidas desde junho de 2019 até à presente data, e por último sempre invocou que não se encontram reunidos os pressupostos necessários à resolução do contrato de arrendamento aqui em crise.

28º) Destarte, A Mma. Juíza à quo não podia ter considerado tal facto como provado,

29º) Pelo que deve ser retirado do ponto 1º dos Factos Provados o facto “o contrato foi celebrado há mais de 26 anos”, e

30º) em consequência, tal facto deve ser decidido com base na prova produzida em audiência de julgamento.

31º) Sendo que, e atendendo ao depoimento de parte do Réu e dos depoimentos das testemunhas DD e FF, acima transcritos de 159.º a 293.º, resultou de uma forma clara e inequívoca que o contrato de arrendamento aqui em crise foi celebrado entre os anos de 2002 e 2007 e não antes do DL 257/95, de 30/09.

32º) Pelo que, verifica-se que não existiu a transição do contrato de arrendamento aqui em crise para o regime do NRAU, desde logo, por falta do pressuposto de o contrato não ter sido celebrado antes do referido DL 257/95, de 30/09;

33º) Em consequência, os Autores não tinham fundamento para aumentar a renda ao Réu, pelo que, tal aumento não era legal;

34º) Razão pela qual, o Réu não deve qualquer quantia aos Autores.

35º) Em consequência, deve a ação ser julgada improcedente por falta de pressupostos legais, mantendo-se o contrato aqui em crise entre Autor e Réu em vigor.

35º Facto constante do artigo 1º da PI e do ponto 1º dos Factos Provados: “contrato celebrado há mais de 26 anos”.

36º) Ora, vem o Réu com fundamento em Jurisprudência do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, mormente o douto Acórdão datado de 02-07-2013, cujo sumário abaixo se passa a transcrever, em conjugação com o disposto no nº 2 do artigo 465º do CPC – retratibilidade da confissão, Requerer que a decisão que considerou provado que o contrato aqui em crise foi celebrado há mais de 26 anos, em virtude de tal facto não ter sido impugnado pelo Réu e, por isso, foi admitido por acordo, seja alterada para facto não provado, na sequência da retratabilidade levada a cabo pelo Réu, como ao diante veremos, em virtude de o Autor não ter aceite especificadamente tal “confissão” do Réu, facto este aqui em crise constante do artigo 1º da PI e ponto 1º dos Factos Provados.

37º) Assim, foi este o douto entendimento sufragado por unanimidade pelo Venerando TRC que se passa a transcrever:

38º) I – O acordo das partes ou admissão por acordo, tanto por falta de contestação (art.484º, nº 1 CPC), como pela não impugnação dos factos (art. 490º, nº 2 CPC), tem sido concebido como uma confissão tácita ou presumida (fita confessio), ainda que distinta da confissão, sendo, no entanto, fonte de prova legal, ao assumir força probatória plena.

39º) II - A confissão ficta (e a consequente força probatória) pode ser infirmada através de articulado superveniente quando haja um conhecimento posterior da inexistência dos factos inimpugnados, ou seja, é admissível a retratibilidade do facto admitido por acordo em articulado superveniente, com a alegação de uma situação contrária à admitida.

40º) III - A Relação não pode modificar a resposta dada pelo tribunal a quo com fundamento numa presunção, se não ocorrer qualquer das hipóteses do art.712º do CPC.

41º) Conforme resulta da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, acima transcrita do artigo 159.º a 293.º supra, mormente do depoimento da testemunha DD que negociou o contrato de arrendamento em representação dos senhorios, o Réu não participou em tais negociações;

42º) Contudo, esteve sempre convencido que o contrato de arrendamento do 5º andar Direito tinha sido integrado / fundido no contrato de arrendamento correspondente do 5º andar Esquerdo, que era usado pelo seu colega EE, em virtude de estar convicto que este seu colega tinha sucedido ao seu Patrono neste contrato de arrendamento;

43º) E como estava a ser este seu colega que estava a negociar o contrato de arrendamento correspondente ao 5º andar Direito, mais convencido ficou o Réu de que este contrato se iria integrar no outro;

44º) E mais convicto ficou ainda quando do artigo 1º da PI viu a alegação do Autor no sentido de que o contrato de arrendamento tinha mais de 26 anos;

45º) Razão pela qual, pese embora entendesse que a expressão “há mais de 26 anos” fosse muito vaga e, por isso, a desnecessidade de impugná-la, por outro lado, também entendeu que se a impugnasse poderia estar a incorrer em litigância de má-fé, e por não se tratar de um facto pessoal, atendendo a que estava convicto que o contrato de arrendamento do 5º andar Esquerdo já tinha muito tempo, mormente por também por estar convicto que o seu colega EE já havia sucedido o seu Patrono em tal contrato.

