SEGURADORA
CONTRATO DE SEGURO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANOS PATRIMONIAIS
IMPOSTO
LESADO
Sumário


I – Na quantificação da obrigação de indemnizar a cargo de uma seguradora, gerada pela concretização do risco por ela assumido através de um contrato de seguro de danos, deve usar-se o critério do volume de dinheiro que seja necessário ao lesado despender para poder repor ou restaurar o estado de coisas como seriam sem dano;
II – O imposto sobre o valor acrescentado, com génese na transmissão de bens ou prestação de serviços, tem por único sujeito passivo, a quem onera o vínculo de o pagar à administração fiscal, o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços;
III – Ao repercutir-se na retribuição que é necessário despender para conseguir, mediante a aquisição de algum bem ou a execução de tarefa, repor ou restaurar a esfera patrimonial lesada, o IVA integra o encargo global devido sem o qual a reposição ou restauração patrimoniais não são atingidas.
IV – O regime de dedução do IVA não deve impedir aquela solução, sendo questão a tratar no âmbito da relação tributária.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. FLAVIARTE – INDÚSTRIA FLAVIENSE DE ARTEFACTOS DE CIMENTO, S.A., propôs a presente acção de condenação com processo comum contra AGE PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., formulando o seguinte pedido:

a) Ser a ré condenada a reconhecer que celebrou com a autora o contrato de seguro identificado no presente articulado;

b) Ser a ré condenada a reconhecer que o identificado contrato de seguro se encontrava plenamente válido e eficaz na data da ocorrência do sinistro;

c) Ser a ré condenada a reconhecer que no dia 28 de fevereiro de 2018 ocorreu no complexo industrial da autora, sito em ..., concelho de ..., o sinistro descrito na presente peça processual em consequência de um fenómeno atmosférico adverso “tempestade” que se abateu sobre o concelho de ...;

d) Ser a ré condenada a reconhecer que o referido sinistro provocou os danos elencados nos artigos 19.º e 20.º da petição inicial, cujo prejuízo patrimonial ascendeu a € 739 949,05 (setecentos e trinta e nove mil novecentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos);

e) Ser a ré condenada a ressarcir a autora dos danos patrimoniais sofridos, pagando a título de indeminização a quantia pecuniária de € 702.951,59 (setecentos e dois mil novecentos e cinquenta e um euros e cinquenta e nove cêntimos), calculada de acordo com o vertido no artigo 43.º do presente articulado;

f) Ser a ré condenada a pagar à autora os juros moratórios vencidos e vincendos calculados sobre o capital em dívida até efetivo e integral pagamento;

g) Ser a ré condenada no pagamento de custas processuais e procuradoria condigna.

2. A fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que:

- Celebrou com a ré um contrato de seguro Multirriscos Empresas, titulado pela apólice que identifica, o qual teve por objeto os edifícios, escritórios e estaleiros fabris propriedade da autora, sitos em ... e em ..., e os bens móveis que compunham o recheio dos escritórios e estaleiros;

- Pagou atempadamente todos os prémios do seguro, pelo que o mesmo se encontrava válido e eficaz na data do sinistro em causa nos autos;

- No final do mês de fevereiro de 2018, ocorreu uma forte tempestade de neve, acompanhada de chuva, vento forte e temperaturas negativas, que assolou também o concelho de ...;

- No dia 28 de fevereiro de 2018, em consequência da referida tempestade de neve, a cobertura da nave/pavilhão dos estaleiros da autora, em ..., colapsou parcialmente;

- Parte dessa cobertura ruiu, caiu para o interior do pavilhão, onde se encontrava a máquina afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão, e provocou, ainda, o alagamento do interior do pavilhão;

- Em consequência do sinistro, a autora sofreu danos que descreve e quantifica;

- Participou o sinistro à ré, no próprio dia da ocorrência, forneceu toda a documentação solicitada, mas a ré declinou a sua responsabilidade.

3. Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual confirmou a celebração do contrato de seguro, mas alijou a sua responsabilidade, alegando que o sinistro não se enquadra nas garantias da apólice, porque entende que o evento que causou o sinistro não integra a cláusula “tempestades”, nos termos em que é definida pela apólice do contrato de seguro.

Impugnou também a factualidade alegada pela autora quanto aos danos e acrescentou que a considerar-se que o contrato de seguro garante o sinistro, deverá ter-se em consideração a cláusula de subseguro que consta desse contrato.

4. Foi proferido despacho saneador e fixado o objeto do litígio e os temas de prova.

5. Realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, no termo da qual foi proferida sentença com o seguinte Dispositivo:

Por tudo o exposto, na improcedência da matéria excecional alegada pela ré, julgo a presente ação parcialmente procedente, pelo que:

a) Condeno a a reconhecer que celebrou com a autora o contrato de seguro identificado na petição inicial.

b) Condeno a a reconhecer que o identificado contrato de seguro se encontrava plenamente válido e eficaz na data da ocorrência do sinistro.

c) Condeno a a reconhecer que no dia 28 de fevereiro de 2018 ocorreu no complexo industrial da autora, sito em ..., concelho de ..., o sinistro descrito na petição inicial, em consequência de um fenómeno atmosférico adverso “tempestade” que se abateu sobre o concelho de ....

d) Condeno a a reconhecer que o referido sinistro provocou danos à autora, cujo prejuízo patrimonial ascendeu a 363 378,90 (setecentos e trinta e nove mil novecentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor;

e) Condeno a a ressarcir a autora dos danos patrimoniais sofridos, pagando a título de indeminização a quantia pecuniária de 345 209,96 (trezentos e quarenta e cinco mil e duzentos e nove euros e noventa e seis cêntimos), quantia sobre a qual acresce IVA à taxa legal em vigor na data do pagamento.

f) Condeno a a pagar à autora juros moratórios à taxa legal, calculados sobre o capital em dívida, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

g) Absolvo a do restante peticionado.

h) Custas a cargo da autora a da na proporção do decaimento.

i) Registe e notifique.”

6. Inconformada com o decidido, a R. apresentou recurso de apelação, conhecido pelo Tribunal da Relação, tendo havido impugnação da matéria de facto.

O objecto do recurso foi assim delimitado:

“Assim, as questões a decidir são:

1ª - apurar da correção da fixação da matéria de facto provada e não provada e eventual modificação da mesma;

2ª - apurar se a recorrente cumpriu o dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais pela seguradora à autora;

3ª - apurar as consequências decorrentes da eventual violação do referido dever, nomeadamente sobre o contrato celebrado e extensão dos respetivos efeitos;

4ª - apurar se o evento ocorrido está coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as partes.

5ª- caso se conclua que à A. assiste o direito à indemnização dos danos sofridos, apurar se esta deve ou não incluir o valor do IVA.

6ª - apreciar a excepção de abuso de direito invocada pela R.”

O tribunal recorrido decidiu:

Pelo exposto, os Juízes desta 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães acordam em julgar procedente a apelação e, em consequência, alterando-se a sentença recorrida, absolve-se a R. dos pedidos mencionados das alíneas c), d) e) f) e h) do dispositivo da mesma.”

7. Não se conformando com o acórdão, veio apresentado recurso de revista pela A.

8. Foram apresentadas contra-alegações onde não constam conclusões, mas se defende a improcedência do recurso.

A recorrida também pretende que o Tribunal conheça de uma questão, que vem assim expressa1:

Sem prescindir, por mera cautela e para a hipótese de revogação da decisão recorrida acrescenta-se o seguinte:

Sendo o seguro dos autos um seguro de danos, “a prestação devida pelo segurador est limitada ao dano decorrente do sinistro” (artigo 128º do RJCS).

O artigo 19º, nº 1 do CIVA determina que para apuramento do imposto devido os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços de outros sujeitos passivos.

Por isso, sendo a recorrente sujeito passivo do IVA e sendo-lhe possível deduzir esse imposto não suporta qualquer dano a esse título. Na verdade, o IVA só constitui um prejuízo para efeito indemnização nos casos em que o lesado seja consumidor final, o verdadeiro contribuinte de facto desse imposto “é o consumidor final quem suporta o tributo (contribuinte de facto)”

E, de facto, dado que a recorrente tem por objeto a venda e distribuição de artefactos de betão afetos ao sector civil, pode deduzir o IVA que paga nas suas operações (incluindo o que terá d despender com a reconstrução do imóvel e dos demais bens seguros), pelo que não terá de suporta qualquer prejuízo decorrente do pagamento desse imposto cujo valor não constitui um dano que tenha de suportar.

Nesse pressuposto, e caso venha a ser julgado que a recorrida tem a obrigação de pagar à recorrente o prejuízo decorrente do virtual sinistro, deve ser excluído o pagamento de qualquer valor reclamado a título de IVA por não constituir um prejuízo para a autora e, como tal, um dano indemnizável por via do contrato de seguro.”

9. O STJ proferiu acórdão, em 7 de Março de 2023, onde disse:

Pelos fundamentos indicados é concedida a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença na parte em que julga que o sinistro dos autos se encontra coberto pelo contrato de seguro, conferindo ao A. direito a ser indemnizado nos termos anteriormente definidos, com a ressalva constante do ponto 2.:

“d) Condeno a ré a reconhecer que o referido sinistro provocou danos à autora, cujo prejuízo patrimonial ascendeu a € 363 378,90 (setecentos e trinta e nove mil novecentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor

e) Condeno a ré a ressarcir a autora dos danos patrimoniais sofridos, pagando a título de indeminização a quantia pecuniária de € 345 209,96 (trezentos e quarenta e cinco mil e duzentos e nove euros e noventa e seis cêntimos).

f) Condeno a ré a pagar à autora juros moratórios à taxa legal, calculados sobre o capital em dívida, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”

1. Determina-se baixa dos autos ao TR para se pronunciar sobre a questão de saber se o valor da condenação indicado em e) deve ser acrescido de IVA.

Custas da revista pela Ré, vencida.

