RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NÃO USO DO LOCADO
CONTRADITÓRIO
EXERCÍCIO DO DIREITO
Sumário

O articulado em que o autor por iniciativa própria, de forma espontânea, exerce o contraditório relativamente à matéria de exceção alegada pelo réu na contestação deve ser admitido, até porque, se não fosse essa iniciativa do autor, o contraditório referente a tal exceção sempre lhe teria que ser facultado, seja em sede de audiência prévia, seja no início da audiência final, ou, inclusive, por iniciativa do juiz ao abrigo dos poderes/deveres de gestão processual e de adequação formal.

Texto Integral

Proc. 16762/23.4 T8PRT-A.P1

Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz 8

Apelação (em separado)

Recorrente: AA

Recorrido: BB

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadoras Lina Castro Baptista e Maria Eiró

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

O autor BB intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra o réu AA, tendo pedido:

I. A declaração de resolução do contrato de arrendamento por não uso do locado por mais de um ano;

II. A condenação do réu a desocupar o arrendado e entregá-lo ao autor livre de pessoas e bens;

III. A condenação do réu a pagar ao autor uma indemnização no valor mensal de 372,56€, desde a data da resolução do contrato e até à efetiva entrega do locado, nos termos do art. 1045º, n.º 2, do Cód. Civil;

IV. A condenação do réu nas custas da presente demanda.

Devidamente citado, o réu apresentou contestação com o seguinte teor:

“1º Aceita o Réu o alegado na petição sob os artigos 1º, 3º, 4º, 5º e 6º.

2º Não aceita o Réu o demais alegado na petição ora por não corresponder integralmente à verdade dos factos, ora por comportar matéria conclusiva ou de direito.

3º Na verdade, e desde pelo menos 2004 que o aqui Réu viu cada vez mais deteriorado o estado do locado em virtude de conduta, única e exclusivamente imputável, ao Autor.

4º Desde logo, e por falta de reparação do telhado do prédio, o locado foi apresentando cada vez mais infiltrações de humidade e mesmo chuva.

5º Por outro lado, a deterioração das caixilharias das janelas e a quebra de vidros contribuíram para que a humidade alastrasse às diversas divisões e deixasse de proteger, quer da chuva, quer do frio.

6º Os sinais de humidade nas paredes interiores foram provocando o apodrecimento de argamassa e o descolamento do papel de parede; o apodrecimento e o colapso das peças de madeira das guarnições, caixilhos e portadas dos vãos exteriores; o apodrecimento do chão em parquet em alguns compartimentos;

7º Apesar de alertado por mais de uma vez do estado do locado o ora Autor não realizou obras seja na cobertura, seja na caixilharia, seja no interior.

8º Face à ausência de resposta por parte do senhorio a própria irmã do aqui Réu, CC, tentou interceder no sentido da resolução da questão, chegando a comunicar, já no ano de 2014, que até havia tetos caídos na habitação do irmão.

9º Nessa altura, o irmão já fora forçado a concentrar os seus haveres pessoais, entre os quais os diversos livros da sua biblioteca numa única divisão, aquela onde havia menores infiltrações.

10º Naturalmente e nessa mesma altura, o locado já não possuía quaisquer condições de habitabilidade, vendo-se o ora Réu forçado a residir com habitualidade noutro local, designadamente, a morada da sua irmã, onde ainda reside, sita no Largo ..., ..., 5º esquerdo, no Porto.

11º Não se tratou, porém, e ao contrário do alegado na petição, de um abandono do locado por parte do inquilino, o qual aliás continuou a deslocar-se por diversas vezes ao locado a fim de averiguar se já tinham sido feitas algumas obras e se a fração já dispunha de condições mínimas para regressar.

12º Sucede que as únicas obras que o ora Autor se dignou a realizar foram ao nível das fachadas do prédio e do telhado.

13º A caixilharia chegou a ser substituída, mas sem reposição de persianas novas, ao contrário dos restantes andares que possuem persianas novas e assim se conseguem proteger da luz, dos barulhos, do frio e da devassa de terceiros.

14º Assim e em resumo, as obras realizadas pelo senhorio apenas obstaram à continuação das infiltrações de água pelo telhado.

15º Internamente, o soalho continuou danificado, as paredes descascadas e as guarnições apodrecidas.

16º A própria instalação elétrica deixou de ser utilizável, quer pelas infiltrações de humidade, quer pelos riscos de choque elétrico que comportava.

17º De igual modo, a canalização de água também deixou de ser utilizável pela corrosão dos canos e porque as juntas da tubagem não oferecerem resistência à pressão da água.

18º Apenas não se verificaram inundações internas porque o contador da água se encontrar desligado.

19º O estado de deterioração do locado atingiu tais proporções que exala um cheiro bafiento, impossibilitando, também por isso, a sua habitabilidade.

20º Todo este estado de inabitabilidade do locado foi reconhecido no âmbito da ação de processo comum, tendente ao despejo do ora Réu que o aqui Autor contra ele intentou em 4 de Fevereiro de 2015 e que correu termos sob o nº 3155/15.6T8PRT, pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Local – Seção Cível – J3, cujo Acórdão final se junta adiante como documento n. 1 e que aqui se dá como reproduzido, designadamente quanto aos factos ali dados por definitivamente assentes.

21º Acrescenta-se ainda, ao contrário do que o Senhorio ora tenta fazer crer, o Réu não deixou de manter os contratos de água e eletricidade ativos, continuando a pagar as respetivas faturas ainda que, naturalmente, sem consumos dos respetivos bens – cfr. a título exemplificativo as faturas de águas e saneamento da junho, julho e agosto de 2021 que ora se juntar como docs. 2,3 e 4.

22º Aliás, tenho o ora Autor visto improceder com trânsito em julgado a ação de despejo que intentou contra o Réu em 2015, só por má fé se entende a insistência numa ação daquele tipo, tanto mais quanto é certo que o senhorio ainda recentemente atualizou a renda e a vem recebendo, regular e mensalmente [sic].

