RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
EXPROPRIAÇÃO
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
CADUCIDADE
RENOVAÇÃO
ATO ADMINISTRATIVO
NULIDADE
INDEMNIZAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO LITERAL
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
Sumário


Os n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º do Código das Expropriações aplicam-se exclusivamente aos casos de caducidade da declaração de utilidade pública, previstos no n.º 3 daquela disposição legal.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrentes: AA, BB e CC

Recorridos: Auto-Estradas Norte Litoral — Sociedade Concessionária AENL, S.A., e Estado Português

I. — RELATÓRIO

1. AA, BB e CC propuseram a presente acção contra o Estado Português e Auto-Estradas Norte Litoral — Sociedade Concessionária AENL, S.A., pedindo:

I. — que seja declarada a caducidade da declaração de utilidade pública de 20/03/2007, emitida pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto da Obras Públicas e Comunicações, publicada no DR II Série, n.º 99, de 23/05, relativa à construção das áreas de serviço de Vila do Conde do IC1;

II. — que o Estado e/ou a Auto-Estradas Norte Litoral — Sociedade Concessionária AENL, S.A., sejam condenados a indemnizá-los por terem ficado privados da parcela 7 identificada nas Declarações de Utilidade Pública emitidas em 04/09/2002 e 20/03/2007, em que estavam identificados como expropriados.

2. Os Réus Estado Português e Auto-Estradas Norte Litoral — Sociedade Concessionária AENL, S.A., contestaram, defendendo a aplicação ao caso sub judice do artigo 13.º, n.º 6, do Código das Expropriações.

3. Em despacho saneador, o Tribunal de 1.ª instância conheceu do primeiro dos pedidos formulados, julgando verificada a caducidade da declaração de utilidade pública de 20/03/2007, emitida pelo Secretário de Estado Adjunto da Obras Públicas e Comunicações, publicado no DR II Série, n.º 99, de 23/05, relativa à construção das áreas de serviço de Vila do Conde do IC1.

4. Inconformados, os Réus Réus Estado Português e Auto-Estradas Norte Litoral — Sociedade Concessionária AENL, S.A., interpuseram recursos de apelação.

5. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência dos recursos.

6. O Tribunal da Relação julgou procedentes os recursos.

7. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão que julgou verificada a caducidade da declaração de utilidade pública,

Custas pelos apelados (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).

8. Inconformados, os Autores AA, BB e CC interpuseram recurso de revista.

9. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) O presente recurso visa o acórdão proferido em 27.11.2023, com a referência .......62, nos termos do artigo 671º, nº 1 do CPC. Os Recorrentes foram notificados do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que proferiu decisão no sentido de julgar procedente o recurso apresentado pelos RR., ora recorridos, revogando a decisão de 1ª instância que julgou verificada a caducidade da declaração de utilidade pública.

B) Em primeira mão, cumpre evidenciar os factos subjacentes ao caso em concreto, para um pleno entendimento do que aqui já se discutiu, passado posteriormente para as alegações de recurso.

C) Em sede de alegações de recurso de apelação apresentadas pelos RR, ora recorridos, estes impugnaram o Despacho Saneador proferido pelo Juízo Central Cível da ... – Juiz 4 - que, em 01/06/2022, declarou, e muito bem, a caducidade da declaração de utilidade pública de 20/03/2007, emitida pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto da Obras Públicas e Comunicações, publicado no DR II Série, nº99, de 23/05 e relativa à construção das áreas de serviço de Vila do Conde do IC1.

D) Salvo o devido respeito, entendem os ora Recorrentes que o recurso interposto pelos RR. careceu de todo e qualquer fundamento fáctico e legal. A Meritíssima Juiz de 1.ª Instância, nos exatos pontos ora em discussão, ponderou adequadamente os fundamentos e legislação aplicável neste processo, e operou uma correta aplicação do direito, atento os factos a ele subjacentes.

E) Os RR., ora Recorridos, invocaram a validade da segunda DUP, a de 2007. Invocando para tanto que não era exigível que, após a emissão da 2ª DUP, fosse promovida a constituição da arbitragem, nos termos e ao abrigo do artigo 13º, n.º 3 do CE. Contudo, fazem uma interpretação sui generis deste procedimento expropriativo, uma vez que em momento algum foi fixada indemnização aos Apelados, e muito menos esta foi paga. O montante que se alegam ser o pagamento, é nada mais, nada menos, do que a quantia sobre a qual já existia acordo, ou seja, o montante em que a expropriante estaria disposta a pagar de livre vontade. Mas a verdade é que nunca os AA. se conformaram com essa decisão!

F) O acórdão do STA, de 19-06-2007, que declarou nula a DUP. foi claro quanto à não produção de efeitos, ainda que colaterais, do ato administrativo de expropriação nulo.

G) O acórdão que declarou nula a DUP aqui citado foi claro quanto à não produção de efeitos, ainda que colaterais, do ato administrativo de expropriação nulo. Ora, é notório que o despachode 2002 não atribuiu legitimamente a propriedade do terreno aos RR., e também não o fez a DUP de 2007, que é completamente inócua para o efeito. Sucede que o Tribunal da Relação a quo assim não o entendeu, tendo proferido Acórdão com decisão em contrário (que ora se recorre).

H) Disposto o elenco de factos subjacentes ao caso, cumprirá agora proceder à análise das questões jurídicas suscitadas no âmbito do presente recurso de revista. O Artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que é possível recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão de 1.ª instância, que aprecie o mérito da causa ou coloque termo ao processo, absolvendo o réu ou réus quanto aos pedidos ou reconvenções apresentados.

I) Assim sendo, torna-se evidente que estamos perante uma decisão de 1.ª instância, objeto de recurso para o Tribunal da Relação, que, mesmo não findado o processo (com a consequente absolvição da instância ou do pedido), abordou parcialmente o mérito da causa ao antecipar a apreciação de um dos pedidos apresentados pelos Autores (pedido i)).

J) Com efeito, nos termos do artigo 672.º, n.º 1 do CPC, é excecionalmente admissível o recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; ou c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

K) O fundamento da relevância jurídica ocorre, nomeadamente, em face de questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais, daí a necessidade da intervenção excecional com vista a evitar/sanar contradições jurisprudenciais. – Ac. do STJ de 22.09.2021, Revista excecional n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2.

