EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO INDISPONÍVEL DO INSOLVENTE
ALTERAÇÃO DA DECISÃO
Sumário

I – O artigo 239.º, n.º 3, al. b) - i), do CIRE determina que se exclua do rendimento disponível a ceder ao fiduciário o valor que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, o qual terá sempre como limite mínimo o valor correspondente a um SMN e como limite máximo o valor correspondente a 3 vezes o SMN (sem prejuízo deste poder ser excedido, por decisão fundamentada do juiz), devendo aquele valor concreto ser fixado neste intervalo tendo em conta a singularidade da concreta situação do devedor e do seu agregado familiar, sem perder de vista o equilíbrio dos interesses conflituantes dos devedores e dos credores, constitucionalmente garantidos.
II – A fixação do rendimento disponível no despacho inicial não é imodificável; depois da prolação ou, mesmo, do trânsito em julgado deste despacho pode o juiz, a requerimento do insolvente, excluir desse rendimento o que seja razoavelmente necessário para quaisquer despesas do devedor (cfr. artigo 239.º, n.º 3, iii), do CIRE).

Texto Integral

Processo n.º 5919/23.8T8VNG-C.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, veio apresentar-se à insolvência e requerer a exoneração do passivo restante, alegando, para além do mais, que «é divorciado mas vive há mais de cinco anos com uma companheira que tem duas filhas ainda menores e vai precisar de se sustentar a si e aos que consigo vivem minimamente e de manter um nível de vida condigno», sem apresentar ou requerer a produção de qualquer prova a este respeito.
O requerente foi declarado insolvente por sentença proferida em 14.08.2023.
Em 03.10.2023 foi junto aos autos o relatório do Administrador da Insolvência referido no artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), onde se refere, para além do mais, que o insolvente é divorciado e que o seu agregado familiar é composto apenas pelo próprio.
Notificado deste relatório, o insolvente veio dizer nada ter a opor ao mesmo, discordando apenas do montante de 1,4 vezes o salário mínimo nacional (SMN) ali proposto como “rendimento disponível do insolvente para conseguir continuar a viver com o mínimo de qualidade”, alegando que, face à conjuntura actual e ao aumento do custo de vida, o valor de 350,00 € por mês é insuficiente para suportar as suas despesas com alimentação, vestuário e outras, não conseguindo sobreviver com um mínimo de dignidade se não lhe for dispensada uma quantia mensal não inferior a 550,00 €, tal como se mostra insuficiente a quantia de 400,00 € para pagar uma renda na região onde habita (Vila Nova de Gaia), onde dificilmente conseguirá arrendar uma habitação condigna por menos de 500 ou 600 euros mensais, razão pela qual o valor mensal necessário para o sustento minimamente digno do insolvente correspondente a 1,8 vezes o salário mínimo nacional.
Por despacho proferido em 02.11.2023 foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e fixado «em 1 salário mínimo nacional, por mês, com referência aos doze meses do ano, o correspondente ao razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 2 e 3, alínea b), i), do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas» (CIRE).

*
Inconformado, o insolvente apelou desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
«I.
No caso em apreço o recorrente concluiu que os fundamentos invocados (quando invocados) na decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, que não atenderam por completo aos verdadeiros fundamentos aduzidos pelo insolvente na sua petição inicial e no requerimento que apresentou em 11/10/2023, bem como às explicações constantes no Relatório do Administrador de Insolvência apresentado nos termos do Artigo 155.º do CIRE e à consequente prova documental produzida nos presentes Autos, salvo o devido respeito por opinião diversa, que é muito, não se verificam, não podendo o recorrente concordar com a douta sentença nestes Autos proferida, pelo que a impugna.
II.
Na verdade, sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova e analisada toda a prova produzida no presente Processo, conclui-se, desde logo, que o Tribunal a quo se quedou e bastou apenas com uma análise parcial da prova documental carreada para os Autos pelo insolvente e pelo Administrador Judicial.
III.
Da motivação da decisão da matéria de facto plasmada na douta sentença, ora recorrida, infere-se, no entanto, que a prova documental produzida foi considerada suficiente.
IV.
Desta forma, ao apelante foi, por douta sentença ora recorrida, aquando da decisão a respeito da cessão do rendimento disponível, declarado como razoavelmente necessário para o seu sustento minimamente digno o correspondente e 1 (um) salário mínimo nacional, com referência aos 12 (doze) meses do ano.
V.
Ora, no caso em apreço, concluímos que os fundamentos invocados na decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, que não atenderam por completo à prova produzida em sede documental, não se verificam, sempre sem pretender quebrar o devido respeito por opinião contrária, que é muito ou superlativo, e igualmente, sem prejuízo de eventual erro, de intelecção deficit de avaliação ou de mera observação, a ser colmatado por mais avisado, atento e ponderado entendimento, não podendo o recorrente concordar com a douta sentença nestes Autos proferida, pelo que a impugna.
VI.
Desta forma, resumindo, a douta decisão aqui sindicada concluiu que o insolvente vive sozinho e, como tal, poderá sobreviver de forma condigna durante os próximos três anos com um rendimento mensal correspondente a um salário mínimo nacional, com referência aos 12 (doze) meses do ano.
VII.
Porém, esta solução jurídica é infelizmente impossível de se verificar na realidade atual, isto porque, a título de exemplo pode adiantar-se com um grau de probabilidade alta de certeza que, a renda mensal de uma casa situada em Vila Nova de Gaia que albergue um casal e duas filhas menores não será nunca inferior à quantia correspondente a um salário mínimo nacional, ficando este agregado familiar, nessa consequência, votado a um triste destino de morte por inanição, uma vez que nenhum outro rendimento lhe sobraria para comer.
VIII.
Assim sendo, e porque o recorrente pretende apenas e tão-só que o Tribunal ad quem consiga apurar da adequação e da legalidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo, atente-se no seguinte:
a) O Tribunal a quo começa por esclarecer na valoração probatória global enquanto fundamentação da decisão de facto que deu como provados factos tendo por base, única e exclusivamente, os documentos juntos aos Autos e o Relatório do Administrador Judicial;
b) Assim sendo, do conteúdo do referido Relatório do Administrador extrai-se com toda a clareza o seguinte: “(…) de uma análise da atual situação económica do insolvente e das necessidades para uma qualidade de vida minimamente aceitável o Administrador de Insolvência sugere que o valor mensal para um sustento minimamente digno do insolvente deverá ser o correspondente a 1,4 vezes o salário mínimo nacional; (…)”.