46º) Razões estas para não ter impugnado a expressão “há mais de 26 anos” como data da celebração do 5º andar esquerdo.

47º) Contudo, após a realização da audiência prévia o Réu entendeu por bem contactar algumas das suas ex colegas de escritório para lhes dar conhecimento que as havia arrolado como testemunhas, quando em conversa com a Dra. FF esta lhe transmitiu que tinha sido ela uma das pessoas a negociar o contrato de arrendamento do 5º Direito em representação dos inquilinos, tendo logo informado o Réu que o valor das obras que ele havia indicado na contestação e reconvenção estava incorrecto e que o contrato do 5º Direito era totalmente independente/autónomo do contrato do 5º andar Esquerdo e tinha sido celebrado durante o ano de 2009;

48º) Razão pela qual, o Réu já através da sua I. Mandatária logo foi ao processo retratar-se destes factos, através do Requerimento que apresentou em 24-06-2022, com a refª citius 32644047, tendo ainda Requerido à Mma. Juíza à quo que oficiasse o serviço de finanças para vir aos presentes autos informar o nome da pessoa que comunicou ao serviço de finanças que o contrato de arrendamento do 5º andar Direito teve o seu inicio em 01-01-2009;

49º) A Mma. Juiza à quo, certamente por entender que este pedido era pertinente, donde ressalta à saciedade, smo, que também entendia que o facto não impugnado pelo Réu de o contrato ter mais de 26 anos não estava admitido por acordo ou, caso estivesse, era passível de alteração de tal decisão, porquanto só assim, smo, faz sentido que a Mma. Juíza à quo tivesse acedido ao pedido do Réu de oficiar o serviço de finanças a solicitar informações acerca do contrato aqui em crise, cfr. resulta do douto despacho proferido pela Mma. Juíza à quo datado de 07-09-2022, com a refª citius 439663897.

50º) Ora, face ao douto Acórdão acima invocado e ao qual o Réu acrescenta o disposto no nº 2 do artigo 465º do CPC, e da velha máxima se pode o mais (confissão expressa) também pode o menos (confissão ficta), smo, deve a decisão que recaiu sobre o facto relativo ao contrato de arrendamento do 5º andar direito ter mais de 26 anos ser alterada para não provado e submetido à apreciação da prova testemunhal e documental produzida.

51º) Face à análise de toda a prova testemunhal, mormente à correspondente aos depoimentos acima transcritos, do artigo 159.º a 293.º, deve o ponto 1º dos Factos Provados ser alterado, passando a ser considerado provado o facto de que o contrato de arrendamento aqui em crise foi celebrado entre os anos de 2002 e 2007.

52º) Em consequência, verifica-se que não existiu a transição do contrato de arrendamento aqui em crise para o regime do NRAU, desde logo, por falta do pressuposto de o contrato não ter sido celebrado antes do referido DL 257/95, de 30/09;

53º) Desta forma, os Autores não tinha fundamento para aumentar a renda ao Réu, pelo que, tal aumento não era legal;

54º) Razão pela qual, o Réu não deve qualquer quantia ao Autor.

55º) Pelo que, deve a ação ser julgada improcedente por falta de pressupostos legais,

56º) Mantendo-se o contrato aqui em crise entre Autor e Réu em vigor.

57º) O ponto 10º dos Factos Provados por si só deita por terra o sucesso da ação, porquanto a legislação que o Autor invocou no artigo 13º da PI (nº 6 do artigo 30º da Lei 31/2021) não se aplica à matéria em crise nos presentes autos, pelo que, a transição do contrato de arrendamento aqui em crise para o NRAU e, consequente aumento de renda, pretendidos pelo Autor é nulo e ineficaz, não podendo produzir os seus efeitos legais.

58º) Mesmo que se entendesse que o Autor queria dizer (nº 6 do artigo 30º da Lei 31/2012), o que não se concede, mesmo assim, o Réu não conseguiu encontrar o disposto no nº 6 de tal artigo.