L) Mostra-se assim justificada a necessidade da revista excecional aos presentes autos, nos termos do artigo 672, nº 1 al. a) do CPC, pela relevância jurídica da questão em apreço que se impõe que seja densificada pelo STJ, não só no quadro da divergência jurisprudencial ainda existente, como também pela especial complexidade que sobre o tema recai (nulidade de uma DUP e os procedimentos posteriores a adotar tanto pela entidade expropriante como pelo próprio expropriado).

M) Os interesses de particular relevância social respeitam a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação. – Ac. do STJ de 29/03/2023, no processo nº 1400/13.1TTPRT.P1.S2, relator Mário Belo Morgado.

N) Atento o caso sub judice ser respeitante à atuação da administração na expropriação de terrenos de particulares que fazem parte da comunidade, existe desde logo e sem necessidade de grande explicação, um interesse comunitário.

O) Assim, a questão de saber qual o procedimento que pode ser adotado pela Entidade Expropriante em caso de declaração de nulidade da DUP – como é o caso que se discute – e a forma como esta se relaciona com os sujeitos particulares assume, sem sombra de dúvida, particular relevância social.

P) Entendeu o Tribunal a quo, assim como entendem os RR. que a DUP de 2007 é uma renovação da DUP anterior – a de 2002. Ora, a DUP de 2002 foi declarada nula, por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07 de fevereiro de 2006, por falta de parecer prévio favorável da respetiva Comissão Regional Agrícola.

Q) Do acórdão resulta que, não tendo o ato de declaração de utilidade pública da expropriação da parcela sido precedido de parecer favorável da comissão regional da RAN, é o mesmo nulo. E, sendo nulo, não produziu quaisquer efeitos jurídicos, nos termos do artº 134º nº 1 do Código de Procedimento Administrativo, não podendo ser, por tal razão, objeto de sanação. Não sendo passível de sanação, não pode, naturalmente, considerar-se que existiu uma renovação da DUP, por substituição do ato administrativo, sem repetição do vício que determinou a sua anulação.

R) A ratificação, a reforma e a conversão são formas de convalidação que se destinam a tornar um ato inválido num ato válido. Inversamente, o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade. Uma sentença que declare a nulidade de um ato administrativo não é mais do que o reconhecimento da situação de nulidade do ato. Contrariamente ao ato anulável, o ato nulo não é suscetível de ratificação, reforma ou conversão, ou seja, não é suscetível de se tornar em ato válido por qualquer forma de convalidação.

S) Isto posto, nunca poderia a 2º DUP – a de 2007 – ser uma renovação da DUP anterior – a de 2002, pois o ato nulo não é passível de ser sanado. É o que resulta da lei e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07 de fevereiro de 2006, caindo assim por terra a tese dos RR. e do Acórdão ora proferido, de que a DUP de 2007 é uma renovação da DUP de 2002.

T) Decidiu o Tribunal a quo que “retomando a situação dos autos, frisar-se-á que o ato declarado nulo pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07/02/2006 era suscetível de renovação, já que a nulidade não era intrínseca ao mesmo. Como se viu, a nulidade do despacho de declaração de utilidade pública de 2002 esteou-se na ausência de parecer prévio favorável da Comissão Regional da Reserva Agrícola. Ora tratando-se de nulidade procedimental a renovação é possível (neste sentido, cf. ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, de 6 de março de 2015, proc. n.º 01387/04.1BEBRG-A, Carlos Medeiros de Carvalho).”

U) Ora, tendo em conta o raciocínio anterior, não é necessário ir muito longe para se ter o entendimento de que não existe uma renovação da DUP de 2002, pelo que, desde logo, não é aplicável ao caso aqui em discussão o nº 6 do art.º 13º do Código das Expropriações.

V) Isto porque, a norma do nº 6 é clara quando restringe a renovação da DUP à sua aplicação – desde logo retiramos daqui que não é o Tribunal de 1ª instância que faz uma interpretação restritiva da norma, como referiram os ora recorridos na sua apelação, antes decorre da própria lei, que já é, per se, restritiva (não se trata, portanto, de interpretações).

W) Ou seja, apenas seria aplicável o nº 6 do art.º 13º do Código das Expropriações, caso tivesse de facto ocorrido a renovação da 1ª DUP (2002) - o que, conforme supra demonstrado, não ocorreu. Atente-se no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 10/12/2009, no âmbito do processo, 228/2002.L1-8, que refere que, o artº 13º do mesmo diploma, sob a epígrafe de “Declaração de utilidade pública” estabelece no seu nº 3 que a declaração de utilidade pública caduca se não for promovida a constituição da arbitragem no prazo de um ano ou se o processo de expropriação não for remetido ao tribunal competente no prazo de 18 meses, em ambos os casos a contar da data da publicação da declaração de utilidade pública.

X) Atenta a inércia dos RR., ora recorridos, não temos assim qualquer dúvida que a Ré “Auto-Estradas” deixou caducar a declaração de utilidade pública de 2007, como bem declarou o Tribunal a quo, o que pretende ver agora confirmado.

Y) Entendeu ainda o Tribunal da Relação a quo que “como consta da matéria assente, por cartas datadas de 13/06/2007, notificou os aqui AA. para se pronunciarem sobre a sua proposta de indemnização e, por cartas datadas de 24/10/2007, notificou-os para, nos termos do art.º 13.º/6 do C. das Expropriações declararem se pretendiam optar pela fixação de uma nova indemnização ou pela atualização da anterior, sendo que em tudo se remeteram os expropriados ao silêncio.” (…) “Já dar-se-lhes, confirmando-se a caducidade da DUP, quando a obra se encontra finda e em funcionamento há pelo menos 17 anos, contrariaria a lógica dos factos e premiaria o silêncio a que os apelantes se vêm remetendo.”

Z) Ora, dispõe o nº 1 do art.º 35º do Código das Expropriações, para o qual remete o nº 6 do art.º 13, que no prazo de 15 dias após a publicação da declaração de utilidade pública, a entidade expropriante, através de carta ou ofício registado com aviso de receção, dirige proposta do montante indemnizatório ao expropriado e aos demais interessados cujos endereços sejam conhecidos, bem como ao curador provisório.

