OBJETO DA AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
NÃO DISCUSSÃO DE QUESTÕES REFERENTES À VALIDADE DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE DE QUEM PROCEDEU À CONTRATAÇÃO E DIREITOS DO TRABALHADOR
CONTRATO DE TRABALHO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRESUNÇÃO LEGAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho, fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do artigo 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.
II - Caso a ação venha a ser julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, é que será oportuno discutir questões como a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador.
III - O núcleo diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços assenta na existência ou não de trabalho subordinado, sendo de conferir, dentro dos indícios de subordinação, particular ênfase aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação.
IV - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009.
V - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o autor fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção de laboralidade (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
VI - Integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostra-se preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho, cumprindo pois indagar, seguidamente, se a ré ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado.
(da responsabilidade exclusiva do relator)

Texto Integral

Apelação / processo n.º 7755/23.2T8VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 3

Autor: Ministério Público
Ré: A..., Lda.

_______

Nélson Fernandes (relator)
António Luís Carvalhão
Eugénia Pedro

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. O Ministério Público propôs ação especial a que aludem os artigos 186.º K a 186.º R do Código de Processo do Trabalho (CPC), contra A..., Lda., com vista ao reconhecimento da existência de contrato de trabalho entre essa e AA, celebrado em maio de 2023, e, por via disso, condenar a Ré a reconhecer a existência desse contrato de trabalho.

Alegou para o efeito, e em síntese, que o referido AA passou a exercer funções de panfleteiro sujeito a ordens, direção e instruções da Ré desde a data indicada, nos locais e horários determinados pela mesma, contra o pagamento de retribuição mensal certa, e com o uso de equipamento da Ré, o que foi constatado em inspeção da ACT ocorrida a julho de 2023.

Regularmente citada, a Ré contestou, pugnando pela improcedência do peticionado, impugnando a factualidade elencada pelo Ministério Público e invocando ainda que sequer o contrato poderia ser celebrado com AA.

Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186.º-L, n.º 3, do CPT, AA, no prazo aí estabelecido, não aderiu aos factos apresentados pelo Ministério Público, não apresentou articulado próprio, nem constituiu mandatário.

2. Seguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“Nestes termos julgo procedente, por provada, a presente ação, e declaro que, em maio de 2023, AA celebrou com a Ré um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviços, reconhecendo a existência desse contrato de trabalho desde 31 de maio de 2023.

Fixo o valor da presente causa em € 2.000,00 – cfr. art. 186º-Q do CPT.

Custas a cargo da Ré – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Comunique à Autoridade para as Condições do Trabalho e ao Instituto da Segurança Social, I.P. – cfr. artigo 186.º-O, n.º 9, do CPT.

Registe e notifique.”

2.1. Inconformada com o decidido, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, apresentando as suas alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

“1. Salvo o devido respeito, jamais se poderá concordar com a decisão do Tribunal a quo, quer quanto à solução de Direito aplicada, mas também quanto à matéria factual que foi considerada como provada.

Quanto à impugnação da matéria de facto dada como provada,

2. O facto n.º 7 deve ser dado como não provado porquanto i. decorre no facto n.º 12 dado como provado que o Sr. AA só começou a receber da Recorrente uma quantia fixa a partir de julho de 2023 e ii. o Sr. AA, quando prestou o seu depoimento, afirmou que no final de maio, quando começou a prestar serviços para a Recorrente, recebia comissões (Depoimento gravado no sistema de gravação integrado do sistema informático "Habilus" com início às 15:38 e termo às 16:08 horas, minutos 05:27 e 11:53).

3. O facto n.º 8 deve ser dado também como não provado porquanto o referido Sr. AA afirmou durante o seu depoimento que a Recorrente não lhe dava Depoimento gravado no sistema de gravação integrado do sistema informático "Habilus" com início às 15:38 e termo às 16:08 horas, minutos 19:15).

4. O facto n.º 9 deve igualmente ser dado como não provado uma vez que o AA, no seu depoimento, podia ter distribuído panfletos em outro lugar que não na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia, caso assim entendesse, afirmando perentoriamente que não o fez por decisão sua (Depoimento gravado no sistema de gravação integrado do sistema informático "Habilus" com início às 15:38 e termo às 16:08 horas, minutos 20:30 e minutos 21:05).

5. Por fim, também o facto n.º 9 deve ser dado como não provado dado que resultou também do depoimento prestado pelo Sr. AA que i. o mesmo não tinha de obedecer a um horário de trabalho das 11h00 às 19h00 e ii. o mesmo não prestava a sua atividade cerca de 6 dias por semana, mas somente 5 dias por semana,

6. Tendo ainda a referida testemunha explicado que normalmente entregava panfletos entre as 11h00 e as 19h00 por dois motivos: i. era o período de funcionamento do estabelecimento da Recorrente e ii. porque havia mais movimentação de pessoas na rua nessas horas a quem pudesse distribuir os panfletos (Depoimento gravado no sistema de gravação integrado do sistema informático "Habilus" com início às 15:38 e termo às 16:08 horas, minutos 8:48 e 22:35).

Quanto à solução de Direito,

7. A Recorrente (e R.) invocou em sede de contestação que era impossível legalmente qualificar o vínculo existente como contrato de trabalho e que, consequentemente, jamais poderia a ação interposta – de reconhecimento de contrato de trabalho – ser julgada procedente.

8. No entanto, decidiu o Tribunal a quo que “não se impõe a este Tribuna pronunciar-se quanto à validade ou não de qualquer contrato de trabalho que venha a ter de declarar-se como existente, por tal extravasar o objeto processual dos presentes autos”.

9. Conforme referiu o Tribunal a quo “… a presente ação especial acaba por se reconduzir efetivamente a uma ação de simples apreciação positiva: apreciação da existência ou não, dum contrato de trabalho, ou seja, duma relação jurídica laboral entre duas partes.”

10. Importa ainda referir que o próprio Tribunal a quo reconheceu que “… ainda que se retire da prova documental junta que AA é estrangeiro e não era portador de visto ou autorização de residência ou permanência em território português à data da inspeção em causa nos autos…”.

11. Estando em causa um estrangeiro, o contrato de trabalho reveste-se de requisitos especiais, entre os quais: referência ao visto de trabalho ou ao título de autorização de residência ou permanência do trabalhador em território português, conforme decorre do art. 5.º do Código do Trabalho.

12.

13. Conforme reconhecido pelo Tribunal a quo, na data da inspeção levada a cabo pelo ACT – dia 12.07.2023 - o referido AA não era portador de visto ou autorização de residência ou permanência em território português.

14. Aliás, aquando da inspeção da ACT, o próprio AA deu conta disso aos inspetores, conforme resulta do doc. n.º 2 junto à Petição Inicial.

15. Aliás, nos termos do disposto no número 7 do artigo 5º do Código do Trabalho, a celebração de contrato de trabalho sem a referência ao visto ou autorização de residência, constitui contraordenação grave.

16. Assim, à data da inspeção, o Sr. AA não reunia os requisitos necessários para celebrar um contrato de trabalho, concretamente: não era portador de visto de trabalho ou ao título de autorização de residência ou permanência do trabalhador em território português.

17. Pelo que, a celebração de um contrato de trabalho com o referido trabalhador naquelas condições, seria causa de invalidade do mesmo.

18. Ainda, e nos termos do disposto no número 7 do artigo 5º do Código do Trabalho, a celebração de contrato de trabalho sem a referência ao visto ou autorização de residência, constitui contraordenação grave.

19. Era, de facto, legalmente inadmissível a celebração de um contrato de trabalho com o Sr. AA, como também era e é também legalmente inadmissível o reconhecimento de um contrato de trabalho que, à luz da lei, não é admissível.

20. Não se pretende, nem nunca se pretendeu que o Tribunal a quo se pronunciasse quanto à validade ou invalidade de um contrato de trabalho.

21. O que se pretendeu e se pretende é que efetivamente o Tribunal se abstenha de reconhecer uma situação que era e é legalmente inadmissível e expressamente contrária à lei.