59º) Pelo que, atenta a nulidade e ineficácia deste procedimento, não podia o Autor exigir ao Réu o pagamento de qualquer valor relativo ao aumento do valor da renda com fundamento na transição do contrato de arrendamento aqui em crise para o NRAU, porquanto tal transição não ocorreu.

60º) Razão pela qual, o Réu nunca teve, nem tem neste momento, qualquer valor em dívida relativamente a rendas relativas ao contrato de arrendamento aqui em crise que tem por objeto o locado também aqui em crise sito à Rua ..., na cidade do Porto.

61º) Sendo que, caso o Autor tivesse invocado a Legislação correta que na verdade se aplica à matéria constante do ponto 10º dos factos provados, o Réu teria deduzido outra defesa diferente.

62º) Verifica-se que, também por esta razão, não existiu a transição do contrato de arrendamento aqui em crise para o regime do NRAU, desde logo, por violação do procedimento e da legislação aplicável a tal procedimento de transição do contrato para o NRAU;

63º) Em consequência, os Autores não tinham, fundamento para aumentar a renda ao Réu, pelo que, tal aumento não era legal;

64º) Razão pela qual, Réu não deve qualquer quantia aos Autores.

65º) Em consequência, (347.º) Deve a ação ser julgada improcedente por falta de pressupostos e fundamentos legais, mantendo-se o contrato aqui em crise entre Autores e Réu em vigor.

66º) Face a tudo o supra exposto, deixando de se considerar provado que o contrato de arrendamento foi celebrado à mais de 26 anos, cfr. se espera, da análise dos depoimentos acima transcritos resulta que o contrato mesmo foi celebrado entre os anos de 2002 e 2007, destarte não ocorreu a transição do contrato para o regime do NRAU e, assim sendo, o Autor não podia ter levado a cabo o aumento da renda, pelo que, tal aumento não é exigível ao Réu, não tendo, por isso, o Réu qualquer dívida para com o Autor, em suma, inexistem fundamentos para a subsistência dos presentes autos e, em consequência, deve o contrato manter-se nos precisos termos em que se encontra e o Réu absolvido de pagar qualquer quantia ao Autor.

Os Autores apresentaram contra-alegações, nelas requerendo, como questão prévia, que ao recurso, porque incide só sobre a procedência da ação, seja fixado o valor de 24.702€. De seguida, defendem, sem concretizar porquê, que o recorrente não observou as regras sobre a impugnação da matéria de facto previstas no art. 640º do CPC. E depois pugnam pela improcedência da alteração da matéria de facto pretendia pelo recorrente e pela manutenção da sentença recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes, por ordem lógica, as questões a tratar:

a) – do valor do recurso;

b) – da alteração à matéria de facto propugnada pelo recorrente, sendo nesta sede de analisar se ocorre admissão por acordo por parte do Réu/recorrente dos factos alegados no artigo 1º da petição inicial e se tal admissão por acordo, no caso, soçobra e/ou foi contrariada por prova em sentido diferente;

c) – do eventual reflexo da reapreciação da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.


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II – Fundamentação

Vamos à primeira questão enunciada.

A questão da fixação do valor do recurso – que, convém frisar, não se confunde com o valor da ação (como claramente se depreende do art. 629º nº1 do CPC) – é perfeitamente despicienda e não tem qualquer relevo para a sua apreciação, pois tal valor, como decorre do art. 12º nº2 do Regulamento das Custas Judiciais, apenas tem atinência com a fixação da sua base tributável para efeito de custas.

Tal valor, como se prevê neste preceito do RCP, é o da sucumbência, “quando esta for determinável” e “nos restantes casos” (que serão os de sucumbência não determinável) prevalece o valor da ação.

No caso, tendo o réu sido condenado no pedido, e por esta via, na quantia peticionada pelos autores, é esta a quantia que corresponde ao valor do recurso.

Passemos para a segunda questão enunciada.

É a seguinte a matéria de facto da sentença recorrida:

Factos provados

1º – Por contrato verbal celebrado há mais de 26 anos, DD, herdeira e irmã do Autor, também herdeiro e cabeça de casal que então geria os arrendamentos e salas do edifício, propriedade da herança Autora, cedeu, ao Réu, o gozo do 5.º andar Dt.º do n.º ...6 da Rua ..., no Porto.