10. Em cumprimento do decidido os autos baixaram ao Tribunal da Relação, que conhecendo da questão da inclusão do IVA decidiu:

“Nestes termos, os Juízes da 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães deliberam que o valor do imposto de valor acrescentado integra a indemnização a pagar pela Ré à Autora, passando o teor da alínea e) do dispositivo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a ser o seguinte:

e) Condeno a ré a ressarcir a autora dos danos patrimoniais sofridos, pagando a título de indemnização a quantia pecuniária de € 345 209,96 (trezentos e quarenta e cinco mil e duzentos e nove euros e noventa e seis cêntimos) à qual acresce o IVA à taxa legal em vigor à data do pagamento.

Sem custas, posto que, inserindo-se o presente acórdão no âmbito do recurso de revista, fica abrangido pela condenação constante no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Notifique.”

11. Vem agora apresentado recurso de revista, excepcional, desse acórdão, pela R. AGE PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., no qual são formuladas as seguintes conclusões (transcrição):

“a) O objeto do presente recurso de revista excecional é a decisão proferida no douto acórdão recorrido que condenou a ré/recorrente a pagar à autora/recorrida o IVA à taxa legal em vigor à data do pagamento, a acrescer à indemnização de € 345.209,96 que já havia sido condenada a pagar para ressarcimento dos danos patrimoniais por aquela sofridos, por ter entendido que o valor do IVA constituí um efetivo dano na esfera patrimonial da autora/lesada e, como tal, integra a obrigação devida pela ré/recorrente.

b) Os factos provados que importam ao presente recurso e sobre os quais recaiu esse julgamento de direito são os seguintes:

“1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico, venda e distribuição de artefactos de betão, afetos ao sector da construção civil.

2. É proprietária de dois estaleiros fabris, sitos no Lugar de ..., concelho de ... e no Lugar do ..., concelho de ..., nos quais se encontram instalados escritórios e as suas linhas de produção e/ou fabrico.

3. Autora e ré celebraram um contrato de seguro denominado de “Multirriscos Empresas”, com a apólice n.º .........58, com produção de efeitos a partir do dia 08 de novembro de 2012, com duração de um ano e renovação automática por iguais e sucessivos períodos de um ano, na ausência de oposição à sua renovação.

4. … tendo como objeto do seguro:

a) Os edifícios, ou seja, escritórios e estaleiros fabris, propriedade da autora, sitos na localidade de ..., concelho de ..., e na localidade do ..., concelho de ...;

b) Os bens móveis, que compunham o recheio dos escritórios e dos estaleiros fabris identificados na alínea anterior.

5. O contrato de seguro, tinha as seguintes coberturas e/ou garantias:

Edifício: (…) Tempestades…

Recheio: (…) Tempestades…

6. A autora, através da celebração do aludido contrato de seguro, transferiu para a titularidade da ré a título oneroso, mediante o pagamento do respetivo prémio, o risco e bem assim a responsabilidade de reparar os danos e/ou prejuízos patrimoniais sofridos pela autora nos edifícios (escritórios e estaleiros fabris) e respetivo recheio ocasionados por algum dos eventos elencados no artigo 5º da petição inicial.

7. Ficou a ré adstrita e obrigada a garantir o ressarcimento dos prejuízos causados à autora, resultantes daqueles eventos, até ao capital máximo assegurado constante para cada uma das coberturas e/ou garantias especificadas.

(…)

13. No dia 28 de fevereiro, em consequência de tal queda de neve e do fenómeno natural de “chuva com congelação” que também assolou de forma significativa o concelho de ..., a cobertura da nave/pavilhão dos estaleiros fabris da autora, com a área aproximada de 4.100,00 metros quadrados, sita em ..., concelho de ..., não suportou o excessivo peso provocado pela neve e gelo acumulado e colapsou e/ou ruiu parcialmente.

14. Parte dessa cobertura, com uma área de 2.500,00 metros quadrados ruiu, colapsou e caiu para o interior do pavilhão fabril, local onde se encontrava a maquinaria afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão.

15. Tal derrocada provocou ainda o alagamento do interior do pavilhão, em consequência da neve e gelo que se encontrava acumulado na sua cobertura.

16. Em consequência da situação descrita, o complexo industrial da autora, sito em ..., concelho de ..., sofreu os seguintes danos:

a) Toda a cobertura de uma das naves/pavilhão com a área aproximada de 4.100,00 metros quadrados, a mais extensa do complexo industrial, ficou danificada;

b) Parte dessa cobertura ruiu, colapsou e caiu para o interior do pavilhão, local onde se encontrava a maquinaria afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão;

c) A derrocada da cobertura foi parcial, em cerca de 2.500,00 metros quadrados, tendo a restante área da cobertura ficado com danos comprometedores ao nível da estabilidade e segurança;

d) As estruturas de apoio da cobertura ficaram também danificadas, mormente a treliça, os pilares de apoio e/ou sustentação da treliça e o sistema de escoamento das águas pluviais. 17. Ainda em consequência do sinistro ocorrido, vários equipamentos que se encontravam no interior do estaleiro fabril ficaram também danificados, de entre os quais:

a) Sistema de videovigilância, com danificação de câmara e lente varifocal.

b) Danificação dos cabos de alimentação das máquinas e calhas elétricas.

(…)

20. Tais danos, identificados nos precedentes artigos, importam um prejuízo patrimonial para a autora de, pelo menos, € 363 378,90 (trezentos e sessenta e três mil e trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), sem IVA, …”

c) A decisão do Tribunal da Relação confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão da 1.ª instância. Com efeito, ambas as instâncias julgaram no sentido de que o valor do IVA constituí, sempre, um custo, um dano patrimonial efetivo para quem o suporta, pelo que nas situações em que alguém esteja obrigado a indemnizar outrem para ressarcimento de danos patrimoniais, a regra da reconstituição natural prevista no artigo 562º do Código Civil exige que a indemnização deva incluir o valor do IVA.

d) Assim, e relativamente à questão específica que constitui o objeto deste recurso, está verificado o pressuposto previsto no artigo 671º, n.º 3 do CPC, o que justifica a admissibilidade de revista excecional.

e) A recorrida fundamenta a revista excecional nas alíneas c) e a), do n.º 1 do artigo 672º do CPC.

f) No que respeita à fundamentação na alínea c), do n.º 1 do artigo 672º do CPC, o douto acórdão recorrido julgou de forma contrária ao Ac. do STJ de 12-09-2013 (Proc. n.º 372/08.9TBBCL.G1.S1), já transitado em julgado e proferido no domínio da mesma legislação, sobre a questão fundamental de direito de saber se o valor do IVA devido ou pago pelo lesado com a aquisição de bens e/ou serviços inerentes à sua atividade empresarial e necessários à reconstituição da situação patrimonial que tinha caso se não tivesse verificado o evento lesivo constitui um dano efetivo para o seu património e, como tal, deve ser incluído na indemnização a que tem direito.

g) Está ainda em contradição com os Ac. do TRC de 27-05-2015 (Proc. n.º 587/11.2TBPMS.C1) e com o Ac. do TRC de 15-02-2022 (Proc. n.º 2889/20.8T8LRA.C1), também já transitados em julgado e proferidos no domínio da mesma legislação, sendo que o Ac. do STJ mencionado na alínea anterior e estes dois acórdãos da Relação de Coimbra se apresentam como acórdãos-fundamento da revista excecional, com primazia para o primeiro, por ser emitido pelo Tribunal Superior.

h) Na origem daquele acórdão de 12-09-2013, está um recurso de revista n qual o STJ foi chamado a pronunciar-se sobre a questão de saber se uma lesada de um acidente de viação tinha direito a receber da seguradora do veículo responsável o valor do IVA que teve de dispor com o aluguer de uma tenda para instalação provisória dos seus serviços comerciais destruídos por um incêndio causado pelo acidente, no pressuposto de que o montante desse imposto é um dano que deve ser indemnizado pela seguradora responsável, tal como defendido pela lesada.

i) Julgando essa questão de direito, o STJ decidiu o seguinte:

“…a instalação e/ou aluguer da tenda, destinando-se a obter um espaço para a autora desenvolver parte da sua atividade comercial, configura indiscutivelmente uma operação inerente à respectiva atividade empresarial, o que, nos termos do artigo 20º, nº 1, alínea a), Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado confere o direito à dedução o IVA que a autora pagou relativo à instalação e/ou aluguer da mencionada tenda, uma vez que esta instalação/aluguer se destinou à realização de operações tributáveis - no caso, a comercialização dos bens que a autora produz.

Sendo assim e também como bem de diz no referido acórdão, “nas operações inerentes à atividade empresarial, o IVA nunca é custo para a empresa que o paga, pois, a final, tem direito à respectiva dedução”.

Se por qualquer razão a empresa não conseguiu que aquela dedução fosse efetuada, então teria que ser alegada e provada a respetiva matéria de facto, para depois de ajuizar se tal não reembolso resultava ou não de culpa da empresa e se decidir em função do disposto no artigo 570º do Código Civil.

Mas no caso concreto em apreço, nada foi alegado quanto a esta matéria.

Resta, pois, concluir que podendo a autora obter o reembolso da quantia liquidada título de IVA, o desembolso da mesma não representa qualquer dano para a mesma.”

j) Por sua vez, e em sentido contrário a esse acórdão-fundamento, o acórdão recorrido entendeu que:

“nos casos em que está em causa uma obrigação de indemnização, como sucede na vertente situação, sendo o princípio geral nesta matéria o da reposição do lesado na situação em que se encontraria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.562º do C.Civil), secundamos a posição amplamente maioritária na jurisprudência segundo a qual estando o lesado obrigado ao pagamento do IVA, incluído no preço, para obter a reparação dos bens danificados, tem o direito a exigir tal montante que se vê obrigado a suportar para obter a restauração da situação preexistente ao dano…

Ora, se a Autora tem de entregar à pessoa que efectua a reparação, tanto a quantia correspondente à contrapartida devida pela prestação do serviço como o valor do IVA liquidado sobre aquela retribuição, é óbvio que a indemnização do respectivo dano engloba o montante daquele imposto. Trata-se de um valor que será necessariamente cobrado futuramente à Autora e esta tem de ter a disponibilidade financeira para o suportar, pelo que se integra ainda no conceito de dano decorrente do sinistro (v. artigo 128º do RJCS), indemnizável ao abrigo do contrato de seguro.

