SENTENÇA EM PROCESSO SUMÁRIO
PARTE ORAL
PARTE ESCRITA
DEFICIÊNCIA/INEXISTÊNCIA REGISTO ÁUDIO OU AUDIOVISUAL
NULIDADE
Sumário

I–No âmbito do processo especial sumário fixa o art. 389.º-A-CPP que a sentença, quando não escrita integralmente, é composta de duas partes: a parte oral – de reporte a factos e fundamentação - e a parte escrita, ditada para a ata – relativa ao dispositivo -, tudo sendo documentado através de registo áudio ou audiovisual.

II–Ainda que exista uma cindibilidade no modo de apresentação da sentença, entre parte oral e parte ditada para a ata, certo é que quer a falta duma, quer a falta doutra (em ambas, seja por pura inexistência, seja por deficiência ou impossibilidade de constatação do teor da sua existência, mormente quando falta o registo áudio e não se mostra viável transcrição), é cominada com a nulidade, do conhecimento oficioso, firmada no art. 379.º/1a)CPP -“é nula a sentença: que (…), em processo sumário (…), não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A (…)”.
III–A esta deficiência/inexistência de registo áudio ou audiovisual não é aplicável a jurisprudência fixada pelo acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça 13/2014.
(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO


1.Decisão recorrida

No âmbito destes autos, em sede de 2.ª sessão de audiência de discussão e julgamento, mediante Sentença proferida oralmente, com dispositivo ditado para a ata, datada e depositada a 8maio2023 (ref.s 425463652 e 425480119), foi o Arguido AA condenado
a.-pela autoria material, na forma consumada, em 6abril2023, de 1 (um) crime de especulação, p. p. pelo art. 35.º/1b)-DL28/84-20janeiro ex vi art. 14.º/1 da Convenção para Prestação do Serviço de Táxi, art.s 26.º e 45.ºCP, na pena de 200 (duzentos) dias de prisão, substituídos por 200 (duzentos dias) de multa, e numa pena de 110 (cento e dez) dias de multa, perfazendo uma soma – art. 6.º/1DL48/95-15março - de 310 (trezentos e dez) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), o que após o desconto de 1 (um) dia, por detenção, nos termos do art. 80.º/2CP, perfaz a importância global de €1.545,00 (mil quinhentos e quarenta e cinco euros) de multa.

2.Recurso

Inconformado com a referida Sentença, da mesma e junto do Tribunal a quo interpôs recurso o Arguido (entrado a 30maio2023 - ref. 36114746) motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões que se transcrevem (onde sobressai manifesto lapso de identificação de normas de reporte ao CP) (SIC, com exceção do itálico):

i)-Conclusões

No livre exercício da convicção do julgador não bastam elementos intraduzíveis e subtis, é necessário e imprescindível que o Tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento facto.

Todavia o Tribunal apenas julgou com base em convicção, com base em suposições na medida em que não foi efetuada qualquer inspeção judicial ao local de modo a ser obtida prova inequívoca de qual o local onde o arguido efetivamente procedeu à mudança da tarifa 1 para a tarifa 3.

Efetivamente, os agentes da PSP declararam que a mudança da tarifa teve lugar no viaduto, antes do semáforo. Todavia, não explicam por que razão não abordaram a viatura no semáforo, quando estavam parados ao lado da mesma. De facto, se existia flagrante delito, deveriam ter atuado.

Aliás, deixaram seguir a viatura do táxi pela faixa central e devem ter acompanhado a visualização da mesma ao ponto de terem presenciado a alteração da tarifa exatamente depois do cruzamento da ... e a ..., sendo certo que tal local corresponde à transposição da placa que indica a mudança de concelho, ou seja, da ... do concelho de ....

Ao terem abordado o taxista, mandando parar cerca de 200 metros após tal placa de sinalização, os próprios agentes demonstram que a alteração da tarifa só teve lugar depois dessa placa, pois que se tivesse sido efetuada alteração antes os agentes nunca deveriam ter permitido que a viatura do táxi ultrapasse os limites do concelho de Lisboa.

A documentação junta é perfeitamente clara a confirmar quer o que foi declarado pela testemunha BB quer pela testemunha CC que sendo motoristas há várias décadas, inclusive formadores de motoristas de táxi, e revelando conhecer o local, não tiveram quaisquer dúvidas que a partir do cruzamento da ... com a ..., que corresponde ao local onde se encontra afixada a placa de início de concelho, é esse o local onde o motorista de táxi pode e deve alterar a tarifa dado que não existe, ao contrário de outras saídas de Lisboa, uma placa exclusiva de alteração de tarifa de táxi.

Todas as dúvidas patentes na matéria de facto e demonstrada pelo recorrente foram solucionadas em seu desfavor não tendo a sentença recorrida efetuado qualquer análise crítica desses fundamentos em concreto uma vez que se limitou a reproduzir o que em teoria é aplicável a todos os casos, não cuidando de com base na matéria para o efeito alegado conhecer ou demonstrar que não assistia razão ao ora recorrente, sendo certo que não é possível proceder à audição da sentença recorrida, e assim não se consegue antever quais os factos provados e não provados e igual modo grave é o facto de não se conseguir perceber qual a motivação da decisão, impondo-se desde logo que se proceda a uma anulação do julgamento para redução a escrito da sentença que venha a ser proferida visto que só assim se pode assegurar o direito de recurso.