AA) Mais dispõe o mesmo normativo, no ponto 3, que na falta de resposta ou de interesse da entidade expropriante em relação à contraproposta, esta dá início à expropriação litigiosa, nos termos dos artigos 38.º e seguintes, notificando deste facto o expropriado e os demais interessados que tiverem respondido. Resulta claro deste nº 3, que a entidade expropriante, na falta de resposta, tem a obrigação de dar início à expropriação litigiosa – que, como acima mencionamos, nunca fez…

BB) Primeiro, porque não é – conforme já referido – aplicável o nº 6 do art.º 13 do CE, e segundo, porque o silêncio dos expropriados, segundo o artº 35º, obriga a Entidade Expropriante a dar início à expropriação litigiosa e não nada fazerem (como lhes convinha).

CC) Conforme resulta de todo o alegado antecedente, NÃO ESTAMOS PERANTE UMA RENOVAÇÃO DA DUP DE 2002, antes sim de uma nova DUP – a de 2007. E se estamos perante uma nova DUP, dúvidas não restam que a entidade expropriante teria de promover nova arbitragem, com nova e JUSTA indemnização aos expropriados, que – como bem sabia a Apelante, os mesmos não concordavam com o valor da indemnização anteriormente fixado.

DD) Foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, na 7ª Secção, a Revista nº 579/21.3T8PVZ-A.P1.S1, Relator Nuno Ataíde das Neves. A referida Revista tem como domínio a mesma legislação e versa sobre as mesmas questões fundamentais de direito. Aliás, corre na mesma instância cível que o presente processo e versa sobre a expropriação de um terreno vizinho ao dos presentes autos. Para além disso, já transitou em julgado, pois o prazo para o trânsito em julgado do Acórdão do Supremos Tribunal de Justiça é de dez dias, nos termos do artigo 149.º, n.º1 do CPC, posto que o mesmo já não é suscetível de impugnação através de recurso ordinário mas apenas daqueloutro recurso extraordinário. Cumpre, assim, todos os requisitos do disposto no artigo 672º, nº 2, al. c).

EE) O Tribunal da Relação a quo, no Acórdão que ora se recorre, pronunciou-se sobre a norma do artigo 13º nº 7 do Código das Expropriações, referindo que a inadmissibilidade de invocação da caducidade da declaração de utilidade pública, uma vez iniciada a obra, prevista no n.º 7 do art.º 13.º do Código das Expropriações, visa salvaguardar que o ato fundador da expropriação possa ser posto em crise, assegurando, porém, que a obra que justificou o sacrifício do particular chegue a bom termo, penalizando a entidade expropriante acaso suspenda ou interrompa os trabalhos pelo relevante lapso de tempo de três anos.

FF) Referiu ainda o Tribunal a quo que “em todo o caso, estabelece o n.º 7 do art.º 13.º do Código das Expropriações que, tratando-se de uma obra contínua, a caducidade da DUP não pode ser invocada depois de a obra ter sido iniciada em qualquer local do respetivo traçado, salvo se os trabalhos forem suspensos ou estiverem interrompidos por prazo superior a 3 anos. (…) O que o legislador procurou através desta norma foi, através da inadmissibilidade de invocação da caducidade da DUP, por um lado, salvaguardar que, uma vez iniciada a obra, o ato fundador da expropriação, a declaração de utilidade pública, pudesse ser posto em crise; por outro, assegurar que a obra que justificou o sacrifício do particular chegasse efetivamente a bom termo, penalizando a entidade expropriante acaso suspendesse ou interrompesse os trabalhos pelo relevante lapso de tempo de três anos”.

GG) Já a Relação considerou e bem, no processo nº 579/21.3T8PVZ-A.P1.S1 nesse processo, e ao contrário deste, que a situação mencionada no n.º 7 do art. 13º do CExp foi apenas suscitada em sede de recurso de apelação, traduzindo-se na alegação de um facto tendente a impedir o exercício da caducidade, que não foi invocado nos articulados, constituindo dessa forma uma questão nova, não abordada junto do Tribunal de 1ª instância. Mais considerou que “o facto de constar do elenco dos factos provados que na data em que foi declarada a nulidade da declaração de utilidade pública de 2002 a obra que ela pressupunha estava já integralmente executada, não substitui a necessária alegação pelas partes de se tratar de uma “obra contínua” nos termos definidos no art. 5º nº 3 do CEXP, com as características exigidas pelo referido preceito legal, o que não ocorreu.” Concluiu ainda que “enquanto questão nova, dela não pode tomar conhecimento este Tribunal, que se limita a reapreciar decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não podendo conhecer de questões não antes conhecidas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, o que não é o caso.

HH) De facto, o mesmo fez a Ré nos presentes autos – Sem nunca em sede de contestação que seria o articulado próprio ter suscitado esta questão, introduziu-a sorrateiramente na sua Apelação!

II) Sucede, como vimos, que aquela Relação não apreciou esta NOVA questão e nesse sentido, o Supremo Tribunal de Justiça concordou e também não se pronunciou. Porém, o Tribunal da Relação a quo, de que ora se recorre, ao contrário daquele, pronunciou-se sobre uma NOVA questão de direito, a qual nunca se deveria ter pronunciado, pois não é de conhecimento oficioso!

JJ) Razão pela qual, esta indevida pronúncia do Tribunal a quo, deverá ser revogada por V. Exas Conselheiros, por violação do princípio da concentração da defesa, ínsito no art. 573.º do CPC.

KK) No que respeita à demais matéria constante da Revista improcedente no processo análogo nº 579/21.3T8PVZ-A.P1.S1, aquela é clara quanto a toda a matéria que aqui foi discutida:

a) Efeitos da declaração de nulidade da declaração de utilidade pública de 04-09-2002 pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 07-02-2006 e execução dessa decisão anulatória pela Administração: Torna-se manifesto que a declaração da expropriação por utilidade pública de 04-09-2002, declarada nula, não produziu quaisquer efeitos jurídicos desde o seu início, atenta a retroactividade da nulidade. A renovação do acto anulado pela Administração de acordo com o acima exposto encerra sempre a prática de um novo acto administrativo e não o aproveitamento, ainda que parcial, do acto anterior objecto de anulação. A declaração de nulidade da anterior declaração de utilidade pública de 2002 acarreta a não produção de quaisquer efeitos desse acto administrativo.

