PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
APRESENTAÇÃO DA PROVA
DOCUMENTOS
TEMPESTIVIDADE
PODERES DO JUIZ
RECURSO AUTÓNOMO
Sumário

1. No âmbito do procedimento especial de despejo a apresentação das provas deve ocorrer no início da audiência e antes do início da produção de prova, seja no que concerne à indicação das testemunhas a inquirir, seja quanto a documentos a incorporar no processo, até por decorrência das regras de boa fé e lealdade processual e do princípio da cooperação, que exigem que o oferecimento das provas seja feito por ambas as partes na abertura da audiência e antes do início da produção de prova.
2. Com isso, não fica, obviamente, prejudicada a possibilidade de apresentação de documentos em momento ulterior, já no decurso da audiência, desde que, com as necessárias adaptações, se verifiquem os pressupostos enunciados no artigo 423.º do CPC:
a) seja quanto à apresentação do documento com sujeição ao pagamento de multa;
b) seja quanto à verificação de razões que justificam a ulterior apresentação do documento, cabendo à parte, neste caso, a explicitação de tais razões, mencionando porque lhe foi impossível a apresentação no momento próprio ou a concreta razão que justifica que só naquele momento se mostre necessária a apresentação.
3. (...) não bastando, para o efeito, afirmar:
a) que «considera que este documento atenta a matéria de facto em discussão nos presentes autos se mostra com interesse, quer para a descoberta da verdade dos factos quer para a boa decisão da causa, daí a sua relevância da junção ora requerida», necessário sendo que a apresentante especificasse qual, os quais, os concretos factos controvertidos que, através daquele documento, se propunha provar;
b) que «(...) apenas agora encontrou este documento, daí também só agora apresentar a sua junção nos autos, facto este ao qual não é alheia à sua condição de deficiente motora, com grau de incapacidade elevado, condições que não lhe permitem a mobilidade necessária para procurar e manusear todos os documentos que possuí», pois, a colher uma tal argumentação, descoberta estaria a fórmula para transformar a 1.ª parte do n.º 3 do art. 423.º do CPC em letra morta, antes se impondo a alegação e prova da impossibilidade de apresentação do documento até àquele momento.
4. A apresentação de um documento:
a) torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, no caso (expressamente previsto na lei antiga) de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no número anterior.
b) não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha ou uma parte (em depoimento ou declarações de parte) aludem a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado (ou de um facto puramente probatório).
5. A parte não pode recorrer autonomamente de um despacho que, com fundamento na sua extemporaneidade, lhe indeferiu um requerimento para junção de um documento, com a alegação de que o juiz tinha o dever de, oficiosamente, ordenar a junção aos autos daquele concreto documento.
6. É que, mesmo que a parte tivesse requerido ao juiz que, ex officio, fizesse juntar aos autos aquele documento, a decisão de indeferimento de tal pretensão seria insuscetível de recurso autónomo, pois, desde logo, um requerimento para que o juiz faça atuar um poder oficioso, que depende da sua avaliação de necessidade, não se confunde com um requerimento de produção de meio de prova.
7. Por outro lado, apesar da latitude dos poderes oficiosos de que dispõe, a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se exigível tal intervenção apenas quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável;
8. (...) não sendo o princípio do inquisitório pretexto para as partes delegarem ou confiarem, sem mais, no tribunal, a realização de diligências probatórias, continuando a recair sobre elas o ónus da iniciativa da prova, pois as competências instrutórias outorgadas ao juiz estão longe de constituir mera faculdade legitimadora da inércia.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

HC intentou procedimento especial de despejo contra GM, peticionando o despejo desta última, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação por si comunicada, na qualidade de senhorio, relativamente à fração correspondente ao rés-do-chão direito do prédio urbano sito ____, n.º __, na freguesia de Benfica, concelho de Lisboa.
Por despacho de 14 de dezembro de 2023 foi designado o dia 5 de janeiro de 2024 para realização da audiência final.
No dia 5 de janeiro de 2024 realizou-se a 1.ª sessão da audiência final, a qua se reporta a ata com a Ref.ª 431690296[1], na qual, além do mais, foi produzida prova testemunhal.