Sem prescindir,

22. Procedendo a impugnação da matéria de facto – como se espera e impõe – também não se pode concordar com o Tribunal a quo quanto, a no caso em apreço, se encontrarem preenchidos alguns requisitos que implicam a aplicação da presunção de laboralidade.

23. O Sr. AA não exercia qualquer atividade subordinada para a Recorrente desde finais de maio de 2023, mas, quanto muito, apenas desde julho de 2023.

24. Depois, ainda que o Sr. AA utilizasse um polo e distribuísse panfletos que foram disponibilizados pela Recorrente, tal não era e é suficiente para se concluir pela existência de um contrato de trabalho.

25. Estamos a falar de elementos que têm, sobretudo, um intuito publicitário: publicitar o estabelecimento da Recorrente.

26. Por fim, resultou do depoimento do próprio AA, prestado em sede de audiência de discussão e julgamento, que o mesmo não estava obrigado a cumprir um horário definido, e muito menos com horas de início e de termo previamente determinadas pela Recorrente,

27. Deixando claro que não tinha de observar horas para início da prestação e ainda que não havia qualquer consequência caso não começasse a distribuir panfletos, por exemplo, pelas 11h00.

Ora,

28. Conforme resultou da produção de prova, a Recorrente nunca deu ordens, diretivas e instruções, ao referido AA.

29. Na verdade, e conforme resultou da prova produzida, nomeadamente do depoimento do referido AA, este entregava panfletos como, quando e onde queria, sem qualquer subordinação ou ordem.

30. Pelo que, jamais se pode considerar que desde maio de 2023 existia uma relação laboral entre a Recorrente e o Sr. AA.

Nestes termos e nos que Vossas Excelências suprirão, deverá a presente Apelação ser julgada procedente, por provada, e assim revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo. Assim se fará a mais adequada, JUSTIÇA!

2.1.1. Contra-alegou o Ministério Público, apresentando as conclusões seguintes:

“1.º- A prova produzida em audiência de julgamento foi corretamente apreciada e valorada pelo Tribunal, segundo as regras de experiência, não tendo ocorrido nenhum erro de avaliação, designadamente, dos depoimentos prestados pelas testemunhas;

2.º- Quando aos pontos de facto descritos sob as alíneas 7), 8), 9) e 11) da factualidade provada, o Tribunal assentou a sua demonstração no teor do auto junto como doc. 1 à participação a ACT e nos depoimentos das três testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, a saber, as duas inspetoras da ACT que realizaram a ação inspetiva e o prestador da atividade AA;

3.º - Contrariamente ao defendido pela Recorrente, da conjugação desses elementos de prova resultou demonstrado que AA foi admitido e iniciou funções ao serviço da Ré no final de maio de 2023; que exercia as funções sob as ordens e instruções da Ré e em local por ela determinado; e que observava um horário também definido pela Ré;

4.º- Do depoimento prestado por AA não é possível extrair a conclusão no sentido da inexistência de subordinação jurídica, como pretende a Recorrente, mas antes que o mesmo cumpria as funções em obediência a ordens e instruções da Ré;

5.º - Também a decisão sobre matéria de Direito se afigura acertada, tendo o Tribunal feito uma aplicação correta das normas legais, designadamente do disposto nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho;

6.º - Configurando-se esta ação especial (de reconhecimento da existência de contrato de trabalho) como de simples apreciação positiva, não cabe no âmbito da mesma aferir da eventual nulidade do contrato de trabalho;

7.º- Constatando-se a existência de uma relação de trabalho subordinado e não uma mera prestação de serviços, mais não resta ao Tribunal que não seja reconhecer tal vínculo laboral, ainda que, posteriormente, se venha a concluir pela invalidade do contrato de trabalho, designadamente, por falta de algum requisito formal;

8.º- Na situação em apreço, os indícios de laboralidade, nos termos em que os mesmos são previstos, em abstrato, pelo artigo 12.º, n.º 1, als. a) a d), do Código do Trabalho, resultaram demonstrados/verificados em sede de audiência de julgamento e desde o final do mês de maio de 2023;

9.º - Tendo a Ré/Recorrente reconhecido e celebrado contrato de trabalho com o prestador da atividade AA, com data de início fixada em 13-11- 2023, para o exercício das exatas funções que já vinham sendo desempenhadas desde o final de maio de 2023.

No entanto, Vossas Excelências, decidindo, farão, como habitualmente, JUSTIÇA!”

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.


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Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:

II- Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes: (1) matéria de facto: impugnação da matéria de facto e intervenção oficiosa; (2) aplicação do direito: (2.1.) invocada impossibilidade de ser reconhecida a existência de uma relação laboral; (2.2.) aplicação dos critérios legais para a qualificação da relação como laboral.


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III – Fundamentação

A) Fundamentação de facto

O Tribunal recorrido, pronunciando-se sobre a matéria de facto, fez constar o seguinte (transcrição):

1) Foi realizada uma ação inspetiva levada a cabo pela ACT – Centro Local do Grande Porto em 12 de julho de 2023, na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia.

2) Na sequência de tal ação, e considerando a ACT que AA prestava atividade por conta/benefício da Ré em condições correspondentes às do contrato de trabalho, foi levantado auto pela ACT, pelas 11h25 do dia 12/07/2023, tendo a Ré sido notificada na mesma data, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º- A, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14/09, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 63/13, de 27/08, para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do colaborador AA.

3) A Ré não regularizou a situação, pelo que foi levantado o correspondente auto de notícia pela prática de contraordenação laboral muito grave prevista no art.º 12.º, n.º 2 do Código do Trabalho, tendo a ACT remetido a participação dos factos ao Ministério Público, onde deu entrada em 02/10/2023.

4) A Ré tem por objeto social o “Comércio de bebidas alcoólicas e não alcoólicas” – CAE principal 47250-R3.

5) Em 12 de julho de 2023, AA, beneficiário da Segurança Social com o N...50 e contribuinte fiscal com o número ...90, prestava atividade de Panfleteiro (Distribuidor de Panfletos) na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia.

6) Enquanto Panfleteiro, competia a AA desempenhar as seguintes funções/tarefas:

- Interpelar os turistas e outros transeuntes e entregar os panfletos publicitários da Quinta ...; e

- Fornecer aos mesmos turistas e transeuntes todas as informações solicitadas;

7) AA foi admitido pela Ré e iniciou tais funções em finais de maio de 2023, por contrato meramente verbal.

8) Exercendo tais funções sob as ordens, direção e instruções da Ré.

9) Prestando a sua atividade em local determinado pela Ré, no caso, na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia.

10) Para o exercício da sua atividade, utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, nomeadamente, os panfletos que distribui e uma camisola, (polo) azul, com o logotipo da “Quinta ...”, que o mesmo usa.

11) E observa horas de início e termo da atividade determinadas pela Ré, cumprindo o seguinte horário: das 11h00 às 19h00, com uma hora de intervalo para o almoço, seis dias por semana.

12) Como contrapartida da atividade prestada como Panfleteiro, AA recebe da Ré, beneficiária dessa atividade, desde julho de 2023, com periodicidade mensal, a quantia fixa de 900,00€.

13) A Ré celebrou e reconhece a existência de contrato de trabalho que a une a AA desde 13 de novembro de 2023, nos termos constantes do documento junto ao requerimento de 4-12-2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido. “

Consta, por sua vez, como “Factos não provados”:

“Inexistem outros factos provados com relevância para a decisão da causa, designadamente que:

a) A atividade prestada por AA descrita em 5) e 6) iniciou-se em meados de maio.

b) Para além das funções descritas em 6) cabe também a AA conduzir transeuntes e turistas, se assim o entenderem, às instalações da Ré situadas na Rua ..., em Vila Nova de Gaia.

c) AA trabalha exclusivamente em benefício da Ré desde maio de 2023.

d) A Ré nunca deu ordens, diretivas e instruções, a AA.

e) Não programando, organizando ou dirigindo a sua atividade.

f) Nem definindo o modo e/ou forma como o mesmo deveria executar qualquer serviço.

g) AA entregava panfletos como, quando e onde queria, sem qualquer subordinação ou ordem.

h) A Ré não exercia qualquer controlo de assiduidade e/ou pontualidade relativamente ao Sr. AA.

i) A Ré nunca pagou qualquer retribuição fixa e independente do número de entrega de panfletos por AA.

j) A Ré procedeu ao pagamento da retribuição fixa mencionada em 12) em data anterior a julho de 2023.

k) A camisola referida em 10) foi oferecida a AA apenas como um brinde.”