2º – Mediante a contrapartida mensal então fixada em escudos, a que em janeiro de 2019, correspondiam 257,60€ (duzentos e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos), a ser liquidada no locado, no primeiro dia do mês anterior aquele a que respeitava.

3º – O local arrendado sempre se destinou ao exercício da advocacia.

4º – O Autor, na qualidade de cabeça de casal da herança proprietária do edifício onde o locado se situa, enviou ao Réu uma carta para, nos termos do disposto no artigo 30.º e ss da Lei 31/2012 de 14 de agosto, comunicar a transição do contrato de arrendamento em questão para o NRAU.

5º – Através daquela carta foi proposto que o contrato passasse a ter o prazo de cinco anos com renovações pelo período de dois anos e atendendo ao valor patrimonial do imóvel (97.290,88€), que também foi comunicado e comprovado pela anexação da caderneta predial urbana do imóvel, foi proposta a renda de 540,50€.

6º – O Réu respondeu em 15.04.2019, opondo-se à proposta de transição comunicada pelo legal representante da herança Autora.

7º – O Réu alegou um acordo de manutenção de renda, que teria como fundamento a realização de obras.

8º – Perante a referida oposição à transição do contrato para o NRAU, em 22.04.2019, o Autor respondeu, informando que desconhecia a existência de qualquer acordo de manutenção de rendas e muito menos a realização de «obras de reconstrução levadas a cabo no locado» tanto mais que nunca tinha dada autorização para o efeito.

9º – Mais informou, o legal represente da Herança, que já estavam a proceder à reabilitação da fachada do edifício

10º – E comunicou que, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 30.º da Lei 31/2021, o valor da renda, exigível a partir de junho de 2019 passaria a ser de 540,50€ (quinhentos e quarenta euros e cinquenta cêntimos).

11º – Em junho de 2019 o Réu apenas pretendia pagar a renda anteriormente praticada sem qualquer atualização, pelo que, por indicação do legal represente da herança Autora, o porteiro do edifício, que habitualmente procedia à receção das rendas, se recusou a aceitar o pagamento parcial da renda atualizada.

12º – Após o que o Réu tentou pagar a renda em questão através do envio, via CTT, de um cheque, que o cabeça de casal da herança Autora devolveu à procedência.

13º – O Réu informou o cabeça-de-casal da herança Autora, de que passaria a depositar em instituição bancária o montante de 257,60.

14º – Após o que o cabeça-de-casal da herança Autora enviou ao Réu a carta que se anexa sob o documento n.º 5 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

15º – Em 18 de julho de 2019 foram enviadas, ao Autor, as guias dos 2 primeiros depósitos, na conta n.º ...50 da Banco 1..., de 257,60€ cada.

16º – O valor da renda de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais foi acordado como contrapartida das obras de reconstrução do locado, levadas a cabo a expensas do Réu e dos seus colegas de escritório.

17º – O réu e os seus colegas de escritório, à data da celebração do contrato de arrendamento aqui em crise, procederam às obras no locado;

18º – Obras estas que se traduziram na retirada da alcatifa do pavimento, do papel das paredes, dos móveis da cozinha e louças sanitárias de duas casas de banho;

19º – No tratamento do pavimento em madeira existente já em algumas divisões do locado;

20º – Na colocação de soalho flutuante em madeira no pavimento de algumas divisões, em que não existia madeira;

21º – Na construção de uma cozinha nova, numa divisão diferente da que existia inicialmente;

22º – Na recuperação da casa de banho atual;

23º – Na colocação de canalização de águas toda nova;

24º – Na colocação de uma rede elétrica toda nova, designadamente, fios, calhas, quadros elétricos, fichas, tomadas, caixilhos, lâmpadas, rede para computadores, etc.;

25º – Obras estas pelas quais o Réu e os seus colegas de escritório àquela data tiveram que pagar cerca de € 7.000,00.


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Factos não provados:

- que o valor da renda acordado foi de € 250,00 sem qualquer possibilidade de aumento do valor da renda, como contrapartida das obras de reconstrução do locado, levadas a cabo a expensas do Réu e dos seus colegas de escritório.


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O recorrente, com base nas declarações de parte do réu e nos depoimentos das testemunhas DD e FF, cujos excertos que considera pertinentes identifica e transcreve, pretende que a data da celebração do contrato referida sob o ponto 1º dos factos provados seja alterada, passando ali a figurar que o contrato foi celebrado entre o ano de 2002 e o ano de 2007 em substituição da expressão “há mais de 26 anos” que ali consta.

