SEGURO DE GRUPO
CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CONTRATO DE ADESÃO
INVALIDEZ
INCAPACIDADE
CONSUMIDOR
SEGURADO
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
Sumário


I - Aplica-se o regime das cláusulas contratuais gerais ao contrato concreto através do qual o beneficiário adere ao contrato de seguro de grupo;
II - Não é abusiva, nem desproporcionada, a cláusula que exige para a verificação do risco “invalidez para qualquer profissão”, a prova de que a pessoa segura “perdeu, em consequência de doença ou acidente, completa e, segundo todas as previsões, definitivamente para o resto da vida, a capacidade de exercer a sua profissão, ou qualquer outra actividade lucrativa”, a acrescer ao grau de desvalorização igual ou superior a 66,6%.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, propôs acção declarativa de condenação com processo comum, contra Vitoria Seguros de Vida S.A., pedindo:

A. Que seja declarado válido e em vigor à data da incapacidade, o contrato de seguro do ramo vida, associado ao financiamento imobiliário, titulado pela apólice nº ......51, que celebrou com a Ré, destinado a garantir o capital máximo em divida em cada anuidade, em caso morte, invalidez total e permanente, por acidente, ou invalidez absoluta e definitiva, por doença.

B. Que seja a Ré, obrigada a restituir os prémios de seguros válidos, desde a data em que foi diagnosticada a doença e incapacidade de 73%, que incapacita a autora, até a data da propositura da acção, com juros a partir da citação, à taxa legal.

C. Que seja a Ré, obrigada a restituir todas as quantias pagas até a presente data, pagas ao Banco Santander Totta S.A, desde a data que foi diagnosticada a doença e incapacidade de 73% que a incapacita e até a propositura da acção, com juros a partir da citação, à taxa legal.

D. Que seja a ré condenada a pagar as quantias que se vierem a liquidar, correspondente as mensalidades que sejam pagas ao Banco Totta S.A, a partir da data da instauração da acção.

E. Que seja pago ao Banco Santander Totta S.A, a parte do capital que a mesma mutuou, e que ainda tiver em divida.

F. Que seja a Ré, condenada a pagar a quantia de € 10.000 (dez mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora.

Para o efeito, alegou, em suma, que padece de doença que a torna incapaz para realizar qualquer trabalho, que deu conhecimento deste facto à ré e esta recusa-se a reconhecer a cobertura do seguro respectivo.

A Ré contestou, invocando, nomeadamente, a noção de “Invalidez para qualquer profissão” constante da apólice e que a incapacidade da autora não excede os dois terços, pelo que não há fundamento legal para exigir a cobertura do seguro em questão, motivos por que acção deve improceder.

Realizado o julgamento foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, e provada, nos seguintes termos:

“Pelo exposto, o Tribunal, julgando a presente acção parcialmente procedente, decide:

A.) Declarar válido e em vigor à data da incapacidade, o contrato de seguro do ramo vida, associado ao financiamento imobiliário, titulado pela apólice nº ......51, que celebrou com a Ré, destinado a garantir o capital máximo em divida em cada anuidade, em caso morte, invalidez total e permanente, por acidente, ou invalidez absoluta e definitiva, por doença.

B. Condenar a Ré a pagar as quantias correspondentes às mensalidades que foram pagas ao Banco Totta S.A, a partir da data da instauração da acção, bem como a devolver todos os prémios de seguro pagos pela autora a partir da mesma data.

C. Condenar a ré a pagar ao Banco Santander Totta S.A, a parte do capital que a mesma mutuou, e que ainda tiver em divida.

D. Absolver a Ré do pagamento da quantia de € 10.000 (dez mil euros) peticionada a título de danos não patrimoniais.

A Ré interpôs recurso de apelação da sentença.

Por acórdão de 21.09.2023, do Tribunal da Relação de Guimarães foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença, e a Ré absolvida do pedido.

É a vez da Autora interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Prescreve o art.° 672º, n.º 1 do Código de Processo Civil, quais os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional, nos termos seguintes: a) quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; c) estabelece que a contradição entre acórdãos que incidam sobre a mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

2. Sendo que, no presente recurso, pretende-se demonstrar qualificação da situação da recorrente, como invalidez absoluta e definitiva, que a Primeira Instância entendeu ocorrer, mas o Tribunal da Relação entendeu o contrário.

3. E demonstrar a sua incapacidade para o Trabalho.

4. A recorrente, decorre do processo e já após ser considerada incapaz para qualquer trabalho pelo IML e segundo a TNI, em 16/03/2017, demonstrou estaria reformada por invalidez, 12/04/2017, preenchendo o DL 187/2007.