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B) Discussão

1. Matéria de facto

Os poderes atribuídos ao tribunal da relação pelo disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do CPT, para a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto envolvem, para além dos casos em que essa alteração é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, ainda, do mesmo modo, aqueles em que essa intervenção se impõe oficiosamente.

Cumpridos que entendemos terem sido os ónus legais estabelecidos no artigo 640.º do CPC, de seguida procederemos à apreciação do recurso na parte dirigida à impugnação da matéria de facto.

1.1. Apreciação

1.1.1. Ponto 7.º da factualidade provada:

Este ponto tem a redação seguinte:

“7) AA foi admitido pela Ré e iniciou tais funções em finais de maio de 2023, por contrato meramente verbal.”

Defende a Recorrente, o que levou à conclusão 2.ª, que este ponto deve ser considerado não provado, por um lado porque “decorre no facto n.º 12 dado como provado que o Sr. AA só começou a receber da Recorrente uma quantia fixa a partir de julho de 2023”, e, por outro, que “o Sr. AA, quando prestou o seu depoimento, afirmou que no final de maio, quando começou a prestar serviços para a Recorrente, recebia comissões (Depoimento gravado no sistema de gravação integrado do sistema informático "Habilus" com início às 15:38 e termo às 16:08 horas, minutos 05:27 e 11:53)” – socorrendo-nos do corpo das alegações, constata-se que aí faz o que refere serem transcrições desse depoimento.

Por sua vez, defende o Ministério Público, que o recurso deve improceder, evidenciando desde logo o que resulta da motivação da sentença a respeito da formação da convicção, assim o teor do auto elaborado pelas Inspetoras da ACT, em 12-07-2023, aquando da ação inspetiva” “e no depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, no caso, as duas inspetoras da ACT BB e CC e o prestador da atividade AA”, fazendo constar o que se indicia serem transcrições desses depoimentos e localizando ainda nos registos de gravação passagens que indica.

Da motivação constante da sentença fez-se constar (transcrição):

“(…) Os factos provados 5) a 12) resultam da conjugação do vertido no auto cujo original foi junto em sede de audiência ao processo físico, correspondente ao doc. 1 junto à petição inicial, com as declarações prestadas pelas testemunhas inquiridas em juízo.

É certo que as inspetoras inquiridas em juízo não deixaram de transparecer alguma falta de memória concreta quanto ao sucedido no dia da inspeção em causa, remetendo, em grande medida, para o que se encontrava vertido no mencionado auto para justificarem o que sabiam quanto ao ocorrido e ao que foi relatado quanto à relação que unia AA à Ré.

E é também certo que se tal foi mais assumido por parte de BB – admitindo-o expressamente – foi-o menos por CC.

Mas a verdade é que tal circunstância não leva a que tenhamos de ter os seus depoimentos como falsos ou não credíveis. E, muito menos, que tenhamos de ter o que foi vertido no auto aludido e junto ao processo físico como falso.

Antes pelo contrário.

Há que notar que AA não deixou de referir ter percebido o que lhe foi dito no dia da inspeção – como o referiram também as inspetoras inquiridas. Percebendo também o que lhe foi dito em juízo.

Sendo de sublinhar que o que foi então declarado o terá sido sem prévia conversação de AA com legais representantes da Ré ou trabalhadores da mesma.

Ou seja, o vertido em tal auto resultou duma conversação espontânea, não previamente combinada, e, nessa medida, mais credível.

Inexistindo aqui quaisquer razões para acreditarmos em qualquer fundamento para as inspetoras inquiridas verterem no auto acima mencionado informações falsas face ao que lhes foi relatado.

Ou seja, o ali escrito resulta do que lhes foi dito, credível e claramente.

E isto em contraponto, cumpre dizê-lo, com o depoimento de AA em juízo, em que o nervosismo foi notório, assim como o foi, nalguns pontos, a tentativa clara de prestar um depoimento mais favorável à sua (agora assumida) entidade patronal - como sucedeu na menção ao que ocorreria quando faltava, referindo inicialmente que eram descontados montantes à retribuição fixa que passou a auferir desde pelo menos julho de 2023, para depois, e na sequência de claros olhares nervosos em torno da sala, tibiamente referir que nada aconteceria em tais casos (o que não convenceu minimamente o Tribunal, até porque não faz qualquer sentido segundo as regras da experiência determinar uma retribuição fixa e deixar, quem dela beneficia, faltar os dias que quiser sem consequências).

Certo é também que apesar duma posição algo esquiva a tal respeito, não deixou AA a final de referir que era um outro trabalhador da Ré quem lhe dizia onde trabalhar e qual o horário a fazer. Sendo que aludiu também ao uso de vestuário dado pela Ré (que seria uma espécie de farda, e não qualquer brinde) e ao facto dos panfletos lhe serem também cedidos pela Ré, e não fabricados pelo mesmo.

Não resultando do seu discurso – nem de qualquer outra prova produzida, sublinhe-se – qualquer autonomia da sua parte na escolha de como, quando e onde deveria exercer as funções que lhe foram acometidas pela Ré.

Tal como, de resto, resulta do auto já mencionado.

Assim, e sendo certo que este testemunho não deixou de forma contundente, espontânea e convincente de afastar alguns pontos descritos na petição inicial, a verdade é que, em grande medida, não afastou o vertido no auto junto como doc. 1 a tal articulado, convergindo até com o mesmo, nos termos descritos na factualidade elencada – factos 5) a 12).

De notar porém que tal testemunho, pese embora as fragilidades apontadas, não deixou de ter alguns pontos em que foi claro e convincente.

Foi-o ao referir que o início das funções junto da Ré ocorreu apenas em finais de maio (o que não foi também contestado pelas inspetoras, que não sabiam fixar de melhor forma a data de início das funções em causa por AA). Foi-o também, face à espontaneidade de tal resposta, no tocante à alteração do regime da retribuição ao longo dos meses – um inicial com base em comissões, e um posterior de retribuição mensal fixa, nos termos descritos no auto, que não sabe quando terá iniciado, mas pelo menos terá principiado em julho de 2023.

E foi-o ainda ao referir que não conduzia clientes às instalações da Ré – nem tal é na verdade indicado no auto supra mencionado – sendo que tais funções caberiam a um seu colega. (…)”

Apreciando, desde já diremos que os argumentos apresentados pela Recorrente não logram obter o efeito que a mesma pretende.

Desde logo, pois que sequer teve em devida consideração, na impugnação que faz, toda a prova produzida que, como resulta da transcrição antes feita, foi considerada pelo Tribunal recorrido, quando, como o temos entendido, na impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento se torna necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal recorrido quando se imporia o tivessem sido, ou que o fossem meios de prova que o não deveriam ter sido (por haver designadamente eventual proibição legal), ou, ainda, sendo esse o caso, que se apresentem argumentos tendentes a colocar em causa a avaliação da prova que foi feita pelo tribunal da prova, evidenciando designadamente deficiências ou incongruências de raciocínio que conduziram a conclusões erradas, ou, ainda, porventura, assinalando a insuficiência dos elementos que foram considerados para as conclusões que foram retiradas.

Daí que importe desde logo ter presente, por apelo a Lebre de Freitas[1], que “o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova”[2], sendo que, na sua aplicação ao caso, não encontramos afinal razões para considerarmos que a decisão recorrida não motivou e analisou, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida, não padecendo de desconformidade com os elementos probatórios disponíveis, tanto mais que não resulta sequer infirmada tal decisão, na alegação da Recorrente. 

É que, tendo por base o regime legal aplicável, há que ter também presente que a reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal da relação, tendo de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[3] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida em 1.ª instância, exigindo antes da parte processual, que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos – sem limitar, porém, o segundo grau, ou seja o tribunal de recurso, de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção (não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[4]). Ou seja, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um efetivo ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, justificam o seu entendimento de que o resultado deveria ser diverso do decidido pelo tribunal recorrido.