b) Interpretação do disposto no art. 13.º do Código das Expropriações em especial as normas previstas nos n.ºs 51 e 62 daquele artigo e consequente apreciação do procedimento realizado pela ré AENL,SA após a emissão da declaração de utilidade pública de 2007: Não tendo sido promovida a constituição da arbitragem no prazo de um ano, nem tendo o processo de expropriação sido remetido ao tribunal competente no prazo de 18 meses, a contar da data da publicação da declaração de utilidade pública de 2007, essa DUP caducou, tal como foi decidido por ambas as instâncias. Arquivar pura e simplesmente o processo, sabendo que aos Apelados/expropriados apenas pagara €27.504,00 de indemnização devida pela expropriação da parcela do terreno que lhes pertencia e, que estes não deram o seu acordo expresso ao valor proposto - não valendo o silêncio como assentimento, pelo contrário, conforme decorre do art. 35º nº 3 CE a falta de resposta equivale a desacordo, não constando sequer tal cominação na comunicação de 24/10/2007 - não consubstancia uma actuação de boa fé, postura séria, leal e correcta que se exige da entidade expropriante. Improcede, assim, a argumentação tecida pela recorrente e também, mais uma vez, pelo Estado Português que aderiu a esse recurso no sentido de que é aplicável à situação dos autos o disposto no nº 6 do art.13º do CExp, ficando, assim, prejudicadas todas as considerações tecidas nas alegações a propósito da aplicação desse normativo.

c) Caso improcedesse a argumentação dos recorrentes, importa apreciar se a invocação do disposto no art. 13º nº 7 do CExp3 constitui uma questão nova que não pode ser objecto de conhecimento pela Relação, tal como foi entendido no acórdão recorrido: O momento processualmente adequado para que os réus alegassem tal factualidade seria a sua contestação, atento o princípio da concentração da defesa ínsito no art. 573.º do CPC. Em conclusão, ao contrário do que é alegado pela recorrente, não se trata de um argumento jurídico, mas de uma verdadeira questão consubstanciada na referida contraexcepção à excepção de caducidade invocada pelos autores, pelo que deveria ter sido alegada no momento para tanto processualmente adequado, ou seja na contestação. Não o tendo sido, ficou precludida a possibilidade da sua alegação posterior, consubstanciando a sua alegação em sede de recurso de apelação uma questão nova de que, em boa verdade não podia a Relação apreciar e decidir por não ser de conhecimento oficioso. Pelo que também nesta parte não merece reparo a decisão recorrida, devendo a revista improceder.

LL) Sem mais, e porque existe contradição, conforme já exposto, do Acórdão que ora se recorre com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado, datado de 12.12.2023, no âmbito do processo nº 579/21.3T8PVZ-A.P1.S1, entendemos estar justificada a necessidade da revista excecional aos presentes autos, também nos termos do artigo 672, nº 1 al. c) do CPC.

MM) Em face do tudo o exposto, é forçoso concluir que, a DUP de 2007 se encontra caduca, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao revogar o despacho saneador sentença, que declarou a referida caducidade, como se impunha.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. certamente suprirão, deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se o Despacho Saneador recorrido, e a declaração de caducidade da DUP de 2007, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

10. A Ré Auto-Estradas Norte Litoral — Sociedade Concessionária AENL, S.A., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

11. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1º - O recurso de revista interposto pelos Recorrentes não merece colhimento, uma vez que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, que revogou a decisão de caducidade da DUP não enferma de qualquer erro de julgamento.

2º - Em primeiro lugar, não colhe argumento dos Recorrentes de que a DUP 2007 constitui uma nova DUP e não a renovação da DUP anterior (de 2002), declarada nula, por não ter sido precedida de parecer prévio favorável da Comissão Regional Agrícola (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07/02/2006).

3º - Não obstante o efeito repristinatório resultante da execução de julgado que declara a nulidade de ato administrativo, entende-se que este pode ser limitado à reposição da legalidade afetada pelo ato nulo, podendo esse ser renovado, desde que esteja em causa um vício de forma, como aconteceu no caso.

4º - Com efeito, e por razões de segurança jurídica, o procedimento deverá ser encetado através do cumprimento da formalidade anteriormente omitida, mas com aproveitamento de todos os atos adequados e necessários que sejam adequados e cuja repetição seja impossível ou até inviável.

5º - A jurisprudência é fértil no entendimento segundo o qual o ato declarado nulo é suscetível de renovação quando a nulidade não seja intrínseca ao mesmo, isto é, quando se trate de uma nulidade formal (cf. Acórdão do STA de 21/11/2019, no processo n.º 0277/12.9BECBR, e Acórdãos do TCAN, de 06/03/2015, no processo n.º 01387/04.1BEBRG-A e de 20/04/2012, no processo n.º 01890/07.1BEPRT).

6º - Tendo por base este pressuposto houve renovação da declaração de utilidade pública e reinstrução do procedimento em conformidade, fazendo-se menção ao facto de a DUP ser precedida do parecer prévio favorável em falta e promovendo-se o procedimento de renovação previsto no artigo 13º, n.º 6 do CE.

7º - Note-se que, o artigo 13.º, n.º 6 não pode nem deve ser lido restritivamente no sentido em que o procedimento de renovação aí plasmado só possa ser usado nos casos de declaração de caducidade, porque deve aplicar-se também noutros casos de renovação, resultantes, por exemplo de declaração de nulidade da DUP por preterição de formalidades essenciais.

8º - Certo é que os expropriados estiveram sempre salvaguardados, porque caso não concordassem com o procedimento de renovação da DUP adotado, poderia ter disso dado nota à entidade expropriante (o que nunca fez), e poderia (e deveria) ter requerido a avocação do processo de expropriação (o que nunca fez).

9º - Até porque, bem se compreenderá que a renovação da DUP e consequente aproveitamento dos atos também é adequada para casos distintos da declaração de caducidade, porque há atos típicos do processo de expropriação cuja repetição é impossível ou inútil, como é o caso da vistoria ad perpetuam rei memoriam.

10º - Emo que não se tratasse de renovação, a circunstância em causa nos autos deveria ser tratada como situação análoga à da renovação, impondo procedimento idêntico, que se encontra previsto no artigo 13.º, n.º 6, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, uma vez que atendendo ao status quo do processo de expropriação aquele era o procedimento adequado.