5. Esta notificação respeitou o disposto no art. 248.º do Código de Processo Civil, sendo que se encontra no citius desde 12/04/2017, com a referência 5401691.

6. Em sede, de avaliação pelo IML, ficou demonstrado uma incapacidade 66.8% superior aos 66.6% exigidos pelas Cláusulas Contratuais, por obediência à Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de Outubro.

7. Clausula Contratual das Condições Gerais, para mais fácil identificação, pelo STJ, na página 18, no seu ponto 2.4 alínea i).

8. Uma incapacidade permanente e global de 68%, preenche o conceito de invalidez absoluta e definitiva ( Acórdão STJ de 14.12.2016, Proc. 1724/11.2TVLSB.L1.S1).

9. O Supremo Tribunal de Justiça, refere que “É de considerar preenchido o conceito de invalidez absoluta e definitiva de que depende o accionamento do questionado contrato de seguro, se o autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente global de 66% de natureza motora, que o inabilita para o exercício da sua profissão” Acórdão STJ de 29.04.2010, Proc. 5477/06.8TVLSB.L1.S1.

10. Sendo que se reconhece que uma incapacidade para o exercício da profissão habitual, independentemente da possibilidade de exercício de outra actividade compatível com os conhecimentos e capacidades do lesado, corresponde a uma invalidez absoluta e definitiva.

11. Refere que Provando-se que a pessoa segura se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, que o declarou, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, preenche o pressuposto da invalidez, total e permanente, resultante de doença, na subespécie da total e definitiva incapacidade para o exercício da sua profissão, independentemente da sua eventual incapacidade para o exercício de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades, em que se traduzia o segundo termo da alternativa Acórdão STJ de 02.06.2015, Proc. 109/13.0TBMLD.P1.S1;

12. Já no que diz respeito a ajuda de terceira pessoa, ou seja, a necessidade permanente de recurso à assistência de terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente,

13. Esta exigência, entende a recorrente e conforme basta jurisprudência, é atentatória do princípio da boa-fé, na medida que uma exigência destas, relativa à vida quotidiana, é alheia ao risco principal que se pretende segurar, ligada à perda de rendimentos derivada da impossibilidade de exercício da respectiva actividade profissional.

14. Aliás, a definição de invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.

15. Definição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.03.2011 (Proc. 313/07.0TBSJM.P1.S1), pelo que não pode colher esta necessidade como imperiosa.

16. Reitera-se, que embora a recorrente se encontre reformada, isso não impõe que precisa obrigatoriamente ou necessariamente de ajuda de terceira pessoa para estar numa situação de invalidez absoluta.

17. Como, escreve o Acórdão da Relação de Guimarães de 31.05.2011, relatora Rosa Tching – uma incapacidade para o “exercício da profissão habitual, associada à perda de remuneração por incapacidade de a angariar, não pode deixar de corresponder a uma incapacidade absoluta e definitiva, por, de harmonia com o disposto nos arts. 236.º e 238.º, n.º 1, do Código Civil.

18. Proc. 153/08.0TCGMR.G1 de 31-05-2011, podendo ser consultado em DGSI.

19. Este o entendimento que um destinatário médio e de boa-fé ao aderir ao contrato de seguro de grupo”, retiraria de um cláusula garantindo, como no caso dos autos, o risco de invalidez absoluta e definitiva.

20. Por outro lado, mal se estaria, a titulo de exemplo, uma doente/recorrente, com 90% de incapacidade ( doentes oncológicos e outros ) mas não necessitassem de ajuda de terceira pessoa, ou necessidade permanente de recurso à assistência de terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente,

21. E dessa forma, não pudessem ver o prémio de seguro pago, porque embora tivessem um grau de incapacidade superior a 66.6%, não necessitavam de ajuda de 3º pessoa.

22. A recorrente, conforme pode ser comprovado em ambos os relatório de dano corporal, facilmente se conclui pelas diversas patologias, quea torna incapaz para o exercício da sua profissão e impossibilitam de exercer qualquer outra actividade remunerada.

23. Por esse motivo ficou reformada.

24. No mesmo sentido, do presente recurso, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12-07-2018 Proc. 2978/15.0T8FAR.E1.


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A Recorrida contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. No julgamento da apelação, o tribunal a quo considerou prejudicadas pela solução dada ao litígio, no que respeita à impugnação da decisão de facto, os requeridos 5º a 11º aditamentos aos factos provados e a reclamada revogação dos nºs 5 e 31 dos factos provados e, no que respeita ao direito, as questões da nulidade do contrato de seguro e da desconsideração da sequela de histerectomia e anexectomia (representativa de 14,2% da incapacidade total da A.), resultante de patologia pré- existente, para efeitos do disposto na cl. 2.4., c), i) das CGA.