Não obstante o que referimos anteriormente, sempre esclareceremos, a respeito dos argumentos apresentados pela Recorrente, o seguinte: quanto ao primeiro, assim baseado no que resulta do ponto 12.º da factualidade provada, que este diz respeito a facto diverso daquele que agora analisamos, pois que uma coisa é o facto relacionado com o momento em que AA começou a receber da Recorrente uma quantia fixa (dizendo-se aí a partir de julho de 2023) e outro, diverso, o momento a partir do qual esse iniciou a prestação da atividade, sendo que é a este último facto que se reporta o ponto 7.º aqui impugnado; sobre o segundo argumento, assim aquele que se pretende basear nas declarações que por aquele foram prestadas – cujo registo de gravação ouvimos, desde logo as passagens assinaladas, mas não só –, para além de não ter tido em consideração a demais prova que expressamente foi mencionado pelo Tribunal para fundamentar a sua convicção, o que se constata é que a Recorrente vem invocar circunstâncias que não interferem, afinal, com o que se fez constar do analisado ponto 7.º  – na verdade, salvo o devido respeito, não será da circunstância de o mesmo ter referido que quando começou a prestar serviços para a Recorrente recebia comissões que resulta qualquer infirmação do que consta do ponto em análise, ou seja, desde quando foi prestada a atividade.

Apesar do que referimos anteriormente, visto o conteúdo do ponto que se reanalisa, entendemos que se justifica a nossa intervenção oficiosa, assim no sentido de se excluírem as expressões “foi admitido” e “contrato”, pois que, podendo essas ser conotadas com a admissão ao serviço no âmbito de um contrato de trabalho, estando em discussão na ação precisamente saber se a relação tem ou não essa natureza, devem evitar-se tais expressões.

 Como o temos afirmado em outros arestos, mesmo em sede de recurso, no âmbito dos poderes do tribunal da relação, no que diz respeito à apreciação da matéria de facto, acentuados com a Reforma de 2013 do CPC (artigo 662.º), não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[5] –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014[6], que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual. Sobre a mesma questão podem ver-se também, de entre outros, sempre do Supremo Tribunal de Justiça, para além dos proferidos em 29 de Abril de 2015 e 28 de Janeiro de 2016, o Acórdão de 15 de setembro de 2016[7], em que se reafirma que, “pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas “como não escritas”, actualmente o Juiz não fica dispensado de efectuar “o cruzamento entre a matéria de facto e de direito”, evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.” Isso não obstante, como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017[8], por apelo ao Acórdão do mesmo Tribunal de 28 de maio de 2015[9], a inserção na matéria de facto, de conceitos que podem ser tidos como de direito poder já ser irrelevante, não determina nesses casos que se tenham os mesmos por não escritos, “se os mesmos forem factualizados e usualmente utilizados na linguagem comum, possuindo um sentido apreensível”.

Em face do exposto, improcedendo o recurso nesta parte, altera-se, porém, a redação do ponto em apreciação, o qual passará a ter a redação seguinte:

 “7) AA iniciou tais funções, no seguimento de acordo verbal com a Ré, em finais de maio de 2023”

1.1.2. Ponto 8.º da factualidade provada:

Este ponto tem a redação seguinte:

“8) Exercendo tais funções sob as ordens, direção e instruções da Ré.”

Defende a Recorrente que este ponto deve ser dado também como não provado, porquanto, diz, AA afirmou durante o seu depoimento que a Recorrente não lhe dava ordens – depoimento gravado no sistema de gravação integrado do sistema informático "Habilus" com início às 15:38 e termo às 16:08 horas, minutos 19:15 (transcrevendo no corpo das alegações, com a respetiva localização, o que se percebe serem passagens desse depoimento.

Defendendo o Ministério Público o julgado, cumprindo-se apreciar, valem aqui, mais uma vez, e aliás de modo mais manifesto, as considerações que fizemos anteriormente a propósito da utilização de expressões genéricas / conclusivas ou valorativas, que, na presente ação, assumem especial relevância, em particular quando, ligadas ao exercício das funções, se utilizam as expressões “sob as ordens” e “direção” da Ré.

É que, no caso, por um lado, não se concretiza sequer em termos factuais, mesmo que de forma mínima, o que integraria então esses conceitos, ou seja quais os atos concretos que poderiam ser (através de um juízo já valorativo) qualificados como “ordens” e ou “direção”, sendo que, assumindo-se essas expressões, por si sós, como meros juízos conclusivos e valorativos, incluindo normativos, mesmo admitindo que em tese pudessem ser utilizadas, exigir-se-ia, pelo menos, fator que assume mais uma vez relevância, que tivessem sido concretizadas factualmente. Dito de outro modo, salvo o devido respeito, sempre se imporia aquela alegação minimamente concretizada e sua posterior prova, ou seja, impunha-se que tais conceitos estivessem devidamente fundados em factos concretos, até para que se pudesse, a ser esse o caso, aferir se poderiam integrar-se na categoria de “juízos de facto”, cuja utilização neste âmbito, como dissemos já, pressupõe que estejam concretizados na factualidade provada, o que neste caso não ocorre, sendo assim caso para perguntar, já que sequer o Tribunal a quo o explica, o que se consubstancia afinal como “ordem”, “direção” ou “instrução” (ou seja quais o factos concretos que como tal se poderiam qualificar).

Assim o dizemos na consideração, ainda, como fator também decisivo, que o uso de tais expressões, aceitando-se que o pudessem ser desacompanhadas de qualquer concretização (o que entendemos não ser o caso), acabaria por poder assumir particular relevância, para não dizer em muitos casos mesmo decisiva, nos destinos da ação ao nível da aplicação do direito, em que, como no caso, esteja em causa apurar se estamos perante uma relação de natureza laboral[10][11]. Deste modo, nos termos antes mencionados, não devem tais expressões, num caso como o que aqui se discute, ter assento em sede factual[12] – a mera utilização das referidas expressões, em si mesmas, como que pode resolver uma questão jurídica fundamental em que assenta a qualificação jurídica do contrato, a qual é objeto da ação, assim a de saber se existe no caso subordinação jurídica na execução do contrato, caraterística do contrato de trabalho, pois que essa subordinação assenta nomeadamente na circunstância de o prestador da atividade estar “necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem”.

Nestes termos, mas por intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação, o ponto analisado passa a ter a redação seguinte:

“8) Exercendo tais funções por decorrência de instruções da Ré.”

1.1.3. Ponto 9.º, da factualidade provada:

“9) Prestando a sua atividade em local determinado pela Ré, no caso, na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia.”

Defende a Recorrente, mais uma vez indicando apenas o que diz resultar do depoimento de AA, que este ponto deve ser dado como não provado – referindo que aquele, no seu depoimento, podia ter distribuído panfletos em outro lugar que não na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia, caso assim entendesse, afirmando perentoriamente que não o fez por decisão sua (“Depoimento gravado no sistema de gravação integrado do sistema informático "Habilus" com início às 15:38 e termo às 16:08 horas, minutos 20:30 e minutos 21:05”).

Pugnado mais uma vez o Ministério Público pela adequação do julgado, na pronúncia que nos é devida, relembrando toda a motivação avançada pelo Tribunal recorrido, que já antes se citou, bem como os meios de prova que aí expressamente mencionou, justificando ainda as razões por que atendeu / valorou ou não determinada prova (incluindo o que teria sido ou não referido, incluindo a propósito do depoimento a que alude a Recorrente no presente recurso – ou seja, analisando criticamente toda essa prova para justificar a decisão a que chegou –, claramente que valem também aqui todas as considerações que fizemos anteriormente, quer a respeito do princípio da livre apreciação da prova, quer ainda sobre a clara falta de cumprimento, pela Recorrente, do ónus que sobre si impendia de evidenciar, minimamente que fosse, tendo por base a decisão recorrida, quais seriam as deficiências ou incongruências de raciocínio de que essa padecesse / demonstrando a existência dessas na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos.

