DUPLA CONFORME
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
SEGMENTO DECISÓRIO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
OBJETO DO RECURSO
REVISTA EXCECIONAL
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Sumário


O disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 684.º do Código de Processo Civil exclui do regime do recurso de revista a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de questões (indevidamente) não apreciadas pela Relação, causando a sua nulidade por omissão de pronúncia.

Texto Integral


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. No âmbito da execução para cobrança da quantia global de € 1.688.093,38 movida por Caixa Geral de Depósitos, S.A., contra C.R.V.G-Gestão de Imóveis, Lda., na qualidade de proprietária de duas fracções autónomas (AE e R) de imóvel hipotecado em garantia de crédito então concedido a S..., Lda, a executada deduziu embargos e oposição à penhora. Os fundamentos dos embargos foram “inexistência e inexequibilidade do título” e, subsidiariamente, “incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda”, prescrição do crédito, divisibilidade da hipoteca e consequente redução “para a quota-parte do valor em dívida assegurado pelo averbamento da hipoteca nas fracções da executada” – € 67.060,00 para a fracção R e € 6.240,00 para a fracção AE – e abuso de direito. A embargante pediu ainda a condenação da exequente por litigância de má fé.

A exequente contestou, sustentando a improcedência dos embargos e esclarecendo o cálculo dos montantes em dívida.

Após diversas vicissitudes – das quais se salienta a alegação da nulidade da hipoteca, na audiência prévia –, os embargos foram julgados parcialmente procedentes no despacho saneador, nestes termos:

“a) Determino a redução da quantia exequenda a pagar pelo produto da venda das frações autónomas da propriedade da executada embargante aos montantes globais de € 67.060,00 (sessenta e sete mil e sessenta euro), quanto à fração R, e € 6.240,00 (seis mil, duzentos e quarenta euro), quanto à fração AE,

b) Julgando, quanto ao remanescente, os embargos improcedentes.

c) Julgo improcedente o pedido de condenação da exequente como litigante de má fé”.

Para assim decidir, tendo apenas em conta o que agora releva – “A redução da quantia garantida pelas frações da embargante, pela divisibilidade da hipoteca” –, o tribunal entendeu, em suma, (1) que resultava dos factos provados que “a exequente renunciou à indivisibilidade da hipoteca ou, com o mesmo efeito, acordou, mesmo expressamente, na sua divisibilidade”; (2) que, não tendo sido acordado o critério de concretização da divisibilidade, “para cálculo do valor necessário à extinção parcial da hipoteca”, cada imóvel ou fracção autónoma responde “pela dívida em função do respetivo valor/permilagem”; (3) que, no caso concreto, considerando que a hipoteca inicial incidia sobre mais do que um imóvel que, posteriormente, vieram a “dar lugar a quatro imóveis, cada um deles constituído em propriedade horizontal (…), a interpretação/integração das declarações negociais relativas à divisibilidade tem de considerar um raciocínio lógico, de certa forma orientado pelos ditames da boa fé e pela equidade, que passa, em primeiro lugar, na falta de outros elementos, por considerar a hipoteca incidente sobre cada um dos quatro imóveis constituídos em propriedade horizontal, numa repartição que tenha em conta a área de cada um; depois, passa por, dentro do valor de cada imóvel assim apurado, repartir o mesmo pela permilagem de cada fração, assim se achando o valor imputável a cada uma”.

Ambas as partes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, a embargada, a título principal e a embargante, subordinadamente.

A Relação, que negou provimento aos dois recursos (“Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedentes os recursos, confirmando-se a decisão recorrida”), definiu os respectivos objectos da seguinte forma:

“A) Recurso principal da embargada CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A

- houve renúncia expressa ou tácita à indivisibilidade da hipoteca.

B) Recurso subordinado da embargante CRVG-GESTÃO DE IMÓVEIS, LD

- existe manifesta falta ou insuficiência do título executivo;

- com base na conta corrente em que a soma dos montantes recebidos é superior ao valor do empréstimo e/ou ao valor máximo que a hipoteca garante e também superior ao valor dos créditos que a embargada reclamou em sede de processo de insolvência se pode concluir que a dívida exequenda se encontra paga;

- a obrigação exequenda se encontra prescrita por se lhe aplicar o prazo de cinco anos, nos termos do disposto no artigo 310º al. e do C. Civil;

- a recorrida deve ser condenada como litigante de má-fé.”