O dano não será reparado se a respectiva indemnização não integrar o custo total que a segurada, enquanto consumidora (na qualificação fiscal/tributária), terá que despender com a prestação do serviço (ou a aquisição do bem). E no custo total está integrada uma parcela, regra geral de 23% sobre a contrapartida devida pela prestação do serviço, correspondente ao imposto que será exigido pelo prestador do serviço à Autora.”

k) Ou seja, perante a mesma situação factual de um contrato de seguro de danos pelo qual uma seguradora garantiu o ressarcimento de prejuízos causados pela verificação de um determinado evento lesivo, e em consequência do qual o lesado, uma sociedade comercial, teve de adquirir bens ou serviços inerentes à sua atividade empresarial para repor a situação anterior à lesão, e cujas transações estão sujeitas ao IVA, há uma oposição de julgados: i) o acórdão recorrido julgou no sentido de que o valor do IVA deve ser sempre considerado um dano e, como tal, faz parte da indemnização devida pela seguradora; ii) o acórdão-fundamento decidiu que nos casos em que o IVA se reporte a operações inerentes à atividade comercial da lesada o valor do imposto nunca é um custo para a empresa já que esta goza do direito de deduzir aquele valor, pelo que o IVA não deve ser considerado um dano e, como tal, indemnizável, exceto se a lesada alegar e provar que essa dedução/reembolso do IVA ocorre por facto que não lhe é imputável.

l) No mesmo sentido do referido acórdão-fundamento emanado do STJ, e ainda em sentido contrário ao acórdão recorrido, decidiram os demais acórdãos-fundamento do TRC identificados na conclusão g). Efetivamente,

m) No acórdão de 27-05-2015, cuja factualidade consistiu numa ação interposta por uma empresa de transporte de mercadorias que contratou um seguro de responsabilidade civil que garantia o pagamento de indemnizações decorrentes de danos causados às mercadorias dos seus clientes por si transportadas, e na qual requereu que a seguradora a indemnizasse dos danos que teve de suportar com o pagamento aos seus clientes de várias indemnizações por contaminação dos produtos que transportou, incluindo o IVA, a Relação entendeu, no que respeita ao IVA, que:

n) A destinatária da mercadoria é uma empresa que deduz o IVA; em regra, o IVA não representa para a mesma uma diminuição patrimonial; a aquisição de mercadoria para substituir a danificada configura uma operação inerente à respetiva atividade empresarial, o que, nos termos do artigo 20º, nº 1, alínea a), do CIVA confere o direito à dedução do IVA; o IVA nunca é custo para a empresa que o paga, pois, a final, tem direito à respetiva dedução; admitindo-se que, por qualquer razão, a empresa não conseguisse que aquela dedução fosse feita, então teria que ser alegada e provada a respetiva matéria de facto; não sendo o IVA um efetivo dano, a cliente da segurada não o podia cobrar à transportadora e a segurada não estava obrigada a pagá-lo, não podendo reclamá-lo agora da seguradora; a segurada não adquire mercadorias e paga antes uma indemnização; o IVA, como imposto sobre o valor acrescentado, não se aplica a esta.

o) No acórdão de 15-02-2022, a autora, uma sociedade comercial, havia celebrado com a ré/seguradora um contrato de seguro obrigatório automóvel, o qual foi responsável por um acidente de viação do qual decorreram danos para um outro veículo, que teve de ser reparado. A lesada reclamou da seguradora o custo da reparação do veículo, acrescida do IVA devido pela aquisição de peças e prestação dos serviços necessários à reparação, sendo que o veículo sinistrado era utilizado pela autora no transporte de matérias-primas necessárias ao exercício da sua atividade industrial e comercial.

p) Relativamente ao IVA reclamado pela autora, a Relação entendeu que sendo a autora sujeito passivo do IVA pode deduzir esse imposto, e estando em causa a aquisição de bens e serviços que se consubstanciaram na reparação de um veículo que era utilizado pela Autora no âmbito da sua atividade comercial e não se detetando a verificação de nenhuma situação da qual resulte a exclusão do direito àquela dedução, o valor do IVA correspondente à reparação do veículo não corresponde a um efetivo prejuízo para a Autora que, como tal, deva ser indemnizado.

q) O entendimento manifestado nestes acórdãos-fundamento é o que respeita o mesmo conteúdo do conceito de dano e de indemnização previstos quer no Código Civil quer no RJCS: no regime das obrigações, o dano patrimonial corresponde a um prejuízo na situação patrimonial do lesado (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I); o conceito de dano previsto no artigo 128º do RJCS (“a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro”), significa que “o segurado deve apenas ser ressarcido do prejuízo que efetivamente sofreu”, e que “os danos indemnizáveis ao abrigo do contrato de seguro são os que materializam o prejuízo causado pelo sinistro”.

r) O artigo 19º, nº 1 do CIVA estabelece que para apuramento do imposto devido ao Estado os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram o valor do imposto devido ou pago pela aquisição de bens e/ou serviços a outros sujeitos passivos, desde que essas operações caibam nas previsões do artigo 20º daquele Código, o que significa que se o lesado é um sujeito passivo do IVA, mas o pode deduzir, não suporta qualquer dano. O IVA só constitui um prejuízo para efeito da obrigação de indemnização nos casos em que o lesado se apresente como consumidor final, o verdadeiro contribuinte de facto do imposto, que não é a situação autora/recorrida.

s) No que respeita à fundamentação na alínea a), do n.º 1 do artigo 672º do CPC, há de ter-se em consideração que o seguro dos autos é precisamente um seguro de danos em que “a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro…” e que não sendo o IVA um dano não se encontra abrangido na obrigação indemnizatória da seguradora.

t) Por isso, sendo uma seguradora obrigada a pagar aos segurados o montante do IVA que estes tenham a possibilidade de deduzir, isso não só põe em causa os princípios e a ratio leges daquela modalidade de seguro, como consubstancia um enriquecimento ilícito e sem causa do lesado/segurado à custa do responsável pelo pagamento da indemnização, podendo transformar-se num esquema de enriquecimento ilegítimo, que a lei proíbe e não pode permitir.

u) É isso mesmo que a ordem jurídica pretende evitar com o princípio indemnizatório previsto no artigo 128º do RJCS, princípio que assume uma particular importância jurídica e social já que visa assegurar que o contrato de seguro não sirva de meio especulativo, de instrumento de enriquecimento do segurado com o sinistro, precavendo a fraude e a desordenação social

v) Acresce que não se pode deixar de ter em conta que a questão objeto deste recurso é diariamente julgada nos tribunais nacionais, seja por via do instituto da responsabilidade civil extracontratual, seja por via da responsabilidade contratual em função do incumprimento dos contratos, ou ainda por delimitação da obrigação da seguradora nos seguros de danos por efeito do princípio indemnizatório. Determinar o que seja um dano para efeitos de atribuição de uma indemnização é uma tarefa que os tribunais são chamados a decidir de forma diária, pelo que o tema tem especial relevância jurídica.

w) Por esses motivos, a apreciação da referida questão assume elevada relevância jurídica e é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

x) O douto acórdão recorrido violou, por erro de aplicação e de interpretação, os artigos 483º e 562º do Código Civil, 19º e 20 do CIVA e artigo 128º do RGCS.”

12. O recurso foi admitido no tribunal da Relação, dizendo-se aí:

II – Admissão de Recurso (Requerimento datado de 27/06/2023, com referência citius nº45971408) – Ré Por ser legal [cfr. arts. 672º/1c) e 629º/1, ambos do C.P.Civil de 2013, sendo que está invocado que o acórdão proferido por esta Relação está em contradição com outro proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que o valor da causa está fixado em € 424.608,25 e sendo o valor do prejuízo decorrente para a Ré do Acórdão ora recorrido é de € 79.398,30], ser tempestivo e a Recorrente ter legitimidade, admite-se o recurso do acórdão proferido em 25/05/2023, que apreciou e decidiu que o valor do IVA integra a indemnização a pagar, confirmando assim a decisão de 1ª instância que colocou termo ao processo (sem prejuízo do disposto no nº5 do art. 641º do C.P.Civil de 2013), o qual é de revista excepcional, sobe nos próprios autos (art. 675º/1 do C.P.Civil de 2013) e tem efeito devolutivo (art. 676º/1, a contrario, do C.P.Civil de 2013). Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça. Notifique-se.”

13. Distribuídos os autos, vieram a ser remetidos à formação, a quem competia decidir – art.º 672.º do CPC.

14. O recurso foi admitido pela formação, considerando que estavam preenchidos os requisitos legais, por contradição de julgados.

II. Fundamentação

De Facto

15. Factos Provados instâncias:

1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico, venda e distribuição de artefactos de betão, afetos ao sector da construção civil.

2. É proprietária de dois estaleiros fabris, sitos no Lugar de ..., concelho de ... e no Lugar do ..., concelho de ..., nos quais se encontram instalados escritórios e as suas linhas de produção e/ou fabrico.

3. Autora e ré celebraram um contrato de seguro denominado de “Multirriscos Empresas”, com a apólice n.º .........58, com produção de efeitos a partir do dia 08 de novembro de 2012, com duração de um ano e renovação automática por iguais e sucessivos períodos de um ano, na ausência de oposição à sua renovação.

4. Conforme resulta do clausulado nas denominadas condições particulares, documento intitulado de “Dados da Apólice”, o capital da apólice ascendia a € 3.204.281,25 (três milhões duzentos e quatro mil e duzentos e oitenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), tendo como objeto do seguro:

a) Os edifícios, ou seja, escritórios e estaleiros fabris, propriedade da autora, sitos na localidade de ..., concelho de ..., e na localidade do ..., concelho de ...;

b) Os bens móveis, que compunham o recheio dos escritórios e dos estaleiros fabris identificados na alínea anterior.