Assim o dizemos tanto mais que, com facilmente se extrai da motivação que antes transcrevemos, em que claramente foi indicada e conjugada toda a prova produzida (e não, pois, apenas o depoimento em que a Recorrente se pretende basear), não encontramos razões, até porque a Recorrente o não demonstra, para considerarmos que a convicção firmada pelo Tribunal recorrido não encontra naquela motivação e prova adequado suporte e, pois, que devesse ser substituída essa convicção por aquela que a mesma Recorrente defende. Diversamente, na consideração de todo esse manancial de prova que foi produzido e atendido, a convicção a que se chega não diverge daquela que foi firmada por aquele Tribunal. De resto, mesmo que apenas fosse considerado o depoimento que indica, desse resulta, assim o entendemos, não o sentido que a Recorrente indica e sim, noutros termos, elementos que dão suporte à convicção firmada em 1.ª instância, assim, por referência ao registo de gravação, minutos 20 a 22 (apenas refere, a pergunta que lhe foi feita sobre se podia escolher o sítio para entregar os panfletos, sendo evidente alguma hesitação, suponho que sim, mas referindo de seguida que sempre entreguei ali… que era ali o seu trabalho… que a empresa disse mais ou menos para essa zona…).

Por decorrência do exposto, resta-nos concluir pela improcedência do recurso também nesta parte.

1.1.4. Ponto 11.º da factualidade provada:

“11) E observa horas de início e termo da atividade determinadas pela Ré, cumprindo o seguinte horário: das 11h00 às 19h00, com uma hora de intervalo para o almoço, seis dias por semana.”

Defende a Recorrente, mais uma vez indicando o que diz resultar do depoimento de AA, que este facto (nas conclusões refere 9.º, mas é evidente que se trata de lapso, por resultar que se reporta ao ponto 11.º) deve ser dado como não provado, dizendo que desse resulta que o mesmo não tinha de obedecer a um horário de trabalho das 11h00 às 19h00 e que não prestava a sua atividade cerca de 6 dias por semana, mas somente 5 dias por semana.

Apreciando, de novo com a natural salvaguarda do respeito devido, entendemos que valem plenamente aqui também as considerações que fizemos anteriormente a respeito de não atender a Recorrente a toda a prova que foi produzida e considerada na motivação da matéria de facto pelo Tribunal, a que acresce, também mais uma vez, com exceção da questão dos dias em que era prestada a atividade, que do depoimento prestado por AA resulta afinal suporte para a convicção que se fez constar da motivação antes transcrita, tanto mais que, como mais uma vez é salientado nessa motivação, outra prova a essa convicção deu suporte, como bem se refere nas contra-alegações, assim designadamente os depoimentos prestados por em particular por BB e CC e mais exatamente por esta última, pois que, tendo sido ela a falar diretamente com AA no dia da inspeção, disse expressamente que os elementos que se fizeram constar foram-no com base nas declarações que aquele então prestou, referindo ainda que explicaram (e que o mesmo disse perceber) o que se fez constar antes desse assinar – assim minutos 4 a 8 e 11/12 do registo de gravação, em que refere que: os elementos tiveram por base nas declarações dos trabalhadores; que foi ela quem tomou declarações àquele, que tomou nota dessas declarações e que o transmitiu à colega; que explicou a AA e ele assinou; confrontada com o documento, disse que foi ela que o preencheu e que aquele o leu e que confirmou o seu conteúdo; que o mesmo percebia o que estava a dizer (neste caso a minutos 8); foi lido antes de o trabalhador assinar (minutos 11/12).

De resto, o que se referiu anteriormente a respeito da necessária consideração de toda a prova, incide também sobre a questão dos dias da semana em que teria sido prestada a atividade, pois que, constatando-se que efetivamente AA referiu em determinada altura do seu depoimento que seriam cinco como o invoca a Recorrente, no entanto, diga-se, por um lado, deteta-se naquele depoimento evidente hesitação em algumas das respostas às perguntas que foram formuladas, como aliás o assinalou o Tribunal recorrido, percebendo-se assim as reservas que esse Tribunal fez constar da motivação a tal respeito, a que acresce, por outro lado, que outra prova foi produzida e que deve ser considerada, assim, nomeadamente, os depoimentos de BB e CC / inspetoras, a que antes já em particular a última, que, como também já o dissemos, foi quem no dia da ação inspetiva tomou declarações a AA, tomando notas dessas declarações e que referiu que foi com base nessas que preencheu o documento, junto aos autos, que foi depois assinado pelo mesmo (passagens a que antes nos referimos).

Neste contexto, valem também aqui todas as considerações que fizemos anteriormente a respeito do princípio da livre apreciação da prova e da também evidente falta de cumprimento, pela Recorrente, do ónus que sobre si impendia de evidenciar, minimamente que fosse, tendo por base a decisão recorrida, quais seriam as deficiências ou incongruências de raciocínio de que essa decisão padecesse, não demonstrando, afinal, que essas ocorressem no caso em face da apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, todos eles, pois. De resto, acrescente-se, na consideração de todo o manancial de prova que foi efetivamente produzido e atendido, não encontramos razões para considerarmos que a nossa convicção possa divergir daquela que foi firmada pelo Tribunal de 1.ª instância.

Por decorrência do exposto, improcede também o recurso nesta parte.

1.2. Intervenção oficiosa:

Um dos argumentos avançados pela Recorrente no presente recurso no âmbito da aplicação do direito baseia-se na invocação de que, como na sentença se admite, AA é estrangeiro e não era portador de visto ou autorização de residência ou permanência em território português à data da inspeção.

Pois bem, não obstante os factos em que a Recorrente baseia este argumento não terem sido levados à pronúncia sobre a matéria de facto constante da sentença – o que na nossa ótica, ao terem sido alegados, aconselharia que o tivesse sido –, como ainda, diga-se, que sequer o recurso na parte dirigida à impugnação da matéria de facto os incluiu – o que, mais uma vez, entendemos que imporia a melhor técnica processual –, ainda assim, porque é o próprio Tribunal recorrido que na sua pronúncia constante da sentença admite expressamente que se retira “da prova documental junta que AA é estrangeiro e não era portador de visto ou autorização de residência ou permanência em território português à data da inspeção em causa nos autos”, oficiosamente determinamos o aditamento desse facto à matéria de facto.

Deste modo, oficiosamente, adita-se à factualidade provada um novo ponto com a redação seguinte:

“2.1) AA é estrangeiro e não era portador de visto ou autorização de residência ou permanência em território português à data da inspeção.”

1.3. Consolidação factual

Por decorrência do anteriormente decidido a base factual a atender, para dizermos de direito, é aquela que foi considerada na sentença, com as alterações a que antes procedemos quanto aos pontos 7.º e 8.º (cuja redação passou a ser a seguinte: “7) AA iniciou tais funções, no seguimento de acordo verbal com a Ré, em finais de maio de 2023”; “8) Exercendo tais funções por decorrência de instruções da Ré.”) e com aditamento de um novo ponto (“2.1) AA é estrangeiro e não era portador de visto ou autorização de residência ou permanência em território português à data da inspeção.”).

2. O Direito do caso

2.1 Introito

Nas conclusões que formulou invoca a Apelante, para ver afastado o julgado, no essencial com dois argumentos, que poderemos sintetizar nos termos seguintes:

Um primeiro argumento, no sentido de que, porque AA é estrangeiro e não era portador de visto ou autorização de residência ou permanência em território português à data da inspeção como na sentença se admite, então, diz, exigindo-se para a celebração do contrato de trabalho a referência ao visto de trabalho ou ao título de autorização de residência ou permanência do trabalhador em território português, conforme decorre do artigo 5.º do Código do Trabalho (CT), não é no caso legalmente admissível a celebração de um contrato de trabalho (naquelas condições, tal circunstância seria causa de invalidade do mesmo, par além de que, acrescenta, nos termos do disposto no número 7 do artigo 5º do CT, a celebração de contrato de trabalho sem a referência ao visto ou autorização de residência, constitui contraordenação grave) e por essa razão era e é também legalmente inadmissível o reconhecimento de um contrato de trabalho, que à luz da lei não é admissível.