Comecemos, então, pelo princípio,
c) O insolvente, ora apelante, notificado do Relatório do Administrador acima aludido, em resposta, juntou em 11/10/2023 um Requerimento aos presentes Autos, com a Referência CITIUS: 3691980 onde alegou o seguinte (cf. Requerimento do Insolvente junto em 11/10/2023): “(…) 1. Nada há a opor ao conteúdo do referido Relatório apresentado pelo Senhor Administrador Judicial (AJ).
2. Porém, e apenas na parte que faz alusão ao rendimento disponível do insolvente para conseguir continuar a viver com o mínimo de dignidade, importa salientar o seguinte:
3. O AJ no referido Relatório adiantou como necessária para a alimentação, vestuário e outras do insolvente a quantia de € 350,00.
4. Acontece que, face à conjuntura atual e ao aumento sucessivo do custo de vida e, essencialmente, dos bens alimentares de primeira necessidade como sejam o leite, o pão, o azeite, a carne, o peixe, a fruta, os legumes, etc…, o insolvente informa que não consegue sobreviver com um mínimo de dignidade se não lhe for dispensada uma quantia mensal não inferior a € 550,00.
5. Do mesmo modo, o AJ no referido Relatório adiantou como necessária para a habitação (renda de casa) do insolvente a quantia de € 400,00.
6. No entanto, na região onde o insolvente habita há mais de trinta anos, em Vila Nova de Gaia, dificilmente conseguirá arrendar nos dias que correm, principalmente atenta a especulação imobiliária que existe, uma habitação condigna por uma quantia inferior a € 500,00 / € 600,00 mensais.
7. Resumindo, o insolvente carece, em relação ao rendimento disponível que o AJ equacionou de mais € 300,00 / € 400,00 euros por mês,
8. o que perfaz um total de € 1.350,00 / € 1.450,00 mensais.
9. Pelo exposto, deverá, portanto, o valor mensal para um sustento minimamente digno do insolvente ser o correspondente a 1,8 vezes o salário mínimo nacional, o que se requer a V. Exª venha a ser decretado e doravante fixado ao insolvente como rendimento disponível. (…)”
d) Porém, o Tribunal a quo, após análise crítica e ponderação sobre toda a prova documental existente nos presentes Autos assim não entendeu, decidindo, precisamente, em sentido contrário, ao concluir que, considera como razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do insolvente, ora apelante, o correspondente e 1 (um) salário mínimo nacional, com referência aos 12 (doze) meses do ano.
e) E a verdade é que jamais foi dado como provado no presente Processo que o insolvente vivesse sozinho, quando na sua Petição inicial alegou precisa e expressamente que vive com uma companheira há mais de 5 (cinco) anos e que esta tem a seu encargo, ainda, duas filhas menores, cujo sustento depende também dos rendimentos auferidos pelo insolvente.
IX.
Na verdade, sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova e analisada toda a prova produzida no presente Processo, conclui-se, desde logo, que o Tribunal a quo se quedou e bastou apenas com a análise de parte da prova documental carreada para os presentes Autos, mais concretamente, no facto de se ter ficado pela análise do Relatório do Administrador de Insolvência e não se ter debruçado criticamente sobre a petição inicial ou sobre o requerimento do insolvente junto aos Autos em 11/10/2023.
X.
E da motivação da decisão da matéria de facto plasmada na douta sentença, ora recorrida, infere-se, portanto, que a prova documental produzida foi considerada suficiente.
XI.
Contudo, o Tribunal a quo não atendeu a toda a prova documental produzida, mas apenas a parte dela – independentemente da prova que pôde ou não ser atendida por razões processuais - assim como não atendeu, também, pelo menos com a minúcia devida e desejável.
XII.
E foi, com certeza, por causa deste erro na apreciação da prova que o Tribunal a quo para uns aspetos atendeu ao conteúdo do referido Relatório do Administrador e para outros aspetos simplesmente fez tábua rasa do que o Administrador propõe, conforme era o caso do rendimento disponível do insolvente dever ser o correspondente a 1,4 vezes o salário mínimo nacional, sem que tivesse, contudo, apresentado os fundamentos e o seu juízo crítico na conclusão a que conduziu a sua decisão, ora sindicada.
XIII.
Assim sendo, mal andou o Tribunal de primeira instância na decisão ora recorrida ao considerar como razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do insolvente, ora apelante, apenas o correspondente e 1 (um) salário mínimo nacional, com referência aos 12 (doze) meses do ano, por tudo quanto acima se expôs, em arrepio ao que o Administrador Judicial fundamentadamente havia sugerido no Relatório que apresentou.
XIV.
Porém, a decisão do Tribunal a quo assim não entendeu, nem ponderou.
XV.
Existe, de facto, um erro manifesto na apreciação da prova e na análise jurídica da questão, na decisão ora posta em causa.
XVI.
O Tribunal a quo deveria, em consonância com toda a prova documental junta aos Autos conforme se concluiu acima, ter decidido de forma diversa da que decidiu.
XVII.
O recorrente ao especificar nos termos do prescrito no Artigo 640.º, do Código de Processo Civil (CPC) este concreto segmento da douta decisão proferida, ora sindicada, esta a impugnar, expressamente, todo o conteúdo dos pontos ínsitos na rúbrica: Da cessão do rendimento disponível.
XVIII.