5. O contrato de seguro, tinha as seguintes coberturas e/ou garantias:

Edifício:

COBERTURA/GARANTIA CAPITAL

Cobertura Base 896.633,12 €

Atos de Vandalismo, Maliciosos ou de Sabotagem 896.633,12€

Danos Estéticos 2.500,00€

Danos por Água 896.633,12€

Derrame de Sistemas de H.P.C.I. 896.633,12€

Furto ou Roubo 896.633,12€

Greves, Tumultos e Alteração Ordem Pública 896.633,12€

Perda de Rendas 20.000,00€

Pesquisa de Avarias 5.000,00€

Quebra de Vidros e Pedras Ornamentais 2.000,00€

Quebra ou Queda de Antenas 2.000,00€

Quebra ou Queda de Anúncios e Letreiros Luminosos 2.000,00€

Quebra ou Queda de Painéis solares 2.500,00€

Riscos Elétricos 44.831,65€

RC Proprietário, Inquilino ou Ocupante 126.262,50€

Inundações 896.633,12€

Tempestades 896.633,12€

Recheio:

COBERTURA/GARANTIA CAPITAL

Cobertura Base 2.036.534,75€

Atos de Vandalismo, Maliciosos ou de Sabotagem 2.036.534,75€

Danos em Bens de Empregados 3.151,88€

Danos em Bens do Senhorio 2.500,00€

Danos por Água 2.036.534,75€

Derrame de Sistemas de H.P.C.I. 2.036.534,75€

Desenhos e Documentos 7.500,00€

Deterioração do Imóvel 2.500,00€

Furto ou Roubo 2.036.534,75€

Greves, Tumultos e Alteração Ordem Pública 2.036.534,75€

Privação do Uso do Local Arrendado ou Ocupado 35.000,00€

Resp. Civil Administradores /D&O) 52.531,25€

Resp. Civil por Poluição Acidental 105.062,50€

Responsabilidade Civil Exploração 150.000,00€

Riscos Elétricos 56.570,41€

Transporte de Valores 7.500,00€

RC Proprietário, Inquilino ou Ocupante 131.328,12€

Avaria de Máquinas 169.711,23€

Inundações 2.036.534,75€

Tempestades 2.036.534,75 €.

6. A autora, através da celebração do aludido contrato de seguro, transferiu para a titularidade da ré a título oneroso, mediante o pagamento do respetivo prémio, o risco e bem assim a responsabilidade de reparar os danos e/ou prejuízos patrimoniais sofridos pela autora nos edifícios (escritórios e estaleiros fabris) e respetivo recheio ocasionados por algum dos eventos elencados no artigo 5º da petição inicial.

7. Ficou a ré adstrita e obrigada a garantir o ressarcimento dos prejuízos causados à autora, resultantes daqueles eventos, até ao capital máximo assegurado constante para cada uma das coberturas e/ou garantias especificadas.

8. A autora pagou de forma pontual e cabal todos os prémios de seguro, encontrando-se o contrato de seguro inteiramente válido e eficaz aquando da ocorrência do sinistro.

9. Nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2018 verificou-se no Distrito de ...uma forte queda de neve, acompanhada de chuva e temperaturas negativas.

10. Nesses dias nevou com intensidade e durante horas consecutivas no concelho de ..., fenómeno atmosférico pouco frequente em Portugal.

11. A queda de neve ocorrida nos diais 27 e 28 de fevereiro de 2018, foi considerada como o maior nevão da última década, pelos diversos meios de comunicação nacionais, com divulgação e registo dos danos causados em várias localidades do nordeste transmontano.

12. A neve acumulada, bem como a chuva que caiu naqueles dias, transformou-se em gelo, ficando as estruturas dos edifícios, mormente as coberturas, sujeitas e expostas a um peso excessivo, provocando o colapso e/ou derrocada de coberturas de edifícios, bem como a queda de árvores e postes elétricos.

13. No dia 28 de fevereiro, em consequência de tal queda de neve e do fenómeno natural de “chuva com congelação” que também assolou de forma significativa o concelho de ..., a cobertura da nave/pavilhão dos estaleiros fabris da autora, com a área aproximada de 4.100,00 metros quadrados, sita em ..., concelho de ..., não suportou o excessivo peso provocado pela neve e gelo acumulado e colapsou e/ou ruiu parcialmente.

14. Parte dessa cobertura, com uma área de 2.500,00 metros quadrados ruiu, colapsou e caiu para o interior do pavilhão fabril, local onde se encontrava a maquinaria afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão.

15. Tal derrocada provocou ainda o alagamento do interior do pavilhão, em consequência da neve e gelo que se encontrava acumulado na sua cobertura.

16. Em consequência da situação descrita, o complexo industrial da autora, sito em ..., concelho de ..., sofreu os seguintes danos:

a) Toda a cobertura de uma das naves/pavilhão com a área aproximada de 4.100,00 metros quadrados, a mais extensa do complexo industrial, ficou danificada;

b) Parte dessa cobertura ruiu, colapsou e caiu para o interior do pavilhão, local onde se encontrava a maquinaria afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão;

c) A derrocada da cobertura foi parcial, em cerca de 2.500,00 metros quadrados, tendo a restante área da cobertura ficado com danos comprometedores ao nível da estabilidade e segurança;

d) As estruturas de apoio da cobertura ficaram também danificadas, mormente a treliça, os pilares de apoio e/ou sustentação da treliça e o sistema de escoamento das águas pluviais.

17. Ainda em consequência do sinistro ocorrido, vários equipamentos que se encontravam no interior do estaleiro fabril ficaram também danificados, de entre os quais:

a) Sistema de videovigilância, com danificação de câmara e lente varifocal.

b) Danificação dos cabos de alimentação das máquinas e calhas elétricas.

18. Tais equipamentos ficaram danificados não só pela queda da cobertura (estrutura metálica) mas também pela neve, gelo e água que penetrou e alagou o interior do pavilhão fabril.

19. As máquinas que se encontravam instaladas no interior do pavilhão ficaram completamente desprotegidas, à mercê das intempéries que também se verificaram nos dias posteriores.

20. Tais danos, identificados nos precedentes artigos, importam um prejuízo patrimonial para a autora de, pelo menos, € 363 378,90 (trezentos e sessenta e três mil e trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), sem IVA, assim discriminado:

a) € 346 950,00 (trezentos e quarenta e seis mil e novecentos e cinquenta euros) para substituição da cobertura da nave/pavilhão, tendo em consideração a inviabilidade e impossibilidade da sua reparação face aos danos registados nas suas estruturas de betão e metálica;

b) € 1 271,10 (mil duzentos e setenta e um euros e dez cêntimos) para reparação do sistema de videovigilância;

c) € 10 215,80 (dez mil duzentos e quinze euros e oitenta cêntimos) para reposição de cabos elétricos;

d) € 4 942,00 (quatro mil novecentos e quarenta e dois euros) para reparação de calhas elétricas.

21. O sinistro ocorrido no dia 28 de fevereiro de 2018, foi pontual e cabalmente comunicado à ré.

22. No próprio dia da ocorrência do sinistro deslocou-se ao local um mediador de seguros da ré responsável pelo balcão da AGEAS de Chaves.

23. Só após decorrerem doze dias da data da ocorrência do sinistro a ré fez deslocar ao local um perito para elaborar relatório de peritagem, avaliar a causa do sinistro e identificar os danos causados.

24. O perito que se deslocou ao local, comunicou à administração da autora e aos seus funcionários que se encontravam a realizar trabalhos de limpeza, para não mexerem na estrutura metálica que ruiu, sem antes se deslocar ao local um outro perito.

25. A ré solicitou à autora diversa documentação, mormente orçamentos de reparação e/ou substituição da cobertura da nave/pavilhão, orçamentos para reparação e/ou substituição dos equipamentos danificados e ainda cadernetas prediais dos prédios rústicos que compõem o complexo industrial da autora.

26. No seguimento de tal pedido, a autora remeteu à ré toda a documentação e informação que lhe foi solicitada.

27. Decorridos aproximadamente quatro meses desde a data do sinistro, face à ausência de comunicação de decisão, a autora endereçou à ré carta registada subscrita pelo seu mandatário judicial, através da qual solicitou a conclusão da análise da participação efetivada pela autora e a inerente comunicação decisória concludente à resolução da referida situação.

28. A autora, por carta datada de 28 de junho de 2018, solicitou à ré, uma resolução urgente da participação que lhe foi apresentada.

29. Por carta datada de 20 de julho de 2018, a ré comunicou à autora que de acordo com o relatório pericial, a cobertura colapsou devido ao peso da neve, reconhecendo a existência de danos nessa mesma cobertura e na maquinaria instalada no interior do pavilhão.

30. Contudo, comunicou ainda que o sinistro não possuía enquadramento na cobertura “Tempestades e/ou Inundações” ou em qualquer outra da apólice subscrita, de acordo com o clausulado nas condições gerais do contrato de seguro.

31. Entende a ré que tais danos “não encontram amparo nas aludidas coberturas, nomeadamente a cobertura Tempestades garante prejuízos causados pela ação de ventos fortes e não pela ação da neve avolumada sobre a cobertura das edificações (…), declinando assim toda e qualquer responsabilidade no sinistro ocorrido, suas despesas e consequências.

32. Os administradores da R. celebraram o contrato de seguro referido em 3. convictos de que a cobertura “tempestades”, abrangia também temporais de neve e gelo (granizo)

33. A ré em momento algum comunicou e/ou explicou aos administradores da autora, qual o verdadeiro sentido que pretendia dar ao termo “Tempestade”, assim como não lhes comunicou que aquela cobertura e/ou garantia apenas era suscetível de ressarcir os danos ocasionados por tufões, ciclones, tornados ou ventos fortes, não abrangendo as tempestades de neve e gelo.

34. No dia 08/11/2012, junto do mediador de seguros da ré, a C..., Lda, a autora subscreveu uma proposta escrita para celebração de um contrato de seguro multirrisco.

35. Nessa proposta, a autora fez constar o seguinte:

- Local do risco: EN 2, ...,... e Lugar ..., ...;

- Objeto e valor a segurar: Edifício/parte do edifício/benfeitorias: € 890.000,00 (valor da reconstrução);

- Coberturas complementares e valores a segurar: Tempestades - Edifício: € 890.000,00 / Recheio: € 1.800.000,00.