Depois, num segundo argumento, argumenta que, sem prescindir, procedendo a impugnação da matéria de facto, também não se pode concordar com o Tribunal a quo quanto, no caso em apreço, considerou que se encontram preenchidos alguns requisitos que implicam a aplicação da presunção de laboralidade, pois que, diz: - o Sr. AA não exercia qualquer atividade subordinada para a Recorrente desde finais de maio de 2023, mas, quanto muito, apenas desde julho de 2023; ainda que o Sr. AA utilizasse um polo e distribuísse panfletos que foram disponibilizados pela Recorrente, tal não era e é suficiente para se concluir pela existência de um contrato de trabalho (estamos a falar de elementos que têm, sobretudo, um intuito publicitário: publicitar o estabelecimento da Recorrente); resultou do depoimento do próprio AA, prestado em sede de audiência de discussão e julgamento, que o mesmo não estava obrigado a cumprir um horário definido, e muito menos com horas de início e de termo previamente determinadas pela Recorrente, deixando claro que não tinha de observar horas para início da prestação e ainda que não havia qualquer consequência caso não começasse a distribuir panfletos, por exemplo, pelas 11h00; conforme resultou da produção de prova, nunca deu ordens, diretivas e instruções, ao referido AA; conforme resultou da prova produzida, nomeadamente do depoimento do referido AA, este entregava panfletos como, quando e onde queria, sem qualquer subordinação ou ordem, pelo que jamais se pode considerar que desde maio de 2023 existia uma relação laboral entre a Recorrente e o Sr. AA.

Conclui, na procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida.

Nas contra-alegações, para sustentar a adequação do julgado, defende o Ministério Público, por sua vez, que, verificando-se que no caso se encontram preenchidos os indícios de laboralidade nos termos em que os mesmos são previstos, em abstrato (pelo artigo 12.º, n.º 1, als. a) a d), do Código do Trabalho), configurando-se esta ação especial (de reconhecimento da existência de contrato de trabalho) como de simples apreciação positiva, não cabe no seu âmbito aferir da eventual nulidade do contrato de trabalho – constatando-se a existência de uma relação de trabalho subordinado e não uma mera prestação de serviços, mais não resta ao Tribunal que não seja reconhecer tal vínculo laboral, ainda que, posteriormente, se venha a concluir pela invalidade do contrato de trabalho, designadamente, por falta de algum requisito formal.

Pela ordem que nos são colocadas, procederemos de seguida à expressa apreciação das questões que nos são colocadas.


2.1. Da invocada impossibilidade de ser reconhecida a existência de uma relação laboral.

Apreciando tal questão, fez-se constar da sentença recorrida (transcrição):

«(…) Como bem reconhece também a Ré, a presente ação especial acaba por se reconduzir efetivamente a uma ação de simples apreciação positiva: apreciação da existência ou não, dum contrato de trabalho, ou seja, duma relação jurídica laboral entre duas partes.

Discute-se, na presente ação, tão somente isso, estando vedado ao Tribunal apreciar quaisquer outras questões que não essa.

 Como bem se vê do alegado pela Ré, o que a mesma pretende nos pontos 3º a 19º da contestação é uma pronúncia pelo Tribunal quanto à invalidade do alegado contrato de trabalho existente, defendendo que, acaso se considere a existência duma relação laboral, o contrato que a consubstancia deverá ser considerado nulo em face do disposto no art. 5º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho, o que determinará a improcedência da presente ação.  Mas há que distinguir a existência do vínculo laboral, da validade do mesmo.  Até porque, e sendo executado o contrato, a validade não tem efeitos que se reportem ao início da existência de tal contrato, mas apenas gera efeitos após a declaração de nulidade, como resulta de forma clara do disposto no art. 122º do Código do Trabalho.

 Certo é no entanto que a declaração de validade/invalidade dum contrato de trabalho, seja enquanto atividade jurisdicional resultante dum pedido, seja em consequência duma exceção invocada em sede de defesa, é algo que não cabe no âmbito desta forma processual especial, que se limita à apreciação da existência/não existência dum contrato de trabalho (ainda que o mesmo possa ser considerado nulo, mas, a sê-lo, tal terá de ser declarado ou extrajudicialmente, ou judicialmente em meio processual próprio para o efeito, que não é o presente).

 Neste sentido, e para além da jurisprudência citada pelo Ministério Público, seguimos também o decidido no Ac. do STJ, Proc. 17082/17.9T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, ao referir que “a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º

186.º-O do Código de Processo do Trabalho” sendo que apenas “caso a ação venha a ser julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, é que será oportuno discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como por exemplo a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador” (discussão essa que terá, necessariamente, de ser realizada no âmbito de outro processo).

 A exceção invocada pela Ré nos pontos 3º a 19º da sua contestação não pode assim proceder, pelo que, ainda que se retire da prova documental junta que AA é estrangeiro e não era portador de visto ou autorização de residência ou permanência em território português à data da inspeção em causa nos autos, ainda assim não se impõe a este Tribunal pronunciar-se quanto à validade ou não de qualquer contrato de trabalho que venha a ter de declarar-se como existente, por tal extravasar o objeto processual dos presentes autos.

Nestes termos, declaro a exceção agora em análise improcedente. (…)»

Pois bem, cumprindo-nos pronúncia, desde já diremos que acompanhamos a citada fundamentação, bem como o sentido decisório que alcançou, o qual, esclareça-se, é conforme ao entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado para situações análogas à que aqui apreciamos – para além do Acórdão que aí se cita, vejam-se os Acórdãos desse Tribunal, todos de 4 de abril de 2018, respetivamente: processo n.º 17596/17.0T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso; processo n.º 2635/17.3T8VFX.L1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco; processo n.º 18308/17.4T8LSB.L1.S1 Relator Conselheiro Chambel Mourisco[13].

Apesar da sentença dar adequada resposta à questão apreciada, permitimo-nos citar de seguida o que se escreveu no Acórdão STJ proferido no processo n.º 17596/17.0T8LSB.L1.S1, nos termos que se seguem:

«(…) Esta secção teve já oportunidade de tomar posição sobre questão idêntica à dos autos nos acórdãos de 8.03.2018, processo 17459/17.0T8LSB.L1.S1, de 1.03.2018, processo 17240/17.6T8LSB.L1.S1 e de 21.03.2018, processo 20416/17.2T8LSB.L1.S1, relatados pelo aqui segundo adjunto.

Consignou-se no referido acórdão de 21.03.2018: (…)

Trata-se de uma ação com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8, do art.º 186.º-O, do diploma citado.

Se a ação for julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, está, então, aberto o caminho para se poder, eventualmente, discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como por exemplo a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador.

A discussão de todas estas questões só poderá ter lugar a jusante da primeira etapa, que é a qualificação do vínculo.

No caso concreto dos autos, como bem se referiu no acórdão recorrido, há que, antes de mais, apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral.

A discussão atinente à validade do contrato, que determinou a decisão do Tribunal da 1.ª Instância, bem como a alegada impossibilidade de a empregadora poder proceder à regularização da situação da trabalhadora, só poderá, eventualmente, ter lugar em momento posterior.

O mesmo se diga quanto às consequências da eventual nulidade do contrato, que só faz sentido serem discutidas caso se chegue à conclusão de que estamos perante uma relação laboral.

Nesta linha, bem andou o Tribunal da Relação ao revogar a sentença recorrida na parte em que determinou a procedência da exceção perentória da nulidade da contratação e que absolveu a ré do pedido, e determinou a sua substituição por despacho que ordene o prosseguimento da ação, designando-se dia para a audiência de julgamento.”

O caso concreto dos presentes autos é idêntico aos já decididos pelo que não se vislumbram razões para alterar a orientação adotada.

Também não se vislumbra, ao contrário do que defende a recorrente, que a interpretação feita no acórdão recorrido seja contrária ao artigo 202.° da Constituição da República Portuguesa, pois, no seu entender, tal interpretação em nada contribui para a justa composição do litígio e agrava a posição do interessado, retirando-lhe a possibilidade de regularizar a sua situação.