Sendo certo que a decisão alternativa (e apenas na parte impugnada, obviamente) sustentada na prova documental junta aos autos, deveria ter sido a seguinte:
Factos Provados:
1. o insolvente deve, presentemente, ao credor “A..., S.A.” valores que ascendem a € 117.731,50, e a BB e CC a quantia de € 65.000,00;
(correspondente ao artigo 15.º da Petição Inicial)
2. o insolvente encontra-se num quadro de manifesta rutura financeira, cessação de pagamentos e impossibilidade de cumprimento das suas obrigações, factos que consubstanciam insolvência atual, pelo que mais não resta ao requerente senão cumprir o preceituado no Artigo 18.º, do C.I.R.E., e apresentar-se em Tribunal para decretamento da sua insolvência;
(correspondente ao artigo 16.º da Petição Inicial)
3. o insolvente é, também, titular do direito de propriedade sobre um bem imóvel ainda com hipoteca constituída a favor do Banco 1..., S.A. no valor de € 167.114,03 (Artigo 24.º, n.º 1, e), do C.I.R.E.), a saber: Prédio urbano destinado a habitação, sito na Rua ... – ... – ... Vila Nova de Gaia, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...;
(correspondente ao artigo 18.º da Petição Inicial)
4. o insolvente não é titular do direito de propriedade sobre qualquer bem móvel sujeito a registo. (Artigo 24.º, n.º 1, e), do C.I.R.E.);
(correspondente ao artigo 19.º da Petição Inicial)
5. o insolvente não detém nenhum bem imóvel em regime de arrendamento (Artigo 24.º, n.º 1, e), do C.I.R.E.).
(correspondente ao artigo 20.º da Petição Inicial)
6. o insolvente pretende beneficiar da exoneração do passivo restante, pois não beneficiou da exoneração do passivo restante nos 10 (dez) anos anteriores à data do presente processo de insolvência nem foi condenado por algum dos crimes previstos e punidos nos Artigos 227.º e 229.º do Código Penal.
(correspondente aos artigos 22.º e 23.º da Petição Inicial)
7. o insolvente informou que é divorciado mas vive há mais de cinco anos com uma companheira que tem duas filhas ainda menores e vai precisar de se sustentar a si e aos que consigo vivem minimamente e de manter um nível de vida condigno.
(correspondente ao artigo 27.º da Petição Inicial)
8. que o insolvente é reformado e aufere de uma pensão mensal líquida de 1.425,75.
(correspondente ao ponto 1. Dados Sobre o Insolvente)
9. que o valor mensal para um sustento minimamente digno do insolvente deverá ser o correspondente a 1,4 vezes o salário mínimo nacional;
(correspondente ao ponto 1. Dados Sobre o Insolvente, in fine)
10. nomeadamente, atendendo a que o insolvente necessitará de pagar todos os meses €400,00 de renda de casa; € 100,00 de eletricidade, gás e água; € 80,00 em transportes e comunicações; € 120,00 em despesas médicas e medicamentosas e €350,00 com alimentação, vestuário e outras.
(correspondente ao ponto 2. Análise dos Elementos Incluídos no Documento Referido na Alínea c), do n.º 1, do Artigo 24.º in fine)
(cf. Relatório do Administrador de Insolvência, Petição Inicial e Requerimento do insolvente datado de 10/10/2023)
XIX.
Decisão:
Deste modo, ponderado o rendimento do devedor disponível para cessão, a sua idade avançada, o seu agregado familiar, as condições atuais de especial carestia do custo de vida, com o aumento constante dos bens de consumo essenciais e das rendas de casa como a que o devedor a partir de agora passará a necessitar, analisadas de forma crítica todas as razões apontadas pelo Administrador de Insolvência e todas as razões aduzidas pelo insolvente no presente Processo, decido fixar em 1,8 salário mínimo nacional, por mês, com referência aos doze meses do ano, o correspondente ao razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 2 e 3, alínea b), i), do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
XX.
O Tribunal a quo manifestou, portanto, nos pontos acima especificados, uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão ora recorrida sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito.
XXI.
O Tribunal a quo incorreu, na realidade, num erro ostensivo de apreciação da prova, afastando as mais elementares regras da experiência e ignorando completamente toda a factualidade alegada quer pelo insolvente quer pelo Administrador Judicial no Relatório que apresentou aos Autos.
XXII.
Além disso, o Tribunal a quo, conforme se provou acima, dispunha de elementos para responder em termos diferentes daqueles em que o fez, os quais impunham, aliás, uma conclusão diferente e diametralmente oposta à alcançada na douta sentença, ora recorrida.
XXIII.
Sendo certo que para tal deveria ter sido valorada e ponderada de forma diversa da que foi toda a prova produzida e, no caso do Tribunal a quo não a considerasse suficiente, conforme considerou, sempre poderia instar o insolvente a produzi-la.
XXIV.
Mas nada disso aconteceu.
XXV.
Impugnada a decisão da matéria de facto e de direito com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação, com cumprimento dos requisitos previstos no Artigo 640.º, do CPC, cumpre ao Venerando Tribunal da Relação do Porto proceder à reapreciação desses meios de prova e refletir na decisão da matéria de facto e de direito a convicção que formar, nos termos do Artigo 662.º, do Código de Processo Civil, o que se requer a V. Exas. desde já e a final.
XXVI.
A sentença proferida pelo Tribunal a quo, ora posta em causa, consubstancia princípios de apriorismo enraizado, errando na análise da prova documental junta e, consequentemente, aplica mal a lei ao caso concreto o que provoca o vício de violação da lei, sendo certo que encerra, também, um princípio deformado, pois a Justiça, institucionalizada, por natureza, é contra princípios de apriorismo, já que as provas são o seu suporte.
XXVII.
A Justiça não pode pactuar, jamais, com posições apriorísticas ou egotísticas, a bem da sua plena realização.
XXVIII.
O Tribunal a quo deveria, em consonância com toda a prova documental junta aos Autos, conforme se comprova acima, ter decidido de forma diversa da que decidiu, e tê-lo espelhado nas fundamentações de facto e de direito de que se serviu.
XXIX.
O Tribunal a quo, na fundamentação de direito, violou o disposto no Artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, por todas as asserções acima expendidas.»
Terminou pugnando pela procedência da apelação e pela revogação da decisão recorrida.
O Ministério Público respondeu à alegação dos recorrentes, pugnando pela total improcedência do recurso.
*
III. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:
- O erro no julgamento da matéria de facto;
- A determinação do valor necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 239.º, n.ºs 2 e 3, al. b) - i).