23º Com efeito, em 2 de novembro de 2022, o ora A. endereçou ao Réu uma missiva para a morada onde este reside destinada a atualizar as rendas desde 2022, fixando a última no montante de 186,28€, que tem sido paga desde janeiro do corrente ano- cfr. doc. 5 que aqui se dá como reproduzido.

24º Face a esta factualidade é bom de ver que o ora Réu não deixou de habitar o locado nem por sua iniciativa, nem para deixar de pagar rendas, antes e apenas para proteger a sua saúde e integridade física, sempre na expectativa de que o senhorio iria a sua obrigação contratual de dotar o locado de condições mínimas de habitabilidade [sic].

25º Tanto é assim que até antes da interposição da aludida ação de despejo por parte do senhorio, já o inquilino, aqui Réu, havia intentado uma ação de processo comum destinada à condenação daquele a realizar obras no locado, a realojar o Autor e a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos causados.

26º Tal ação correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível – J9, sob o número 679/15.9T8PRT.

27º É certo que a final tal ação não veio a ser julgada procedente, mas essencialmente porque se considerou que o senhorio endereçou missivas ao inquilino para acesso ao locado e, alegadamente, realização de algumas obras sem que o Réu tenha respondido a tais missivas.

28º Ora como é bom de ver, aquando dessas missivas, no ano de 2014, o ora Réu já não habitava de forma permanente o locado não tendo por isso rececionado as mesmas, as quais como se reconheceu naquela ação “vinham devolvidas”.

29º Nestes termos, não só o Réu duvida que o Autor tivesse uma legítima intenção de lhe proporcionar condições de habitabilidade no locado, como o certo é que as ditas missivas não chegaram a ser do conhecimento do Réu, não se podendo extrair da sua devolução qualquer intenção deste em não facultar o acesso ao locado para obras.

30º Aliás, basta atentar nas regras da experiência para concluir que, se não fosse intenção do Réu voltar a habitar o locado o mesmo não teria intentado a sobredita ação, nem muito menos continuar a pagar as rendas e mais os serviços mínimos dos bens essenciais.

31º De notar ainda que na mesma ação 679/15.9T8PRT foi nomeado um técnico para perícia sobre o estado do locado, tendo o mesmo prestado um parecer que não deixa dúvidas sobre o estado de inabitabilidade do locado por ausência de obras de conservação e manutenção, conforme documento n. 6 que se junta e cujo teor aqui se dá como reproduzido, designadamente quanto às seguintes constatações:

a) O locado apresenta sinais de degradação profunda e generalizada;

b) Os tetos encontram-se apodrecidos e em estado de colapso parcial ou ruína;

c) A humidade provém essencialmente da cobertura do prédio, com barrotes apodrecidos e sem telhas a fazer vedação das águas pluviais;

d) As caixilharias estão também em estado degradado tal como o pavimento de madeira;

e) É necessário rever toda a rede de abastecimento de água e testar a de saneamento;

f) A rede elétrica não está segura em virtude de a humidade colocar em perigo de curto circuito o locado.

DO DIREITO

32º O Autor fundamenta o pedido de resolução do contrato de arrendamento em causa no pretenso incumprimento do mesmo por parte do Réu, designadamente quanto à obrigação de usar efetivamente o locado para o fim contratado, ou seja, e no caso, o fim de habitação.

33º Alegadamente, o Réu estaria a incumprir a obrigação contratual prevista no artigo 1072º n. 1 do Código Civil, sendo esse incumprimento subsumível à justa causa de resolução pelo senhorio prevista no artigo 1083º n. 2 alínea d) do mesmo diploma.

34º Sucede que, face à factualidade ora carreada para os autos – e que o Autor não podia desconhecer – torna-se manifesto que, por um lado o arrendatário apenas deixou de usar regularmente o locado por caso de força maior – a manifesta inabitabilidade da fração - o que corresponde a uma das ressalvas ao dever de uso efetivo prevista na alínea a) do n. 2 do artigo 1072º do Código Civil.

35º Por outro lado também se torna manifesto que apesar do locado não estar a ser usado há mais de um ano, só se esse não uso fosse culposo e grave é que era inexigível a manutenção do arrendamento, segundo o artigo 1083º, n. 2 do C. Civil.

36º Ora no caso, o não uso não se deve a qualquer culpa do Réu, sequer a título de negligência pois que se ficou a dever, única e exclusivamente, à falta de obras de conservação e manutenção que incumbiam ao locador, segundo o artigo 1031º alínea b) do C. Civil.

37º Conforme se refere no Acórdão do STJ proferido no processo 4852/06.2TBAVR, “ tal obrigação supõe que o locado deva ser conservado e reparado, em termos de o seu uso normal não ficar impedido ou diminuído”, sendo que, se o locador não a cumprir “incorre em responsabilidade contratual”.

38º Mais acrescenta o mesmo aresto que a obrigação de conservação ordinária do locador “caracteriza-se pela manutenção do imóvel em condições de salubridade e higiene exigíveis numa sociedade urbana, com hábitos de assepsia e de vida em ambiente saudável”.

39º No caso vertente, não só não houve incumprimento culposo por parte do inquilino, como o único incumprimento contratual é do senhorio, facto que este não pode alegar desconhecer face ao desfecho da ação de despejo que já intentou em 2015 e que foi julgada improcedente pelo Tribunal da Relação do Porto.

40º Tal circunstância revela, além do mais, um uso anormal do processo e a alegação de factos de que o ora Autor não podia desconhecer serem falsos, sendo como tal susceptível de configurar uma situação de litigância de má-fé, nos termos do artigo 542º n. 1 e 2 alíneas a), b) e d) do C.P.C.

Pelo exposto e nos demais termos que V. Exa. certamente suprirá deve a presente acção ser totalmente julgada improcedente, com a consequente absolvição do Réu AA de todos os pedidos formulados, incluindo o de indemnização após a resolução do contrato.