Nessa sessão foi designado o dia 19 de janeiro de 2024, pelas 14h e 30m, para continuação da audiência final.
No início da sessão da audiência final, realizada no dia 19 de janeiro de 2024, a que se reporta ata com a Ref.ª 432154792, pelo mandatário da ré foi pedida a palavra e no uso dela requereu o seguinte:
«A ré requer a junção aos autos da minuta do contrato de arrendamento datada de 23 de julho de 2018, assinada pelo próprio autor, minuta essa diferente das minutas de contrato de arrendamento já juntas aos autos, a qual à data não foi aceite pela ré.
A ré considera que este documento atenta a matéria de facto em discussão nos presentes autos se mostra com interesse, quer para a descoberta da verdade dos factos quer para a boa decisão da causa, daí a sua relevância da junção ora requerida.
Relativamente à oportunidade da junção, a requerente pretende referir que apenas agora encontrou este documento, daí também só agora apresentar a sua junção nos autos, facto este ao qual não é alheia à sua condição de deficiente motora, com grau de incapacidade elevado, condições que não lhe permitem a mobilidade necessária para procurar e manusear todos os documentos que possuí.
Mais pretende referir que apesar da rigidez para que parece apontar a norma constante no artigo 423.º do Código Processo Civil, em parte associada ao principio da autorresponsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos e com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do Tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que estando embora fora daquelas condições, sejam tidos por relevantes para a justa composição do litigio à luz de um critério de justiça material cabendo realçar em especial o principio do inquisitório consagrado no artigo 411.º do CPC e concretizado ainda no artigo 436.º do CPC (em Código Processo Civil anotado de António Abrantes Geraldes Vol. I 2.º Ed. págs. 521).
Espera deferimento.»
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A esse requerimento respondeu a mandatária da autora nos seguintes termos:
«A requerida alega estar a juntar um documento cuja oportunidade tinha sido dada na pretérita sessão de audiência de discussão e julgamento, sendo que, nomeadamente as provas testemunhais e documentais, devem ser apresentadas na primeira audiência de discussão e julgamento. Ora, para obter só agora estes documentos, a ré assume a sua incapacidade de saúde que não lhe permite verificar nem consultar todos os documentos que têm na sua posse nem para preparar a sua defesa. Digamos que, na última sessão de discussão e julgamento, ficou patente que a mobilidade necessária é uma mobilidade que lhe permite se deslocar de canadianas ou de muletas e que permite de alguma forma que a ré possa fazer a sua vida. Lembro também, que este processo data de novembro de 2021 sendo certo que a requerida deduziu oposição em fevereiro/março de 2022 e estamos em janeiro de 2024. Não obstante, considerando a autora que este documento não difere do documento já junto aos autos e que se encontra assinado pelas partes, e não podendo confrontar o devido documento com as testemunhas que já foram anteriormente ouvidas, deve a mesma junção ser indeferida.»
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Seguidamente, a senhora juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
«A junção do documento ora requerida pela ré, salvo melhor opinião, não é relevante para a boa decisão da causa uma vez que, nos presentes autos, a questão decidenda que importará aquilatar é saber se as partes subscreveram e assinaram um contrato de arrendamento datado de 30 de Julho de 2018 razão pela qual não se vislumbra qual a relevância para a boa decisão da causa a requerida junção e correlativa apreciação de uma minuta relativa a um alegado contrato de arrendamento datado de data anterior, mais concretamente de 23 de Julho de 2018, uma vez que tal data é anterior à data cuja assinatura do contrato se encontra em causa nos autos a que acresce ainda a circunstância de, salvo melhor opinião também em sentido contrário, a alegada dificuldade séria na obtenção do documento fundada na incapacidade sofrida pela ré não se poder ter como suficientemente fundamentada, uma vez que, só vislumbramos que a ré pudesse ter alguma dificuldade séria na obtenção de um documento datado de 2018, ou seja, cuja data da sua elaboração é muito anterior à data da propositura do presente procedimento especial de despejo, caso a Ré alegasse e por maioria de razão provasse, que o referido documento se encontrava na posse de terceiro. Assim, pese embora a sua incapacidade motora a qual se encontra devidamente comprovada, isso por si só não justifica que não tenha conseguido juntar um documento que, de acordo com a sua própria alegação, estava na sua posse, e o qual é muito anterior à data de propositura do requerimento de despejo que foi proposto em 3 de Novembro de 2021.