36. O legal representante da autora assinou essa proposta de seguro nessa mesma qualidade.

37. Nessa proposta contratual, o legal representante da autora declarou o seguinte:

“Tomei conhecimento das condições do contrato de seguro e foram-me prestados todos os esclarecimentos necessários e legalmente exigíveis”.

38. A ré aceitou aquela proposta de seguro, com efeitos a partir de 08/11/2012, ficando o contrato de seguro titulado pela apólice nº 0095.10.071058.

39. A cobertura complementar 002 “Tempestades”, de acordo com as condições gerais do contrato, garante ao segurado o pagamento de uma indemnização por danos causados aos bens seguros em consequência direta de:

a) tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes, bem como o choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos, desde que a sua violência destrua ou danifique instalações, objetos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros; em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro, os ventos atingiram intensidade excecional — velocidade superior a 100 km/hora;

b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que se verifiquem conjuntamente as seguintes condições:

- que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos referidos na alínea anterior;

- que os danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento em que ocorreu a danificação ou destruição parcial do edifício”.

40. À data do sinistro, os capitais em vigor para a cobertura complementar “Tempestades” eram de € 887.667,68 para o edifício, e de € 1.938403,13 para o recheio.

41. Esta cobertura ficou sujeita a uma franquia de 5% do valor da indemnização, com o mínimo de € 250,00.

42. A autora nunca solicitou à ré nem ao seu mediador qualquer informação, esclarecimento ou explicação sobre as cláusulas do contrato de seguro, designadamente, sobre a cláusula complementar “Tempestades”.

43. Os legais representantes da autora são letrados, sabem ler e escrever.

44. São empresários e sócios gerentes de várias empresas de sucesso há mais de 20 anos, a Flaviarte ..., a Flaviarte ..., a B.......... e a T....... .. ......, e no exercício dessa sua atividade de gerentes e empresários fazem múltiplos negócios e celebram contratos de elevados montantes.

45. A autora foi fundada em 1976, e tem um historial empresarial de sucesso, como ela própria publicita, sendo que a esse sucesso não pode ser alheio as capacidades intelectuais e conhecimentos dos seus gestores.

46. A cláusula complementar 002 “Tempestades” não tem conteúdo técnico, e está redigida em linguagem simples e facilmente entendida por qualquer cidadão comum.

47. Os orçamentos apresentados na petição inicial relativos aos equipamentos danificados, incluem melhorias e adição de novas características aos mesmos, que vão além da mera reposição do seu estado anterior ao sinistro.

48. Consta das condições gerais do contrato de seguro celebrado entre autora e ré que “se o capital seguro pelo presente contrato, na data do sinistro, for inferior ao valor dos bens ou interesses seguros”, a ré só responde pelo dano na respetiva proporção, respondendo o segurado pela restante parte dos prejuízos (artigo 61º das Condições Gerais).

49. O objeto imóvel seguro era composto por várias naves/pavilhões industriais, com a área total de 11.000 m2.

50. À data do sinistro essas instalações tinham o valor de e 2.750.000,00, sendo certo que o capital de seguro em vigor nessa mesma data para a cobertura complementar “Tempestades” e para esse edifício, era de apenas € 887.667,68.

51. Os salvados foram avaliados em € 3.000,00, e ficaram em posse da autora.

16. Factos não provados nas instâncias:

a) A queda de neve e chuva foi acompanhada de vento forte.

b) A produção de blocos e vigas de betão representa mais de 50% da produção da empresa.

c) Ocorreram ainda danos na estrutura da nave e/ou pavilhão confinante, afeta ao fabrico de pré-esforço.

d) Ainda em consequência do sinistro ocorrido, ficaram também danificados:

- Linha de produção de blocos de betão da marca “Balbinot” modelo “1750”, com danificação do seu software e equipamento hidráulico e elétrico do respetivo automatismo;

- Centrais de betão instaladas no sector de fabrico de blocos de betão, com danificação das sondas de humidade;

- Duas pontes rolantes instaladas no sector de fabrico de vigas de betão, com danificação dos rádios comandos, variador, “software” elétrico e sistema de alimentação elétrica em toda a extensão (170 metros) de ambas as pontes rolantes;

- Placa de servidor do sistema de videovigilância.

e) Os danos sofridos em consequência do sinistro, importam um prejuízo patrimonial para a autora de € 739 949,05 (setecentos e trinta e nove mil novecentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos), quantia pecuniária na qual já se encontra refletido o respetivo I.V.A., conforme infra se discrimina:

- € 516 477,00 (quinhentos e dezasseis mil quatrocentos e setenta e sete euros) para substituição da cobertura da nave/pavilhão, tendo em consideração a inviabilidade e impossibilidade da sua reparação face aos danos registados nas suas estruturas de betão e metálica;

- € 184 500,00 (cento e oitenta e quatro mil e quinhentos euros) para substituição e montagem de parte da linha de produção de blocos de betão, face à impossibilidade de reparação da linha existente, considerando que a marca e modelo da linha que se encontrava instalada e respetivas peças deixaram de ser fabricadas, inexistindo oferta no mercado;

- € 7 250,00 (sete mil duzentos e cinquenta euros) para reparação das sondas de humidade nas centrais de betão instaladas no sector de fabrico de blocos de betão;

- € 9 977,62 (nove mil novecentos e setenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos) para reparação das pontes rolantes instaladas no setor de fabrico de vigas de betão;

- € 3 793, 32 (três mil setecentos e noventa e três euros e trinta e dois cêntimos) para reparação do sistema de videovigilância:

- € 17 951,11 (dezassete mil novecentos e cinquenta e um euros e onze cêntimos) para reparação dos cabos de alimentação das máquinas de produção pré-esforço.

f) Antes de a autora subscrever a proposta do seguro foram-lhe entregues as respetivas condições gerais.

g) E a autora foi também devidamente informada e esclarecida do teor das coberturas que pretendia subscrever junto da ré, nomeadamente, as coberturas complementares.

h) A autora foi informada e esclarecida das condições contratuais.

De Direito

17. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

A única questão que se suscita é a de saber se a indemnização a que a Ré foi condenada é acrescida de IVA, como decidiu a Relação, ou se se deve seguir a orientação do acórdão fundamento (Ac. do STJ de 12-09-2013, Proc. n.º 372/08.9TBBCL.G1.S1), e consiste em saber se o valor do IVA devido ou pago pelo lesado com a aquisição de bens e/ou serviços inerentes à sua atividade empresarial e necessários à reconstituição da situação patrimonial que tinha caso se não tivesse verificado o evento lesivo constitui um dano efetivo para o seu património e, como tal, deve ser incluído na indemnização a que tem direito.

18. A questão suscitada no presente recurso não tem sido abordada na jurisprudência recente do STJ, conforme pesquisa realizada nas bases de dados disponíveis.

Mas sobre ela os Tribunais da Relação têm produzido jurisprudência, como a que se indicará de seguida (e outra citada no acórdão recorrido), e na qual se colhe a orientação equivalente à adoptada no acórdão recorrido, que se nos afigura mais conforme com o Direito (não se desconhecendo a existência de jurisprudência divergente, como indica o recorrente, das próprias Relações, e até porque ao atendermos ao Ac do TRC de acórdão de 27-05-2015 e ao de 15-02-2022 verifica-se que não se ponderou outra hipótese de solução, tendo-se seguido a orientação do Ac. do STJ fundamento, quando a questão se tem discutido na jurisprudência posterior a 2013 com outros argumentos que convinha ponderar).

19. Na linha de pensamento do acórdão recorrido encontramos, pelo menos, os seguintes arestos (disponíveis em www.dgsi.pt):

- Ac. TRL, de 15/5/2012, proc. N.º1981/04.0YXLSB.L1-7 – (aparentemente o acórdão modelo);

- Ac. TRL, de 09/06/2022, proc. N.º 11165/18.5T8LRS.L2-6;

- Ac. TRG, de 12/11/2020, proc. N.º6732/18.0T8GMR.G1.;

- Ac TRP de 24/10/2022, proc. N.º 2015/21.6T8STS.P1.

No primeiro acórdão o sumário apresentado é o seguinte:

I – A obrigação de indemnizar a cargo de uma seguradora, gerada pela concretização do risco por ela assumido através de um contrato de seguro de danos, tem, na falta de outra convenção, o conteúdo geral de reposição ou restauração da situação que existiria não fosse a eclosão do facto lesivo (artigos 562º e 566º, nº 2, do Código Civil);
II – Ainda que a obrigação tenha conteúdo pecuniário, a sua quantificação deve ter sempre como critério o do volume de dinheiro que seja necessário ao lesado despender para poder repor ou restaurar o estado de coisas como seriam sem dano;
III – O imposto sobre o valor acrescentado, com génese na transmissão de bens ou prestação de serviços, tem por único sujeito passivo, a quem onera o vínculo de o pagar à administração fiscal, o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços;
IV – Ao repercutir-se na retribuição que é necessário despender para conseguir, mediante a aquisição de algum bem ou a execução de tarefa, repor ou restaurar a esfera patrimonial lesada, o IVA integra o encargo global devido sem o qual a reposição ou restauração patrimoniais não são atingidas;
V – Como tal, têm cabimento no conteúdo da indemnização fixada em dinheiro, que à seguradora vincula entregar ao segurado, as importâncias incidentes a título de IVA, concernentes às aquisições ou serviços que sejam adequados àquele resultado reparador ou de reposição statu quo ante.

E no desenvolvimento do tema e fundamentação diz-se:

2. A obrigação de indemnização; o contrato de seguro de dano.
O vínculo que onera a ré seguradora consiste em obrigação de indemnizar sustentada na existência de um contrato de seguro de dano cujo risco precisamente se concretizou em perca na esfera da segurada (autora).