11º - Por outro lado, também não assiste razão aos Recorrentes, não existindo erro de julgamento, quando alegam que perante o silêncio dos expropriados, devia a Recorrida ter promovido a expropriação litigiosa ao abrigo do artigo 35.º, n.º 3 do CE, porquanto nos casos de renovação da DUP, não tem aplicação a cominação prevista no mencionado artigo para a falta de resposta dos expropriado, mas apenas nos casos de emissão de nova DUP, devendo o silêncio dos Recorridos ser lido como conformação face ao valor indemnizatório fixado no processo.

12º - Perante o absoluto silêncio e inércia do expropriado face à missiva que recebeu nos termos do artigo 13º nº 6, a entidade expropriante não podia lançar mão de nova arbitragem (sempre dependente de opção expressa do expropriado de que pretendia fixação de nova indemnização), e acabou por arquivar o procedimento de expropriação que conduziu por falta de impulso do expropriado.

13º - Tendo a anterior arbitragem ficado consolidada na ordem jurídica com a falta de resposta do expropriado, não se impunha à entidade expropriante nova arbitragem e sequer remessa de processo de expropriação para tribunal, já que esse processo já tinha sido tramitado, objeto de ato judicial de adjudicação de propriedade e com montante depositado (que a entidade expropriante não iria depositar novamente para recebimento duplicado pelo expropriado).

14º - Por outro lado, é certo que estamos perante uma causa de nulidade da DUP que não é imputável à Recorrente e que, confrontada com essa circunstância, adotou o procedimento que era exigível no caso, dentro do quadro legal aplicável, não prejudicando qualquer direito dos expropriados.

15º - Por fim, impõe-se referir que ainda que tenha sido proferido acórdão por este Supremo Tribunal no âmbito desta matéria, sufragando entendimento diverso do aresto recorrido, é certo que este não enferma de qualquer erro de julgamento e que a Entidade Expropriante atuou em conformidade com os ditames legais.

16º - Sendo certo que, também não assiste razão aos expropriados quanto referem a impossibilidade do Tribunal a quo apreciar a questão relativa ao artigo 13.º, n.º 7 do CE por se tratar de uma questão nova.

17º - Contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, aquela não se reconduz a uma questão nova (pois a questão da caducidade foi inicialmente invocada pelos Autores), mas antes um argumento juridico, a que o Tribunal a quo podia e até devia ter atendido pois obsta à declaração de caducidade.

18º - Com efeito, importará atender ao disposto no artigo 13.º, n.º 7 do CE, uma vez que, no caso, se trata de obra contínua e não foi alegado nem provado que as obras estiveram suspensas ou interrompidas antes da sua conclusão, em prazo superior a três anos, pelo que que não ocorreu a caducidade, além de que tendo a obra sido finalizada aquando da DUP esta questão está ultrapassada.

19º - Por tudo quanto exposto, necessariamente se conclui que muito bem andou o Tribunal a quo, ao ter revogado a decisão de caducidade da DUP, uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos legais para o efeito, pois que a Entidade Expropriante adotou o procedimento legalmente exigido.

NESTES TERMOS,

E nos demais de direito que os Colendos Conselheiros, muito doutamente suprirão, deve o presente recurso de revista ser julgado improcedente, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.

SÓ ASSIM SENDO CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!

11. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), as questões a decidir, in casu, consistem em determinar:

I. — se a declaração de utilidade pública de 20 de Março de 2007 deve considerar-se como uma renovação da declaração de utilidade pública de 4 de Setembro de 2002, para efeitos do artigo 13.º, n.ºs 5 e 6, do Código das Expropriações;

ii. — em caso de resposta negativa, se a declaração de utilidade pública de 20 de Março de 2007 deve considerar-se caducada, em consequência do artigo 13.º, n.º 3, do Código das Expropriações.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

12. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. Através do DL 234/2001, de 28/08, o Governo Português aprovou as bases de conceção, projeto, construção, financiamento, conservação, exploração dos lanços de autoestrada e conjuntos vários associados, designada por Concessão SCUT do Norte-Litoral.

2. No âmbito desse diploma, cujo teor aqui se considera reproduzido, a concessão foi atribuída mediante a celebração do respetivo contrato com o agrupamento de sociedades denominado Euroscut Norte - Sociedade Concessionária de Scut do Norte Litoral SA, atualmente Autoestradas Norte Litoral -Sociedade Concessionária - AENI SA.

3. Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas de 04/09/2002, publicado no DR II Série, nº233, de 26/09, cujo teor aqui se considera reproduzido, foi declarada, com carácter de urgência a utilidade pública da parcela de terreno com a área de 7.333m2, que integrava o prédio rústico descrito na CRP de ... sob o n.º 772/990712 e inscrito na matriz predial de ... sob o artigo 1º, autorizando a Euroscut Norte a tomar a posse administrativa da mencionada parcela, a qual confronta a Norte com caminho público e DD, a sul com EE, a nascente com FF e outro e a poente com DD, parcela essa necessária à construção das áreas de serviço de Vila do Conde do IC1 (Porto-Viana do Castelo).

4. Foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam a esta parcela.

5. Em 31/10/2002 a R. Auto-Estradas tomou posse da parcela.

6. A R. Auto-Estradas passou a ocupar a parcela com obras de construção de uma estação de serviço e respetivos acessos.

7. Os autores têm conhecimento que essa ocupação se verifica desde essa data.

8. O Acórdão Arbitral proferido no processo administrativo de expropriação fixou em 26.080,00€ a indemnização a atribuir aos expropriados proprietários e em 2.566,55€, a indemnização autónoma a atribuir ao arrendatário, ambos aí identificados como sendo os aqui autores, em 12/04/2004.

9. A propriedade da parcela foi adjudicada à entidade expropriante Euroscut Norte -Sociedade Concessionária da Scut Litoral Norte SA por despacho proferido em 31/05/2004 no processo judicial de expropriação nº1510/04.6...

10. Um conjunto de expropriados, onde se incluía o aqui autor AA, interpuseram recurso contencioso de anulação da declaração de utilidade pública identificada em 3., o qual correu termos sob o nº1815/02.

11. Por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07/02/2006, proferido nesse processo, foi declarada a nulidade do despacho de declaração de utilidade pública identificado em 3., por não ter sido precedido de parecer prévio favorável da respetiva Comissão Regional da Reserva Agrícola.

12. Na sequência desse Acórdão, foi proferida decisão que declarou extinta a instância do processo 1510/04.6... por impossibilidade superveniente da lide.

13. Na data em que foi declarada a nulidade da declaração de utilidade pública de 2002 a obra que lhe subjaz estava já integralmente executada.