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III. Fundamentação
A. Os Factos
1. Factos julgados provados pelo Tribunal de primeira instância
Com relevância para a apreciação da questão a decidir neste recurso, o Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
a) O devedor apresentou-se à insolvência a dia 13 de julho de 2023 e, por sentença proferida no dia 14 de agosto desse mesmo ano, foi declarada a sua insolvência;
b) O insolvente encontra-se no estado de divorciado, sendo o respetivo agregado familiar constituído pelo próprio;
c) O insolvente encontra-se reformado, recebendo a título pensão € 1.425,75;
d) Vive em casa própria que será objeto de liquidação;
e) O insolvente tem despesa regulares com alimentação, vestuário, saúde, transportes e outras habituais e decorrentes da vida normal em sociedade;
f) Ao insolvente não são conhecidos antecedentes criminais;
g) Foram reclamados créditos no valor global de € 289 029,36.
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2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do n.º 1, do artigo 662.º, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Dispõe, por sua vez, o n.º 1, do artigo 640.º, do mesmo código que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, conforme preceitua a al. a), do n.º 2, do mesmo artigo.
Concatenando este ónus, a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, com o ónus de alegar e formular conclusões consagrado no artigo 639.º do CPC, que impende sobre o recorrente independentemente do recurso visar a matéria de facto e/ou a matéria de direito, Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Coimbra 2020, pp. 196 e s.) sintetiza assim o sistema que vigora sempre que a apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
- O recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
- Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
- Relativamente aos factos cuja impugnação se funde em prova gravada, deve indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes (podendo proceder à transcrição dos excertos que considere oportunos);
- O recorrente deve ainda deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Em coerência, o mesmo autor (cit., pp. 199 e 200), enuncia assim as situações que determinam a rejeição, total ou parcial do recurso:
- Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC);
- Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC);
- Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou nele registados, em que o recorrente se baseia;
- Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
As normas dos artigos 640.º e 662.º do CPC concretizam o papel que o legislador pretendeu atribuir aos tribunais de segunda instância no âmbito da reapreciação da matéria de facto, assumindo-a como uma função normal da Relação, por contraste com a excepcionalidade que, no passado, a caracterizava, mas rejeitando soluções maximalistas que a transformassem numa repetição do julgamento, rejeitando igualmente a possibilidade de interposição de recursos genéricos sobre a matéria facto.
Assim se compreendem as exigências em que se traduzem os ónus primários acima descritos, previstos no n.º 1, do artigo 640.º, do CPC, os quais devem ser interpretados à luz do aludido papel ou função. O mesmo sucede com o ónus secundário previsto na al. a), do n.º 2, do mesmo artigo, sem perder de vista que este visa possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, isto é, a localização, no suporte que contém a gravação dos depoimentos invocados, das passagens da gravação em que se funda o recurso.
Como se escreve no ac. do STJ, de 28.04.2016 (proc. n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, rel. Abrantes Geraldes), estamos perante «um ónus multifacetado cujo cumprimento não se torna fácil, mas que encontra diversas justificações, entre as quais as seguintes:
- A Relação é um Tribunal de 2ª instância, a quem incumbe a reapreciação da decisão da matéria de facto proferida pela instância hierarquicamente inferior;
- A Relação não procede a um segundo julgamento da matéria de facto, reapreciando apenas os pontos de facto enunciados pelos interessados;
- O sistema não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, cumprindo ao recorrente designar os pontos de facto que merecem uma resposta diversa e fazer a apreciação crítica dos meios de prova que determinam um resultado diverso;
- Importa que seja feito do sistema um uso sério, de forma evitar impugnações injustificadas e, com isso, os efeitos dilatórios que são potenciados pelo uso abusivo de instrumentos processuais».
Deste modo, vem sendo reafirmado pela jurisprudência que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Como escreve Abrantes Geraldes (cit., p. 200), «[t]rata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo».
Mas, pelas mesmas razões, associadas à impossibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto (cfr. artigo 639.º, n.º 3, do CPC), o Supremo Tribunal de Justiça vem alertando para a necessidade de não se exponenciarem os apontados requisitos formais e de se compaginar a sua interpretação e aplicação com os princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
No caso concreto, o recorrente cumpriu de forma muito deficiente os referidos ónus.
Desde logo na enunciação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Na verdade, tanto na motivação da sua alegação como nas conclusões que formulou, o recorrente afirma que «ao especificar nos termos do prescrito no Artigo 640.º, do Código de Processo Civil (CPC) este concreto segmento da douta decisão proferida, ora sindicada, esta a impugnar, expressamente, todo o conteúdo dos pontos ínsitos na rúbrica: Da cessão do rendimento disponível» (cfr. conclusão XVII). Esta afirmação, para além de ser absolutamente genérica, é de difícil compreensão, tendo em conta que a rúbrica “Da cessão do rendimento disponível” encerra todos os fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida, inclusivamente os pontos de factos que apenas traduzem ocorrências processuais comprovadas nos autos (como a data em que o insolvente se apresentou à insolvência, a data da sentença que a declarou e o valor dos créditos reclamados), bem como factos que não divergem daqueles que o próprio recorrente inclui na decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas (como o facto de o insolvente ser reformado e auferir uma pensão mensal de 1.425,75 €).
Para além desta impugnação genérica e, em parte, inconsequente, tanto nas conclusões como na motivação da alegação de recurso o recorrente não especifica, por referência às alíneas sob as quais a decisão recorrida descreveu os fundamentos de facto em que se baseou, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
Não obstante, temos como inequívoco que o recorrente pretendeu impugnar a segunda parte da al. b) (onde se refere que o agregado familiar do insolvente é constituído pelo próprio), designadamente quando afirma, tanto na motivação como nas conclusões, o seguinte: «E a verdade é que jamais foi dado como provado no presente Processo que o insolvente vivesse sozinho quando na sua Petição inicial alegou precisa e expressamente que vive com uma companheira há mais de 5 (cinco) anos e que esta tem a seu encargo, ainda, duas filhas menores, cujo sustento depende também dos rendimentos auferidos pelo insolvente» – cfr. conclusão VIII, al. e). O mesmo se infere, com toda a segurança, do ponto 7 da conclusão XVIII, onde o recorrente declara que pretende ver julgado provado o seguinte facto: «o insolvente informou que é divorciado mas vive há mais de cinco anos com uma companheira que tem duas filhas ainda menores e vai precisar de se sustentar a si e aos que consigo vivem minimamente e de manter um nível de vida condigno».