Como já se referiu estamos perante uma ação de cariz publicista, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, clarificando assim uma situação indefinida com vista a abrir caminho para a eventual discussão de uma séries de questões emergentes dessa situação.

Esta faceta da ação especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho insere-se plenamente na função jurisdicional dos tribunais, definida constitucionalmente, visando a tutela dos direitos dos cidadãos.»

Concordamos e subscrevemos estas considerações. (…)»

Porque acompanhamos o entendimento antes afirmado, resta-nos concluir, sem necessidade de outras considerações, pela improcedência do recurso quanto à analisada questão.


2.2. Dos critérios legais para a qualificação da relação como laboral

Importando, por último, que nos pronunciemos sobre esta questão, importa desde já esclarecer que, tal como aliás a Recorrente o refere, a sua procedência dependeria da procedência do recurso na parte dirigida à impugnação da matéria de facto, sendo que, nos termos da nossa pronúncia anterior nesse âmbito, não obstante as alterações a que procedemos nomeadamente de modo oficioso, estas não assumem relevância em termos de darem qualquer suporte à posição que a Recorrente assume no presente recurso, como veremos de seguida.

Desde logo, face à factualidade provada, não se nos colocam dúvidas quanto ao ser aplicável, como o foi na sentença recorrida, o regime que resulta do artigo 12.º do Código de Trabalho vigente (CT/2009), pois que, tal como tem sido repetidamente dito pela Jurisprudência, a lei aplicável, para efeitos da qualificação do contrato, é a que vigorava à data do início da relação entre as partes, salvo alteração ocorrida nessa relação em momento posterior[14].

Porque esta Secção do Tribunal da Relação já se pronunciou diversas vezes sobre o regime que resulta desse normativo, socorremo-nos do que se afirmou no Acórdão de 23 de setembro de 2019[15], cujas considerações se mantêm atuais[16], nos termos seguintes:

O CT/2009, assim o seu artigo 11.º, define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.[17][18]

Como é em geral reconhecido, são elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, de acordo com a norma legal, a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica.

Neste âmbito, sabendo-se que incumbe sobre quem pretenda ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime que decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil (CC), o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento desses elementos constitutivos do contrato[19], o legislador, à semelhança de outros casos em que previu também a existência de presunções[20], estabeleceu, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, assim atualmente no artigo 12.º do CT/2009, do que resulta, tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito) – ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto –, que quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de poder ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum.

Quis assim o legislador, até por reconhecer que a realidade nos demonstra que muitas vezes sob a capa de outras figuras contratuais se escondem verdadeiros contratos de trabalho, estabelecer no n.º 1 do artigo 12.º do CT/2009, facilitando a tarefa interpretativa, que deve presumir-se “a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)”.

Como tem sido repetidamente afirmado, seja na Doutrina seja na Jurisprudência, a existência ou não de subordinação jurídica do prestador da atividade assume-se como fator determinante no contrato de trabalho. Recorrendo aos ensinamentos de Monteiro Fernandes[21], diremos também que “no elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa (…). Acrescem, elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. (…). Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética de tessitura jurídica da situação concreta. Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.”

Pronunciando-se sobre a aplicação do regime que resulta do citado artigo 12.º, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de outubro de 2017[22] o seguinte:

“(…) Tratando-se dum regime legal insatisfatório para o trabalhador, o Código do Trabalho de 2009, em vigor desde 17/2/2009, veio alterá-lo de forma substancial, conforme se colhe do seu artigo 12.º, que sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, estabelece que: (…)

Assim, a lei não exige agora a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles, referência que tem sido entendida como exigindo a ocorrência mínima de duas destas circunstâncias.

E da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário, a lei faz decorrer um efeito jurídico específico - a existência dum contrato de trabalho, ou seja, de uma relação de trabalho subordinado entre as partes envolvidas naquela prestação de actividade.

Por isso, e tratando-se de uma presunção legal, tal como refere VAZ SERRA, “se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto” [[23]].

De qualquer maneira, tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.

Assim, cabendo-lhe este onus probandi, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.

Podemos assim concluir que o actual regime do artigo 12º do CT/2009, representa uma verdadeira vantagem para o trabalhador, pois e conforme refere JOÃO LEAL AMADO, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»[[24]].”

Resulta assim do artigo 12.º do CT/2009, que aqui se analisa, que se presume que as partes celebraram um contrato de trabalho desde que preenchidas, pelo menos, duas das cinco alíneas aí previstas, prova essa cujo ónus impende como se disse sobre o autor para fazer operar a presunção, sendo que, se o fizer, impenderá então sobre a outra parte o ónus de provar que, apesar disso, não estamos perante um contrato de trabalho.

O que regime que acabou de referir-se, no que se refere às situações em que esteja em causa a verificação sobre se o contrato deve ser qualificado como de trabalho ou diversamente de prestação de serviços, foi também sintetizado no Acórdão desta Relação e Secção de 19 de Maio de 2014[25], referindo-se que, “em face da já aludida dificuldade de prova de elementos que distingam um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviço, pois que o elemento distintivo fundamental exige uma avaliação cuidada do modo como o contrato é executado e é prestada a actividade (com, autonomia ou sob os poderes de direcção e disciplina do beneficiário da actividade), cremos que a tarefa do réu passa pela alegação e prova de factos que constituam um indício relevante e consistente da autonomia do trabalhador face ao beneficiário da actividade no desenvolvimento da sua actividade ao longo da execução contratual”, sendo que, “na apreciação a efectuar, como já dito, mantém-se a exigência de o julgador interpretar a globalidade da factualidade apurada na operação de qualificação, embora com uma diferente perspectiva quanto ao ónus da prova pois que se trata, afinal, de verificar se se mostra elidida a presunção de laboralidade.(...)”

Partindo assim do enquadramento antes delineado, que de resto não diverge do que foi considerado na sentença recorrida, permite-nos então, na sua aplicação ao caso, dizer que a questão passará por saber, desde logo, como é pressuposto, se no caso o Ministério Público logrou fazer a prova a verificação de pelo menos duas das alíneas do supra citado n.º 1 do artigo 12.º do CT – pois que se assim não for, não operando então a presunção aí prevista, terá de demonstrar todos os factos de que dependa a qualificação do contrato como de trabalho.

O Tribunal a quo, na sentença recorrida, respondeu positivamente a tal questão, nos termos seguintes:

“(...) No caso vertente, estão verificadas as seguintes presunções de laboralidade:

- a atividade desempenhada por AA foi realizada desde o final de maio de 2023 em local determinado pela Ré;

- os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados (polo e panfletos distribuídos) eram propriedade da Ré, o que ocorreu também desde final de maio de 2023;

- também desde final de maio de 2023, a observância de um horário de trabalho com horas de início e de termo da prestação, determinado pela Ré;

- pagamento, com periodicidade mensal, duma quantia certa como contrapartida da atividade desenvolvida, ainda que apenas desde julho de 2023;

Ou seja, está comprovada a ocorrência de pelo menos três factos índice desde maio de 2023, com o aparecimento dum quarto em julho de 2023 (o da retribuição mensal e fixa), o que determina a presunção legal de existência dum contrato de trabalho.

Para afastar esta presunção “era necessário que estivessem demonstrados factos que permitissem concluir com segurança estar-se perante uma situação de trabalho autónomo do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho, mormente, a inexistência de subordinação jurídica” – conforme Ac. da Relação do Porto, Proc. 6214/16.4T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.

No caso, não só não há prova da existência de um contrato de prestação de serviços, como existem factos provados que permitem concluir com segurança pela existência de subordinação jurídica, traduzida no poder de direção que a lei confere à entidade empregadora (artigo 97.º do Código do Trabalho) e correspondendo-lhe um dever de obediência por parte do trabalhador (artigo 128.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2, do Código do Trabalho).

Sendo certo face ao comprovado que desde finais de maio de 2023, AA estava sujeito à autoridade e direção da Ré, verificando-se uma relação de dependência da conduta daquele trabalhador na execução da prestação laboral em relação às ordens ou orientações determinadas pela empregadora, a Ré, pelo que a relação contratual estabelecida.