2. Salvo melhor opinião, tal como a revogada sentença condenatória de 1ª instância, a revista da A. assenta numa errónea interpretação das cls. 1. (na parte em que define “invalidez para qualquer profissão”) e 2.4., c), i), das CGA.

3. Sendo a “invalidez para qualquer profissão” definida contratualmente como a perda completa e definitiva da capacidade do segurado para o exercício da sua profissão ou de qualquer outra actividade lucrativa, e tendo ficado provado que “A autora não se encontra total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer atividade profissional.” (FP 18), ou seja, não perdeu a sua capacidade para o trabalho, não se pode concluir pelo preenchimento dos pressupostos de facto da referida cobertura.

4. A cl. 2.4.,c),i), das CGA, sobre a qual recaio erro de interpretação da A.(erecaiuoda1ª instância), determina que se considera a incapacidade (para o trabalho, entenda-se) como completa “… desde que atinja um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6% …”, sendo que, no nosso modesto entender, a existência de incapacidade para o trabalho é um pressuposto da sua completude ou, dizendo de outro modo, a incapacidade para o trabalho só pode ser completa se existir (alguma incapacidade para o trabalho). No caso sub judice, dúvidas não há (porque o nº 18 dos FP não deixa margem para elas) que a A. não padece de incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional, mas sim de uma incapacidade geral de 66,8%, que, em concreto, não importa a impossibilidade de exercício da sua profissão (de doméstica) ou de qualquer outra, do que resulta que ficam por preencher os pressupostos de facto da cobertura de “invalidez para qualquer profissão”.

5. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, a incapacidade da A. nunca poderia ser considerada completa, para efeitos de cobertura do risco de “invalidez para qualquer profissão”, pois, nos termos da segunda parte da cl. 2.4., c), i) das CGA, as sequelas de histerectomia e anexectomia bilateral, sem as quais a desvalorização da A. diminui para 52,5%, motivadas por patologia já existente à data da contratação do seguro, teriam de ser desconsideradas para efeitos de aferição da completude da incapacidade.

6. Sobre essa questão, a R. produziu, no seu recurso de apelação, as seguintes conclusões:

“33. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, a incapacidade da A. nunca poderia ser considerada completa, para efeitos de cobertura do risco de “invalidez para qualquer profissão”, já que, nos termos da cl. 2.4., c), i), das CGA, para aferir se a incapacidade é completa (isto é, se atinge um grau de desvalorização de 66,6%), “Não serão considerados … quaisquer doenças ou defeitos pré-existentes …”, sendo que, a proceder a impugnação da decisão de facto, esta obrigará a concluir pela existência prévia (à contratação do seguro) da patologia diagnosticada por ecografia em 15.7.2002 (“útero aumentado de volume e mioma intra-mural e subseroso de 33 mm”) e de nexo de causalidade entre essa patologia e a histerectomia (com anexectomia bilateral) realizada em 18.4.2005, só ela responsável pela atribuição de um coeficiente de 0,30 e pelo aumento da desvalorização total arbitrada de 0,52513 (52,5%) para 0,66759 (66,8%), conforme discriminação das incapacidades da A. contida na pág. 7 do relatório do INML de 26.11.2020, que serviu de suporte à decisão de julgar provada uma incapacidade total de 66,8%, vertida no nº 17 dos factos provados.

34. Assim, como manda a cl. 2.4., c), i), das CGA, para efeitos de determinação da desvalorização da A., sempre haveria que desconsiderar a sequela advinda da realização da histerectomia (com anexectomia bilateral), motivada por patologia pré-existente, e concluir que a desvalorização da A. fica aquém dos 66,6% aí previstos e é, por isso, insuficiente para poder ser considerada completa.

35. Pelo exposto, a situação incapacitante da A. não se enquadra na cobertura de “invalidez para qualquer profissão”, não lhe assistindo, por conseguinte, qualquer direito de indemnização sobre a R..”

7. O conhecimento e a procedência dessa questão, relacionada com a pré-existência da patologia que está na origem da sequela de histerectomia e anexectomia, depende da apreciação e procedência da impugnação da decisão de facto (incluída no objecto da apelação interposta pela R.), concretamente dos propostos 8º, 9º e 10º aditamentos aos factos provados e da requerida revogação dos nºs 5 e 31 dos factos provados, impugnação essa que não foi conhecida pelo tribunal a quo no julgamento da apelação.