Nestes termos, considera-se cumprido o ónus consagrado no artigo 640.º, n.º 1, al. a), apenas no que concerne à segunda parte, da al. b), dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
Do exposto também já decorre que, no que a esse facto concerne, foi igualmente cumprido o ónus consagrado na al. c), do n.º 1, do mesmo artigo 640.º, pretendendo o recorrente que se julgue provado que o seu agregado familiar é composto, há mais de 5 anos, por si, pela sua companheira e pelas duas filhas menores desta.
Quanto aos demais factos que o recorrente pretende ver julgados provados, para além de extravasaram por completo o único ponto validamente impugnado, facilmente se constata que os pontos 1 e 8 já constam dos factos julgados provados na decisão recorrida e que os restantes ou se revelam totalmente irrelevantes para a apreciação da questão sob recurso ou traduzem meras conclusões ou valorações, cuja apreciação tem a sua sede na fundamentação de direito e não na fundamentação de facto da decisão.
Por fim, no que concerne aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre o ponto da matéria de facto impugnado, para além de umas alusões genéricas a toda a prova produzida, designadamente documental e testemunhal (sendo certo que nenhuma prova testemunhal foi produzida), o recorrente limitou-se a afirmar que a decisão recorrida se baseou apenas no relatório do administrador da insolvência, não se tendo debruçado criticamente sobre a petição inicial ou sobre o requerimento por si apresentado em 11.10.2023, acrescentando que o Tribunal a quo atendeu ao conteúdo do referido relatório para alguns aspectos mas, para outros, fez tábua rasa do que aí se propõe, nomeadamente a exclusão do rendimento disponível de uma valor correspondente a 1,4 vezes o SMN, sem que tivesse apresentado os fundamentos e o juízo crítico que conduziu à sua decisão.
Mais uma vez, o recorrente confunde os fundamentos de facto, os fundamentos de direito e a própria decisão, parecendo reduzir todo o silogismo judiciário a uma questão de facto.
Em todo o caso, cremos poder concluir que a impugnação do recorrente – à semelhança do que ocorre com a própria decisão recorrida – se baseia na análise do relatório apresentado pelo AI ao abrigo do disposto no artigo 155.º do CPC, no confronto com a posição assumida pelo próprio nos autos, designadamente na petição inicial e no requerimento em que se pronuncia sobre o teor do referido relatório, ainda que estas peças processuais não constituam meios de prova.
Nesta perspectiva, ainda que mediante algum esforço interpretativo, verificamos que o recorrente cumpriu também o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Em suma, concluímos que o recorrente cumprido os diversos ónus de que depende a apreciação da impugnação da matéria de facto, mas apenas no que respeita à segunda parte da al. b) dos factos julgados provados na decisão recorrida, pelo que, com estes limites, importa proceder à apreciação dessa impugnação.
Nos termos da referida alínea b), o insolvente encontra-se no estado de divorciado, sendo o respetivo agregado familiar constituído pelo próprio.
Como decorre do relatório deste aresto, na petição com que propôs os autos principais de insolvência e onde requereu a exoneração do passivo restante, o devedor alegou «é divorciado mas vive há mais de cinco anos com uma companheira que tem duas filhas ainda menores e vai precisar de se sustentar a si e aos que consigo vivem minimamente e de manter um nível de vida condigno», sem apresentar ou requerer a produção de qualquer prova a este respeito (e, acrescente-se, sem esclarecer se a sua companheira aufere algum rendimento).
Contrariando esta alegação, o AI fez constar do relatório por si elaborado e apresentado ao abrigo do disposto no artigo 155.º do CIRE que o insolvente é divorciado e que o seu agregado familiar é composto apenas pelo próprio.
Mais resulta dos autos que, tendo sido notificado deste relatório, o insolvente veio declarar que nada tem a opor ao mesmo, discordando apenas da proposta aí apresentada pelo AI quanto ao montante a excluir do rendimento disponível ao abrigo do artigo 239.º, n.º 3, al. b)-i), ou seja, do montante que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, que considera dever fixar-se em 1,8 vezes o SMN e não em 1,4 vezes o mesmo SMN, conforme proposto pelo AI. Tal discordância não assentou, contudo, na informação prestada pelo AI de que o agregado familiar do insolvente é composto apenas por si, informação que o insolvente não impugnou.
Neste contexto, perante a total ausência de prova sobre a alegação contida na petição inicial a respeito da composição do agregado familiar do devedor, perante a informação prestada pelo AI após as diligências que levou a cabo para elaborar o relatório previsto no artigo 155.º do CIRE, no qual se pronunciou expressamente não apenas sobre a concessão do pedido de exoneração do passivo restante, mas também sobre o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, a excluir do rendimento disponível a ceder ao fiduciário, e perante a aceitação do teor da referida informação por parte do insolvente, não vemos que outra apreciação pudesse ter sido feita pelo tribunal a quo.
Pelas mesmas razões, verificando-se que nenhuma prova sustenta a alegação inicial do devedor a respeito da composição do seu agregado familiar, ao passo que o facto julgado provado a esse respeito encontra respaldo na informação carreada para os autos pelo AI, sem que nada nem ninguém a tivessem contrariado, não vemos por que razão o tribunal a quo devesse ter instado o insolvente a apresentar outra prova, como agora é preconizado por este.
Por tudo quanto ficou exposto, improcede totalmente a impugnação em apreço, mantendo-se a decisão sobre a matéria de facto.
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B. O Direito
1. O instituto da exoneração do passivo restante – inspirado na discharge britânica e norte-americana, mas que chega a nós por influência do direito alemão e que tem paralelo em quase todas as leis de insolvência europeias – foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo CIRE, que entrou em vigor em 2004.
Como ensina Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Coimbra, 2021, p. 610), à semelhança do alemão, «o regime português consiste, em traços gerais, na afectação, durante certo período após a conclusão do processo de insolvência, dos rendimentos do devedor à satisfação dos créditos remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção daqueles que não tenha sido possível cumprir, por essa via, durante esse período».