A sentença recorrida viola o disposto no n.º 2 do art.º 410º do C.P.P., a saber: manifesta insuficiência da matéria de facto apurada para alcançar uma decisão justa; contradição insanável entre factos dados como provados e factos dados como não provados; erro notório na apreciação da prova, pois a decisão recorrida, com base nos factos provados jamais poderia imputar-lhe condutas integradoras do crime em causa.
9ª.
Tendo ficado demonstrada a existência de erro de julgamento quanto ao famigerado que critérios mínimos de razoabilidade e senso comum impunham outra postura. Encontram-se assim violados os artigos 131º, 132º nº 1 e 2 al. h) do CP.
10ª
O Tribunal apenas julgou com base em convicção, com base em suposições e em contradição com a prova produzida em audiência, estando incorretamente julgados os pontos 1, 2 e 3 constantes da Acusação Pública, por quanto:
11ª
Por um lado, os dois agentes da PSP ao declararem que afinal visualizaram o arguido que se encontrava na faixa do meio, estando os agentes da faixa da esquerda, no semáforo à entrada da rotunda, declararam que no minuto 08:30 o arguido passou pela viatura policial por baixo do viaduto. Nos semáforos: ficou atrás do táxi.
12º
Perguntar-se-á por que razão os agentes da PSP não ordenaram logo no semáforo ao arguido que imobilizasse a viatura? Não ordenaram pelo simples facto de que o táxi ainda ostentava a tarifa 1 de Lisboa.
13º
Perguntado ainda ao minuto 17:22, sobre o local exato onde se inicia o município de ... e termina o município de Lisboa, o agente da PSP respondeu que “aquele tem início onde tem uma placa a dizer ...)” e perguntado se existe alguma placa de mudança de tarifas, o mesmo agente respondeu que não.
14º
Por sua vez, quanto ao depoimento do agente DD, o mesmo chega a dizer ao minuto 19:50 que verificaram a viatura de táxi parada no semáforo com a tarifa 3 e que foram fiscalizá-lo. O que o agente não diz nem consegue sustentar que tivessem dado ordem de paragem quando o táxi se encontrava nos semáforos, ou seja, deixaram-no circular pela faixa do meio até ultrapassar a placa que diz “... e foi precisamente depois de transpor essa placa que o arguido alterou da tarifa 1 para 3.
15º
Recorde-se que o Doc. junto a pedido do Tribunal é claro sobre o local onde termina o concelho de Lisboa e se inicia o de ..., sendo ainda mais claro para este efeito o Doc. do Google Maps que se junta de novo, do qual resulta que onde se encontra posto o nº1 corresponde à transposição da placa que diz ... e foi depois dessa transposição que o arguido alterou a tarifa e não antes.
16º
Assim, é manifesto que com base no depoimento dos dois agentes da PSP se pudesse dar como assentes os pontos 1, 2 e 3 quando na realidade nesses depoimentos não resulta que o arguido tivesse alterado a tarifa 1 para 3 antes da placa que diz “Portela”, encontrando-se assim os 3 pontos incorretamente julgados devendo passar a ter a redação de que no dia ... de ... de 2023, pelas 8h e não pelas 20h, o arguido na viatura de táxi ..-XZ-.. procedeu a uma alteração de tarifa 1 para tarifa 3 depois de transpor a placa de início do concelho de ..., tendo sido abordado pelos agentes da PSP cerca de 200 metros depois dessa placa.
17º
Importa reiterar que como resulta das transcrições na saída de Lisboa para outros concelhos existem placas de alteração da tarifa por parte dos motoristas de táxi, sendo que no local em causa não existe qualquer placa para esse efeito. Messa ausência, o critério utilizado é o da mudança de concelho, relembrando-se que a testemunha BB foi particularmente feliz quer na indicação da razão de ciência quer na concreta localização da placa e do fim do concelho de Lisboa. Mais precisamente ao minuto 53:28 refere que “a partir do momento que entra na ..., depois do cruzamento, o motorista de táxi está para lá da linha que definia o concelho de Lisboa e o concelho de ...”.
18º
Por sua vez, a testemunha CC perguntado ao minuto 01:01:01 “a partir do semáforo onde é que efetivamente muda o motorista de táxi, pode ou deve alterar a tarifa?” o mesmo respondeu que 3 ou 4 metros após o semáforo, seguindo pela faixa central, ao sair da rotunda, depara-se com um cruzamento da estrada da ... com a ... e é a partir desse momento, onde se encontra localizada a placa da ..., o motorista de táxi pode alterar a tarifa 1 para tarifa 3 e a prova que só aconteceu após esse cruzamento resulta do facto que estando os agentes da PSP a circular à esquerda, na ausência de placa para motoristas de táxi, devem ter verificado a alteração e ordenaram a paragem do arguido 200 ou 300 metros depois da placa.
19ª
É patente pois atento o alegado a existência de erro notório na apreciação da prova com reflexos nos pontos dos Factos Provados que assim não deveriam ter sido dados como provados uma vez que de tais depoimentos apenas emergem dúvidas sobre o que terá sucedido e que não podem prejudicar o arguido.
20º
Em suma, dando por reproduzido o anteriormente alegado e desde logo pela falta de demonstração da existência de dolo e até da falta de consciência da ilicitude o arguido sustenta que a factualidade demonstrada não se afigura suficiente para que seja mantida a respetiva condenação.
21ª
Não demonstrando qualquer respeito pelas finalidades que as determinações da medida das penas devem alcançar. Efetivamente, nos termos do disposto nos art.º 369ºa 371º e n.º 3 do art.º 71, do C.P., na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
22ª
É, pois, flagrante a violação do artº 374º nº2 do CPP pois que a decisão se afigura ilógica, arbitrária, contraditória e violadora das regras de experiência comum.
23ª
Tendo ficado demonstrada a existência de erro de julgamento encontram-se assim violados os artigos 131º, 132º nº 1 e 2 al. h) do CP.
24ª
O Tribunal apenas julgou com base em convicção, com base em suposições e em contradição com o depoimento efetivo e espontâneo.
Termos em que julgando-se procedente por provado o presente recurso, deve ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se o arguido, Como é de JUSTIÇA!”