Mais deve o Autor, BB, ser julgado como litigante de má fé, com consequente condenação do mesmo em multa condigna.”

O autor, notificado da contestação com documentos apresentada pelo réu, veio apresentar, em 20.11.2023, o seguinte requerimento:

“A) Dos documentos juntos com a contestação:

1. O Réu juntou documentos com a contestação.

2. Ao abrigo do princípio do contraditório (positivado no art. 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil), o Autor tem o poder/dever de se pronunciar sobre esses documentos.

3. O Réu juntou, como documento n.º 1, na contestação a que, ora, se responde, o Acórdão proferido, em 14 de Dezembro de 2017, no processo n.º 3155/15.6T8PRT.

4. O Autor impugna o sentido e alcance probatório que o Réu pretende retirar deste documento, uma vez que, do mesmo, não resulta a factualidade que pretende provar.

Com efeito,

5. O, aqui, Autor intentou essa ação contra o, também aqui, Réu pedindo a declaração de resolução do contrato de arrendamento e a restituição do locado, atendendo a que o locatário mantinha o arrendamento totalmente desmazelado, degradado, com lixo acumulado, factos prejudiciais e atentatórios da estética, salubridade e condições de habitabilidade da parte restante do prédio, sendo inexigível ao locador a manutenção do arrendamento.

6. Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que declarou resolvido o contrato de arrendamento.

7. Esta decisão foi revogada pelo Tribunal da Relação do Porto, mas não pelos fundamentos que o Réu alega na sua contestação.

8. No Acórdão em apreço pode ler-se, a final: “é o próprio Autor que fundamenta juridicamente o seu direito à resolução na repercussão que o comportamento do R. tem sobre os demais inquilinos do imóvel. Todavia, não se provou que o cheiro a bafio do locado derive de culpa do R., mas das infiltrações de humidades da cobertura, caleira e platibanda, nem que dele saiam baratas que se introduzam nas casas dos demais utentes. Provou-se, efectivamente, que o R. se mostra renitente à entrada do A. no locado, mas isso não preenche a norma invocada e utilizada pelo Tribunal para julgar parcialmente procedente a acção e decretar a resolução do contrato de arrendamento.”

9. Nessa ação foram, ainda, considerados provados os seguintes factos:

§ O aludido imóvel foi entregue ao Réu dispondo de instalações de água e luz elétrica, indispensáveis para o conforto e comodidade do ser humano;

§ A casa habitada por este exala um cheiro bafiento;

§ A habitação do Réu era abastecida de água, pelo menos, há dez anos, bem assim como a instalação elétrica se encontrava com deficiências;

§ A fim de examinar as condições do locado, o autor solicitou ao Réu, por diversas vezes, o acesso à habitação deste, dirigindo-lhe missivas que vinham devolvidas;

§ No ano de 2014, pelo autor foram realizadas obras ao nível das fachadas e telhado sem que o Réu tivesse permitido ou facilitado, ao empreiteiro, o acesso à sua habitação;

§ Tal circunstancialismo levou a que o empreiteiro tivesse de substituir os vidros das janelas da habitação do Réu pelo exterior, os quais se encontravam partidos, assim como á remoção das persianas, uma vez que devido ao estado de degradação das mesmas, ameaçavam perigo de queda para a via pública;

§ O Autor solicitou a intervenção da Delegação de Saúde, a fim de ser realizadas uma vistoria por parte desta autoridade administrativa às condições de salubridade da habitação do Réu;

§ O réu não facultou a entrada na habitação;

§ O locatário mantém a habitação com lixo acumulado;

§ Em Setembro de 2014, numa última tentativa de aceder ao locado para verificar o estado deste, o autor interpelou o réu para facultar o exame deste, através de carta registada.

§ O prédio apresenta uma anomalia localizada no seu dispositivo de impermeabilização junto à platibanda que encima a área do locado;

§ A fracção habitada pelo R. dispõe actualmente de electricidade, no interior habitação que é actualmente feita com o recurso a extensões, que conduzem a electricidade a todos os dispositivos em que é necessária.

§ Tal distribuição eléctrica é feita nos referidos termos porque as instalações são antigas, com cabos eléctricos deteriorados e com um contador danificado, mas também devido aos defeitos estruturais do edifício que ao sofrer infiltrações de água, a mesma ao se colocar em contacto com os cabos elétricos poderá gerar situações atentadoras para a segurança dos habitantes do edifício.

§ No locado existem infiltrações provenientes da cobertura dos estuques dos compartimentos, os quais provocaram em dois deles o seu colapso parcial.

§ Os sinais de humidade nas paredes interiores correspondentes às fachadas do prédio provocaram apodrecimentos da argamassa e o descolamento do papel de parede; o apodrecimento e o colapso das peças de madeira das guarnições, caixilhos e portadas dos vãos exteriores, o apodrecimento do chão em parquet em alguns compartimentos resultante de inundações e/ou humidades.

§ As infiltrações em causa são datadas de há cerca dez anos;

§ A irmã do Réu, e em nome deste, comunicou ao autor no ano de 2014 que no locado em causa havia tectos caídos.

10. No que se refere ao documento n.º 6, junto com a contestação, mais uma vez, o Autor impugna o sentido e alcance probatório que o Réu pretende retirar deste documento.

11. O, ora Réu, intentou uma ação contra o aqui Autor, que correu os seus termos sobre o n.º 679/15.9T8PRT, na qual peticionou que o Locador fosse condenado a (i) realizar obras de conservação, recuperação e renovação no imóvel arrendado ao A., (ii) realojar o A. durante o período de intervenção no locado e (iii) pagar ao A. uma indemnização pelos prejuízos causados ao A. e pelo incumprimento contratual, no montante que viesse a ser liquidado em execução de sentença.

12. A ação foi julgada totalmente improcedente em 1.º instância, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.

13. Com efeito, no Acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2021, cuja cópia se junta como doc. n.º 1, foram considerados provados os factos infra indicados, do artigo 14 ao artigo 21, que aqui também se deixam alegados para todos os efeitos legais.