Assim sendo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 15.º n.º 6 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e 423.º n.º 3 do CPC, indefere-se quer por intempestividade quer por impertinência (isto é, irrelevância para a boa decisão da causa) o documento ora junto pela ré.»
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É deste despacho que, pela ré, vem interposto o presente recurso de apelação, cujas alegações conclui assim:
«1.ª - Vem o presente recurso interposto da douta decisão da Mmª Juiz a quo proferida na audiência de 19 de Janeiro de 2024 que indeferiu a junção aos autos de um documento original (minuta de contrato de arrendamento) assinado pelo Apelado.
2.ª - A norma constante no nº 6 do artº 15º-I da Lei nº 6/2006 dispõe que “as provas são oferecidas na audiência”, e o documento cuja junção foi indeferida pelo douto despacho recorrido foi apresentado na segunda sessão de audiência de discussão e julgamento pelo que, não distinguindo a lei qual o momento exacto de apresentação no decorrer da audiência, a Apelante entende que poderia sempre oferecer prova até ao encerramento da audiência. Por outro lado,
3.ª – Apesar da rigidez para que parece apontar a norma constante no artigo 423.º do Código Processo Civil, em parte associada ao principio da autorresponsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos e com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do Tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que estando embora fora daquelas condições, sejam tidos por relevantes para a justa composição do litigio à luz de um critério de justiça material cabendo realçar em especial o principio do inquisitório consagrado no artigo 411.º do CPC e concretizado ainda no artigo 436.º do CPC. Acresce ainda que,
4.ª - Discute-se nos presentes autos QUAIS OS TERMOS EXACTOS do contrato de arrendamento celebrado entre a Apelante e o Apelado, na medida em que a Apelante impugnou o documento junto pelo Apelado no seu requerimento inicial e o Apelado reconheceu que o contrato de arrendamento junto por si aos autos não reflecte nalguns aspectos o negócio celebrado entre ambas as partes.
5.ª - Nas suas declarações, prestadas na sessão de audiência de 19-01-2024, quer a Apelante, quer o Apelado, ao descreverem cada um a sua versão das circunstâncias em que foi celebrado o contrato de arrendamento, ambos se referiram por inúmeras vezes ao documento cuja junção foi rejeitada pela douta decisão recorrida, ambos admitindo que tal documento continha a proposta de negócio inicial apresentada pelo Apelado e rejeitada pela Apelante (veja-se a assentada efectuada na Acta da sessão de 19-01-2024).
6.ª - O nosso ordenamento jurídico dá relevância extrema às negociações pré-contratuais na formação do contrato, distinguindo a fase negocial propriamente dita (de preparação e conteúdo do acordo) e a fase decisória (a proposta e a aceitação), sendo certo que o negócio jurídico é formado com a aceitação sem modificações da proposta contratual (cfr. artºs 224º e ss., 227º, 253º, do CC);
7.ª - A Apelante considera que da conjugação da prova documental junta (veja-se o contrato de arrendamento junto pelo Apelado e a declaração de imposto de selo também junta pelo Apelado, donde consta que este não declarou á Autoridade Tributária que o contrato de arrendamento se tratava de um contrato com termo certo) com as declarações das partes resulta sem sombra para duvidas que: 1) entre Apelante e Apelado foi celebrado um contrato verbal, acompanhado de traditio e que está reflectido no documento entregue pelo Apelado na Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-07-2018 e também entregue a posteriori à Apelante com a assinatura do Apelado, donde consta que o contrato de arrendamento negociado entre as partes não tem termo (declaração esta que nunca foi substituída, nem corrigida pelo Apelado na AT); e 2) este contrato nunca chegou a ser alterado porque nenhuma das versões de contratos escritas e assinadas expressa a vontade de ambas as partes.
8.ª - Por tais razões, estamos perante um documento essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa cuja junção foi requerida tempestivamente.
9.ª - Inexistindo, por conseguinte, qualquer fundamento válido para indeferir a sua junção aos autos.
10.ª – Tantos mais que, na sessão de audiência seguinte (cfr. acta de 24-01-2024) foram admitidos outros documentos juntos pela aqui Apelante.