Tal pretensão do recorrente tem na sua base a consideração, pela sua parte, de que a factualidade em causa, não obstante por si não impugnada, não se poder ter admitida por acordo ao abrigo do disposto no art. 574º nº2 do CPC e de, por outro lado, ter ocorrido a sua retratação em relação à mesma com o requerimento de que deu entrada nos autos a 24/6/2022, retratação esta que fundamenta em acórdão da Relação de Coimbra que identifica e no art. 465º nº2 do CPC.

Uma vez que só fará sentido ponderarmos sobre a alteração da factualidade em causa se a não considerarmos admitida por acordo ou se, por outro lado, tal admissão por acordo se possa vir a considerar como afastada, averiguemos de cada uma destas questões.

Depois de sob o nº1 do artigo 574º do CPC se preceituar que “Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”, preceitua-se sob o nº2 daquele mesmo artigo que “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; (…)”.

Os autores alegaram no artigo 1º da petição inicial que “Por contrato verbal celebrado há mais de 26 anos, DD, herdeira e irmã do Autor, também herdeiro e cabeça de casal que então geria os arrendamentos e salas do edifício, propriedade da herança Autora, cedeu, ao Réu, o gozo do 5.º andar Dt.º do n.º ...6 da Rua ..., no Porto” e, como se vê da contestação deduzida pelo réu, este não impugnou tal factualidade (sob os artigos 11º a 16º de tal peça impugnou matéria alegada nos artigos 4º, 5º, 9º, 10º, 11º, 16º, 19º, 20º, 21º e 22º da petição inicial, mas não impugnou aquela).

Além disso, também na sua contestação, o réu alega que, aquando da celebração do contrato alegada na petição inicial, terá ocorrido um acordo de manutenção da renda inicialmente acordada como contrapartida de obras que foram efetuadas no locado também aquando daquela celebração, sendo que ele próprio situa temporalmente a realização de tais obras por referência à data indiretamente mencionada pelos autores naquele artigo 1º da petição inicial (“há mais de 26 anos”) – como se vê dos artigos 19º, 30º e 34º (por via da expressão “àquela data”) e do artigo 38º (por via da expressão “à data da celebração do contrato de arrendamento aqui em crise”) – e não indica ou contrapõe qualquer outra.

Assim, é desde logo de concluir que a não impugnação do alegado pelos autores no artigo 1º da petição inicial não está em oposição com a defesa do réu considerada no seu conjunto.

Depois, há que referir que sobre a matéria factual em causa é perfeitamente admissível a confissão, pois não respeita a direitos indisponíveis (art. 354º b) do C. Civil).

E depois há também que referir que ainda que a factualidade em causa esteja referenciada a um contrato de arrendamento e este, conforme se prevê no artigo1069º nº1 do C. Civil, deva ser celebrado por escrito, decorre do nº2 de tal artigo [introduzido pela Lei 13/2019, de 12/2, e aplicável aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor (art. 14º nº2 de tal Lei)], ao prever a possibilidade de prova da existência do mesmo por qualquer forma admitida em direito, que a forma escrita é uma formalidade ad probationem e, portanto, para efeito de prova, a sua falta pode ser suprida por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, conforme se prevê no art. 364º nº2 do C. Civil (neste sentido, vide o Acórdão do STJ de 12/1/2022, proferido no proc. nº4268/20.8T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Ora, resulta dos artigos 11º e seguintes da contestação, e bem explicitamente do artigo 17º, que o réu, que subscreveu tal peça como advogado em causa própria, confessa a celebração do contrato pela forma verbal, assumindo tal confissão a modalidade de judicial (arts. 355º nº1 e 356º nº1 do C. Civil).

Assim, a factualidade em causa não pode só ser provada por documento.

Deste modo, na sequência da análise que se veio de fazer, é de concluir que ocorreu a admissão por acordo da referida factualidade.

Aqui chegados, há agora que apurar se tal admissão por acordo foi afastada.

A admissão por acordo, como consequência da revelia do réu (art. 567º nº1 do CPC) ou da não impugnação (art. 574º nº2 do CPC), integra uma confissão ficta dos respetivos factos, os quais, por força dela, se têm como provados[1].