14. A fim de examinar as condições do locado o, aqui, Autor solicitou ao Réu, por diversas vezes, o acesso à habitação deste, dirigindo-lhe missivas que vinham devolvidas.

15. No ano de 2014, pelo Autor foram realizadas obras ao nível das fachadas e telhado sem que o Réu tivesse permitido ou facilitado, ao empreiteiro, o acesso à sua habitação.

16. Tal circunstancialismo levou a que o empreiteiro tivesse de substituir vidros das janelas da habitação do Réu pelo exterior, os quais se encontravam partidos, assim, como à remoção das persianas, uma vez que devido ao estado de degradação das mesmas, ameaçavam perigo de queda para a via pública.

17. O, aqui, Autor solicitou a intervenção da Delegação de Saúde a fim de ser realizada uma vistoria por parte desta autoridade administrativa às condições de salubridade da habitação do, aqui, réu.

18. O Réu não facultou a entrada na habitação.

19. Em Setembro de 2014 numa última tentativa de aceder ao locado para verificar o estado deste, o, aqui, Autor, interpelou o, aqui, Réu para facultar o exame deste através de carta registada.

20. No ano de 2014, o Autor realizou obras de conservação do prédio e no interior das frações, incluindo na que fica por baixo da do Réu, nenhuma intervenção tendo sido realizada na habitação do Réu, para além da referida, por este não permitir a entrada nem para a realização de quaisquer trabalhos, nem para a determinação de quais os trabalhos a executar.

21. O estado em que se encontra a habitação decorre de uma falta de manutenção na cobertura e na fachada do prédio, mas também da falta de manutenção do próprio interior da habitação.

22. Nessa ação ficou, ainda, demonstrado que a situação do locado é devida à acção negligente do Réu que, por exemplo, ignorou vários pedidos para realização de obras.

23. Por outro lado, ficou provado que a não realização de obras ficou a dever-se, além do mais, à conduta do locatário.

24. O Tribunal de 1.º instância e o Tribunal da Relação foram unânimes em considerar que o, aqui, Autor não tem de realizar obras de conservação, recuperação e renovação no imóvel arrendado, uma vez que logrou demonstrar não estar, por culpa sua, em incumprimento.

Posto isto:

25. É dever do arrendatário, nos termos do artigo 1038º, alíneas b) e c) do Código Civil, colaborar com o senhorio para que este visite e inspecione o locado e proceda a obras e reparações urgentes, o que não sucedeu no caso sub judice.

26. De acordo com o disposto no artº 1038 h) do Código Civil, é obrigação do locatário avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, o que também não aconteceu no caso em apreço.

27. Se o senhorio não está ciente do estado do locado, porque o locatário nem sequer permite que o senhorio visite o imóvel, não pode ser responsabilizado pela não realização de obras necessárias.

Ora,

28. A causa de força maior, invocada pelo Réu, ter-se-ia de reconduzir a facto de terceiro, inevitável, inesperado ou imprevisível, pelo qual o arrendatário não poderia ser responsabilizado.

29. Consideraram os Tribunais, no processo que correu termos sob o n.º 679/15.9T8PRT, que o estado do imóvel é devido à ação negligente do Réu que, por exemplo, ignorou vários pedidos para realização de obras.

30. O estado do imóvel não foi, por isso, inesperado, nem imprevisível, nem imputável ao Autor, tal como já decidido na ação judicial referida no artigo anterior.

31. Face ao exposto, não pode ter-se como verificada uma situação de força maior, impeditiva do uso do locado pelo Réu, conforme previsto no artigo 1072º, n.º 2, alínea a), do Código Civil.

Acresce que

32. Não obstante a decisão judicial do processo n.º 679/15.9T8PRT ter sido no sentido do Autor não ter de realizar obras, o Autor quis efetuar obras no andar locado ao Réu, a saber: (i) remoção de caixilharia existente e colocação de uma nova em todo o andar e (ii) remoção das soleiras e colocação de novas, também em todo o andar.

33. Face às infrutíferas tentativas de contacto por carta, o Autor requereu a notificação judicial avulsa do locatário para que este facultasse o acesso ao locado para a realização das obras. (doc. 2)

34. O Réu não facultou, mais uma vez, o acesso ao imóvel.

35. O Autor teve, por isso, de intentar uma providência cautelar não especificada na qual peticionou que o Requerido fosse obrigado a facultar o acesso ao arrendado para que durante o prazo necessário à execução das obras fossem executadas as obras de substituição das caixilharias e respetivos parapeitos em todo o arrendado. (doc. 3)

36. Novamente, o Réu opôs-se a facultar o acesso à fração para a realização das obras. (doc. 4)

37. Em 20 de Dezembro de 2021, as Partes transacionaram no sentido de o Réu facultar o acesso ao arrendado ao Autor, ou a quem este indicasse, com vista à realização das obras de substituição das caixilharias e substituição dos respetivos peitoris. (doc. 5)

38. No dia 22 de Dezembro de 2021, o Autor entrou no locado para serem retiradas as medidas às janelas e soleiras, para fabrico das mesmas.

39. Nos dias 2 e 3 de Março de 2022, foram colocadas janelas novas e soleiras no locado. (doc. n.º 6).

40. De 23 de Maio de 2022 a Outubro de 2022, foram realizadas obras na cobertura (substituição de telhas, caleiras, tubos de queda e colocação de isolamento térmico) e nas fachadas (isolamento com reboco armado e pintura) do prédio.

41. O locado, conforme alegado na petição inicial, continuou, e continua, no entanto, desabitado.

42. Este não uso torna inexigível a manutenção do arrendado e justifica a rutura contratual, tal como defendido na petição inicial.

Acresce, ainda que,

43. Os documentos números 2, 3 e 4, juntos com a contestação, estão ilegíveis pelo que não é possível ao Autor se pronunciar quanto ao respetivo conteúdo.