Esta (a segurada), ao ajustar o seguro, prosseguiu o seu interesse na salvaguarda de uma situação patrimonial própria de concretos bens que se achavam expostos ao risco; e é esse o estado de facto que importa agora repor.
A regulação do contrato emerge da apólice.
[11] Apenas ao que agora importa, contêm as condições gerais do contrato em causa um conjunto de disposições concernentes à determinação do valor indemnizável e à forma do seu pagamento;[12] que, no essencial, não destoam da disciplina legal comum, comercial e civil. A ideia fundamental é a da restauração natural e da subsidiariedade da indemnização em dinheiro; devendo esta, quando aplicável, retratar um valor económico que represente a integridade do património coberto, sem dano (livre da ocorrência lesiva); noutras palavras, uma assunção plena do risco.
Nem sempre é fácil aceder à determinação (exacta e justa) do prejuízo indemnizável. A ideia fundamental é, aqui, a do chamado princípio indemnizatório,
[13] que visa o retrato da realidade consistente numa reposição da esfera lesada como existiria sem a perca derivada do facto lesivo; e, dessa forma, sem que possa sentir, uma vez reparada, falha ainda gerada por esse facto; mas, ao mesmo tempo, sem que essa reparação também represente nela um acréscimo que não teria, sem o mesmo facto danoso.

Na disciplina geral da lei civil, em harmonia com o que vem sendo dito, preside a supremacia da regra da reconstituição natural; quer dizer, o vínculo indemnizatório há-de sempre tender a conseguir “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562º do Código Civil). E se a indemnização for em dinheiro, não havendo outra disciplina, ela terá “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).[14]

Este regime vale, como regra, quanto aos seguros de danos.[15]

E mostra que, também no vínculo que para a seguradora sobrevenha, a partir do facto gerador do dano, o montante da indemnização pecuniária a entregar ao segurado se há-de medir pela diferença entre a situação real dele (atingido pela lesão) e a hipotética (que teria sem a perca suportada); sendo a data para aferir dessa medida diferencial, na hipótese judicial, via de regra, a do encerramento da discussão na primeira instância (artigo 663º, nº 1, do CPC).[16]

No caso dos autos, não se discute a indemnização em dinheiro; já assumida. Donde, importando é que retrate a restauração da esfera jurídica patrimonial do lesado, nos termos que ficaram expostos; mais não significando do que a sua reposição ou reconstrução; a realização plena da prestação da seguradora.

3. O imposto sobre o valor acrescentado.

O IVA é um imposto de natureza indirecta.

A sua base de incidência objectiva comporta-se, ao que mais nos importa, em qualquer operação onerosa de transmissão de bens ou de prestação de algum serviço, realizada por um sujeito passivo agindo como tal.[17] A sua incidência subjectiva comporta-se, em geral, na pessoa que opere o acto comercial como transmitente do bem ou prestador do serviço tributável.[18] A exigibilidade do imposto gera-se com o respectivo facto gerador que, se importar obrigação de emitir factura, tem lugar com a emissão dela.[19] É naturalmente ao respectivo sujeito passivo que compete a obrigação de entregar na administração fiscal o montante do imposto exigível.[20] A importância do imposto liquidado é, por regra, adicionada ao valor da factura, para efeitos da sua repercussão no preço final e exigência aos adquirentes das mercadorias ou utilizadores dos serviços.[21]
Esta brevíssima esquematização a respeito do regime do imposto sobre o valor acrescentado permite, a nosso ver, firmar, ao menos, as seguintes ilações. Em 1º, que o valor do imposto, porque repercutido no preço final do bem ou serviço, representa sempre o custo económico do adquirente final; a remuneração completa ou a retribuição correspectiva, próprias da aquisição do bem ou da prestação do serviço, arrecada sempre o volume global pecuniário constituído na soma dos dois segmentos (preço de custo, propriamente dito, e IVA). Em 2º, que a relação jurídica negocial, que constitui facto tributário, se gera estritamente nas esferas civis dos respectivos contraentes, e com estritos efeitos nessa área; quer dizer, entre esses não ocorre qualquer facto de índole fiscal, de alcance tributário ou semelhante – concernente à parte remuneratória, em particular, o que há é, relativamente à retribuição global, a obrigação de pagar o preço (artigo 879º, alínea c), do CC) ou o vínculo de remunerar o serviço (artigos 1156º e 1167º, alínea b), início do CC); não mais do que isso, ou distinto disso. Por fim, e em 3º, que a relação tributária do imposto, propriamente dita, se gera exclusivamente, entre o vendedor do bem ou transmitente do serviço, por um lado, e a administração fiscal, pelo outro; com o significado de o vínculo debitório do imposto devido incidir na esfera jurídica (tão-só) daquele; perfeitamente alheada à do seu adquirente ou transmissário.

4. A hipótese concreta dos autos.

É por conseguinte este, em síntese, o quadro que nos permite ver com dificuldade a autonomização da questão tributária, concernente ao IVA, a que no assunto dos autos a seguradora apelante procede.

Senão vejamos.

Na petição inicial da acção condenatória já a autora lesada fizera re-flectir, no pedido que então formulou, quantias a título de IVA, que adicionou ao custo das reparações e das reposições, propriamente ditas, e como encargo eco-nómico que, para as obter, teria de suportar. Não mereceu, na ocasião, essa inclu-são reparo à ré seguradora. E a sentença final proferida foi condenatória, de procedência da acção, sem segmento absolutório neste particular, e apenas com a especificidade de a quantificação concreta (dos danos) ficar relegada para de-pois (artigos 565º, início, do CC, e 660º, nº 2, início, do CPC).[22]

Ora, esta proposição faz suspeitar de um caso julgado (material) incidente, mesmo, sobre o trecho sentencial condenatório referente ao imposto (artigos 498º, nº 3, 671º, nº 1, e 673º, início, do CPC).

Mas ainda que assim não fôra; e dissipando demais dúvidas.
O incidente da liquidação – único aqui em causa – tem a função, que se lhe apontou, de quantificar os danos antes apurados; e apenas essa. A sentença que condenou circunscreveu o universo da obrigação; do que se trata agora é de fazer operar o preenchimento do seu conteúdo. O exercício dessa tarefa envolve primordiais questões de facto; mas não lhe são também alheias avaliações jurídicas, que possam ter de ser feitas. A disciplina substantiva e processual, a que obedece, ilustram-no com clareza; acentuam-se poderes inquisitórios na instrução que viabilizem a fixação da quantia devida (artigo 380º, nº 4, do CPC); pode ser necessário avaliar sobre se certo segmento se comporta, ou não, no universo do dano (já) judicialmente reconhecido (e indemnizável); no limite, pode ter de se apelar a um julgamento segundo a equidade, quando nada mais possa contribuir para uma exacta quantificação do dano (artigos 566º, nº 3, e 4º, alínea a), do CC).
A seguradora apelante inicia a direccionar a sua impugnação como de julgamento da matéria de facto. Não cremos que acertadamente. A impugnação do julgamento de facto comporta a errada apreciação de instrumentos probatórios, conducente à consolidação de uma convicção factual com eles desconforme. Ora, na hipótese, o assunto é estritamente jurídico; o de saber se as quantias que constam materialmente apostas nos documentos que suportam a quantificação que se fez dos danos, têm ou não cabimento no conceito jurídico do dano indemnizável, e integram portanto a obrigação de indemnizar a cargo da seguradora. Os factos provados repercutem, no essencial, o conteúdo dessa documentação, a qual contém a referência expressa ao imposto.
Vejamos. Os orçamentos de suporte (doc fls. 17 e 315 e doc fls. 192 a 193) assim retratam, autonomizando custo propriamente dito e imposto; e a factura (esta, de aquisição do bem agora estragado) igualmente (doc fls. 18 e 316).
A transposição que se fez, mediante a livre avaliação probatória (artigo 655º, nº 1, do CPC), não se crê, desta forma, merecedora de reparo.
Agora; do que temos as mais fundadas dúvidas é da exclusão da verba do IVA, enquanto custo repercutido no preço, do conceito do dano reparável.

Não conseguimos, assim, acompanhar a jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2009,[23] quando afirma como segura a ideia de que “enquanto não forem apresentadas as facturas relativas aos serviços que o autor [lesado] vai requisitar com vista à reparação dos danos sofridos […] não pode a ré [seguradora] ser obrigada a pagar IVA: é que esta obrigação só nasce com a apresentação das respectivas facturas”.

Com todo o devido respeito – e que é muitíssimo, em particular, pelo Exm.º Conselheiro que o relatou – cremos que o acórdão confunde a relação estritamente jurídico-civilística da prestação do serviço reparador do dano (claro que com repercussão na execução do contrato de seguro e na configuração da prestação da seguradora), com a relação jurídico-tributária, que (apenas) une o prestador à administração fiscal. A obrigação de pagar IVA nasce com a apresentação das facturas, mas (apenas) na esfera do prestador; sendo o lesado perfeitamente alheio a esse vínculo tributário. O lesado paga um valor (ao prestador) tão-só na medida em que ele aparece repercutido no preço, final e global, que tem de suportar para ver o seu dano suprimido; para ele (para o lesado) esse valor, assim repercutido, integra o custo necessário para a eliminação do dano; esta, afinal, a cargo da seguradora que, por contrato, assumira o risco da sua superveniência.

Significa isto, então, o que se segue.

A obrigação de pagar o IVA, a que a seguradora se reporta, é do transmissário do bem ou do prestador do serviço; por conseguinte, obrigação perfeitamente alheia, na hipótese, quer à lesada (segurada), quer à apelante (seguradora).

O preço que retrata a reparação do dano (a concretização do risco segurado) arrasta – é certo – consigo uma quantia (aí repercutida), que traduz o segmento do imposto que o sujeito passivo está adstrito de fazer chegar à administração ao fiscal; mas, como tal, e na óptica do consumidor, mais não significa precisamente que uma porção do custo total que é necessário despender para conseguir o bem ou serviço (na hipótese, para atingir a reposição statu quo ante).

Em suma, é tudo encargo necessário para conseguir a restauração.

Não cremos que valha também, com suficiente constância, o argumento da mutabilidade da taxa de incidência.[24] Cremos relevar aqui a distinção entre reconstituição natural e indemnização em dinheiro a que precedentemente já nos referimos. Obviamente que a supremacia é da primeira; que, a ocorrer, envolverá a repercussão da taxa de imposto que vigore quando se proceda à tarefa restaurativa; e que, se empreendida directamente pela seguradora, assumptora do risco, a cobrirá junto do executante material da tarefa, procedendo (apenas) à entrega do bem atingido pela lesão, já reposto e restaurado, ao lesado, seu segurado. Mas nem sempre tem lugar a restauração in natura, como sabemos; e, nessa hipótese, de reparação substitutiva por via pecuniária, importa determinar, definir com clareza e encontrar com algum critério, disciplina e mínimo de segurança, o que seja a verba ajustada à máxima aproximação restaurativa. Em regra, tender-se-á a uma entrega pecuniária que permita precisamente realizar a reparação, a reposição no statu quo ante à lesão – é sempre esse o sentido de supressão do efeito lesivo de um sinistro.