3.–Resposta ao recurso
Regularmente admitido o recurso (a 12junho2023 - ref. 426546821) e de tal notificado o Ministério Público, este apresentou resposta (a 13julho2023 - ref. 36541454) na qual (face ao infra a expor não se vislumbra como tal logra, a não ser por – ainda assim não valorável - memória, pois por meio da documentação sentença não o foi certamente) afirma - sem cuidar da questão que o Arguido coloca na sua conclusão 7.ª - nos moldes que se transcreve (SIC, com exceção do itálico),

i)- fundamentação
“No caso dos autos, cremos não ter existido tal erro notório na apreciação da prova, uma vez que o tribunal a quo, ao indicar e examinar criticamente a prova, deu a conhecer com suficiência bastante o percurso lógico e racional que efetuou em sede de apreciação e valoração da prova que conduziu à demonstração da factualidade objeto da decisão recorrida.
E, consideramos que a motivação da decisão de facto, é bastante, na medida em que o tribunal a quo elencou as razões da valoração que efetuou, identificando as provas, documental e testemunhal, que relevaram na formação da sua convicção, indicando os aspetos da mesma que conjugadamente o levaram a concluir no sentido de considerar demonstrada a factualidade da acusação, para além de ter assinalado de forma lógica e racional os fundamentos que no seu entendimento justificam a credibilidade que reconheceu e peso probatório que conferiu aos mencionados depoimentos das testemunhas.”

acabando por concluir nos moldes que se transcreve (SIC, com exceção do itálico):

ii)- conclusões
“Não existe erro notório na apreciação da prova.
A decisão proferida pelo Tribunal a quo é formal e materialmente válida.”

4.–Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, a qual (a 3outubro2023 - ref. 20556380), com vista a emissão de oportuno parecer, colocou a prévia questão de inaudibilidade da 2.ª sessão de audiência de discussão e julgamento, de 8maio2023, na parte da fundamentação de facto e de direito.
Tendo-se procedido a diligência com vista a audição, igualmente e pelos mesmos motivos supra apontados se ficou na tentativa. Consequentemente proferiu-se despacho (a 3dezembro2023 - ref. 20570926) mediante o qual se solicitou ao Tribunal a quo que fornecesse a este Tribunal ad quem uma gravação da 2.ª sessão que permitisse audição efetiva; - não sendo tal tecnicamente possível, que então procedesse à transcrição da sentença (art. 101.º/5CPP) se necessário recorrendo a empresa especializada que lhe garantisse amplificação sonora que tal viabilizasse; - na impossibilidade de tal que retirasse as legais consequências do ato e o comunicasse a este Tribunal ad quem a fim de, subsequentemente, se ordenar o que fosse de Lei quanto ao interposto recurso.
O Tribunal a quo (com entrada nestes autos a 26fevereiro2024 - ref. 679051), sem qualquer despacho a acompanhar, remeteu a este Tribunal ad quem uma transcrição da dita 2.ª sessão de audiência de discussão e julgamento, de 8maio2023.