8. Em caso de procedência da revista, que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, o tribunal ad quem,face à insuficiência dos factos provados e à consequente necessidade de ampliação da decisão de facto, deverá devolver o processo ao tribunal a quo, para que este conheça da impugnação da decisão de facto, na parte que tem em vista os 8º a 10º aditamentos aos factos provados e a revogação dos nºs 5 e 31 dos factos provados, e julgue, de novo, a causa, nos termos dos arts. 679º (que exclui a aplicação ao recurso de revista do art. 665º), 682º/3 e 683º (nº 1 ou nº 2, conforme entenda, ou não, que pode fixar com precisão o regime jurídico a aplicar) do CPC.

9. Nessa hipótese – de procedência da revista – existirá uma questão prévia à do enquadramento da incapacidade da A. na cobertura de “invalidez para qualquer profissão”, que integrava o objecto da apelação, e de que o tribunal a quo também não conheceu, que é a da nulidade do contrato de seguro.

10. Sobre essa questão, a R. concluiu, no seu recurso de apelação, nos seguintes termos:

“21. O tribunal a quo errou na determinação da lei aplicável à formação do contrato de seguro em discussão nos autos.

22. Aplicando ao caso sub judice os arts. 2º/1, 3º/1 e 7º do DL nº 72/2008, de 16.4, conclui-se que o RJCS (aprovado por esse diploma) passou a aplicar-se ao contrato de seguro celebrado entre as partes a partir de 1.9.2009, isto é, da sua primeira renovação posterior à entrada em vigor do referido regime jurídico (1.1.2009), com excepção das regras relativas à formação do contrato, nomeadamente as dos arts. 24º a 26º, que regulam o dever do tomador do seguro de declaração inicial do risco.

23. A questão da nulidade do contrato de seguro, por incumprimento da A. do seu dever de declaração inicial do risco, deverá ser conhecida à luz do art. 429º do Cód. Com., que vigorava à data da celebração do contrato, e cuja solução foi acolhida na cl. 5.6.2. das CGA (e não das regras dos arts. 24º a 26º do RJCS, que, aparentemente, terão sido pesadas pelo tribunal a quo na sua decisão de desatender à arguida nulidade).

24. Os factos omitidos pela A. (isto é, a sintomatologia, a consulta com o médico de família, a ecografia e o respectivo diagnóstico) eram por si conhecidos e relevantes para a R., podendo influir na aceitação ou nas condições de aceitação do risco proposto, sendo sinal disso o facto de a R. os questionar expressamente no inquérito de saúde incluído na proposta de seguro; acresce que, em caso de procedência da impugnação da decisão de facto, será aditado aos factos provados que, se tivesse tido conhecimento da factualidade omitida pela A., a R. teria aceitado o risco proposto com exclusão da patologia diagnosticada pela ecografia de 15.7.2002, bem como das suas consequências e complicações futuras.

25. Embora, nos termos do art. 429º do Cód. Com., a nulidade do contrato de seguro dependa, exclusivamente, da deturpação ou omissão de factos conhecidos do segurado com potencial influência na celebração ou condições do contrato (não se exigindo a verificação de nexo de causalidade entre o facto omitido ou transmitido inexactamente e o sinistro), sempre se dirá que, no caso sub judice, provou-se a existência de nexo de causalidade entre o diagnóstico omitido à R., estabelecido pela ecografia realizada em 15.7.2002, e a histerectomia (com anexectomia bilateral) a que a A. se sujeitou em 18.4.2005, sendo que, conforme resulta do relatório de peritagem do INML de 26.11.2020, só por essa cirurgia foi atribuído à A. um coeficiente de desvalorização de 0,30, do que resulta que, sem ela, a incapacidade da A. seria inferior a 66,6% e não poderia considerar-se completa, para efeitos do disposto na cláusula 2.4. c) i) das CGA, que resulta que, decididamente, não haveria qualquer sinistro susceptível de enquadramento na cobertura de “invalidez para qualquer profissão”.

26. A factualidade provada obriga a concluir pelo preenchimento dos pressupostos de facto de que depende a nulidade do contrato de seguro, nos termos do art. 429º do Cód. Com. e da cl. 5.6.2. das CGA.”

11. O conhecimento e a procedência dessa questão (prévia) nulidade do contrato de seguro – depende da apreciação e procedência da impugnação da decisão de facto (incluída no objecto da apelação da R.), concretamente dos requeridos 5º a 11º aditamentos aos factos provados (sendo que os reclamados 8º a 10º aditamentos são relevantes para o conhecimento quer da questão do enquadramento da situação da A. na cl. 2.4., c), i) das CGA, quer da nulidade do contrato), impugnação essa que não foi conhecida pelo tribunal a quo.