2. A embargada Caixa Geral de Depósitos, S.A., interpôs recurso de revista excepcional.

Nas alegações que apresentou, formulou as conclusões seguintes:

«1. O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto não se pronunciou sobre todas as questões colocadas pela recorrente, designadamente sobre as seguintes as conclusões 19 e 20 do seu recurso de apelação: “19.Mesmo que assim não se entendesse, sempre em qualquer caso, devia o Tribunal ‘a quo’ no valor a imputar a cada fração ter tido em conta o montante total da dívida e, consequentemente, a sua responsabilidade devia ter sido apurada com referência à proporcionalidade dentro do conjunto das frações ainda abrangidas pela hipoteca segundo uma regra de três simples: se o conjunto da permilagem das frações responde pela totalidade do crédito ainda em dívida então a permilagem de cada uma das frações corresponde a parte desse crédito”.

20.Aplicando este critério ao caso concreto, teremos que as duas frações AE e R devem responder até aos valores de € 66.081,95 e de 736.913,84, respetivamente.”

2. Consequentemente, padece o acórdão recorrido da nulidade por omissão de pronúncia, nos termos artigo 615-1-d), primeira parte, ex vi 674-1-c), ambos do CPC;

3. Contrariamente ao entendimento da decisão recorrida, não há que dividir proporcionalmente o montante máximo da hipoteca pela área total de todos os imóveis inicialmente hipotecados;

4. Pelo contrário, e conforme foi decidido no acórdão do STJ supra citado, deve-se em primeiro lugar obter a permilagem de cada fração não distratada em relação ao montante máximo garantido pela hipoteca e repartir então a totalidade do crédito em dívida pela permilagem de cada uma delas;

5. Logo, como a hipoteca da CGD atualmente apenas incide sobre 5 frações com uma permilagem total de 84,3 e como a quantia em dívida à recorrente CGD ascende ao total de €1.688.093,38, as frações AE e R pertencentes à recorrida responderão até ao montante de € 66.081,95 e de € 736.913,84, respetivamente, sob pena de violação dos artigos 686º e 818º, do C. Civil

6. Por todo o exposto, por erro de interpretação e aplicação, violou a decisão recorrida os preceitos legais supracitados e demais disposições legais citadas no presente recurso.

7. Face à simplicidade da causa requer-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas processuais.

Deverá, assim, ser dado provimento ao presente recurso e, como tal, revogada a decisão recorrida».

A embargante contra-alegou, sustentando o acórdão recorrido e a inadmissibilidade da revista excepcional, concluindo desta forma:

«I. Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respetivas posições, na defesa das teses em presença.

II. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui.

III. Quando o tribunal, embora não esmiuce toda a argumentação das partes, resolve a concreta questão, não se pode falar em omissão de pronúncia.

IV. O Tribunal da Relação do Porto considerou que a indivisibilidade da hipoteca era questão cerne daquele recurso.

V. O Acórdão proferido responde ao exposto nas conclusões 19 e 20 do recurso, uma vez que a Recorrente defende que o valor a imputar a cada fração deve ter em conta o montante total de divida e que a sua responsabilidade deve ser apurada com referência à proporcionalidade dentro do conjunto das frações ainda abrangidas pela hipoteca.

VI. Enquanto o Acórdão é claro em afirmar que a satisfação do crédito ao adquirente de uma das frações deve ser efetuada na proporção da permilagem desta, ou seja, o pagamento da parte proporcional, em função da permilagem, do respetivo crédito, pronunciando-se, assim, sobre a questão dos valores apurados para cada uma das frações aqui em causa.

VII. No demais, aderiu ao modo de cálculo já detalhadamente enunciado na sentença da 1. a instância, com ele, concordando integralmente.

VIII. A Recorrente pode manifestar a sua discordância com o ponto de vista defendido pelo Tribunal da Relação, mas uma coisa é discordar de uma posição assumida de forma expressa, patente, clara, e com ela não estar em consonância, outra coisa é, por se discordar da mesma, invocar que houve uma omissão de pronúncia, o que sucede no caso sub judice.