Ordenada (a 27fevereiro2024 - ref. 21210270) abertura de vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, para eventual parecer, este foi emitido (a 28fevereiro2024 - ref. 21218992) com o seguinte teor, que se transcreve (SIC, com exceção do itálico):
“O arguido interpôs recurso da sentença de condenação proferida oralmente em processo sumário, em 08/05/2023, pelo Juiz 4 do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, que fundamentou em razões de facto e de direito.
Sucede que a transcrição da sentença confirma o que se antevia em face da qualidade da gravação, no sistema CITIUS, da segunda sessão de audiência de julgamento, na qual foi proferida a sentença.
Com efeito, a leitura da transcrição, à semelhança do que sucede com a audição da gravação, não permite entender, nem intuir sequer, a matéria de facto provada e não provada, a sua motivação e a fundamentação da matéria de direito.
Ora, a sentença em processo sumário, como é o caso, deve observar o disposto no art. 389.º-A, n.º 1, do CPP, ou seja, conter a indicação sumária dos factos provados e não provados, com indicação e exame sucintos das provas, a exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada e o dispositivo.
Desta forma, apenas o dispositivo da sentença se mostra acessível por que constante da ata.
Assim sendo, o desconhecimento dos factos, da sua motivação e da fundamentação de direito prejudica o direito de defesa do recorrente, neste caso o direito ao recurso e impede, por sua vez, que a Relação o decida.
Afigura-se-nos, pois, em conformidade com o disposto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, que a sentença é nula, devendo os autos baixar à 1.ª instância para prolação de sentença que observe os requisitos legais.
Pelo exposto,
neste contexto,
somos de parecer que o recurso merece provimento.”

Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório, inexistindo resposta do Arguido.

Efetuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso seja julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO

1.–Apreciação do recurso

A)-Questão prévia
Sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões (art.s 403.º;412º/1 CPP e jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19outubro1995).
Lido o objeto do recurso – na tese do Arguido recorrente visando matéria de facto e de direito –, atendendo à especificidade da sentença em causa – misto de oralidade e de ditado para a ata -, considerando a invocação constante da conclusão 7.ª do recurso interposto, constatada pela Digníssima Procuradora-Geral Adjunta a inaudibilidade da 2.ª sessão de audiência de discussão e julgamento, de 8maio2023, na parte da fundamentação de facto e de direito, verificada por este Tribunal Superior tal situação, e daí a concordância, solicitou-se ao Tribunal a quo que encetasse procedimento que permitisse saber quais são os factos concretos provados e não provados e a convicção inerente que lhe permitira concluir pela condenação que transcreveu em ata. Mais, em moldes de facilitar esse efetivo e real conhecimento, ordenou este Tribunal Superior ao Tribunal a quo – obviamente sem prejuízo de outras que no mesmo pudessem ser encontradas e uteis ao desiderato proposto fossem – soluções diferenciadas, a recordar: a) o fornecimento a este Tribunal ad quem duma gravação da 2.ª sessão que permita audição efetiva; b) não sendo tal tecnicamente possível, que então procedesse à transcrição da sentença (art. 101.º/5CPP) se necessário recorrendo a empresa especializada que lhe garantisse amplificação sonora que tal viabilizasse; c) na impossibilidade de tal que retirasse as legais consequências do ato e o comunicasse a este Tribunal Superior a fim de, subsequentemente, se ordenar o que fosse de Lei quanto ao interposto recurso.
Do subsequente expediente remetido pelo Tribunal a quo, o qual vem desacompanhado de qualquer despacho, pode, desde já, retirar-se uma inicial conclusão: a de que não lhe foi viável o fornecimento duma gravação da 2.ª sessão que permitisse audição efetiva.

Daí a opção pela segunda hipótese formulada: transcrição de sentença.