12. Na hipótese que se previne - de procedência da revista -, que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, o tribunal ad quem, face à insuficiência dos factos provados e à consequente necessidade de ampliação da decisão de facto, nos termos dos já citados arts. 679º, 682º/3 e 683º do CPC, deverá devolver o processo ao tribunal a quo, para este conhecer da impugnação da decisão de facto, na parte que tem em vista os 5º a 11º aditamentos aos factos provados (e não apenas os 8º a 10º aditamentos, necessários ao conhecimento da questão do enquadramento da situação da A. na cobertura contratual), bem como da questão da nulidade do contrato de seguro, que, no nosso modesto entender, é prévia àquela (isto é, à do enquadramento da situação nas garantias contratuais), que pressupõe a validade do contrato.

13. O acórdão recorrido aplicou correctamente o direito aos factos provados e não violou quaisquer normas legais.


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Decorre do disposto no nº4 do art. 635º do CPC, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem por objecto a questão de saber se a Autora se encontra na situação de “invalidez de invalidez para qualquer profissão”;

Fundamentação.

O acórdão recorrido teve como provados os seguintes factos:

1. A autora, em 30 Agosto de 2002, perante o Banco Crédito Predial Português, actualmente incorporado no Banco Santander Totta S.A, celebrou um denominado contrato de mutuo para aquisição de habitação, no valor aproximado de € 74.819,69 (setenta e quatro mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta e nove cêntimos), imóvel descrito na conservatório sob a ap.02/210202 e numero de matriz 587.

2. Associado a esse negócio, contraiu um seguro do ramo vida, perante a companhia de Seguros Vitoria titulado pela apólice nº ......51, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”.

3. O seguro destinava-se a garantir o pagamento do capital em dívida, no caso de “Morte”, e, com a garantia complementar de “Invalidez para qualquer profissão”.

4. Aquando da celebração do contrato de seguro, foi comunicado a autora que em caso de invalidez total ou permanente, para o exercício da profissão, bem como de qualquer outra profissão, em consequência de acidente ou doença, tinha direito a acionar as coberturas do seguro.

5. Em meados de 2009, foi diagnosticado à autora, problemas no útero e consequentemente retiro do mesmo, ou seja, uma Histerectomia total com Anexectomia bilateral, existindo até hoje tratamentos sucessivos de fisiatria.

6. Em virtude de tal doença, começou a usar fraldas e sem capacidade de reter quaisquer líquidos.

7. Em 2011, foram diagnosticados à autora problemas nível ósseo.

8. A autora dirigiu-se aos balcões a transmitir todos os problemas de saúde que padecia.

9. Obtendo como resposta, por parte da Ré, que só existira responsabilidade da mesma partir do momento, que existisse uma incapacidade de 2/3 para qualquer trabalho.

10. Começou a surgir à autora surdez neurossensorial bilateral, hiporreflexia vestibular esquerda.

11. E problemas a nível do joelho direito, que originou intervenção cirúrgica.

12. No dia 07/07/2011, a autora foi avaliada pela Administração Regional de Saúde do Norte, por decisão de junta médica de avaliação de Incapacidade Multiuso, onde foi atribuída uma incapacidade de 73%.

13. Em 2015, o Dr. BB, ortopedista, por relatório médico, relata queixas de dor lombar e rigidez da coluna vertebral, rigidez do ombro direito, cistalgia esquerda, atrofia dos glúteos, hidrartrose de repetição do joelho direito, por parte da autora, atribuindo-lhe uma IPP de 73%.

14. Foi ainda diagnosticado uma tumefação dolorosa na região dorsal de falange distal de d3.

15. E ainda um nódulo na tiroide de caracter benigno, com vigia regular a cada seis meses.

16. Actualmente, a autora padece de dores de carácter degenerativo a nível da coluna vertebral, dores a nível de ambas as ancas de carácter degenerativo, dores a nível do joelho direito secundárias a cirurgia prévia à rótula, incontinência urinária, hipoacusia neurossensorial bilateral, síndrome vertiginoso, reação depressiva prolongada e status pós-histerectomia e anexectomia bilateral.

17. A incapacidade resultante das doenças referidas em 16., é de 66,8%, que subsiste desde data não concretamente apurada.

18. A autora não se encontra total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer atividade profissional.

19. Nunca a autora recebeu qualquer pensão de invalidez, até a presente data.

20. A autora vive de ajuda de terceiros, para poder suportar todas as despesas mensais.

21. O vencimento auferido pelo marido, é incompatível com as inúmeras despesas mensais, como empréstimo habitação, luz, água, gás, alimentação, vestuário, calçado, telecomunicações, entre outras.