11. ª - Pelo exposto, a recorrente entende que no caso vertente, e s.m.o., deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a junção aos autos do documento, nos precisos termos requeridos.
12.ª – A douta decisão recorrida violou, entre outras do douto suprimento de Vªs Exªs, as normas constantes nos artºs nº 6 do artº 15º-I da Lei nº 6/2006; nos artºs 411º, 423º e 436º do CPC; e ainda nos artºs 224º e ss. e 227º do CC.»
Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial.»[2].
No presente recurso, após a formulação das conclusões as apelantes deduzem o seguinte pedido revogatório:
«TERMOS EM QUE, e demais de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, concomitantemente, ser a douta decisão recorrida substituída por outra que admita a junção aos autos do documento nos termos requeridos pela ora Apelante, assim se fazendo JUSTIÇA.»
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O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa apreciar se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que admita a junção aos autos do documento em causa.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão do recurso é a que decorre do relatório que antecede.
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3.2 – Fundamentação de direito:
Estamos perante um procedimento especial de despejo, regido pelos arts. 15.º e 15.º-A a 15.º-S, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua atual versão.
Dispõe o art. 15.º-I da referida Lei:
«1 - A audiência de julgamento realiza-se no prazo de 20 dias a contar da distribuição ou da conclusão dos autos, conforme o caso.
2 - Não é motivo de adiamento da audiência a falta de qualquer das partes ou dos seus mandatários, salvo nos casos de justo impedimento.
3 - Se as partes estiverem presentes ou representadas na audiência, o juiz procura conciliá-las.
4 - Frustrando-se a conciliação, produzem-se as provas que ao caso couber.
5 - A audiência de julgamento é sempre gravada, sendo aplicável com as devidas adaptações o disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.
6 - As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas.
7 - A prova pericial é sempre realizada por um único perito.
8 - Se considerar indispensável para a boa decisão da causa que se proceda a alguma diligência de prova, o juiz pode suspender a audiência no momento que reputar mais conveniente e marcar logo dia para a sua continuação, devendo o julgamento concluir-se no prazo de 10 dias.
9 - Finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral.
10 - A sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a ata.
11 - Quando a oposição seja julgada improcedente, a decisão condena o requerido a proceder à entrega do imóvel no prazo de 30 dias, valendo tal decisão como autorização de entrada imediata no domicílio.
12 - As partes podem livremente acordar prazo diferente do previsto no número anterior para a entrega do locado.
13 - A sentença é notificada às partes, ao agente de execução ou ao notário.»
Conforme decorre do citado preceito:
- Não é motivo de adiamento da audiência a falta de qualquer das partes ou dos seus mandatários, salvo nos casos de justo impedimento;
- Se as partes estiverem presentes ou representadas na audiência, o juiz procura conciliá-las; frustrando-se a conciliação, produzem-se as provas que ao caso couber, podendo qualquer das partes requerer a gravação da audiência;
- As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas.
Nas provas a que alude o n.º 6, incluem-se, obviamente, os documentos.
Dispõe, por sua vez, o art. 423.º do CPC:
«1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.»
Conforme se afirma no Ac. da R.P. de 28.04.2014, Proc. n.º 1410/13.9YLPRT-B.P1 (Correia Pinto), in www.dgsi.pt, «as normas em questão devem ler-se à luz dos seus específicos fundamentos e razão de ser, no caso, a procura de uma resposta célere à resolução do conflito relativo ao arrendamento e ao despejo, visando dinamizar o mercado de arrendamento urbano, nomeadamente criando um procedimento especial de despejo do local arrendado que permita a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento (cf. artigo 1.º da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto).
O procedimento comporta apenas dois articulados, seguindo-se de imediato o julgamento, sendo as provas oferecidas em audiência de julgamento.
No enquadramento legal em questão, a apresentação da prova deve ocorrer no início da audiência, seja no que concerne à indicação das testemunhas a inquirir, seja quanto a documentos a incorporar no processo. É o que decorre das regras de boa fé e lealdade processual e do princípio da cooperação, exigindo que o oferecimento das provas seja feito por ambas as partes na abertura da audiência e antes do início da produção de prova.