A realidade é que a indemnização em dinheiro é sempre substitutiva.

E por isso, impondo-se a fixação de um valor, traçam-se critérios legais ajustados a permitir a máxima aproximação à restauração total. E a eles já antes nos referimos; concretizar e suprir a falha entre a situação real e hipotética do lesado na data mais recente que puder ser atendida (artigo 566º, nº 2); ou, no limite, o recurso à equidade, ao que parecer apropriado e justo (artigo 566º, nº 3).

Semelhantemente cremos se dever dizer quanto ao valor de IVA.

Relegar para futuro o encargo do imposto, que é inequívoco pertencer à seguradora, para quando a lesada o viesse a suportar, e à taxa que ao tempo viesse a estar em vigor era, neste incidente de liquidação do dano, continuar sem o liquidar (ao menos, nessa parte).

De notar, na hipótese dos autos, que há pelo menos um dano que já gerou facturação; o da estante estragada que, aquando da sua aquisição, comportara 19% de IVA (cit doc fls. 18 e 316); sendo portanto justo que a reparação do seu estrago englobe, também agora, esse valor (já antes) dispendido pela lesada, sua dona.
Em suma; não deixando a incidência do imposto de ser encargo constitutivo, necessário à restauração do dano, e que tem de se suportar para esse efeito; necessária que é a fixação de uma verba concreta que reflicta, o mais aproximadamente possível, e em forma monetária, a reparação desse dano, parece equilibrado, depois de apurado todo o custo propriamente dito reportado à data do encerramento da discussão, fazer também, por reporte à mesma data, a incidência do IVA, à taxa então em vigor – no fundo, tudo o que os autos já reflectem.

Assim se encontrando uma verba indemnizatória concreta e final.
A qual, na hipótese, reduzida da convencionada franquia.
[25]
Concluímos então que integra o cômputo exacto da indemnização pelo dano, quando esta haja de ser fixada numa quantia em dinheiro, a importância concernente ao IVA, necessário suportar para a efectiva tarefa restaurativa ou reparadora que se imponha.
Por conseguinte, e por todo o exposto, que improcede a apelação.
5. A apelante seguradora decaiu no recurso; em consequência, suportará as custas concernentes (artigo 446º, nº 1 e nº 2, do CPC).


No segundo aresto indicado (Ac. TRL, de 09/06/2022, proc. N.º 11165/18.5T8LRS.L2-6) segue-se a mesma orientação, fundamentando-se a decisão assim:

A liquidação do IVA está sujeita às regras do CIVA e obedece a normas específicas quanto a incidência objectiva e subjectiva e a taxas aplicáveis.

Dessas normas resulta desde logo que o devedor tributário é, no caso, o prestador de serviços – artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA. A relação tributária estabelece-se entre o obrigado (no caso a entidade que fizer as reparações) e o Estado, do que resulta que as partes nesta acção são inteiramente alheias, nessa sua qualidade, à relação tributária[3].

Todavia, em sede de liquidação da obrigação não é a liquidação da obrigação tributária que está em causa, antes o é a determinação do montante adequado à reparação do dano, o qual tem de considerar as quantias que o lesado tem de despender com a reparação. Ora, na perspetiva de reparação do dano é indiferente que essas quantias hajam de ser despendidas na aquisição de materiais, no pagamento de mão de obra ou no pagamento do IVA devido. Interessa é que o lesado as tenha de despender e a medida é a do artigo 663.º, n.º 1, do Código Civil.”

Idêntica posição se encontra no aresto do TRG de 12/11/2020, fundamentando-se a decisão assim:

“O IVA é um imposto geral sobre o consumo, que incide sobre as diversas fases de um circuito económico, desde o momento da sua produção até à venda ao seu consumidor final. Na acepção do artigo 1.º n.º 1 do CIVA, estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as aquisições intracomunitárias de bens.

Sendo um imposto de natureza indirecta, a sua base de incidência objectiva centra-se em qualquer operação onerosa de transmissão de bens ou de prestação de algum serviço, realizada por um sujeito passivo agindo como tal. Já a sua incidência subjectiva opera em relação, em geral, na pessoa que opere o acto comercial como transmitente do bem ou prestador do serviço tributável.../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDÊNCIA 2011-2012/Dr. Ilídio Martins/Rec 30 Maio/1981_04.doc A exigibilidade do imposto gera-se com o respectivo facto gerador que, se importar obrigação de emitir factura, tem lugar com a emissão dela. É naturalmente ao respectivo su-jeito passivo que compete a obrigação de entregar na administração fiscal o montante do imposto exigível. A importância do imposto liquidado é, por regra, adicionada ao valor da factura, para efeitos da sua repercussão no preço final e exigência aos adquirentes das mercadorias ou utilizadores dos serviços (cfr. artigos 2º, 7.º, 8.º, 27.º e 37.º do Código do IVA).

Incidindo sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços é, pois, evidente a existência de um nexo sinalagmático. Assim, à excepção de determinados casos particulares em que se tributam prestações de serviços ou transmissões de bens efectuadas a título gratuito (cfr. artigo 3.º n.º 3 alínea f) e artigo 4.º n.º 2 alínea b) do CIVA), o conceito de onerosidade é essencial para definir o âmbito de incidência deste imposto.

Em contraposição, tem-se entendido que, o pagamento de uma indemnização constitui um facto não sinalagmático, não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontrasse adstrito, nascendo ex novo no momento em que é causado o dano.

Acontece que nas chamadas figuras “híbridas” que são vulgarmente designadas de indemnizações, em regra geral, são operações tributáveis, pelo facto de constituírem contrapartidas de uma transmissão de bens ou prestação de serviços.

Assim, tem-se entendido que no caso de reparações efectuadas por outra entidade que não o beneficiário da indemnização, se está perante uma prestação de serviços, pelo que o reparador deverá liquidar IVA pelo valor da reparação, quer a emita em nome do segurado, quer a emita em nome da companhia (neste sentido veja-se a Tese de Pós-Graduação em Direito Fiscal de Ana Rita Costa Machado de Maio 2011).

Nesta perspectiva o Ac.RC, de 16.3.2016, publicado in Blook.pt, considerou que “(…) o facto de a reparação não ter ainda sido efetuada não impede a condenação em IVA. Pois que, legalmente, aquando da efectivação desta, este imposto tem, necessariamente, de ser cobrado”.

Para além do mais, acresce que a relação jurídica negocial, que constitui facto tributário, se gera estritamente nas esferas civis dos respectivos contraentes, e com estritos efeitos nessa área, dado que o que ocorre é a obrigação de pagar o preço (artigo 879º, alínea c), do CC) ou o vínculo de remunerar o serviço (artigos 1156º e 1167º, alínea b), do CC), e, não mais do que isso, ou distinto disso.

Já a relação tributária do imposto, propriamente dita, gera-se exclusivamente, entre o vendedor do bem ou transmitente do serviço, por um lado, e a administração fiscal.

No presente caso o vínculo que onera a ré seguradora consiste numa obrigação de indemnizar sustentada na existência de um contrato de seguro de dano cujo risco precisamente se concretizou em prejuízos na esfera da segurada (autora).

A segurada, ao ajustar o seguro, prosseguiu o seu interesse na salvaguarda de uma situação patrimonial própria de concretos bens que se achavam expostos ao risco; e é esse o estado de facto que importa repor.

Aqui fundamentalmente o que está em causa é a restauração natural e a subsidiariedade da indemnização em dinheiro, devendo esta, quando aplicável, retratar um valor económico que represente a integridade do património coberto, sem dano.

No âmbito desse chamado princípio indemnizatório, o que se visa é a reposição da esfera lesada como existiria sem a perca derivada do facto lesivo, ou seja, o vínculo indemnizatório há-de sempre tender a conseguir “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562º do Código Civil). E se a indemnização for em dinheiro, não havendo outra disciplina, ela terá “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).

Este regime vale, como regra, quanto aos seguros de danos (cfr. José Vasques, in ‘Contrato de seguro’, 1999, pág. 264), na medida em que o montante da indemnização pecuniária a entregar ao segurado se há-de medir pela diferença entre a situação real dele (atingido pela lesão) e a hipotética (que teria sem a perca suportada); sendo a data para aferir dessa medida diferencial, na hipótese judicial, via de regra, a do encerramento da discussão na primeira instância (artigo 663º, nº 1, do CPC) – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, páginas 582 a 584.

Sob este prisma, não acompanhamos a jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2009, proferido no proc.º nº 254/07.TBSJM.S1 e publicado no sítio www.dgsi.pt, ao defender que “enquanto não forem apresentadas as facturas relativas aos serviços que o autor [lesado] vai requisitar com vista à reparação dos danos sofridos […] não pode a ré [seguradora] ser obrigada a pagar IVA: é que esta obrigação só nasce com a apresentação das respectivas facturas”.
Ao contrário, posicionamo-nos a par do que foi perfilhado no Ac.RL, no proc. 1981/04.0YXLSB.L1-7, de 15-05-2012, tendo como relator Luís Lameiras, publicado na dgsi, ao defender que não se pode “confundir a relação estritamente jurídico-civilística da prestação do serviço reparador do dano (com repercussão na execução do contrato de seguro e na configuração da prestação da seguradora), com a relação jurídico-tributária, que (apenas) une o prestador à administração fiscal.
A obrigação de pagar IVA nasce com a apresentação das facturas, mas (apenas) na esfera do prestador; sendo o lesado perfeitamente alheio a esse vínculo tributário. O lesado paga um valor (ao prestador) tão-só na medida em que ele aparece repercutido no preço, final e global, que tem de suportar para ver o seu dano suprimido; para ele (para o lesado) esse valor, assim repercutido, integra o custo necessário para a eliminação do dano; esta, afinal, a cargo da seguradora que, por contrato, assumira o risco da sua superveniência (…). A obrigação de pagar o IVA, a que a seguradora se reporta, é do transmissário do bem ou do prestador do serviço; por conseguinte, obrigação perfeitamente alheia, na hipótese, quer à lesada (segurada), quer à apelante (seguradora).
O preço que retrata a reparação do dano (a concretização do risco segurado) arrasta – é certo – consigo uma quantia (aí repercutida), que traduz o segmento do imposto que o sujeito passivo está adstrito de fazer chegar à administração ao fiscal; mas, como tal, e na óptica do consumidor, mais não significa precisamente que uma porção do custo total que é necessário despender para conseguir o bem ou serviço (na hipótese, para atingir a reposição statu quo ante).