A lei portuguesa não seguiu, portanto, um modelo puro de fresh start, em que a liquidação do património e o pagamento das dívidas têm lugar no processo de insolvência, findo o qual o devedor é libertado das dívidas que não tiverem sido satisfeitas.
O regime legal português aproxima-se mais do modelo do earned start, em que o devedor, findo o processo de insolvência, passa ainda por uma espécie de período de prova, durante o qual parte dos seus rendimentos é afectada ao pagamentos das dívidas remanescentes, só então podendo beneficiar de um fresh start, se ficar demonstrado que o merece. Na súmula de Pedro Pidwell (Insolvência das Pessoas Singulares. O “Fresh Start” – será mesmo começar de novo? O Fiduciário. Algumas Notas, in Revista de Direito da Insolvência, n.º 0, 2016, p. 197), a exoneração do passivo restante «vigente no nosso ordenamento jurídico tem como finalidade precípua facilitar a recuperação/integração socioeconómica do insolvente de boa fé (“honest but unfortunate debtor”), através de um procedimento que, em primeiro lugar, passa pela liquidação do seu acervo patrimonial (art. 156.º e ss), e em segundo lugar pressupõe a cessão ao fiduciário (art. 240.º) da parte considerada disponível do seu rendimento (art. 239.º) e, a final, se o insolvente tiver cumprido com as obrigações de conduta a que está adstrito [art. 239.º, n.º 4, alíneas a) a e)], é-lhe perdoado o remanescente da dívida que ainda subsistir (art. 245.º, n.º 1)». Nas palavras de Maria do Rosário Epifânio (Manual de Direito da Insolvência, 8.ª ed., Coimbra 2022, p. 401, «[a] exoneração do passivo restante é aplicável exclusivamente aos devedores pessoas singulares (titulares de empresa ou não, titulares de uma grande ou de uma pequena empresa) que se tenham “portado bem”, desde que não tenha sido aprovado e homologado um plano de insolvência».
O aludido período de prova, que a nossa lei designa como período de cessão, tem início com a prolação do despacho inicial, isto é, o despacho em que, por não haver motivos para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, o juiz declara que esta será concedida uma vez observadas pelo devedor as condições previstas no artigo 239.º do CIRE (cfr. artigo 237.º, al. b), do mesmo código).
2. De harmonia com o disposto neste artigo 239.º do CIRE, o despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, designado por período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a um fiduciário escolhido pelo tribunal.
Nos termos do disposto no n.º 3, deste artigo 239.º, o rendimento disponível para cessão engloba todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
Alguns autores entendem que o legislador adoptou um critério objectivo na determinação do valor necessário para o sustento minimamente digno do devedor o do seu agregado familiar, fazendo-o coincidir com o triplo do salário mínimo nacional, sem prejuízo de este valor poder ser excedido por decisão fundamentada do juiz. Nesse sentido vide Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. II, Lisboa, 2005, p. 194, onde se pode ler o seguinte: «O legislador adopta um critério objectivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno: 3 vezes o salário mínimo nacional. Merece, pois, aplauso esta solução, que tem ainda a vantagem de assegurar a actualização automática da exclusão».
Contudo, como refere Catarina Serra (cit., p. 620), a jurisprudência propende «para interpretar o critério do “razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” como um limite mínimo e o valor correspondente a três vezes o salário mínimo nacional como um limite máximo – que pode ser excedido, mas só em casos excepcionais, por decisão (especialmente) fundamentada do juiz. Não obstante isto – ou por isto mesmo –, o apuramento do montante a excluir envolve sempre uma ponderação casuística por parte do juiz».
Cremos ser mais consentâneo com a letra e com o espírito da norma em apreço afirmar que a mesma se limita a estabelecer um tecto máximo, correspondente a três vezes o SMN, que apenas pode ser ultrapassado por decisão fundamentada do juiz, apelando a uma apreciação casuística do que seja o valor razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, o qual não representa, assim, um limite mínimo abstracto, mas antes o valor razoável a fixar pelo tribunal para aquele caso concreto. De resto, cremos ser este o entendimento subjacente à jurisprudência maioritária que, como veremos melhor infra, acaba por fazer corresponder aquele limite mínimo abstracto ao valor do SMN, por considerar que abaixo deste valor nunca estará assegurado o sustento minimamente digno do devedor, ainda que, em concreto, o valor razoavelmente necessário para esse sustento minimamente digno possa ser superior.
Na determinação deste valor (razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor) deve atender-se às condições pessoais e de vida do insolvente e do seu agregado, designadamente a sua idade, situação profissional, estado de saúde, rendimentos, composição do seu agregado familiar, encargos essenciais com o seu sustento, habitação, vestuário e despesas de saúde (cfr. ac. do TRL de 12.12.2013, relatado por Vítor Amaral, citado na breve recensão jurisprudencial efectuada por Maria do Rosário Epifânio, Manuel de Direito da Insolvência, 8.ª ed., Coimbra, 2022, p. 409, nota 1303).
Mas, como se afirma no ac. do TRG, de 19.03.1013, relatado por António Santos, igualmente citado por Maria do Rosário Epifânio, tal «não significa que o devedor deva manter “o nível de vida que tinha anteriormente, antes pode/deve mesmo baixá-lo, ainda que tendo sempre como limite o quantum necessário para a salvaguarda de uma sua existência condigna”».
Esta salvaguarda de uma vida condigna assenta directamente no princípio da dignidade humana plasmado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), igualmente aludido no artigo 59.º, n.º 1, al. a), da mesma lei fundamental, cujo reconhecimento exige ao legislador o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna. Neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda (cit., p. 194) escrevem que «[a]s exclusões previstas nas subalíneas i) e ii) [da al. b), do artigo 239, do CIRE] decorrem da chamada função interna do património, enquanto suporte da vida económica do seu titular», que prevalece sobre a sua função externa, enquanto garantia geral dos credores.
Mas o sacrifício desta garantia dos credores deve cingir-se à justa medida do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, para o exercício condigno da sua actividade profissional e para outras despesas que se integrem nesse conceito.