Neste conspecto, não sendo a confissão ficta, ou admissão, uma confissão expressa[2], não é desde logo aplicável a tal confissão ficta o regime da retirada da confissão previsto no nº 2 do art. 465º do CPC, pois este, como ali consta, e como consta também no art. 46º do mesmo diploma, é para as “confissões expressas de factos”. Aliás, ainda que se considerasse aplicável tal regime, no caso vertente tal retirada de confissão não foi atuada até ao momento processual em que o poderia ser, pois como referem os Profs. João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa[3], aludindo àquele art. 465º nº2, “O direito à retractação nunca pode ser exercido depois da seleção dos temas da prova (art. 591º, nº1, al. f), e 596º nº1)” (do CPC).

A prova produzida por via da confissão ficta, como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4], “só excecionalmente pode ser posta em causa, segundo uns nos termos do art. 359 CC (nulidade e anulabilidade da confissão), direta ou analogicamente aplicado à admissão, consoante seja tida ou não como uma modalidade da confissão (…) e segundo outros nos termos do art. 588 (articulado superveniente), quando ocorre o conhecimento tardio da inexistência dos factos não impugnados, por se ter erroneamente julgado que se tinham verificado”, dando como exemplos de autores que se integram nos primeiros Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (na obra referida na nota 1, pág. 565, nota 1) e Teixeira de Sousa (na obra “Estudos sobre o novo processo civil”, Lisboa, Lex, 1997, págs. 289-290) e como exemplos de autores que se integram nos segundos Manuel de Andrade (na obra “Noções Elementares de Processo Civil”) e Lebre de Freitas (na obra “A ação declarativa comum”, ponto 7, notas 13 e 36).

No caso vertente, o réu, já após a audiência prévia – e de nesta se terem enunciado como temas da prova itens que nada têm a ver com a data da celebração do contrato –, veio, por requerimento de 24/6/2022, requerer a junção de um documento e, em tal requerimento, sob a epígrafe “Junção de documento”, tece a propósito do mesmo (obtido via internet através de https://imoveis.portaldasfinancas.gov.pt/) considerações várias sobre o contrato de arrendamento dos autos, nelas referindo que tal contrato de arrendamento “remonta ao ano de 2009 e não tem mais de 26 anos cfr. o Autor quis fazer crer ao Tribunal e ao Réu”.

No entanto, ainda que aquelas considerações integrem a alusão a uma data do contrato bem posterior à admitida por acordo (não sendo esta, ao contrário do que o réu ali diz, uma data que o Autor “quis fazer crer ao Tribunal e ao Réu”, pois foi muito simplesmente a alegada na petição inicial e o réu teve a possibilidade de também muito simplesmente a impugnar e/ou até referir outra quando deduziu a sua contestação), tal alusão a outra data assim efetuada, só por si, e como nos parece óbvio, não integra uma qualquer nova “contestação” que afasta ou destrói a admissão por acordo que já tinha ocorrido nos autos quanto à data que, embora de forma indireta (“há mais de 26 anos”), os autores já haviam alegado no artigo 1º da petição inicial, pois tal admissão por acordo integra, como referem João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa[5], “uma cominação que não admite nem contraprova, nem prova do contrário”.

O afastamento ou destruição do efeito probatório da admissão por acordo, como refere o Prof. Teixeira de Sousa em anotação que publicou no Blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) em 17/1/2015 sobre o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (proc. nº5063/09.0TBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt) – que tem o mesmo relator (Jorge Arcanjo) e conteúdo idêntico ao referido pelo recorrente no seu recurso (de 2/7/2013, referido sob as conclusões 36º a 39º, proferido no proc. nº387/12.2TBTNV.C1) –, é possível de alcançar através da declaração de nulidade ou anulação da mesma, pois tal confissão ficta “é susceptível de ser declarada nula ou anulada, tal como a confissão judicial ou extrajudicial (cf. art. 359º CC)” e tal declaração de nulidade ou anulação “deve ser obtida no recurso de revisão interposto contra a decisão baseada na ficta confessio e proposto pela parte interessada (art. 696º, al. d), CPC e, em especial, art. 698º, nº2 a contrario, CPC)”, sendo que, conforme também ali refere como evidente, “a parte não tem de aguardar o trânsito em julgado da decisão para invocar a nulidade ou anulabilidade da admissão por acordo ou da confissão: se o fundamento for conhecido pela parte ainda durante a pendência da causa, esse mesmo fundamento pode ser invocado (nomeadamente, através de um articulado superveniente) na ação pendente”.