Por último,

44. O Réu alega que a posição sustentada pelo Autor, na petição inicial, configura uma situação de litigância de má-fé.

45. Carece de fundamento a pretensão do Réu, quanto à condenação do Autor como litigante de má-fé. O Autor está, pois, convicto, quer pelos factos, quer pelas razões invocadas na petição inicial, do não fundamento da pretensão do Réu.

46. Acresce que, a litigância de má-fé tem como pressuposto o dolo ou a negligência grave, isto é, a consciência de se não ter razão.

47. Ora, no articulado – petição inicial, tal não acontece.

48. O Autor defende convictamente a sua posição e está convencido de que lhe assiste razão e de que o que alegou é a pura expressão da verdade.

49. Assim, o pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé, vertido nos artigos 39º e 40º, da contestação, que desde já se impugnam, deve improceder, por falta de fundamento fáctico e legal.

50. Quanto ao demais articulado pelo Réu, na sua contestação, escusa-se o Autor de se pronunciar, uma vez que se trata de defesa por impugnação.

Termos em que deve ser julgado improcedente o pedido de condenação em multa por litigância de má-fé, deduzido pelo Réu na contestação e ser julgada procedente, por provada, a presente ação nos precisos termos do pedido formulado na petição inicial, com todas as consequências legais.”

O réu, notificado deste requerimento, veio, em 29.11.2023, expor o seguinte:

“1º Ao contrário do que alega naquele requerimento, o A. não se limita, nele, a impugnar os documentos juntos pelo Autor com a sua contestação, os quais, aliás e na sua generalidade, são documentos autênticos (cópias de decisões judiciais), tendo a força probatória plena a que alude o art. 371º do Código Civil.

2º Muito mais do que isso, o Autor aproveita o pretenso exercício do contraditório para alegar novos factos, diversos dos que alegou na sua petição, designadamente os que ora narra sob os nºs 9, 14º a 24º e 27º a 42º.

3º Ao fazê-lo, o A. pratica um ato que a lei processual não admite, porquanto só seria admissível uma resposta ou réplica se o Réu tivesse deduzido reconvenção e para defesa da matéria desta – cfr. art. 584º, nº 1, do CPC.

4º Por isso e posto que a matéria ora alegada pelo A. poderia obviamente influir na decisão da causa, a irregularidade cometida corresponde a uma nulidade, que ora e expressamente o Réu argui, nos termos e para os efeitos do art. 195º do CPC.

5º Devendo, em conformidade, ser desentranhado o requerimento apresentado ou, pelo menos, dados por não escritos os aludidos factos em que o A. extravasa do exercício do contraditório.

6º De idêntico modo, também não devem ser admitidos e antes desentranhados os documentos juntos pelo A. com o requerimento em apreço.

7º Não só tal requerimento é nulo, nos sobreditos termos, como os documentos com ele juntos não o foram nos termos e para os efeitos consentidos pelo art. 423º do CPC.

8º Com efeito, apenas são admissíveis documentos, por parte do autor, para “prova dos fundamentos da ação”, segundo o nº 1 do citado art. 423º e, no caso, nenhum dos documentos em causa visa fazer prova de qualquer um dos factos alegados na petição inicial.

9º Acresce que embora os nºs 2 e 3 do mesmo preceito permitam juntar documentos posteriormente à petição, não só fazem depender tal faculdade de multa, como a limitam a documentos que possam servir de “prova aos fundamentos da ação”, que possam comprovar factos alegados no articulado admissível, no caso a petição (cfr. nº 1, in fine, do mesmo art. 423º do CPC).

10º Quanto aos documentos nºs 2, 3 e 4 juntos com a contestação – e que o A. diz estarem ilegíveis – o Réu volta a juntá-los, esperando que aquele possa agora e querendo exercer o contraditório quanto a eles.”

Notificado deste requerimento, o autor, em 6.12.2023, veio expor o seguinte:

“1. O Réu juntou documentos com a contestação.

2. Ao abrigo do princípio do contraditório, o Autor tem o poder/dever de se pronunciar sobre esses documentos.

3. Para além dos documentos, o Réu invocou uma exceção na sua contestação: caso de força maior.

4. Inexiste um articulado próprio para a resposta às exceções deduzidas pelo Réu.

5. Efetivamente, conforme dispõe o n.º 4, do artigo 3.º. do Código de Processo Civil (CPC), “às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.

6. No entanto, ao abrigo do princípio da economia processual, havendo lugar a um novo articulado, neste caso, de resposta a documentos, deve o Autor, salvo melhor opinião, responder, nesse articulado, às exceções deduzidas.

7. Assim, o, aqui, Autor não alegou factos novos, apenas respondeu à exceção invocada pelo Réu.

Acresce que

8. Em determinadas situações, o Juiz pode, fundado no prescrito nos artigos 6.º, n.º 2 e 547º, do Código de Processo Civil, decidir, ao abrigo do poder de adequação formal, facultar ao autor o exercício, por escrito, do contraditório.

9. Veja-se, ainda, a este propósito o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/10/2017, processo n.º 807/16.7T8CSC-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, em que foi defendido acerca da situação em que ocorreu o exercício espontâneo do contraditório por parte do Autor, que este “devia ter sido aproveitado como manifestação de economia processual, tanto mais que não pôs em causa a celeridade que o legislador pretendeu conferir à fase dos articulados que já se mostrava ultrapassada, fazendo todo o sentido que o A. tivesse concentrado no referido requerimento para além da sua posição no referente à inicialmente requerida inspecção judicial, também a sua posição relativamente à excepção arguida na contestação. Entende-se, aliás, em termos gerais, que se deve admitir o articulado ou requerimento – como foi o caso dos autos – em que o autor exerce “sponte sua” o contraditório referente às exceçções, quando, numa visão retrospectiva sobre o mesmo, o juiz deva entender que se não fora essa livre iniciativa do autor, sempre lhe teria facultado tal possibilidade ao abrigo do poder/dever de gestão processual e da flexibilização ínsita à adequação formal”

10. Embora a invocação na contestação de uma exceção por parte do Réu e a invocação da contra exceção por parte do Autor através do seu requerimento possam alargar o âmbito da discussão fática, a verdade é que tal alargamento não contende com qualquer alteração do objeto do processo, mantendo-se este com a configuração que lhe foi dada na petição inicial (quanto à causa de pedir e ao pedido formulado) inexistindo, assim, nesta situação a violação do princípio da estabilidade da instância (artigo 260º, do CPC).