14. Em 20/03/2007, o Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e Comunicações proferiu despacho de declaração de utilidade pública da parcela identificada em 3., com natureza urgente, publicado no DR II Série, nº 99, de 23/05, cujo teor aqui se considera reproduzido, conferindo à expropriante a posse administrativa da parcela, referindo ter sido já obtido o parecer prévio favorável da Comissão Regional de Reserva Agrícola, relativa à construção das áreas de serviço de Vila do Conde do IC1.

15. A expropriante, a aqui ré “Auto - Estradas”, por cartas datadas de 13/06/2007, notificou os aqui autores para se pronunciarem sobre a sua proposta de indemnização, no valor de 26.080,00 € no que concerne aos expropriados proprietários e de 2.566,55 € no que concerne ao arrendatário.

16. A expropriante, a aqui ré “Auto - Estradas”, por cartas datadas de 24/10/2007, notificou os aqui autores para, nos termos do art.º 13º, n.º 6, do C. das Expropriações e num prazo de 15 dias, declararem se pretendiam optar pela fixação de uma nova indemnização ou pela atualização da anterior.

17. Os aqui autores nada disseram.

18. Os aqui autores não pediram ao Tribunal a avocação deste processo administrativo.

19. O processo expropriativo não foi remetido ao Tribunal.

20. Foi intentada nova ação, incluindo pelos aqui autores AA e mulher, tendo em vista a declaração de nulidade da declaração de utilidade pública de 2007, a qual correu termos sob o n.º 1890/07.1...

21. Essa ação foi julgada improcedente em 22/03/2011, tendo a decisão sido confirmada em 20/04/2012, não tendo sido admitido o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo por Acórdão de 31/10/2012.

O DIREITO

13. A primeira questão suscitada pelos Autores, agora Recorrentes, consiste em averiguar se a declaração de utilidade pública de 20 de Março de 2007 deve considerar-se como uma renovação da declaração de utilidade pública de 4 de Setembro de 2002, para efeitos do artigo 13.º, n.ºs 5 e 6, do Código das Expropriações.

14. O artigo 13.º do Código das Expropriações é do seguinte teor:

1. — A declaração de utilidade pública deve ser devidamente fundamentada e obedecer aos demais requisitos fixados neste Código e demais legislação aplicável, independentemente da forma que revista.

2. — A declaração resultante genericamente da lei ou de regulamento deve ser concretizada em acto administrativo que individualize os bens a expropriar, valendo esse acto como declaração de utilidade pública para os efeitos do presente diploma.

3. — Sem prejuízo do disposto no n.º 6, a declaração de utilidade pública caduca se não for promovida a constituição da arbitragem no prazo de um ano ou se o processo de expropriação não for remetido ao tribunal competente no prazo de 18 meses, em ambos os casos a contar da data da publicação da declaração de utilidade pública.

4. — A declaração de caducidade pode ser requerida pelo expropriado ou por qualquer outro interessado ao tribunal competente para conhecer do recurso da decisão arbitral ou à entidade que declarou a utilidade pública e a decisão que for proferida é notificada a todos os interessados.

5. — A declaração de utilidade pública caducada pode ser renovada em casos devidamente fundamentados e no prazo máximo de um ano, a contar do termo dos prazos fixados no n.º 3 anterior.

6. — Renovada a declaração de utilidade pública, o expropriado é notificado nos termos do n.º 1 do artigo 35.º para optar pela fixação de nova indemnização ou pela actualização da anterior, nos termos do artigo 24.º, aproveitando-se neste caso os actos praticados.

7. — Tratando-se de obra contínua, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º, a caducidade não pode ser invocada depois de aquela ter sido iniciada em qualquer local do respectivo traçado, salvo se os trabalhos forem suspensos ou estiverem interrompidos por prazo superior a três anos.

15. O texto do n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º depõe no sentido de que a renovação surge, tão-só, para recuperar uma declaração de utilidade pública caducada.

16. Entre as consequências de uma interpretação declarativa dos n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º está o de que uma declaração de utilidade pública nula ou anulada não é renovável — ou, em todo o caso, a de que a renovação de uma declaração de utilidade pública nula ou anulada não está sujeita ao regime dos n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º.

17. O acórdão recorrido dá a impressão de adoptar uma interpretação extensiva dos n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º do Código das Expropriações, para o aplicar a casos, como o caso sub judice, em que a expropriação é de facto irreversível.

18. Em consonância com a interpretação extensiva dos n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º do Código das Expropriações, a administração pública estaria adstrita ao dever de renovar a declaração de utilidade pública declarada nula e, desde que a renovasse, poderia aproveitar os actos praticados ao abrigo da declaração inicial ou originária (poderia aproveitas, por exemplo, a vistoria ad perpetuam rei memoriae). — Em termos práticos, a nova declaração de utilidade pública teria como único efeito uma nova indemnização dos expropriados.

19. A interpretação extensiva dos n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º do Código das Expropriações seria controversa — e, em todo o caso, não é necessária.

20. O artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ainda que sob a epígrafe Execução de sentenças de anulação de actos administrativos, deverá aplicar-se, indistintamente, à anulação e à declaração de nulidade do acto.

21. Entre as regras do artigo 173.º está a de que, “[s]em prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado”.

22. A declaração de utilidade pública de 4 de Setembro de 2002 era um acto contaminado por um vício de forma — foi declarada nula por não ter sido precedido de parecer prévio favorável da respectiva Comissão Regional da Reserva Agrícola” 1.

23. Estando em causa um acto contaminado por um vicio de forma, a Administração Pública tinha o poder de praticar novo acto administrativo, “no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”.

24. O poder de praticar um novo acto administrativo, “no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”, concretizava-se no poder de emitir uma nova declaração de utilidade pública, sem que a nova declaração estivesse contaminada por nenhum vício — e, em especial, sem que estivesse contaminada por nenhum vicio de forma 2.

25. Em consequência, o despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e Comunicações de 20 de Março de 2007 3 corresponde ao exercício do poder previsto no artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos 4.

26. Entre a renovação permitida pelo artigo 13.º, n.ºs 5 e 6, do Código das Expropriações e a renovação permitida pelo artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos há em todo o caso diferenças fundamentais.