Obviamente que não fica prejudicada a possibilidade de apresentação em momento ulterior, no decurso da audiência, desde que, com as necessárias adaptações, se verifiquem os pressupostos enunciados no artigo 423.º do Código de Processo Civil, na redacção actual, seja quanto à apresentação do documento com sujeição ao pagamento de multa, seja quanto à verificação de razões que justificam a ulterior apresentação do documento, cabendo à parte, neste caso, a explicitação de tais razões, mencionando porque lhe foi impossível a apresentação no momento próprio ou a concreta razão que justifica que só naquele momento se mostre necessária a apresentação.»
No caso concreto, tal como sucedeu na situação retratada naquele aresto, foi apenas na 2.ª sessão da audiência final, depois de produzida toda a prova testemunhal, que a ré requereu a junção aos autos do documento consistente na «minuta do contrato de arrendamento datada de 23 de julho de 2018, assinada pelo próprio autor, minuta essa diferente das minutas de contrato de arrendamento já juntas aos autos, a qual à data não foi aceite pela ré.»
Sucede que nenhum dos argumentos apresentados pela ré na 2.ª sessão da audiência final, realizada no dia 19 de janeiro de 2024, pelos quais, então, requereu a junção aos autos daquele documento, poderia colher, pelo que, bem andou a senhora juíza a quo ao indeferir tal pretensão.
Não basta a afirmação genérica, que “a bem dizer, nada diz”, que «considera que este documento atenta a matéria de facto em discussão nos presentes autos se mostra com interesse, quer para a descoberta da verdade dos factos quer para a boa decisão da causa, daí a sua relevância da junção ora requerida.»
Necessário seria que a ré especificasse, concretizasse, qual, os quais, os concretos factos controvertidos que, através daquele documento, se propunha provar.
Conforme referem Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, a teologia do preceito contido no n.º 2 do art. 423.º «que visa evitar a perturbação resultante da apresentação extemporânea de documentos, leva-nos a considerar que o limite para a sua apresentação (e também para a alteração do rol de testemunhas, ao abrigo do art. 598.º, n.º 2, com semelhante redação) tem como referência a data designada para a audiência final ou para a primeira sessão[3], independentemente de qualquer adiamento ou continuação (...).»[4].
Lebre de Freitas / Isabel Alexandre consideram, por sua vez, que «a fixação de uma primeira data, havendo depois adiamento da audiência, ainda que depois de aberta, nos termos do art. 151-4 ou do art. 603-1, ou a suspensão da instância, nos termos do art. 269, não releva para o efeito, uma vez verificado o adiamento ou a suspensão.»[5].
Assim, no caso concreto:
- designado o dia 5 de janeiro de 2024, para realização da audiência final;
- iniciada, efetivamente, nesse dia, a audiência final, com inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, era naquela data que as partes, por imposição do n.º 6 do art. 15.º-I, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua atual versão, e antes da produção de prova, deveriam ter apresentado todos os elementos probatórios, incluindo, obviamente, a documental.
No entanto, conforme resulta do n.º 3 do mesmo artigo, tendo a audiência final sido interrompida no dia 5 de janeiro de 2024, para prosseguir, em 2.ª sessão, no dia 19 de janeiro de 2024, com a prestação de declarações pelas partes, seria ainda admitida, nesta data, a junção aos autos:
- de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento; e bem assim,
- de documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Afirma a ré, no requerimento que apresentou no dia 19 de janeiro de 2024, que «relativamente à oportunidade da junção, a requerente pretende referir que apenas agora encontrou este documento, daí também só agora apresentar a sua junção nos autos, facto este ao qual não é alheia à sua condição de deficiente motora, com grau de incapacidade elevado, condições que não lhe permitem a mobilidade necessária para procurar e manusear todos os documentos que possuí.»
Trata-se de um argumento que, obviamente, não pode colher!
É evidente que “as coisas” não são assim, não podem ser assim!
Não basta afirmar que só agora, em 19 de janeiro de 2024, aquando da realização de uma segunda sessão da audiência final, se encontrou um documento, no caso, uma «minuta do contrato de arrendamento datada de 23 de julho de 2018», situação à qual «não é alheia à sua condição de deficiente motora, com grau de incapacidade elevado, condições que não lhe permitem a mobilidade necessária para procurar e manusear todos os documentos que possuí.»