E o que consta dessa transcrição?
Vejamos (SIC, com exceção do itálico):
“LEITURA DE SENTENÇA
(Audição: 20230508100855_20600493_2871198: do minuto 0:00:00 ao minuto 0:11:21 de um total de 0:11:21)
Juiz de Direito:
(impercetível) em audiência de julgamento, designadamente (impercetível) o depoimento da testemunha (impercetível) para além dos documentos juntos nos autos (impercetível) a informação (impercetível) depois está aqui uma fotografia . (impercetível) ao arguido (impercetível) detido, a documentação (impercetível) na presente audiência (impercetível) o arguido conduzia veículo automóvel, na (impercetível) de Lisboa, tendo (impercetível) para cobrança, do respetivo a . trajeto (impercetível) Lisboa (impercetível) o auto de notícia (impercetível) quando o arguido (impercetível) da PSP (impercetível) ainda (impercetível) a PSP, (impercetível) e também, que a . (impercetível) a bem sabendo que ainda estava no município de Lisboa, portanto, ainda estava (impercetível) algum, a alguma distância da do (impercetível) e por isso (impercetível) o arguido (impercetível) para além do mais, (impercetível) registos criminais, o arguido tem (impercetível) designadamente (impercetível) registo criminal que se encontra devidamente (impercetível) e quanto às condições pessoais, (impercetível) o arguido (impercetível) pela prática de um crime (impercetível) de da lai (impercetível) de vinte e quatro de janeiro, (impercetível) de seis meses a três anos de multa (impercetível) e portanto, (impercetível) também à condenação (impercetível) durante as vinte e quatro horas (impercetível) anexo A, a desta condenação. Para além do mais, (impercetível). Relativamente às tabelas, ( impercetível) relativamente ao (impercetível) táxi de serviço urbano e (impercetível) ao quilómetro, também é relativamente às tabelas (impercetível) do quilómetro (impercetível) atendendo à matéria (impercetível) o arguido (impercetível) o arguido circulava na via pública, (impercetível) de Lisboa, (impercetível) com a tarifa ativada três, (impercetível) e devidamente ativada no qual em que (impercetível) da PSP. Nessa medida (impercetível) com essa, a alteração, o arguido (impercetível) ter feito, apesar de ter tido (impercetível) pretendia estar em liberdade na…na (impercetível) a situação, a no dia (impercetível) no município de Lisboa, (impercetível) tal e qual como também consta da (impercetível) para atestar, a a distância (impercetível) já tinha ativação (impercetível) três, quando circulava no município de Lisboa antes mesmo de estar a (impercetível) obviamente depois (impercetível) da tarifa (impercetível) tarifa três, a . quando estava a . ainda no município de Lisboa, com qualquer tipo de (impercetível) superior à (impercetível) caso tivesse moderado a tarifa (impercetível) município de (impercetível) das novas datas (impercetível) e estando verificado (impercetível) o arguido, agido com (impercetível) n o 1 do código penal, bem sabia que (impercetível) que tal alteração (impercetível) naquele…naquele momento e a o fez, bem sabendo (impercetível) o arguido agiu (impercetível) do artigo 14 0 n o 1 do código pena. Portanto, estando verificados os (impercetível) objetos e subjetivos (impercetível) quaisquer causas por (impercetível) este crime é punido com pena de prisão e com pena de multa, (impercetível) será uma pena e medida (impercetível) aplicar, (impercetível) os factos, consideramos que apesar de tudo (impercetível) antes mesmo de ter cobrado a . . o valor do dinheiro ao cliente, (impercetível) a especial, são (impercetível) uma vez que o arguido (impercetível) a experiencia profissional (impercetível) não tem quaisquer registos criminais, (impercetível) deste tipo de comportamento, e a (impercetível) ao arguido: (impercetível) nesta…neste tipo… nesta área da cidade, a sua pena (impercetível) social, e a (impercetível) a pena (impercetível). Portanto: produzidos e ponderados, consideramos que (impercetível) necessária, pelo menos quanto ao arguido, numa pena (impercetível) e numa pena de multa (impercetível). Considera-se também que (impercetível) autoria material (impercetível) será então (impercetível) pena com multa, e portanto, (impercetível) atendendo às condições económicas, sociais, familiares do arguido, entende-se que (impercetível) o Ministério Público (impercetível) material na forma consumada, (impercetível) de abril, dois mil e vinte e três, (impercetível) e vinte e quatro de vinte de janeiro, (impercetível) do código penal, (impercetível) o arguido, (impercetível) material, numa pena de multa (impercetível) do código penal. (impercetível) vinte e quatro de janeiro, (impercetível) efeito da alínea b) número (impercetível) da lei (impercetível).
Impercetível) voz feminina:
Prescindo.
Juiz de Direito:
(impercetível)
Impercetível voz feminina:
Nada.
Juiz de Direito:
Pronto. Senhor, a … arguido (impercetível) uma pena de multa e uma pena e prisão, (impercetível) relativamente a esta decisão, (impercetível) reduzido à pena de. A … (impercetível) de pena de multa, (impercetível) caso não (impercetível)”