A expressa alusão ao valor razoavelmente necessário para os apontados fins realça, assim, a imprescindibilidade da ponderação dos interesses e dos valores constitucionais em conflito no instituto da exoneração do passivo restante.
Como se afirma no ac. do STJ, de 23.03.2021 (proc. n.º 1155/14.2TBPRD.P2.S1, rel. Ricardo Costa), «a exoneração do passivo restante, na perspectiva do devedor, serve a realização de valores constitucionalmente consagrados, como a liberdade económica (ou, em rigor, a recuperação dessa liberdade) e o direito ao desenvolvimento da personalidade, desde que o devedor não tenha incorrido em condutas culposas e recorrentes relacionadas com a insolvência. Essa tutela, agora na perspectiva do credor, colide naturalmente (ou pode colidir), ao aspirar à liberação, objectiva e subjectiva, das dívidas restantes do devedor, com a tutela constitucional da titularidade dos direitos de crédito de natureza patrimonial, protegidos pela via do art. 62º, 1, da CRP (direito à propriedade privada). Ora, no perímetro da liberdade de conformação do legislador, deve considerar-se que essa conciliação entre valores e direitos constitucionalmente protegidos corresponde a uma ponderação equilibrada de interesses, que não deixa de ter em conta os interesses dos credores (…), ainda que os interesses do devedor insolvente não culposo prevaleçam, tendo em conta o peso do interesse na reintegração na vida económica (e social) e da protecção social do mais fraco (como princípio do Estado Social de Direito)».
A previsão legal da cessão do rendimento disponível a um fiduciário, assim como a própria definição desse rendimento a ceder, traduzem o resultado desta ponderação equilibrada dos interesses em conflito, levada a cabo pelo legislador ordinário no âmbito dos seus amplos poderes de conformação. A este respeito vide Paulo Mota Pinto, Exoneração do Passivo Restante: Fundamento e Constitucionalidade, in III Congresso de Direito da Insolvência, Coord. Catarina Serra, Coimbra, 2015, pp. 175 a 195, que a dada altura afirma o seguinte: «No procedimento conducente à exoneração do passivo restante são também tidos em conta os interesses dos credores, designadamente com a cessão a um fiduciário do rendimento disponível do devedor nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (artigo 239.º, n.º 2, do CIRE), incluindo todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão apenas dos créditos futuros cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz, do que “seja razoavelmente necessário” para o “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional”, para o exercício pelo devedor da sua actividade profissional, e para outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor» (p. 190).
Tal não significa, porém, que a exoneração esteja condicionada à satisfação, ainda que parcial, dos créditos, tendo em conta a já referida prevalência dos interesses do devedor não insolvente. Mas significa que esta prevalência não é absoluta, impondo-se sacrifícios também ao devedor não culposo para que possa beneficiar da exoneração do passivo restante, nomeadamente uma diminuição do seu nível de vida. A exoneração do passivo restante não se traduz na desresponsabilização do devedor, antes implicando o seu empenho e sacrifício no sentido de comprimir ao máximo as suas despesas, como contrapartida do sacrifício imposto aos credores, tendo em vista o equilíbrio entre dois interesses contrapostos.
Por isso mesmo, a lei não impõe uma correspondência entre o valor a fixar e o montante global das despesas demonstradas pelo devedor insolvente, antes pressupondo um maior rigor no orçamento familiar e uma redução destas despesas ao mínimo indispensável (neste sentido vide Cláudia Oliveira Martins, O procedimento de exoneração do passivo restante, in Revista de Direito da Insolvência, n.º 0, Abril de 2016, p. 222, onde se citam aos acórdão do TRC de 31.01.2012 e do TRP de 16.09.2014). Dito de outro modo, a lei tem pressuposto que, no período de cessão, o devedor se esforçará por se adequar à especial situação em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida à nova realidade que enfrenta, como é desde logo evidenciado pela modéstia do valor máximo de 3 SMN fixado na lei (cfr. ac. do TRP, de 07.10.2021, proc. n.º 1112/21.2T8VNG-A.P1, rel. Judite Pires).
Cláudia Oliveira Martins, no artigo anteriormente citado, afirma que «[d]e entre os vários critérios possíveis, assentou a jurisprudência base na fixação de um ordenado mínimo nacional (Ac. da R.P. de 15.09.2015), ponderando a composição do agregado familiar, nomeadamente o número de dependentes menores ou em idade escolar (acrescendo àquele montante, em média, ½ ordenado mínimo nacional por cada um dos dependentes), e apenas admitindo que integre o rendimento indisponível despesas de natureza excepcional, nomeadamente, relacionadas com problemas de saúde crónicas».
A mesma autora aplaude esta opção, por dispensar o tribunal de proceder à análise e à ponderação da necessidade de todas despesas do devedor, o que poderia mesmo configurar uma intromissão na vida privada deste. Mas não nega a possibilidade de alterações pontuais, devidas a despesas excepcionais, ou permanentes, devidas ao surgimento de novas despesas, como sucederá no caso de aumento do agregado familiar.
Afigura-se inegável o valor referencial do salário mínimo nacional, assim como do rendimento social de inserção, do subsídio de desemprego e de outras prestações sociais com finalidades similares, que o ac. deste TRP, de 15.05.2015, relatado por José Igreja Matos, igualmente citado por Maria do Rosário Epifânio, considera «noções consolidadas e que reflectem o nosso estado civilizacional relativamente a conceitos como os da dignidade do trabalho».
Também não podemos perder de vista o regime processual civil das impenhorabilidades – que fixa a impenhorabilidade dos «vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado» entre o mínimo de 1 e o máximo de 3 SMN (cfr. artigo 738.º, n.ºs 1 e 3, do CPC) –, cujo paralelismo com a realidade que subjaz à insolvência, enquanto execução universal, é absolutamente inegável e que, por isso mesmo, não pode deixar de ser aí respeitado.
O próprio Tribunal Constitucional já afirmou que «o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos” não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo» (cfr. ac. n.º 177/2002, de 23 de Abril).