Isto quando, desde 14 de dezembro de 2023, sabia que a audiência final se realizaria no dia 5 de janeiro de 2024.
Fossem ”as coisas” assim, tão singelas e simples, e descoberta estaria a fórmula para transformar a 1.ª parte do n.º 3 do art. 423.º, em letra morta.
A partir daqui, bastaria a simples alegação de que, por esta ou aquela razão, “só agora” foi encontrado determinado documento, e escancaradas ficariam as portas para a admissão, sem mais, de documentos autor qualquer momento.
Impunha-se, pois, a alegação e prova da impossibilidade de apresentação do documento até àquele momento.
Não se verificando a primeira ressalva contida no n.º 3 do art. 423.º, é evidente que também não se verifica a segunda.
A apresentação de um documento torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, no caso (expressamente previsto na lei antiga) de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no número anterior.
A apresentação do documento não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha ou uma parte (em depoimento ou declarações de parte) aludem a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado (ou de um facto puramente probatório).
A ocorrência que torna necessária a apresentação do meio de prova que é o documento é a pretérita alegação desta matéria, cabendo a situação no n.º 1[6].
Segundo Lebre de Freitas, «os documentos destinados a provar os fundamentos da ação e da defesa (factos principais), bem como os factos instrumentais que constituem a base de uma presunção legal ou facto contrário ao legalmente presumido (...) devem ser apresentados com o articulado em que sejam alegados os factos correspondentes. (art. 423-1). A violação deste dever dá lugar a multa, mas, não de um ónus (...), as partes continuam a poder apresentar os documentos que provem os factos principais da causa, tal como os que provem factos instrumentais, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (art. 423-2).
Posteriormente, e até ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 604-3-c), são ainda admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento[7], bem como os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior (art. 423-3).»[8]-[9].
Temos, assim, à luz dos considerandos que antecedem, que a pretensão da ré, formulada através do requerimento apresentado na sessão da audiência final realizada no dia 19 de janeiro de 2024, de junção aos autos de um documento:
a) é extemporânea; e,
b) não se enquadra em qualquer uma das ressalvas contidas no n.º 3 do art. 423.º
Nada mais seria necessário para o julgamento de improcedência da apelação.
Sucede, porém, que no sobredito requerimento a ré afirma que «apesar da rigidez para que parece apontar a norma constante no artigo 423.º do Código Processo Civil, em parte associada ao principio da autorresponsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos e com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do Tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que estando embora fora daquelas condições, sejam tidos por relevantes para a justa composição do litigio à luz de um critério de justiça material cabendo realçar em especial o principio do inquisitório consagrado no artigo 411.º do CPC e concretizado ainda no artigo 436.º do CPC (em Código Processo Civil anotado de António Abrantes Geraldes Vol. I 2.º Ed. págs. 521).»
É, salvo o devido respeito, por demais evidente o equívoco em que a ré labora.
Dispõe o art. 411.º, que «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.»
Tal como se afirma no Ac. da R.L. de 10.09.2019, Proc. n.º 922/15.4T8VFX-E.L1-7 (Higina Castelo), in www.dgsi.pt, subscrito pelo aqui relator na qualidade de 1.º adjunto, «não é autonomamente recorrível um despacho em que o juiz não exerce um poder oficioso.
Já o CPC de 1939 afirmava o poder de o juiz “ordenar oficiosamente as diligências e atos que entender necessários para o descobrimento da verdade” (art. 264, 2.º §), norma que, com a seguinte redação, continuou no CPC de 1961: “O juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” (art. 264, n.º 3). Desde 1961 que o, então, artigo 264 tinha por epígrafe “Princípio dispositivo. Poder inquisitório do juiz”.
Sobre a norma em causa, escreveu Alberto dos Reis no seu Comentário ao Código de Processo Civil[10], que a norma dita atribui ao juiz o “poder de instrução”, tendo por fonte norma de Decreto de 1926 que revolucionou profundamente o sistema processual.