Da dita transcrição, é insofismavelmente patente que decorrem duas forçosas conclusões: a) a de que a mesma é composta por 684 palavras, sendo que a palavra “impercetível” aparece por 115 vezes; b) a de que não se consegue colher um qualquer, sequer mínimo, sentido ao que ali é dito.
É dizer, não se alcança saber quais são os factos concretos provados e não provados, bem como qual a base e exame crítico inerente à convicção e que permitiu ao Tribunal a quo fundamentar e concluir pela condenação que transcreveu em ata.
E, se para nós tal é elementar, certamente que também o foi para o Tribunal a quo uma vez que tenha lido a dita transcrição. Só para o Ministério Público de 1.ª instância assim não o foi, como consta da resposta ao recurso, sendo que não se avizinha razão válida para tal, pois se a resposta foi à base de memória de presença na audiência tal não colhe valor processual.
Contudo, este Tribunal a quo, mesmo percecionando o conteúdo da transcrição e a inerente impossibilidade de da mesma se retirar efeito útil para o processado, e em especial para o fim visado com o ordenado por este Tribunal Superior, não optou pelo efetivo cumprimento do ordenado na alínea c), omissão que se regista e que em termos práticos infra se apreciará tão só na vertente de consequências processuais.
Adiante e solucionando, como se impõe.
Dispõe o art. 205.ºCRP que as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Estabelecem-se no art. 97.ºCPP as regras sobre a forma que tomam os atos decisórios (sentenças/acórdão, despachos), como se revestem (escritos ou orais), exigindo-se a sua fundamentação e especificação. Por seu turno, os arts. 94.º e 96.º do CPP firmam, respetivamente, as regras para a forma escrita e oral dos atos.
O processo especial sumário mostra-se pensado para a adequação ao julgamento da pequena e média criminalidade, quando ocorre detenção em flagrante delito e tem como base subjacente o fito de celeridade processual, caraterizando-se pela simplificação em relação à tramitação comum, face à existência de prova evidente, no sentido de particularmente facilitada, desde logo pela detenção em flagrante delito.
Por isso mesmo no âmbito do processo especial sumário fixam os n.ºs 1 a 3 do art. 389.º-A-CPP concretas especificidades ao nível da prolação e elaboração da sentença, destacando-se que a regra é de a mesma ser “logo proferida oralmente”, ficando tão só consignado em ata o dispositivo, o qual é para a mesma “sempre ditado”, tudo sendo documentado através de registo áudio ou audiovisual, sob pena de nulidade. Como tal, só com esta soma de documentação – a constante do registo áudio da sentença proferida oralmente e a da parte decisória da mesma ditada para a ata – se assegura e permite o conhecimento da integralidade da sentença, assim como, entre o mais, a sua sindicância. Dito de outra forma, vigorando, como vigora, o princípio da oralidade, tal princípio não impede, naturalmente, os direitos de defesa, neles se incluindo o direito ao recurso da decisão.
No que ora se cuida, certo é que não obstante tal oralidade da fundamentação de facto e de direito da sentença proferida em sede de processo especial sumário, esta não pode deixar de cumprir as exigências contidas nas alíneas do n.º 1 do art. 389.º-A-CPP, entre as quais “a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas; b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;” É dizer, mesmo sendo oral, a sentença proferida em sede de processo especial sumário quase na plenitude se assemelha a uma sentença/acórdão de processo comum onde os requisitos do art. 374.º/2CPP se impõem (“2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.), com exceção da forma que passa a ser de “indicação sumária”, ao invés de por enumeração, e da exposição que se limita a “concisa” e “sucintos”.
Contudo, ainda que estas especificidades existam na fase de 1.ª instância, já para a fase de recurso nenhuma concreta diferença se aponta no processado, o que vale por dizer que a sentença oral não se compagina com a fase de recurso, fase esta essencialmente escrita, com exceção do quadro de audiência, se requerida e admitida o for. É que, de facto, a sentença que em 1.ª instância se constituiu do já referido misto de oralidade e de escrita, para o recurso acaba por ser reproduzida pela via escrita, porque transcrita para esta sede, desde logo, e pelo menos, ao nível dos factos provados e não provados, uma vez que nenhuma especificidade foi estabelecida e, como tal, as regras de motivação e de procedimento se mantêm. Tudo forçando a conclusão de que as finalidades de celeridade e simplificação inerentes à Proposta de Lei 12/XI/1 (cfr. Exposição de motivos - https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35137), que deu azo à Lei 26/2010-30agosto, onde se aditou o art. 389.º-A-CPP, facilmente podem ser preteridas. Situação esta que no caso dos autos mais se adensa, uma vez que tendo sido proferida sentença, no quanto lhe cabia e era viável, na forma oral, estando a parte decisória ditada para a ata e constatando-se que esta firma condenação por crime determinado e em pena determinada, certo é que para a via de recurso se colhe que inexiste um qualquer suporte documental – à luz da regra do n.º 3 do art. 389.º-A-CPP – que possa ser considerado como o de gravação áudio, o quanto inviabiliza a sua própria transcrição.