Assim, numa ação pendente – como acontece no caso vertente –, o réu, para lograr afastar a admissão por acordo quanto ao facto em referência, teria que ter apresentado articulado superveniente (art. 588º do CPC) em que alegasse fundamento factual suscetível de ocasionar a declaração de nulidade ou de anulação da admissão por acordo (vício da sua vontade, como, por exemplo, o erro) e deduzisse pedido nesse sentido e, nesse conspecto, caso os factos integrantes ou determinantes daquele fundamento fossem supervenientes subjetivamente (factos anteriores ao termos dos prazos dos articulados que à ação cabem mas só por si conhecidos depois de findarem tais prazos), arrolasse prova de tal superveniência (nº2 do art. 588º do CPC), a fim de tal articulado poder ser admitido e ser quanto a ele estabelecido o contraditório (nº4 do art. 588º do CPC) e poder por via dele vir a concluir-se pela invalidade da admissão por acordo e, nessa sequência, poder considerar-se a produção de prova quanto aos factos que ali viessem a ser alegados (subsumíveis à previsão do nº1 do art. 588º do CPC) em sentido diferente do admitido (nº4 do art. 588º do CPC).

Ora, nada disto foi feito pelo réu, pois este, sob a capa da junção de um documento após a audiência preliminar em que já se havia enunciado os temas da prova e sem formalizar qualquer articulado superveniente nos termos que se referiu, apenas veio a tecer considerações sobre a data da celebração do contrato em sentido diferente da factualidade que quanto a tal já estava por si próprio admitida por acordo.

Assim, conclui-se, não se mostra afastada ou destruída a força probatória decorrente da admissão por acordo ou confissão ficta da factualidade em referência, do que resulta que não é possível a alteração desta por via da impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente.

Como tal, é de manter nos seus precisos termos a matéria de facto que consta sob o ponto 1º dos factos provados.

Passemos agora para a terceira questão enunciada.

Mantendo-se a matéria de facto da sentença recorrida e versando o recurso sobre o conteúdo da mesma, verifica-se que este apenas ataca a decisão de mérito da sentença recorrida no pressuposto da procedência da impugnação da matéria de facto nele deduzida e não põe em causa a construção jurídica efetuada naquela sentença com base na factualidade dela constante.

Efetivamente, não obstante sob as conclusões 57º a 62º o recorrente defender a nulidade e ineficácia do procedimento de transição para o NRAU por referência ao conteúdo do ponto 10º dos factos provados (onde consta o teor de comunicação enviada pelo representante da herança autora ao réu) e à deficiente indicação de preceito legal que consta no teor da comunicação ali referida (que, podemos adiantar, não tem qualquer relevo, pois a lei, no art. 50º do NRAU, exige que na comunicação ali referida sejam cumpridos os requisitos ali previstos mas deles não consta a obrigação de o senhorio indicar qualquer preceito legal), o que é certo é que a sentença, referindo os devidos preceitos legais, se debruçou explicitamente sobre os termos da transição do contrato de arrendamento para o NRAU (vide págs. 9 e 10 de tal peça) e tal construção jurídica não se mostra questionada.

Como tal, em termos recursivos, o teor de tais conclusões resulta inócuo.

Não tendo sido posta em causa no recurso a construção jurídica efetuada na sentença recorrida com base na factualidade que dela consta, dada a vinculação deste tribunal na sua esfera de cognição à delimitação objetiva resultante das conclusões do recurso e não se divisando quaisquer motivos de revogação daquela sentença de conhecimento oficioso deste tribunal, há que concluir pela improcedência do recurso.

As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).


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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.


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Porto, 4/3/2024.
Mendes Coelho
Fátima Andrade
Teresa Fonseca
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[1] Sobre a confissão ficta e seus efeitos, vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 161 e 162, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 569, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 345.
[2] Sobre a diferença entre a admissão e a confissão expressa, vide José Lebre de Freitas, “A confissão no direito probatório”, Coimbra Editora, 1991, págs. 474 e sgs.
[3] “Manual de Processo Civil”, AAFDL Editora, Lisboa 2022, Volume I, pág. 546.
[4] Obra citada na nota 1, págs. 569 e 570.
[5] Obra referida na nota 3, Volume II, pág. 60.