Leiam-se alguns trechos significativos pela sua clarividência que o atual ordenamento pereniza:
“As partes dispõem, em regra, da relação jurídica substancial. Quando se trata de direitos disponíveis, é lícito às partes regularem, como melhor entenderem, os seus interesses e portanto os seus conflitos; mas se, por não conseguirem dirimir particularmente as suas controvérsias, as levam para o tribunal, as submetem à decisão do Estado por intermédio do órgão jurisdicional, hão de sujeitar-se à disciplina que, no interesse superior da verdade e da justiça, o Estado entende dever estabelecer.
“Como diz um escritor, as partes têm a liberdade de tomar ou não a barca da justiça: ninguém as obriga a embarcar; mas se embarcam, não podem fazer a bordo o que lhes apetecer, ficam necessariamente submetidas à direção do capitão do navio, à disciplina e ao comando que ele haja de impor, a bem do interesse comum dos passageiros, da tripulação e da carga.” (p. 8).
Mais adiante volta a frisar que os largos poderes de direção são para serem utilizados para certos fins: “para tornar breve e útil a instrução e discussão e justa a decisão da causa.” (p. 9).
O atributo do juiz consagrado na norma em questão é um “poder de instrução”, que descreve como “a faculdade de ordenar oficiosamente as diligências e atos que entender necessários para o descobrimento da verdade” (p. 9).
Sobre a forma de atuação do poder de instrução, na esteira do previsto no art. 453 do projeto do código, afirma:
“Começa-se por afirmar que a iniciativa e o impulso processual incumbem às partes; depois é que se atribui ao juiz o poder de instrução oficiosa. Daqui se vê que a iniciativa da instrução pertence, em primeira linha, às partes e secundariamente ao juiz. Este só deve usar da sua prerrogativa de ordenar oficiosamente diligências e atos de instrução quando os que as partes tenham requerido não sejam suficientes para assegurar o conhecimento exato e perfeito dos factos necessários para a boa decisão da causa.” (p. 11).
Com o DL 329-A/95, de 12 de dezembro, a norma passa à seguinte redação: Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art. 265, n.º 3, do CPC de 1961 após reforma de 1995/6).
No preâmbulo do diploma lê-se a propósito: “Para além de se reforçarem os poderes de direção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adotar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excecionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”.
Apesar deste trecho do preâmbulo, no que à norma que nos ocupa respeita, as alterações não reforçam os poderes do juiz, que já anteriormente eram os mais amplos, continuando de idêntica forma.
Com o DL 180/96, de 25 de setembro, houve ligeira alteração gramatical, introduzindo-se a contração de artigo com preposição «à» antes de “justa composição”.
O art. 411 do CPC vigente, 2013, repete ipsis verbis a norma do art. 265, n.º 3, do CPC que o precedeu, na redação que tinha à data da sua revogação: “(...).”.
No decurso da história da norma, é de assinalar a seguinte mudança: antes de 1995, a norma referia que o juiz tinha o “poder” e após 1995 passou a referir que tem a “incumbência”.
A alteração tem menos efeitos práticos do que os que à primeira vista se poderia pensar. Já antes o “poder” era tido como um “poder-dever”, a atuar em determinadas condições e para certos fins[11]. Atualmente continua a que se está perante “poder-dever” ou “poder funcional”[12]
Designe-se por “poder-dever”, “poder funcional” ou “incumbência”, o que está (esteve sempre, desde 1939) em causa é um comportamento do julgador que só casuisticamente poderá ser determinado e que depende da avaliação que o próprio faça, ponderadas as circunstâncias do caso (factos de que pode conhecer, meios de prova produzidos e/ou requeridos, conhecimento de meios dirigidos à prova de factos relevantes), sobre a necessidade de ordenar determinada diligência probatória.
A avaliação pelo tribunal ad quem da necessidade de obtenção de certa prova de facto de que se podia conhecer e que, a ter sido feita, alteraria o desfecho da causa, e a  sindicância pelo tribunal de recurso do comportamento omissivo do juiz a quo ao não diligenciar oficiosamente sobre a obtenção de dado meio de prova só em sede de recurso da decisão final e por aplicação do art. 662 do CPC (verificando-se as circunstâncias da sua aplicabilidade) se poderá fazer.
O autor não pode recorrer de um despacho, que lhe indeferiu requerimento extemporâneo de junção de documentos, alegando que o juiz tinha o dever de oficiosamente ordenar a junção dos mesmos documentos. (...).