27. Enquanto que a renovação permitida pelo artigo 13.º, n.ºs 5 e 6, do Código das Expropriações é a renovação de um acto caducado, a renovação permitida pelo artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo é a renovação de um acto declarado nulo.

28, Enquanto que renovação de um acto caducado, de uma declaração de utilidade pública caducada, dá lugar à aplicação do regime do artigo 13.º, n.ºs 5 e 6, do Código das Expropriações, a renovação de um acto declarado nulo, de uma declaração de utilidade pública declarada nula não lhe dá lugar —entre os pontos consensuais está o de que a nova declaração de utilidade pública não tem eficácia retroactiva 5.

29. Em resposta à primeira questão, dir-se-á que se a declaração de utilidade pública de 20 de Março de 2007 não deve considerar-se como uma renovação da declaração de utilidade pública de 4 de Setembro de 2002, para efeitos do artigo 13.º, n.ºs 5 e 6, do Código das Expropriações.

30. A segunda questão suscitada pelos Autores, agora Recorrentes, consiste em averiguar se a declaração de utilidade pública de 20 de Março de 2007 caducou, em consequência do artigo 13.º, n.º 3, do Código das Expropriações.

31. O facto de a nova declaração de utilidade pública não ter eficácia retroactiva não impedirá porventura o aproveitamento de actos acessórios ou instrumentais cuja renovação seja impossível ou inútil (como, p. ex., da vistoria ad perpetuam rei memoriæ) — .impedirá sim o aproveitamento de actos principais cuja renovação seja possível e útil.

32. Entre os actos principais, cuja renovação seja possível e útil está a fixação da indemnização — seja no quadro de uma expropriação amigável 6, seja no quadro de uma expropriação litigiosa 7.

33. O facto de a nova declaração de utilidade pública não ter eficácia retroactiva implicará que a expropriante apresente uma proposta de indemnização para uma expropriação amigável 8 e que, no caso de o expropriado não responder ou de, respondendo, rejeitar a proposta de indemnização, a expropriante dê início a uma expropriação litigiosa 9.

34. O acórdão recorrido considera que

“[a] administração pública agiu em conformidade com a incontornável realidade fáctica. Assim, como consta da matéria assente, por cartas datadas de 13/06/2007, notificou os aqui AA. para se pronunciarem sobre a sua proposta de indemnização e, por cartas datadas de 24/10/2007, notificou-os para, nos termos do art.º 13.º/6 do C. das Expropriações declararem se pretendiam optar pela fixação de uma nova indemnização ou pela atualização da anterior, sendo que em tudo se remeteram os expropriados ao silêncio.

Em face de tudo quanto se vem de expor, afigura-se-nos não poder ser aqui aplicável o preceituado no n.º 3 do art.º 13.º do CE […]”.

35. Ora, o artigo 13.º, n.º 6, do Código das Expropriações não é aplicável à renovação de uma declaração de utilidade pública nula a realidade fáctica, ainda que seja incontornável, não converte a renovação de uma declaração de utilidade pública declarada nula em renovação de uma declaração de utilidade pública válida, ainda caducada; logo, não converte o artigo 13.º, n.º 6, do Código das Expropriações em disposição aplicável ao caso sub judice.

36. O facto de os expropriados não terem respondido, remetendo-se ao silêncio, não dispensava a expropriante dos deveres descritos no artigo 35.º e nos artigos 38.º ss. do Código das Expropriações.

37. Em termos em tudo semelhantes aos do Tribunal de 1.º instância, dir-se-á que

“o silêncio dos expropriados não tem a consequência que os réus lhe pretendem dar e que seria a de nada fazerem (como não fizeram).

Na ausência de resposta, é o art.º 35º do Código das Expropriações, para o qual remete o n.º 6 do art.º 13, que estabelece que se inicia a expropriação litigiosa. Ou seja, na ausência de resposta dos expropriados, deveria naturalmente a ré Auto -Estradas ter remetido o processo para o Tribunal”.

38. O acórdão recorrido considera que, ainda que devesse aplicar-se n.º 3 do art, 13.º, sempre a invocação da caducidade da declaração de utilidade pública estaria impedida pelo n.º 7 do artigo 13.º:

7. — Tratando-se de obra contínua, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º, a caducidade não pode ser invocada depois de aquela ter sido iniciada em qualquer local do respectivo traçado, salvo se os trabalhos forem suspensos ou estiverem interrompidos por prazo superior a três anos.

39. Explicando a aplicação do n.º 7 do artigo 13.º, diz-se na fundamentação.

“[…] a expropriação da parcela de terreno em causa destinava-se à construção da área de serviço de Vila do Conde do IC1 (Porto-Viana do Castelo). Esta está integralmente executada e em funcionamento. Neste sentido, torna-se irrelevante que tivesse sido alegado e que se provasse que os trabalhos, antes da respetiva conclusão, tivessem estado suspensos ou interrompidos por prazo superior a três anos (parte final do n.º 7 do art.º 13.º do Código das Expropriações). […]

Face à manifesta conclusão da obra, trata-se de questão ultrapassada. […]

a inadmissibilidade de invocação da caducidade da DUP nas circunstâncias presentes não colide com os direitos dos AA. expropriados, pois que em momento algum lhes foi negado o direito à justa indemnização. Já dar-se-lhes, confirmando-se a caducidade da DUP, quando a obra se encontra finda e em funcionamento há pelo menos 17 anos, contrariaria a lógica dos factos e premiaria o silêncio a que os apelantes se vêm remetendo”.

40. Os Autores, agora Recorrentes, alegam que a questão não devia ter sido apreciada no acórdão recorrido, por ser uma questão nova:

EE) O Tribunal da Relação a quo, no Acórdão que ora se recorre, pronunciou-se sobre a norma do artigo 13º nº 7 do Código das Expropriações, referindo que a inadmissibilidade de invocação da caducidade da declaração de utilidade pública, uma vez iniciada a obra, prevista no n.º 7 do art.º 13.º do Código das Expropriações, visa salvaguardar que o ato fundador da expropriação possa ser posto em crise, assegurando, porém, que a obra que justificou o sacrifício do particular chegue a bom termo, penalizando a entidade expropriante acaso suspenda ou interrompa os trabalhos pelo relevante lapso de tempo de três anos.