Tudo a forçar a conclusão de que temos recurso, temos suporte áudio da prova produzida em sede da 1.ª audiência de discussão e julgamento (21abril2023 – ref. 425226393), mas não temos a parte da sentença que nos permita saber sequer quais os factos provados e não provados que deram azo à parte decisória constante da ata de suporte, quão mais como até lá se chegou em moldes fundamentados (o que nos leva a excluir a aplicabilidade do acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça 13/2014, rel. Juíza Conselheira Isabel Pais Martins, 3julho2014, NUIPC 418/11.1TAFAF.G-A-S1, publicado no DR, Série I de 23setembro2014, acessível in www.dre.pt, por este visar declarações e não o demais que agora consta do n.º 2 do art. 364.ºCPP, na redação dada pela Lei 27/2015-14abril, e que no caso, pela via do n.º 3 do art. 389.º-A-CPP, diz respeito à própria sentença). Constatação esta a que o Tribunal a quo necessariamente teria que chegar aquando da leitura da “transcrição”, em especial quando sói dizer-se que a sentença deve ser autossuficiente, no sentido de conter todos os elementos indispensáveis à compreensão do juízo decisório, o que no caso manifestamente não opera.
Como refere Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, II.º Volume, p. 56), lendo o CPP, facilmente se verifica que o legislador “conduz os participantes processuais na sequência do procedimento, dispondo quais os atos admitidos ou obrigatórios e para cada um delesquem os pode praticar equando,onde ecomo devem ser praticados, prescrevendo o modelo e os requisitos de cada ato. O ato perfeito é o que corresponde ao modelo abstrato estabelecido pela lei. A perfeição do ato processual reconduz-se à sua correspondência ao modelo legal” e por isso o mediano interprete compreende a razão de ser da estreita ligação entre a perfeição formal do ato e a emanação do mesmo no tempo próprio, lugar próprio e modo próprio. Uma vez que os atos processuais são atos instrumentais que se inserem na já de si complexa unidade do processo - tão mais agravada quando é certo que no presente caso se trata de processo penal, como tal em estreita ligação com os direitos fundamentais de qualquer cidadão aí atingido e independentemente da posição que no mesmo ocupa -, esses mesmos atos, em certo sentido, são condicionados pelo precedente e condicionantes do subsequente, e assim, a observância dos requisitos formais repercute-se mais ou menos acentuadamente no ato terminal do processo, pondo em perigo a justiça da decisão.
Ora, como já supra se elucidou, determina o n.º 3 do art. 389.º-A-CPP a nulidade da sentença que não seja documentada nos termos dos art.s 363.º e 364.ºCPP.
Na certeza de que não se pode deixar de ter presente o dano que sempre sai resultante da invalidação de um ato - dano que no domínio processual penal se agrava uma vez que a invalidade se pode comunicar aos atos interdependentes e a todo o processo, com a necessária inutilidade de toda a atividade desenvolvida, a que acresce em certos casos a própria grave afetação do direito ou mesmo a sua perda - fala o CPP no seu art. 118.º, ao nível das nulidades, de um princípio de legalidade, o qual é um puro princípio de tipicidade das situações irregulares cominadas com nulidade: significa isto que só são nulidades as expressamente previstas na lei como tal, ficando submetidas ao regime previsto nos art.s 119.º a 122.ºCPP, sendo os demais casos de violação ou inobservância das normas processuais meras irregularidades, sujeitas ao regime previsto no art. 123.ºCPP. Tal resulta, desde logo, de um princípio de economia processual, de gestão de meios, de celeridade processual, da conservação dos atos imperfeitos, entre outros, que muito embora, por vezes, em conflito direto com outros direitos dos participantes processuais, se mostram superiores - aqueles - a estes princípios: é esta a função a que obedece o princípio da tipicidade dos vícios que determinam a nulidade do ato processual com tempero na “preocupação da prevalência da verdade material sobre a verdade formal [a qual] levou o legislador a reduzir – ou limitar – os casos de ineficácia ou invalidade dos actos, procurando aproveitá-los enquanto possam servir o fim último: a realização da Justiça, através da descoberta da verdade material.”(neste sentido, Gil Moreira dos Santos, in Noções de Processo Penal, 2.ª Ed., 209)
Descendo ao concreto, faltando o registo áudio da fundamentação de facto e de direito da sentença, a sentença é nula, pois de acordo com o art. 379.º/1a)CPP, é nula a sentença “que (…), em processo sumário (…), não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A (…)”. Ou seja, ainda que exista uma cindibilidade no modo de apresentação da sentença, entre parte oral e parte ditada para a ata, certo é que quer a falta duma, quer a falta doutra (em ambas, seja por pura inexistência, seja por deficiência ou impossibilidade de constatação do teor da sua existência) acarreta a dita nulidade.
É consabido que com a Lei 59/98-25agosto, foi introduzido um novo n.º 2 ao art. 379.ºCPP, estabelecendo-se que “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o Tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.
Certo é que o Arguido – indubitável e direto interessado na nulidade, por da mesma beneficiar - coloca tal questão na sua conclusão 7.ª.
Ora, passando este n.º 2 do art. 379.ºCPP a regular o regime do conhecimento e arguição das nulidades da sentença, a jurisprudência largamente maioritária, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, passou a decidir desde então que as nulidades da sentença previstas no n.º 1 do art. 379.ºCPP são de conhecimento oficioso.
O que no caso concreto bem se compreende, quer pela via do argumentado pelo Juiz Conselheiro Oliveira Mendes (in Código de Processo Penal comentado”, António Henriques Gaspar, José Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires da Graça, Ed. Almedina, 2014, p. 1183) ao referir que “sob pena de o Tribunal de recurso, na ausência de arguição, ter de confirmar sentenças sem qualquer fundamentação, violadoras do princípio do acusatório e mesmo sem dispositivo. A não serem as nulidades da sentença suscetíveis de conhecimento oficioso pelo Tribunal de recurso, passaríamos a ter decisões, quer absolutórias quer condenatórias, eivadas de vícios e de anomias, algumas inexequíveis, apesar de sindicadas por Tribunal superior.”, quer pela via do exigido respeito pelo consagrado direito a um processo equitativo à luz do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Este art. 414.º/4CPP diz-nos, por seu turno que “[s]e o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objeto do processo, o Tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao Tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão.”