11. Por último, o regime de apresentação da prova documental em processo civil mostra-se estruturado em três patamares temporais, sendo o regime regra o previsto no artigo 423º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual “Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”.

12. Com o requerimento de resposta à exceção deduzida pelo Réu, o Autor juntou, apenas, os documentos que servem para fazer prova dos factos aí articulados.

Termos em que e com mui douto suprimento de V. Exa. deve ser julgada improcedente a arguição de nulidade suscitada pelo Réu, mantendo-se no processo o requerimento do Autor bem como os documentos aí juntos.”

Em 7.12.2023 foi proferido o seguinte despacho judicial:

“- Admissibilidade da resposta do A. (correspondente ao req. de 20-11-2023) -

O articulado de resposta apresentado pelo A. é admissível ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 3, do CPC.

Com efeito, uma vez que nos presentes autos é dispensada a realização da audiência prévia – um dos momentos em que, nos termos do art. 3º, nº 4, o A. se poderia pronunciar quanto à matéria de excepção deduzida em sede de contestação -, e, nesse caso, o mesmo apenas o poderia fazer no início da audiência final (cfr. citado art. 3.º, nº 4 in fine), aquela pronúncia, em momento anterior, apenas preclude o direito de novamente o fazer nesse momento e sede processual (no início da audiência final) e permite conhecer antecipadamente a posição do A. quanto à matéria fáctica relativa a tal excepção.

Mais: permite o exercício efectivo do direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial, que entendemos que não deve entender-se precludido com a dispensa da audiência prévia, já que um tal entendimento faria prevalecer uma interpretação do CPC excessivamente formal (face à ausência de uma previsão expressa da lei para esta hipótese), ao arrepio do seu pretendido paradigma (de uma justiça cada vez mais material, à qual se justifica sacrificar os eventuais actos de programação da audiência final que, deste modo, venham a ficar prejudicados).

Assim, tal articulado também deverá ser admitido com base nas exigências de simplificação e agilização processual impostas pelo art. 6º do CPC.

Pelo exposto, admito o articulado de resposta apresentado pelo A..

Notifique.”

Foram também admitidos os documentos juntos aos autos pelas partes, nos respetivos articulados, nos termos do art. 423º do Cód. de Proc. Civil.

Inconformado com esta decisão, o réu, em 8.1.2024, veio interpor recurso, que rematou com as seguintes conclusões:

A) A resposta apresentada pelo Réu em 20/11/2023, bem como os documentos com ela juntos, não deveriam ter sido admitidos pelo Mmo. Juiz a quo, como admitiu com o despacho de 7/12/2023.

B) A essa admissão obstava desde logo o facto que a forma da ação – processo comum – apenas permitir a dedução de um terceiro articulado em caso de reconvenção por parte do Réu, reconvenção essa que no caso não foi de modo algum deduzida.

C) Por outro lado, com a reposta apresentada, o Autor veio alegar factos novos para fundamentar o pedido de resolução do contrato de arrendamento de que tratam os autos – designadamente, os ora alegados sob os nº 9º, 14º a 24º e 27º a 42º, que aqui se dão por reproduzidos – violando o princípio da estabilidade da instância, quanto à causa de pedido, que a lei processual impõe após a citação do Réu.

D) Ainda que o Mmo. Juiz a quo pudesse dispensar, como dispensou, a realização de uma audiência prévia, apenas poderia ter concedido ao autor o exercício do contraditório através de um requerimento como o da resposta apresentada se e na medida em que:

- o autor se limitasse a pronunciar-se sobre a admissibilidade e relevância probatória dos documentos juntos pelo réu com a contestação (último articulado admissível); ou

- o réu tivesse deduzido, com este último articulado, alguma exceção dilatória ou perentória.

E) Não se tendo o Autor limitado a pronunciar sobre os documentos juntos pelo Réu (e que aliás são documentos autênticos – certidões judiciais), nem tendo este deduzido qualquer exceção com a sua contestação (antes e apenas uma impugnação motivada), mostra-se legalmente inadmissível a resposta do autor.

F) Acresce que o Mmo Juiz a quo, ao admitir a resposta nos termos latos em que a admitiu, admitiu também a junção de documentos pelo réu fora dos caso e condições em que poderiam ter sido admitidos, ou seja, para prova dos fundamentos da ação e com a própria petição ou, depois desta, mediante multa.

G) Tendo, por esses motivos e pelo demais melhor explicitado em sede de alegações, o despacho recorrido violado as disposições legais dos arts. 3º, nºs. 3 e 4º, 6º, 195º, 260º, 415º, 423º 427º, 576º 584º, 591º, 613º, nº 3, e 615º, nº 1, al. d), todos do CPC.

Em conformidade e nos demais termos que V. Exºas certamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em conformidade:

- ser revogado o despacho do Mmo. Juiz a quo de 7/12/2023 que admitiu a denominada “resposta do Autor” e substituído por outra que não a admita ou que, pelo menos, que não a admita na parte dos seus nºs 9, 14º a 24º e 27º a 42º; e

- ser, em qualquer caso, indeferida a junção aos autos dos documentos juntos pelo Autor com a mesma “resposta”.

O autor, em 22.1.2024, apresentou resposta, na qual se pronunciou pela confirmação do decidido em 1ª Instância.

Em 25.1.2024, o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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A questão a decidir é a seguinte:

Apurar se devem ser admitidos nos autos o articulado de resposta apresentado pelo autor em 20.11.2023 e os documentos que o acompanharam.


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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.

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Passemos à apreciação de mérito.