Mesmo que o autor tivesse pedido ao juiz que fizesse juntar os documentos oficiosamente, o indeferimento de um tal requerimento não seria recorrível, pois um requerimento para que o juiz atue um poder oficioso, que depende da sua avaliação de necessidade, não se confunde com um requerimento de produção de meio de prova.[13]»
Nos termos do n.º 1 do art. 436.º «incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.»
Por sua vez, dispõe o n.º 4 do art. 7.º que «sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo».
É certo que à luz do art. 436.º, a requisição de documentos pelo tribunal não é um mero poder discricionário, constituindo, antes, um poder-dever do juiz determinar a obtenção de documentos, seja de ofício, seja por sugestão das partes.
No entanto, a leitura do art. 436.º não pode ser dissociada da leitura do também citado art. 7.º, n.º 4.
Em anotação ao art. 436.º do C.P.C., afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís Sousa, que «apesar das condicionantes colocadas às partes relativamente à oportunidade da prática dos atos afetada pelas regras preclusivas, a latitude dos poderes inquisitórios do tribunal permite que este tome iniciativas em sede probatória, as quais serão justificadas desde que não impliquem a total desconsideração do princípio da autorresponsabilidade das partes ou do dispositivo, merecendo especial destaque as situações em que a atividade inquisitória se apresenta com natureza complementar relativamente à que foi empreendida pelas partes. (...).
Neste contexto, apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável – cf. art. 7,º, n.º 4 e S.T.J. 1-6-04, 04A993.
Como é evidente, o princípio do inquisitório não é pretexto para as partes delegarem ou confiarem, sem mais, no tribunal a realização de diligências probatórias, recaindo, pois, sobre elas o ónus da iniciativa da prova. As competências instrutórias outorgadas ao juiz estão longe de constituir mera faculdade legitimadora da inércia»[14].
Conforme se retira do excurso que antecede, não tem, in casu, o menor cabimento a invocação das normas contidas nos arts. 411.º e 436.º.
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IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo da apelante – arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º.

Lisboa, 9 de abril de 2024
José Capacete
Diogo Ravara
Alexandra de Castro Rocha
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[1] Por lapso, na ata consta a data de “05 de Janeiro de 2023”.
[2] Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.
[3] O destacado a negrito é da nossa autoria.
[4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, p. 541. No mesmo sentido, cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2.ª edição, Almedina, 2017, pág. 327, nota 350.
[5] Código de Processo Civil Antado, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, 2017, p. 675
[6] Cfr. Paulo Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas, NCPC, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 340-341.
[7] «Exemplos: o documento encontrava-se em poder de terceiros, que só posteriormente o disponibilizou; a certidão do documento arquivado em notário ou noutra repartição pública atempadamente requerida, só posteriormente é emitida; a parte só posteriormente tem conhecimento da existência do documento. (...).».
[8] «O facto (“ocorrência”) posterior a que se refere o nº 3 do art. 423 não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante alegação em articulado superveniente, caso já coberto pela norma do nº 1 do artigo; a previsão do nº 3 respeita a factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou factos que interessem à verificação dos pressupostos processuais. Sendo a ocorrência posterior, o documento que a prova não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente, mas a esta situação há que assimilar os casos em que o facto (ainda que principal e como tal alegado) tenha ocorrido antes da preclusão do art. 423-2, fazendo já parte do processo, mas o documento que o prova (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial) só posteriormente se tenha formado. (...)».
[9] A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pp. 249-250 e notas 66 e 67.
[10] Prof. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, Coimbra Editora, 1946, pp. 7 e ss.
[11] Além da já citada obra de Alberto dos Reis, v. do mesmo Autor, Código de Processo Civil anotado, I, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1948, p. 366 (usa da expressão «poderes-deveres», para os poderes conferidos pelos arts. 264 a 266, entre os quais o «poder de instrução».
[12] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras notas ao novo Código de Processo Civil, II, Coimbra, 2014, p. 25; Paulo Pimenta, Processo civil declarativo, Almedina, 2016, p. 30.
[13] As partes destacadas a negrito é da nossa autoria.
[14]  Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 508.