Indubitável é que no caso presente a nulidade se verifica em sede de sentença, a qual à luz do art. 97.º/1a)CPP é um ato decisório em que se conhece “a final do objeto do processo”.
Levantam-se, então, as questões do momento e da [in]susceptibilidade de supressão da nulidade por via de reparação.
Duas teses se apontam.
Numa, na essência, defende-se que somente quando a sentença não admite recurso ordinário as nulidades da mesma podem ser arguidas perante o, e conhecidas, pelo próprio Tribunal que proferiu a sentença, com sustentação ou reparação do decidido. Consequentemente, nos casos em que opere viabilidade de recurso ordinário, operando interposição do mesmo, só o Tribunal ad quem poderá conhecer das ditas nulidades da sentença, in casu por inexistência de fundamentação, porquanto no que tange à matéria da causa o poder jurisdicional do Tribunal a quo se esgotou com a prolação da dita decisão final. (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador António Gama, 20setembro2006, Processo 0545566, acessível em www.dgsi.pt/jtrp, onde é efetuada uma linear explanação entre as versões do art. 379.ºCPP e a relação do quadro de recursos em matéria processual penal e matéria processual civil)
Noutra, mais lata na admissão, entende-se que “arguida alguma nulidade da sentença no recurso, incumbirá ao Tribunal que a proferiu pronunciar-se sobre ela e supri-la, antes de mandar subir o recurso, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 2, e 414.º, n.º 4, do CPP (ou seja, tendo em conta o disposto neste último artigo, o Tribunal, antes de ordenar a remessa do processo ao Tribunal superior, deverá sustentar ou reparar aquela decisão, suprindo as nulidades arguidas, descritas no artigo 379.º do CPP).” (neste sentido, Juiz Desembargador Francisco Mota Ribeiro, in Vícios das Sentenças e Vícios do Julgamento, Ebook-CEJ – Processo e Decisão penal – Textos – p. 58, acessível in https://cej.justica.gov.pt/)
Na certeza de que a jurisprudência mais recente vem tendendo para esta última tese, igualmente é certo que o Tribunal a quo nada disse sobre a questão em sede de admissão do recurso (mesmo quando a questão já estava colocada pela via da conclusão 7.ª), assim como posteriormente manteve esse seu silêncio (mesmo perante a apontada solução c) contida no despacho eu este Tribunal Superior proferiu a 3dezembro2023 a qual sempre servia de alerta para o quadro que veio a acontecer: transcrição surrealista), certamente por entender estar defronte inadmissibilidade uma vez que a fase era a de sentença em recurso.
Sendo os recursos remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicandoou in procedendo,que são expressamente indicados pelo recorrente ou são do conhecimento oficioso, o julgamento em recurso não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas. (neste sentido, Leal-Henriques e Simas Santos in Recursos Penais, p. 116)
É o que temos nos autos e perante tal da questão em causa este Tribunal ad quem conhece, o quanto então implica agora somente firmar – como se viu alegado, mas independentemente de tal por o ser do conhecimento ex officio – a nulidade da sentença proferida em 8maio2023, na parte em que a mesma se mostra carente de documentação com indicação sumária dos factos provados e não provados, conjugada com a indicação e exame crítico sucintos das provas, assim como com a exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão constante em ata (desde já se esclarecendo que a parte do dispositivo, ditada para a ata, a qual não está sindicada na sua veracidade, se tem como escrita e não padecente de vício similar), para tanto determinando a devolução dos autos ao Tribunal de 1.ª instância para a sanar, se possível, através de repetição documentação da mesma em suporte técnico. Se tal já não for possível, dado o tempo decorrido, mais não restará que reabrir a audiência de julgamento e, produzida a prova, proferir nova sentença, que fique devidamente documentada em suporte técnico.
Procedendo a questão prévia, como procede, fica prejudicado o objeto do recurso à luz das conclusões trazidas pelo Arguido na sua peça de recurso.

III–DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, em conferência, acordam os Juízes que integram a 5.ª Secção Penal deste Tribunal da Relação de Lisboa, em declarar, como questão prévia, a parcial nulidade da sentença – na parte em que opera inexistência de documentação áudio da indicação sumária dos factos provados e não provados, conjugada com a indicação e exame crítico sucintos das provas, assim como com a exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão constante em ata - e determinar a devolução do processo ao Tribunal de 1.ª instância que a proferiu para a sanar, se possível, através de repetição e documentação da mesma em suporte técnico, tudo sem prejuízo da reabertura da audiência de julgamento se tal já não for possível, proferindo-se seguidamente nova sentença que fique documentada em suporte técnico.
Fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento da questão objeto do recurso interposto pelo arguido AA.
Sem Custas.
Notifique (art. 425.º/6CPP).
D.N.


Lisboa, data eletrónica supra.


o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários; com datação eletrónica – art. 153.º/1CPC e com aposição de assinatura eletrónica - art. 94.º/2CPP e Portaria 593/2007-14maio


Relator: Juiz Desembargador Manuel José Ramos da Fonseca
1.ª Adjunta: Juíza Desembargadora Sandra Ferreira
2.º Adjunto: Juiz Desembargador João António Filipe Ferreira