FF) Referiu ainda o Tribunal a quo que “em todo o caso, estabelece o n.º 7 do art.º 13.º do Código das Expropriações que, tratando-se de uma obra contínua, a caducidade da DUP não pode ser invocada depois de a obra ter sido iniciada em qualquer local do respetivo traçado, salvo se os trabalhos forem suspensos ou estiverem interrompidos por prazo superior a 3 anos. (…) O que o legislador procurou através desta norma foi, através da inadmissibilidade de invocação da caducidade da DUP, por um lado, salvaguardar que, uma vez iniciada a obra, o ato fundador da expropriação, a declaração de utilidade pública, pudesse ser posto em crise; por outro, assegurar que a obra que justificou o sacrifício do particular chegasse efetivamente a bom termo, penalizando a entidade expropriante acaso suspendesse ou interrompesse os trabalhos pelo relevante lapso de tempo de três anos”.

GG) Já a Relação considerou e bem, no processo nº 579/21.3T8PVZ-A.P1.S1 nesse processo, e ao contrário deste, que a situação mencionada no n.º 7 do art. 13º do CExp foi apenas suscitada em sede de recurso de apelação, traduzindo-se na alegação de um facto tendente a impedir o exercício da caducidade, que não foi invocado nos articulados, constituindo dessa forma uma questão nova, não abordada junto do Tribunal de 1ª instância. Mais considerou que “o facto de constar do elenco dos factos provados que na data em que foi declarada a nulidade da declaração de utilidade pública de 2002 a obra que ela pressupunha estava já integralmente executada, não substitui a necessária alegação pelas partes de se tratar de uma “obra contínua” nos termos definidos no art. 5º nº 3 do CEXP, com as características exigidas pelo referido preceito legal, o que não ocorreu.” Concluiu ainda que “enquanto questão nova, dela não pode tomar conhecimento este Tribunal, que se limita a reapreciar decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não podendo conhecer de questões não antes conhecidas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, o que não é o caso.

HH) De facto, o mesmo fez a Ré nos presentes autos – Sem nunca em sede de contestação que seria o articulado próprio ter suscitado esta questão, introduziu-a sorrateiramente na sua Apelação!

II) Sucede, como vimos, que aquela Relação não apreciou esta NOVA questão e nesse sentido, o Supremo Tribunal de Justiça concordou e também não se pronunciou. Porém, o Tribunal da Relação a quo, de que ora se recorre, ao contrário daquele, pronunciou-se sobre uma NOVA questão de direito, a qual nunca se deveria ter pronunciado, pois não é de conhecimento oficioso!

JJ) Razão pela qual, esta indevida pronúncia do Tribunal a quo, deverá ser revogada por V. Exas Conselheiros, por violação do princípio da concentração da defesa, ínsito no art. 573.º do CPC.

41. A Ré, agora Recorrida, contra-alega que a questão devia ter sido apreciada:

16º - […] não assiste razão aos expropriados quanto referem a impossibilidade do Tribunal a quo apreciar a questão relativa ao artigo 13.º, n.º 7 do CE por se tratar de uma questão nova.

17º - Contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, aquela não se reconduz a uma questão nova (pois a questão da caducidade foi inicialmente invocada pelos Autores), mas antes um argumento juridico, a que o Tribunal a quo podia e até devia ter atendido pois obsta à declaração de caducidade.

18º - Com efeito, importará atender ao disposto no artigo 13.º, n.º 7 do CE, uma vez que, no caso, se trata de obra contínua e não foi alegado nem provado que as obras estiveram suspensas ou interrompidas antes da sua conclusão, em prazo superior a três anos, pelo que que não ocorreu a caducidade, além de que tendo a obra sido finalizada aquando da DUP esta questão está ultrapassada.

42. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 12 de Dezembro de 2023 — processo n.º 579/21.3T8PVZ-A.P1.S1 —, dir-se-á que a invocação da existência de uma obra contínua para impedir a verificação da caducidade consiste numa contra-excepção, “não se tratando de um mero argumento jurídico”, e que, como contra-excepção, deveria ter sido invocada na contestação:

“O momento processualmente adequado para a alegação de tal factualidade seria a sua contestação, atento o princípio da concentração da defesa ínsito no art. 573.º do CPC, pelo que, não o tendo sido, ficou precludida a possibilidade da sua alegação posterior, consubstanciando a sua alegação em sede de recurso de apelação uma questão nova, que não podia a Relação apreciar e decidir por não ser de conhecimento oficioso”.

43. Em resposta à segunda questão, dir-se-á que a declaração de utilidade pública de 20 de Março de 2007 deve considerar-se caducada, em consequência do artigo 13.º, n.º 3, do Código das Expropriações.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Custas pela Ré Auto-Estradas Norte Litoral — Sociedade Concessionária AENL, S.A.

Lisboa, 4 de Abril de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Nuno Ataide das Neves

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

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1. Cf. facto dado como provado sob o n.º 11.

2. Cf. acórdão do STA de 21 de Novembro de 2019 — processo n.º 0277/12.9BECBR 0485/18 —, em cujo sumário se diz: “Tratando-se de vício de forma, a Administração não estava impedida de, em execução de decisão anulatória, optar pela renovação do acto declarativo de utilidade pública”.

3. Cf. facto dado como provado sob o n.º 14.

4. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 12 de Dezembro de 2023 — processo n.º 579/21.3T8PVZ-A.P1.S1 —, em cujo sumário se diz: “Tendo o Secretário de Estado Adjunto da Obras Públicas e Comunicações, na sequência da declaração de nulidade da DUP pelo STA, proferido despacho de declaração de utilidade pública da referida parcela, com natureza urgente, em 20-03-2007, despacho este que foi publicado no Diário da República, referindo ter sido já obtido o parecer prévio favorável da Comissão Regional de Reserva Agrícola, relativa à construção das áreas de serviço de Vila do Conde do IC1, agiu de harmonia com o art. 173º nº 1 do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção em vigor na data dos factos acima descritos […]”.

5. Cf. designadamente o acórdão do STA de 21 de Novembro de 2019 — processo n.º 0277/12.9BECBR 0485/18 — e o acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 12 de Dezembro de 2023 — processo n.º 579/21.3T8PVZ-A.P1.S1.

6. Cf. artigos 33.º ss. do Código das Expropriações

7. Cf. artigos 38.º ss. do Código das Expropriações.

8. Cf. artigo 35.º, n.º 1, do Código das Expropriações.

9. Cf. artigo 35.º, n.º 3, do Código das Expropriações.