De todo o modo, dentro destes limites, cremos que só em concreto se poderá discernir o valor razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, pois é essa avaliação que, em rigor, a lei impõe ao julgador. Aquele valor deverá ser, assim, encontrado em face da situação concreta de cada devedor e respectivo agregado familiar, não obstante as dificuldades que essa ponderação possa encerrar, sem perder de vista que, de harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC, deverão ter-se em devida conta os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, no respeito do principio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.
Neste sentido se pronunciaram, a título de mero exemplo, os acórdãos: do TRP, de 07.10.2021, já antes citado, do TRG, de 02.03.2023 (proc. n.º 2148/22.1T8GMR.G1, rel. José Carlos Pereira Duarte), do TRC, de 12.03.2013 (proc. n.º 1254/12.5TBLRA-F.C1, rel. Sílvia Pires) e do TRL, de 21.03.2023 (proc. n.º 4479/22.1T8FNC-C.L1-1, rel. Fátima Reis Silva), afirmando-se neste último que «[o] limite mínimo, que não foi objetivado no preceito [do artigo 239.º do CIRE], deve situar-se no montante equivalente a um salário mínimo nacional, valor de referência em sede de penhora, nos termos do art. 738.º, nº3 do CPC, por similitude de razões, sem que isso signifique ser esse valor o critério base de aferição do que seja a quantia razoavelmente necessária para o sustento minimamente digno do devedor».
Tendo em conta tudo quanto ficou exposto, cremos poder afirmar, em síntese conclusiva, que o artigo 239.º, n.º 3, al. b) - i), do CIRE determina que se exclua do rendimento disponível a ceder ao fiduciário o valor que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, o qual terá sempre como limite mínimo o valor correspondente a um SMN e como limite máximo o valor correspondente a 3 vezes o SMN (sem prejuízo deste poder ser excedido, por decisão fundamentada do juiz), devendo aquele valor concreto ser fixado neste intervalo tendo em conta a singularidade da concreta situação do devedor e do seu agregado familiar, sem perder de vista o equilíbrio dos interesses, constitucionalmente garantidos, em conflito.
Nesta operação, é frequente o recurso a uma escala para determinar a capitação dos rendimentos do agregado familiar, nomeadamente a conhecida escala da OCDE ou escala de Oxford, de acordo com a qual se atribui o índice 100 ao 1.º adulto, o índice 0,7 ao 2.º adulto e o índice 0,5 por cada criança, correspondendo o índice 100 ao SMN.
3. No caso concreto apurou-se que o insolvente é reformado, está divorciado e que o respetivo agregado familiar é constituído pelo próprio. Mais se apurou que vive em casa própria, mas esta será objeto de liquidação, pelo que terá de encontrar uma alternativa habitacional quando tiver de abandonar aquela casa. Provou-se ainda que o insolvente tem despesas regulares com alimentação, vestuário, saúde, transportes e outras habituais e decorrentes da vida normal em sociedade.
É absolutamente inquestionável a indispensabilidade, para uma existência condigna, de todas as despesas acabadas de enunciar.
No que concerne às despesas regulares com alimentação, vestuário, saúde, transportes e outras habitualmente decorrentes da vida normal em sociedade, importa partir dos valores médios necessários a uma vida minimamente digna, à semelhança do que fez o AJP na proposta que apresentou.
Mas não cremos que possamos fazer o mesmo raciocínio relativamente a uma suposta despesa com a renda de casa, visto que tal despesa não tem respaldo na factualidade apurada, ainda que a título de despesa futura.
Como vimos, dos factos carreados para os autos resulta que, neste momento, o insolvente continua a residir em casa própria, pelo que não tem de pagar qualquer quantia a título de renda. Também resulta que essa casa será objecto de liquidação, de onde se infere que o insolvente será obrigado a encontrar uma alternativa habitacional. Mas daqueles factos não decorre que essa alternativa corresponda, necessariamente, ao arrendamento de uma casa, sendo equacionáveis diversas outras soluções (acolhimento por familiares ou outras pessoas, comodato, etc.). Mas ainda que a solução venha a ser o arrendamento, não é possível, neste momento, determinar com um mínimo de rigor o valor a pagar a título de renda, a qual dependerá de um conjunto muito diversificado de variáveis, entre as quais se destacará, naturalmente, a tipologia e a localização da nova residência.
Admite-se que, face ao aumento que se vem registando nos preços dos bens essenciais, em especial no valor das rendas das casas de habitação situadas nos grandes centros urbanos – valor que, frequentemente, representa uma das parcelas com maior peso nos orçamentos familiares –, o montante correspondente a um salário mínimo nacional possa revelar-se insuficiente para assegurar o sustento minimamente digno do devedor se este tiver de arrendar uma casa. Mas essa é uma questão que deverá ser suscitada e apreciada no momento próprio, perante os factos concretos e a respectiva prova.
Verificando-se tal situação, caberá ao insolvente fazer a prova do valor da despesa com a renda de casa, bem como da sua indispensabilidade, e solicitar a sua exclusão do rendimento disponível, ao abrigo do disposto no artigo 239.º, n.º 3, al. b) - iii, do CIRE. Com efeito, como se refere no ac. do TRC, de 03.06.2014 (proc. n.º 747/11.6TBTNV-J.C1, rel. Henrique Antunes), «[a] fixação, no despacho inicial, do rendimento disponível não é imodificável, já que, mesmo depois do seu proferimento – e mesmo depois do seu trânsito em julgado – o juiz pode excluir desse rendimento, a requerimento do insolvente, do que seja razoavelmente necessário para quaisquer despesas do devedor (artº 239 nº 3, iii), do CIRE)».
Neste momento, tendo em conta as despesas que o insolvente tem efectivamente de suportar para assegurar o seu sustento digno, nos termos já antes explicitados, é manifesto que o valor correspondente ao SMN, actualmente situado nos 820.00 € por mês, se revela perfeitamente ajustado para fazer face a tais despesas, correspondendo ao que a jurisprudência vem fixando em situações semelhantes.
Nestes termos, impõe-se julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Consequentemente, as custas da apelação serão da responsabilidade do recorrente, nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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IV. Decisão
Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam improcedente a apelação e confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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Porto, 5 de Março de 2024
Relator: Artur Dionísio Oliveira
Adjuntos: Maria Eiró
João Diogo Rodrigues