Nada da factualidade provada aponta no sentido de AA exercer a sua atividade de forma autónoma, escolhendo o local, horário e dias em que trabalhava de forma absolutamente livre, nem que a Ré estivesse apenas interessada no resultado da sua atividade, como sucederia se estivesse em causa uma verdadeira relação de prestação de serviço.

O que resulta dos factos provados é a existência de ordens e instruções definidas para a prestação da atividade, (entrega dos panfletos em determinado local e num determinado horário, em que deveria também ter a atividade de prestar informações) sujeitas a controle por parte da Ré, sendo a atividade levada a cabo com instrumentos de trabalho da Ré, não visando essa contratação um resultado, tanto mais que desde julho de 2023 o referido AA passou a receber uma retribuição mensal certa, independentemente de entregar zero ou milhares de panfletos, ou prestar zero ou milhares de informações (não sendo a não prova da existência de remuneração fixa em data anterior fundamento suficiente para afastar a presunção decorrente do art. 12º, n.º 1 fundada nas outras hipóteses preenchidas, não se afastando a existência da referida subordinação jurídica desde maio de 2023).

Face ao exposto é possível concluir pela celebração dum contrato de trabalho entre Ré e AA em finais de maio de 2023.

Não se comprovando uma data concreta de tal celebração do acordo verbal que conduziu à instituição da relação laboral, para além de tal menção genérica de que terá ocorrido em finais de maio, e sendo o ónus de prova de tal data concreta de início da relação laboral do Autor, temos de ter como celebrado o contrato apenas 31 de maio de 2023 – pois não se cumpriu o ónus probatório de celebração de tal acordo em data anterior.

No entanto, sempre se impõe o reconhecimento da existência de tal relação laboral desde então (prosseguindo ainda hoje, agora com o contrato de trabalho reconhecido pela própria Ré a 13 de novembro de 2023), não podendo nem devendo aqui declarar-se qualquer invalidade de tal contrato, pelos fundamentos já expostos supra.”

E bem, diga-se.

É que, vista a citada fundamentação, sem dúvida que os factos provados, já após a nossa intervenção em sede recursiva, fazem sem dúvidas operar a presunção de laborabilidade a que aludimos anteriormente, assim, designadamente, sem dúvidas o preenchimento das alíneas a), b) e c), mas ainda, diga-se, mesmo a sua alínea d) - quanto a esta, sendo verdade que só a partir de julho o preenchimento é indesmentível, porém, mesmo antes, porque a atividade já ocorria, não se nos afigura que tal assuma efetiva relevância.

Opera, pois, no caso a presunção de laboralidade que antes se analisou, do que decorre que competiria à Ré / aqui Recorrente o ónus de provar que, apesar disso, não estamos perante um contrato de trabalho – demonstrando que, a despeito de se verificarem as circunstâncias em causa, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.

Ora, concluindo a sentença recorrida que não foi o caso, essa conclusão não nos merece censura.

E não nos merece censura pois que a Ré não logrou provar quaisquer factos, quando o ónus sobre si impendia, que nos permitissem concluir que, no caso, a relação não poderia ser tida enquanto de natureza laboral.

É que, como antes o dissemos, importando fazer uso do critério da verificação da existência ou não de subordinação jurídica no exercício da atividade – critério que é precisamente utilizado perante a existência de dificuldade de prova de elementos que distingam os contratos de trabalho e de prestação de serviços –, não logrou a Ré provar, desde logo, quaisquer factos que evidenciassem, como seria pressuposto, que na relação em análise existisse nomeadamente qualquer tipo de autonomia por parte do prestador da atividade, dado o modo como a prestava (a factualidade provada não aponta no sentido de que o exercício da atividade apresente um grau de autonomia que se apresente como incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado), ou seja, quaisquer factos que permitissem dizer que, no caso, não se verificava o pressuposto da subordinação, que está inerente à relação laboral – socorrendo-nos mais uma vez dos ensinamentos de Monteiro Fernandes[26], importaria ter presente que, “no elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa (…). Acrescem, elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. (…). Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética de tessitura jurídica da situação concreta. Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.”

E, sendo assim, claudicando os argumentos da Recorrente também quanto a esta questão, improcede também o recurso nesta parte.

Por decaimento, a responsabilidade pelas custas impende sobre a Recorrente (artigo 527.º do CPC).


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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:

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IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, alterando-se a factualidade nos termos constantes do ponto “1.3.”, em declarar improcedente o recurso, confirmando, por decorrência, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.



Porto, 4 de março de 2024
(assinado digitalmente)
Nélson Fernandes
António Luís Carvalhão
Eugénia Pedro
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[1] em “Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, p. 196
[2] Citando o mesmo Autor: “Compreende-se como este princípio se situa na linha lógica dos anteriores: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis”
[3] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[4] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[5] Ver Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2°, 605.
[6] Disponível em www.dgsi.pt.
[7] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Relator Conselheiro Ferreira Pinto, in www.dgsi.pt.
[9] Proferido no processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1 – em www.dgsi,pt
[10] Assim o tem considerado a nossa Jurisprudência, como pode ver-se, entre muitos outros, no Ac. STJ de 18-05-2017 (proc. n.º 859/15.7T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Ferreira Pinto), resultando do seu sumário, no que aqui importa, que, “como característica fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, não se exigindo, contudo, que elas sejam efetivamente dadas, bastando apenas que o possam ser, estando o trabalhador sujeito a recebê-las e a cumpri-las”.
[11] Ainda, para além do Ac. STJ de 18-05-2017, antes citado, o Acórdão mesmo Tribunal de 27 de novembro de 2019, Relator Conselheiro António Leones Dantas (também disponível em www.dgsi.pt), em que pode ler-se, citando: “(...) Ou seja, no contrato de trabalho, a entidade patronal tem o poder de orientar, através de ordens, diretivas e instruções (poder de direção) a prestação a que o trabalhador se obrigou, fiscalizando a sua atuação. No contrato de trabalho é a entidade patronal que programa, organiza e dirige a atividade do trabalhador, definindo onde, como e quando este deve executar a sua obrigação. A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a mera possibilidade de ordens e direção, bem como quando a entidade patronal possa, de algum modo, orientar a atividade laboral em si mesma. (...)”
[12] Como antes o dissemos, por apelo a Doutrina e Jurisprudência, não devem ter assento na factualidade provada expressões que tenham envolvência jurídica, em particular em face da natureza da ação, se as mesmas tiverem a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem, escrevendo-se no Acórdão de 15 de setembro de 2016, antes citado, que devem evitar-se “formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.”
[13] Todos in www.dgsi.pt.
[14] É abundante a Jurisprudência sobre esta questão, aqui se referindo, a título meramente exemplificativo, porque relatado pelo também aqui relator, o Acórdão desta Relação de 24 de Abril de 2017, in www.dgsi.pt.
[15] Relatado pelo aqui também relator – apelação 234/12.5TTPNF.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[16] As alterações decorrentes da Lei n.º 13/2023, de 03 de Abril, não assumem no caso qualquer relevância, desde logo porque mantida a redação inicial do Código no que se refere aos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º.
[17] Idêntica noção consta do artigo 1152.º do Código Civil, nos termos do qual contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.
[18] A noção de contrato de trabalho não sofreu, no que diz respeito à sua essência, propriamente alterações, nas definições constantes, sucessivamente, do artigo 10.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1 desta lei) e do artigo 11.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009.
[19] Vejam-se, entre outros, afirmando-o, os Acs. STJ de de 2012.05.30, Recurso n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1- 4.ª Secção, e de 2010.03.03, Recurso n.º 4390/06.3TTLSB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[20] “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (artigo 349.º do CC).
[21] Direito do Trabalho, págs. 143 e 144.
[22] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, in www.dgsi.pt.
[23] Correspondente, no Acórdão, à sua nota [6]: “Provas – Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, 1961, n.º 110, p. 183.
[24] Correspondente, no Acórdão, à sua nota [7]: Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, pp. 79, 80
[25] Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto.
[26] Direito do Trabalho, págs. 143 e 144.