22. A autora sofre de ansiedade, que lhe retira o sono e descanso necessário e toma ansiolíticos e antidepressivos.

23. No período matinal a autora necessita, que o marido ajude a vestir, calçar, atendendo a rigidez imanente naquele período do dia.

24. Na sequência dessa participação, a Ré solicitou a marcação de uma consulta para avaliação do dano a efectuar pelo Dr. CC do Hospital Cuf ....

25. Foi solicitada à Autora a sua comparência no referido Hospital no dia 15 de Março de 2012 a fim se ser submetida a um exame clínico.

26. Na sequência desse exame clínico, o Dr. CC elaborou um relatório no âmbito de invalidez para qualquer profissão com a data de 15.03.2012, resultando do mesmo relatório uma incapacidade permanente geral de 59%, bem como a inexistência de dano futuro e de rebate profissional.

27. O relatório em causa foi enviado à Ré no dia 28 de Março de 2012.

28. Por carta de 18.04.2012 foi comunicado à Autora que a Ré não reconhecia, nessa altura, qualquer situação de invalidez por não se enquadrar no âmbito de cobertura da garantia.

29. O contrato de seguro teve o seu início no dia 01.09.2002.

30. No que diz respeito a “inquérito de saúde ou registos clínicos decorrentes de avaliações ou de exames auxiliares realizados aquando da celebração desse contrato de seguro”, verifica-se que a Autora apenas preencheu o questionário que faz parte da Proposta de Seguro que foi junta aos autos, tendo respondido negativamente a todas as questões de saúde que constam desse questionário, e não foi efectuada pela Ré qualquer averiguação nem foram solicitados quaisquer exames auxiliares.

31. Aquando do preenchimento do inquérito supra referido a autora desconhecia a pré existência de qualquer doença.

A Relação julgou não provado:

a) A autora se encontra total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer atividade profissional.

b) Aquando da entrega do contrato de seguro, nunca foi explicado, à autora, os termos do mesmo.

c) A autora tem a quarta classe.

Fundamentação de direito.

A Recorrente interpôs a revista como excepcional ao abrigo do disposto no art. 672º, nº1, alínea a) a c), mas, como já se referiu, não se trata de uma revista excepcional, mas sim revista em termos gerais. É que a revista excepcional destina-se a ultrapassar o obstáculo da dupla conforme (art. 671º, nº3, do CPC), situação que não se verifica no caso, pois que a Relação revogou a sentença da 1ª instância e julgou a acção improcedente.

Dito isto,

A Autora intentou a presente acção com vista a obter a condenação da Ré a assumir perante o tomador do seguro, o Banco com quem celebrou um contrato de mútuo para habitação a qual está associado um seguro de grupo a que aderiu, por se encontrar na situação de invalidez prevista nas condições gerais do contrato de seguro, a obrigação de pagar o capital em dívida nos termos previstos na apólice.

A acção procedeu parcialmente na 1ª instância, mas improcedeu na Relação, tendo o acórdão recorrido revogado a sentença.

Para tanto, considerou a Relação:

“Atento o teor da respectiva apólice nº ......51, e cfr. factos provados nº 2 e 3, supra, resulta que o seguro se destinava, tão só, a garantir o pagamento do capital em divida, no caso de “Morte”, e, com a garantia complementar de “Invalidez para qualquer profissão”. ( cfr. facto provado nº 3: “O seguro destinava-se a garantir o pagamento do capital em divida, no caso de “Morte”, e, com a garantia complementar de “Invalidez para qualquer profissão”).

Ainda, e, em qualquer caso ou interpretação, não estando em discussão, nos autos, a invalidez total e permanente, por acidente.

E, sendo ainda que, para os casos de invalidez absoluta e definitiva, por doença, nos termos da apólice em apreciação, se define esta como: “ Situação em que a Pessoa Segura, em consequência de doença ou acidente, fica, absoluta, e, segundo todas as previsões, definitivamente, para o resto da vida, impossibilitada de exercer qualquer actividade remunerada, sendo, além disso, obrigada a recorrer à assistência constante de terceira pessoa para satisfação das suas necessidades vitais”, não se enquadrando esta previsibilidade - quer no âmbito do concreto seguro de vida em referência - , - quer no objecto factual da acção, não tendo correspondência com os factos alegados na petição inicial, nem com os factos que resultam provados ( e, em qualquer caso, não se integrando na previsibilidade destes).

Resultando provado que “4. Aquando da celebração do contrato de seguro, foi comunicado a autora, que em caso de invalidez total ou permanente, para o exercício da profissão, bem como de qualquer outra profissão, em consequência de acidente ou doença, tinha direito a acionar as coberturas do seguro”; e, facto provado nº 18: “18. A autora não se encontra total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer atividade profissional”,

Nos termos expostos resultando improcedente a acção e os pedidos formulados.

E, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na apelação.”

Dissentindo do assim decidido, sustenta a Recorrente : i) deve considerar-se que a sua situação é de invalidez absoluta e definitiva, e assim dar-se como preenchida a cláusula do contrato de seguro, e que, ii) e a exigência de “necessidade permanente do recurso a terceira pessoa”, é abusiva e atentatória do princípio da boa fé.

Vejamos se a revista merece provimento.

O contrato celebrado entre a Autora e a Ré configura um contrato de seguro, na modalidade de “ramo vida” que tem por objecto a cobertura do risco de morte ou invalidez associado aos contratos de financiamento bancário, garantindo ao tomador do seguro (entidade financiadora), o capital que estiver em dívida à data em que se verifiquem tais eventos.

No caso presente, o seguro destinava-se a garantir o pagamento do capital em dívida, no caso de “Morte”, com a garantia complementar de “Invalidez para qualquer profissão”.

A apólice define “invalidez para qualquer profissão”, como “a situação em que a Pessoa Segura perdeu, em consequência de doença ou acidente, completa e, segundo todas as previsões, definitivamente para o resto da vida, a capacidade de exercer a sua profissão, ou qualquer outra actividade lucrativa.”

E ainda de acordo com apólice, “para efeitos de reconhecimento da situação de invalidez considera-se a incapacidade como completa desde que atinja um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. Não serão consideradas para a determinação deste grau quaisquer doenças ou defeitos físicos pré-existentes ou outras situações referidas nestas Condições Gerais.” (cláusula 2.4., c), i).

Assim, para que possa dar-se por verificado o risco invalidez para qualquer profissão, é necessário que a pessoa segura, em consequência de doença ou acidente: i) apresente uma desvalorização igual ou superior a 66,6%; ii) perdeu, segundo todas as previsões, para o resto da vida, a capacidade de exercer a sua profissão, ou qualquer outra actividade lucrativa.

No caso, provou-se que a Autora tem uma incapacidade de 66,8% que excede o grau de desvalorização de 66,6%, mas não se provou o segundo dos apontados requisitos. Com efeito, deu-se como provado que “ A autora não se encontra total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer atividade profissional”. (facto nº 18)

Foi este o motivo para a improcedência da acção na 2ª instância.

Sustenta a Recorrente que se encontra na situação de “invalidez absoluta e definitiva” e que a exigência prevista nas condições gerais da apólice que a pessoa segura tenha “necessidade de recorrer à assistência constante de terceira pessoa para a satisfação das necessidades vitais” é abusivo e atentatório do princípio da boa-fé, e invoca em abono da sua posição três arestos do STJ e um da Relação da Guimarães.

Sucede, como notou a Relação, que não está em causa o risco de “invalidez absoluta e definitiva”, para o qual a apólice exige a demonstração da necessidade de recorrer à assistência constante de terceira pessoa para satisfação das suas necessidades vitais”, mas sim o risco de “invalidez para qualquer profissão”.

Os acórdãos citados também não favorecem a tese da Recorrente, pois que em todos eles se deu como provado que o segurado, em consequência de acidente ou doença, ficou incapaz para o exercício da profissão ou outra compatível com as suas capacidade, ao contrário do que sucede no caso dos autos.

É sabido que os contratos de seguro de ramo vida, são contratos de adesão, que postulam uma relação trilateral que se constitui em dois momentos: “Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador do seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. O contrato de seguro é predisposto pela seguradora e pelo tomador e são estas entidades que modelam o seu conteúdo; o segurado, por virtude de um vínculo que o liga ao tomador, limita-se a aderir ao contrato objecto de predisposição” (Acórdão do STJ de 14.04.2015, P. 294/2002.E1.S1, e assim também os acórdãos de 08.02.2024, P. 8223/17.7T6CBR.C1.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt,).

Aplica-se o regime das cláusulas contratuais gerais ao contrato concreto através do qual o beneficiário adere ao contrato de seguro de grupo (acórdão do STJ de 08.02.2024, P. nº 8223/17.7T6BR.C1.S1).

Como assim, importa saber se saber se o requisito perda da capacidade de “exercer a profissão, ou qualquer outra actividade lucrativa”, que acresce ao grau de desvalorização igual ou superior a 66,6%, é desproporcional, contrário à boa fé, e, consequentemente nulo, nos termos dos artigos 15º e 16º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

A exigência de boa fé, no desenho e na execução dos contratos – sinteticamente, como por vezes se diz, a devida consideração dos interesses da contraparte – assume relevo especial no âmbito das cláusulas contratuais gerais, dado o desequilíbrio que se encontra na sua génese.”