1. O réu insurge-se contra a decisão da 1ª Instância que admitiu a apresentação do articulado de resposta por parte do autor, bem como a junção dos documentos que o acompanharam.

Sustenta, nesse sentido, que na sua contestação não deduziu qualquer exceção, não havendo, por isso, lugar a contraditório, e ainda que o houvesse, o momento próprio para o seu exercício seria a audiência prévia.

Entende também não ser legalmente admissível a junção de documentos com o articulado de resposta.

Vejamos então.

2. Estatui o seguinte o art. 584º do Cód. de Proc. Civil:

«1. Só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria de reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção.

2. Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu.» 

Por seu turno, o art. 3º, nº 4 do Cód. de Proc. Civil diz-nos que «[à]s exceções deduzidas no último articulado pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.»

Daqui resulta que com o novo Cód. de Proc. Civil se quis que, em regra, os articulados fossem apenas dois – petição inicial e contestação –, com o que se pretendeu a máxima restrição da fase dos articulados, aceitando-se para tal os inconvenientes processuais associados a essa restrição e que acabam por conferir um novo perfil ao atual processo civil por deixar de ser possível a alteração ou a ampliação da causa de pedir e do pedido na réplica com a amplitude com que era admitida no anterior Código – cfr. o seu art. 273º, nºs 1 e 2. [cfr. Ac. Rel. Lisboa de 26.10.2017, p. 807/16.7 T8CSC-A.L1-2, relatora TERESA ALBUQUERQUE, disponível in www.dgsi.pt.][1]

PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO (in “Primeiras Notas ao Código de Proc. Civil”, 2ª ed., pág. 501), em comentário ao art. 584º do Cód. de Proc. Civil, afirmam que “a restrição do objecto da réplica prevista neste número é imposta pela coerência do sistema” e que “o sentido da reforma foi o de restringir a articulação aos factos essenciais”.

Porém, escrevem estes autores (ob. cit., pág. 502) que “se o autor apresentar espontaneamente um articulado de resposta fora dos casos previstos neste artigo, só deverá este ser admitido se estivermos perante uma situação que sempre justificaria uma adequação formal que o permitisse. De outro modo, ao ato praticado não deve ser atribuído qualquer efeito – podendo ser ordenada a sua eliminação do processo electrónico, se este procedimento tiver alguma utilidade, como evitar a excessiva massificação dos autos ou o surgimento de equívocos quanto à sua relevância».

Nesta mesma linha escrevem ainda (ob. cit., pág. 502) que “[o] juiz, pode, excecionalmente, ao abrigo dos deveres de gestão processual (art. 6º, nº 1) e de adequação formal (art. 547º) introduzir no guião processual um terceiro articulado, em casos não contemplados pelo artigo comentado, permitindo que, já nesta fase, e não apenas na audiência prévia (art. 3º, nº 4), o autor se pronuncie sobre as excepções deduzidas pelo réu”.

Contudo, “deverá fazê-lo com parcimónia, sob pena de desvirtuamento da alteração legislativa. Por regra, só se justifica nos casos em que o réu deduza uma exceção, sendo plausível a sua procedência, e quando a realização da audiência prévia importe custos elevados para a parte ou para o seu mandatário”.   

Por seu turno, PAULO PIMENTA (in “Processo Civil Declarativo”, 2015, pág. 207) escreve que “apesar da inexistência de articulado para responder às excepções, sempre fica assegurado ao autor o exercício do contraditório quanto a tal matéria, mais exactamente na audiência prévia, tal como estabelece o nº 4 do art. 3º. Só não será assim se o juiz decidir proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que determinará a notificação do autor para esse fim.”[2]

LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª ed., pág. 607), refutando a jurisprudência que entende que, quando seja apresentada réplica fora dos casos previstos no art. 584º do Cód. de Proc. Civil, não lhe pode ser atribuído o efeito de antecipar a resposta admitida pelo art. 3º, nº 4, pelo que deve ser eliminada do processo eletrónico (Ac. Rel. Évora de 11.6.2015, proc. 1406/14.3TBPTM-B.E1, relator MATA RIBEIRO, disponível in www.dgsi.pt.), escreve o seguinte:

“(…) nada impede a antecipação da prática dum ato de parte que não tenha de ser precedido de outro ato processual, ainda não praticado, com influência no exame ou decisão da causa (art. 195-1); é, aliás, contrário ao princípio da economia processual eliminar do processo, sem qualquer vantagem, um ato que mais tarde será repetido. Entendemos, portanto, que é admissível que a parte antecipe a resposta às exceções, desde que tal não complique a tramitação do processo e não sejam praticados antes da resposta, no processo concreto, atos que possam influenciar a sua existência ou conteúdo (nomeadamente, um ato de aperfeiçoamento do articulado a que se responde). Depois, das duas, uma: ou o juiz, na audiência prévia, decide, por despacho de adequação formal, que haja réplica e até, eventualmente, tréplica (art. 591-1-e), valendo o articulado apresentado como tal (…); ou o articulado constitui a mera resposta admitida pelo art. 3-4, como tal admitida pelo juiz na própria audiência”.

3. Feitas estas considerações há que regressar ao caso dos autos.

O autor pede a resolução do contrato de arrendamento, aqui em apreciação, com fundamento no disposto nos arts. 1083º, nº 2, al. d) e 1072º do Cód. Civil, em virtude do locado, face ao que invoca, se encontrar desabitado desde outubro de 2014.

Sucede que o réu vem contestar alegando que o locado se encontra manifestamente inabitável, devido à falta de realização de obras de conservação e manutenção por parte do senhorio, o que, na sua perspetiva, configura caso de força maior, constituindo, por isso, situação em que o seu não uso pelo arrendatário é lícito – cfr. art. 1072º, nº 2, al. a) do Cód. Civil.