Em suma, é tudo encargo necessário para conseguir a restauração (...).

Em suma; não deixando a incidência do imposto de ser encargo constitutivo, necessário à restauração do dano, e que tem de se suportar para esse efeito; necessária que é a fixação de uma verba concreta que reflicta, o mais aproximadamente possível, e em forma monetária, a reparação desse dano, parece equilibrado, depois de apurado todo o custo propriamente dito reportado à data do encerramento da discussão, fazer também, por reporte à mesma data, a incidência do IVA, à taxa então em vigor – no fundo, tudo o que os autos já reflectem. Assim se encontrando uma verba indemnizatória concreta e final”.

Finalmente, é de referir ainda o Ac TRP de 24/10/2022, proc. N.º 2015/21.6T8STS.P1, onde se lê:

“Finalmente, insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida por entender que a indemnização não pode incluir o IVA correspondente ao custo da reparação.
Também não se pode reconhecer razão à recorrente.
Não oferece dúvida que no direito civil a obrigação de indemnização visa reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (v. artigo 562º do CC).

Se a indemnização for em dinheiro, como sucede no caso dos autos, terá “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” - art. 566º, nº 2, do CC.

Em princípio, este é o regime aplicável aos seguros de danos (v. artigos 123º e segs., em especial o art. 128º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro – Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril), sendo precisamente essa a natureza do seguro dos autos.
O IVA é um imposto geral sobre o consumo e tem natureza indirecta, incidindo sobre as diversas fases do circuito económico.

Em termos de incidência objectiva, na parte relevante para os autos, segundo o artigo 1º, nº 1, al. a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), estão sujeitas a este imposto “as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”.

No que respeita à sua incidência subjectiva, regulada principalmente no artigo 2º do CIVA, é sujeito passivo do imposto, em geral, a pessoa que opere o acto comercial como transmitente do bem ou prestador do serviço tributável.

O imposto torna-se exigível logo que verificado o facto gerador (arts. 7º e 8º do CIVA) e é ao respectivo sujeito passivo que compete a obrigação de entregar na administração fiscal o montante do imposto exigível (art. 27º do CIVA).

No caso dos autos, tendo os Autores necessariamente que contratar uma terceira entidade para realizar a reparação dos danos resultante do sinistro ocorrido, quando for prestado o respectivo serviço ser-lhe-á exigido, por devido face ao disposto nos artigos 1º, nº 1, al. a), 7º, nº1, al. b), 8º e 27º, todos do CIVA, o montante correspondente ao IVA.

Ora, se os Autores têm de entregar à pessoa que vier a efectuar a reparação, tanto a quantia correspondente à contrapartida devida pela prestação do serviço, como o valor do IVA liquidado sobre aquela retribuição, é óbvio que a indemnização do respectivo dano engloba o montante daquele imposto.

Trata-se de um valor que será necessariamente cobrado futuramente aos Autores e estes têm de ter a disponibilidade financeira para o suportar, pelo que se integra ainda no conceito de dano decorrente do sinistro (v. artigo 128º do RJCS), indemnizável ao abrigo do contrato de seguro.

O dano não será reparado se a respectiva indemnização não integrar o custo total que os segurados, enquanto consumidores (na qualificação fiscal/tributária), terá que despender com a prestação do serviço (ou a aquisição do bem). E no custo total está integrada uma parcela, regra geral de 23% sobre a contrapartida devida pela prestação do serviço, correspondente ao imposto que será exigido pelo prestador do serviço aos Autores.
Ao contrário do sustentado pela Recorrente, a questão coloca-se a montante da relação tributária, que se estabelece entre o prestador do serviço (ou o transmitente do bem) e a Autoridade Tributária e Aduaneira, logo no âmbito da relação jurídica civil, resultante do contrato de seguro, na medida em que a indemnização tem que contemplar o necessário para alcançar a reparação do dano, em termos de reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Assim, no âmbito da concretização da prestação devida pela seguradora, tem que ser considerado o valor global que os Autores irão despender com a reparação dos danos, o que necessariamente inclui o valor que lhes será exigido a título de IVA. Sem a atribuição desse valor global a reposição ou restauração patrimonial não são atingidas[15].”

20. Assim, para responder à questão suscitada no presente recurso na parte relativa ao dano e ao IVA impõe-se considerar o seguinte:

a. o vínculo indemnizatório há-de sempre tender a conseguir “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562º do Código Civil).

b. E se a indemnização for em dinheiro, não havendo outra disciplina, ela terá “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (artigo 566º, nº 2, do Código Civil);

c. No vínculo que para a seguradora sobrevenha, a partir do facto gerador do dano, o montante da indemnização pecuniária a entregar ao segurado há-de medir-se pela diferença entre a situação real dele (atingido pela lesão) e a hipotética (que teria sem a perca suportada);

d. E essa medida não deve ser avaliada por considerações relativas à relação/situação tributária da empresa/sujeito que recebe a indemnização, porque esse elemento é apenas relevante na relação tributária entre a empresa/sujeito em causa e a autoridade tributária, estranha à relação do lesado com a seguradora responsável.

Assim acontece porque:

- O IVA é um imposto de natureza indirecta.

- A sua base de incidência objectiva comporta-se, ao que mais nos importa, em qualquer operação onerosa de transmissão de bens ou de prestação de algum serviço, realizada por um sujeito passivo agindo como tal.

- A sua incidência subjectiva comporta-se, em geral, na pessoa que opere o acto comercial como transmitente do bem ou prestador do serviço tributável.

- A exigibilidade do imposto gera-se com o respectivo facto gerador que, se importar obrigação de emitir factura, tem lugar com a emissão dela.

- É naturalmente ao respectivo sujeito passivo que compete a obrigação de entregar na administração fiscal o montante do imposto exigível.

- A importância do imposto liquidado é, por regra, adicionada ao valor da factura, para efeitos da sua repercussão no preço final e exigência aos adquirentes das mercadorias ou utilizadores dos serviços.

- O valor do imposto, porque repercutido no preço final do bem ou serviço, representa sempre o custo económico do adquirente final; a remuneração completa ou a retribuição correspectiva, próprias da aquisição do bem ou da prestação do serviço, arrecada sempre o volume global pecuniário constituído na soma dos dois segmentos (preço de custo, propriamente dito, e IVA).

-A relação jurídica negocial, que constitui facto tributário, se gera estritamente nas esferas civis dos respectivos contraentes, e com estritos efeitos nessa área; quer dizer, entre esses não ocorre qualquer facto de índole fiscal, de alcance tributário ou semelhante – concernente à parte remuneratória, em particular, o que há é, relativamente à retribuição global, a obrigação de pagar o preço (artigo 879º, alínea c), do CC) ou o vínculo de remunerar o serviço (artigos 1156º e 1167º, alínea b), início do CC); não mais do que isso, ou distinto disso.

-A relação tributária do imposto, propriamente dita, gera-se exclusivamente, entre o vendedor do bem ou transmitente do serviço, por um lado, e a administração fiscal, pelo outro; com o significado de o vínculo debitório do imposto devido incidir na esfera jurídica (tão-só) daquele; perfeitamente alheada à do seu adquirente ou transmissário.

- O artigo 19º, nº 1 do CIVA ao estabelecer que para apuramento do imposto devido ao Estado os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram o valor do imposto devido ou pago pela aquisição de bens e/ou serviços a outros sujeitos passivos, desde que essas operações caibam nas previsões do artigo 20º daquele Código, constitui uma regra relativa à relação tributária, que não deve influir na relação indemnizatória no caso do seguro de dano em que o lesado tenha de contratualizar com terceiros a aquisição de bens ou serviços e pagar o IVA dos mesmos, a fim de repor a situação em que estaria se não tivesse ocorrido o dano.

- Se a Autora tem de entregar à pessoa que efectua a reparação, tanto a quantia correspondente à contrapartida devida pela prestação do serviço como o valor do IVA liquidado sobre aquela retribuição, a a indemnização do respectivo dano engloba o montante daquele imposto. Trata-se de um valor que será necessariamente cobrado futuramente à Autora e esta tem de ter a disponibilidade financeira para o suportar, pelo que se integra ainda no conceito de dano decorrente do sinistro (v. artigo 128º do RJCS), indemnizável ao abrigo do contrato de seguro.

- sendo uma seguradora obrigada a pagar aos segurados o montante do IVA que estes tenham a possibilidade de deduzir, isso põe em causa os princípios e a ratio leges daquela modalidade de seguro, nem consubstancia um enriquecimento ilícito e sem causa do lesado/segurado à custa do responsável pelo pagamento da indemnização, nem se podendo transformar num esquema de enriquecimento ilegítimo, que a lei proíbe e não pode permitir, até porque a própria seguradora que paga o IVA também estará sujeita a regras de natureza tributária – na própria relação tributária com a Autoridade tributária – em que o regime de dedução do IVA por si pago tem possibilidade de ser actuado, dentro dos circunstancialismos definidos nas leis tributárias;

- sem o pagamento do IVA a situação em que o lesado se encontrava antes da lesão não estará integralmente restaurada, porque não é colocado na situação de poder substituir o bem danificado sem incorrer no pagamento do IVA.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Abril de 2024

Fátima Gomes (relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira

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1. Sendo que na sentença a condenação no pagamento do Iva foi questão afrontada, tendo-se entendido que o IVA era devido.