No acórdão do STJ de 10.12.2019, P. 634/13.3TVPRT.P1.S1, exprimindo entendimento pacífico neste Tribunal, consignou-se:

(…) em síntese, serão abusivas, à luz dos critérios enunciados no art. 16º do RJCCG, porque opostas à boa fé e como tal proibidas: i) as cláusulas que ofendam a confiança legítima (e, portanto, a confiança não contrária a outros valores jurídicos ou aos deveres de indagação que no caso caibam) provocadas pelos factores enunciados na lei (o sentido global das cláusulas, o processo de formação do contrato singular e o teor deste); e (ii), as cláusulas que, sem justificação legítima, contrariem, dificultem ou impeçam os objectivos perseguidos pelas partes com o contrato.

(…)

O significativo desequilíbrio das prestações “foi o critério eleito pela Directiva nº 93/13/CEE, do Conselho, de 05 de Abril de 1993 (relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores) para aferir da natureza abusiva de uma cláusula, estatuindo-se no seu art. 3º, nº1 que “Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

O desequilíbrio significativo resultante de cláusulas definidas pelo predisponente pode revelar-se na imposição ao aderente de obrigações desproporcionadas, no sentido de agravarem significativamente a sua posição, não obstante a sua inadequação ao objectivo do tipo de contrato que estiver em causa.

Assim, para aferir da natureza abusiva de uma cláusula neste domínio, deve ponderar-se a finalidade do contrato e quando, em resultado de cláusulas de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquela que o tomador podia de boa fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato, devem tais cláusulas ser consideradas nulas. (cfr. Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 2009, pag. 98-100).

Posto isto,

O escopo específico do contrato de seguro como o dos autos é o de garantir que caso o segurado morra ou se veja incapacitado de trabalhar e, consequentemente de auferir rendimentos, fique assegurado o pagamento ao Banco do “quantum” em dívida, libertando-se o outro desse encargo. É, pois, este, o preciso interesse dos segurados.

Já o interesse do Banco, enquanto mutuante, consiste em ver reforçada a garantia de que o montante emprestado, bem como os respectivos juros, lhe serão pagos, ainda que os mutuários possam ficar em situação que impossibilite ou dificulte essa restituição.

E é justamente neste sentido o entendimento que vem sendo sufragado no STJ, afirmando repetidamente que, à luz dos fins que presidem a um seguro como aquele em causa nos autos, o sinistro ou a verificação do risco ocorre quando os réditos dos devedores (aderentes) ficam comprometidos em ordem ao regular reembolso do mútuo, em razão da invalidez total e permanente que os torna incapazes de exercer uma actividade remunerada (cfr. acórdãos do STJ de 07.10.2010, P.1583/06, de 24.04.2014, P. 6659/09, de 27.09.2016, P. 240/11, e de 10.12.2019, P. 634/13, que vimos seguindo de perto).

A cláusula que explicita o risco de “invalidez para qualquer profissão”, concretamente o requisito de “perda (…) da capacidade de exercer a sua profissão ou outra qualquer actividade lucrativa”, evidencia-se perfeitamente compreensível e expectável para qualquer aderente de um contrato similar, posto que aí mais não se faz do que reconduzir a mencionada invalidez ao estado daquele que, por força de doença ou acidente, fique total e irreversivelmente incapacitado de exercer a sua profissão, ou outra actividade lucrativa, deixando, como tal de poder auferir rendimentos que lhe permitam pagar a dívida.

Na verdade, como se escreveu no supra citado acórdão deste Supremo de 10.09.2019, “a cláusula em análise limita-se a clarificar o conceito de invalidez total e permanente ou, dito de outro modo, o risco coberto pelo seguro, sendo que era naturalmente com essa cobertura que os segurados, tendo em conta a finalidade do contrato, podiam razoavelmente contar, a qual não resulta, de modo nenhum, contrariada, impedida ou sequer dificultada por essa estipulação.”

Á luz destes princípios, a cláusula do contrato que define invalidez para qualquer profissão, não é abusiva, não estando ferida de nulidade nos termos dos arts. 15º e 16º do RJCCG.

Revertendo ao caso dos autos.

A Autora não logrou provar, como lhe competia (art. 342º, nº1, do CPC), que se encontra na situação prevista na apólice de risco de invalidez para qualquer profissão.

O que significa que não se verifica o risco complementar abrangido pelo contrato de seguro.

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões da Recorrente, não merecendo censura o acórdão recorrido.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 04.04.2024

Ferreira Lopes (relator)

Fátima Gomes

Sousa Lameira