Ora, o réu ao alegar a inabitabilidade do locado, por falta de obras de conservação, está a invocar factualidade que, na hipótese de ser integrada em caso de força maior, se poderá tornar impeditiva do direito de resolução do contrato de arrendamento por parte do autor, direito que este funda no não uso do locado por tempo superior a um ano.[3]

Verifica-se, pois, que o réu se defendeu através da invocação de exceção perentória nos termos dos arts. 571º e 576º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, o que fez no último articulado admissível.

Com efeito, atendendo a que não foi deduzida reconvenção e a que não se está perante ação de simples apreciação negativa, não haveria, no presente caso, lugar a réplica, face ao que se preceitua no art. 584º do Cód. de Proc. Civil.

Todavia, é inequívoco, face ao atrás exposto, que o réu se defendeu através de exceção, o que significa que o autor sempre teria direito a responder a tal matéria em sede de audiência prévia ou, não havendo lugar a esta, no início da audiência final.

O autor, porém, não aguardou estes marcos processuais e por iniciativa espontânea da sua parte, veio apresentar articulado em que, para além de se pronunciar no tocante aos documentos apresentados pelo réu na contestação, veio também tomar posição quanto à matéria de exceção que nesta foi alegada, sustentando que não se verificava uma situação de força maior impeditiva do uso do locado, o que afastava a previsão do art. 1072º, nº 2, al. a) do Cód. Civil.

Nada temos a censurar à atuação processual do autor, uma vez que em linha com as posições doutrinárias atrás referidas em 2. é admissível que a parte, em inquestionável exercício do contraditório, antecipe a resposta às exceções, desde que tal não complique a tramitação do processo e não sejam praticados antes da resposta, no processo concreto, atos que possam influenciar a sua existência ou conteúdo.

Por isso, o seu articulado de resposta apresentado espontaneamente em 20.11.2023 deverá permanecer nos autos, até porque não se poderá ignorar que, se não fosse essa iniciativa do autor, o contraditório referente à matéria de exceção sempre lhe teria que ser facultado, seja em sede de audiência prévia, seja no início da audiência final, ou, inclusive, por iniciativa do juiz ao abrigo dos poderes/deveres de gestão processual e de adequação formal (arts. 6º e 547º do Cód. de Proc. Civil).

4. O réu/recorrente sustenta ainda que com a resposta apresentada o autor/recorrido veio alegar factos novos para fundamentar o seu pedido de resolução do contrato de arrendamento, designadamente nos seus arts. 9º, 14º a 24º e 27º a 42º, violando assim o princípio da estabilidade da instância, quanto à causa de pedir [conclusão C)].   

Este princípio consagrado no art. 260º do Cód. de Proc. Civil diz-nos que «[c]itado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.»

Acontece que da leitura do articulado de resposta – em particular dos artigos referidos pelo réu/recorrente – e do seu confronto com a petição inicial, não se alcança que tenha ocorrido modificação da causa de pedir.

Aliás, o que se constata de tal leitura é que nessa resposta o autor se move no âmbito da mesma causa de pedir que fundamentou o seu pedido de resolução do contrato de arrendamento – o não uso do locado por mais de um ano –, incindindo a sua pronúncia tão-somente sobre a matéria de exceção que foi invocada pelo réu na contestação e que, conforme atrás se referiu, se reconduz à alegação de um caso de força maior – a inabitabilidade do locado em virtude da não realização de obras de conservação pelo senhorio – justificativo do seu não uso.

Consequentemente, inexiste violação do princípio da estabilidade da instância.

5. Por último, no tocante aos documentos juntos pelo autor no seu articulado de resposta e que se mostram admitidos pela Mmª Juíza “a quo” ao abrigo do art. 423º do Cód. de Proc. Civil, o réu/recorrente questiona também a sua admissibilidade [conclusão G)], mas, a nosso ver, sem razão.

Estatui o dito art. 423, no seu nº 1, que «os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.»    

Ora, toda a documentação apresentada no articulado de resposta, composta por peças processuais, correspondência entre as partes e decisões judiciais, se relaciona com factos que aí foram alegados pelo autor, destinando-se à sua prova, sendo que tais factos respeitam à matéria de exceção invocada pelo réu na contestação, conexionada com a eventual existência de um caso de força maior justificativo do não uso do locado, exceção esta que o autor entende não se verificar.

Deste modo, sem necessidade de outras considerações, também nesta parte se mostra correta a decisão recorrida, uma vez que a junção da documentação aqui em causa era admissível ao abrigo do referido art. 423º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.[4]

O recurso interposto pelo réu improcederá assim na íntegra.


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo réu AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do presente recurso, pelo seu decaimento, a cargo do réu/recorrente.


Porto, 5.3.2024
Rodrigues Pires
Lina Baptista
Maria Eiró
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[1] Citado nas alegações de recurso.
[2] ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 692) também não excluem a possibilidade de o juiz, tendo sido invocada na contestação matéria de exceção, decidir facultar ao autor, quanto a ela, o exercício do contraditório por escrito, determinando a sua notificação para esse fim.
[3] Cfr., por ex., Ac. Rel. Lisboa de 3.7.2012, p. 8625/10.0 TBCSC.L1-1, relator MANUEL RIBEIRO MARQUES, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Embora não o tenha transposto para as conclusões, que definem o objeto do recurso, o réu/recorrente no corpo alegatório suscitou a nulidade de omissão de pronúncia - art. 615º, nº 1, d) do CPC -, em virtude de a Mmª Juíza “a quo” não se ter reportado aos impedimentos legais à junção dos documentos apresentados pelo autor no articulado de resposta e que foram por si referidos no requerimento de 29.11.2023. Ora, sempre se dirá que tal nulidade não se mostra cometida pela Mmª Juíza “a quo”. As razões aí indicadas pelo réu/recorrente prendem-se essencialmente com a própria admissibilidade do articulado de resposta, a qual foi justificada na decisão recorrida, sendo que no tocante à documentação apresentada pelo autor não se visualiza omissão de pronúncia, porquanto a mesma se mostra admitida por se ter considerado preenchida a previsão do art. 423º, nº 1 do CPC.