IX. Não se encontra verificada a nulidade por omissão de pronúncia invocada pela Recorrente, nos termos do artigo 615° n° 1 d) e 673° n° 1 c) do CPC, razão pela qual, terá forçadamente de improceder tal arguição.

X. Quanto à questão da contradição de acórdãos é de ressalvar que na própria sentença da 1.a instância se explicita fundamentadamente o motivo pelo qual discordava da posição contida no Acórdão do STJ de 11-03-2021 e a razão pela qual não era de se aplicar ao caso dos autos.

XI. A decisão de 1.a instância, corroborada pela decisão do Tribunal da Relação, cita o próprio Acórdão do STJ porquanto para apurar o montante em débito é sempre necessário utilizar os critérios que sejam adequados ao caso concreto.

XII. Tanto o acórdão do STJ de 11-03-2021 como o acórdão recorrido entendem que é possível a divisibilidade da hipoteca por renuncia tácita do credor hipotecário.

XIII. Ambos os acórdãos se encontram consentâneos quanto à posição jurídica sufragada, não havendo vestígios de qualquer contrariedade.

XIV. A única questão em dissonância é o critério e/ou modo como o Tribunal decide apurar os valores das frações dada a divisibilidade da hipoteca, mas esta não poderá ser considerada uma questão fundamental de direito, até porque não existe legislação que a regule em concreto e parece-nos evidente que estará sempre dependente do circunstancialismo do caso concreto.

XV. Uma vez assente o acordo expresso ou tácito quanto à divisibilidade da hipoteca, sem que as partes tenham estabelecido outro critério para a sua concretização, sempre as regras da integração dos negócios jurídicos imporiam considerar, de acordo com a presumida vontade das partes no que respeita ao ponto omisso ou de acordo com os ditames da boa-fé, nos termos do art. 239.° do Código Civil.

XVI. O Acórdão do STJ, também é concludente em expressar que "haverá desde logo que ter em conta que pela ‘natureza das coisas', o cálculo do montante da divida garantido por cada fração autónoma sempre padecerá de alguma aleatoriedade”.

XVII. Refere também, de forma clara, que há vários critérios elegíveis para determinar o quantum da divisibilidade.

XVIII. Em todas as decisões o modo de cálculo é efetuado de acordo com a factualidade apresentada no caso concreto e só com base nesta é que se decide tendo em conta o método mais adequado e proporcional para o cálculo dos valores das frações.

XIX. Ao contrário do que a CGD – aqui recorrente – pretende fazer crer, não existe qualquer contradição entre o fundamento jurídico utlizado em ambos os acórdãos; O que difere é o modo de cálculo e esse parece-nos, salvo melhor opinião, que está na disponibilidade de quem julga a causa adequá-lo às circunstâncias concretas apuradas no caso e conjugá-lo com o principio da equidade, da boa-fé e da interpretação das declarações negociais.

XX. O Acórdão do STJ não é vinculativo, nem no que toca ao modo de cálculo, nem ao critério especifico para apurar o quantum da divisibilidade da hipoteca; Essa questão nem sequer vem referido no sumário do acórdão pois a questão jurídica fundamental desse acórdão é, ao invés, apurar se existiu ou não existiu uma renúncia tácita à indivisibilidade da hipoteca.

XXI. A questão fundamental de direito em ambos os acórdãos, é exatamente a mesma – renúncia tácita à indivisibilidade da hipoteca – e consagram ambos a mesma solução considerando que existe um acordo tácito de renúncia à hipoteca.

XXII. E se é certo serem diversos os métodos e critérios de cálculo do quantum de divisibilidade da hipoteca alcançadas num e noutro processo, a verdade é que essa diferença resulta apenas e tão só da circunstância de, em face do conjunto dos factos dados como provados no caso do "acórdão fundamento", e de, no caso do acórdão recorrido, as quantias em dívida, a quantidade de frações, serem diferentes e por isso diferentes também fórmulas e/ou critérios utilizados para o cálculo do valor das frações.

XXIII. Obrigar-se a que todos os julgadores seguissem unicamente o critério definido pelo Supremo Tribunal de Justiça num caso concreto especifico, seria totalmente incoerente e levaria a decisões desproporcionais.

XXIV. Aliás, o acórdão recorrido não violou, nem afrontou minimamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pois, o que o Recorrente alega não é considerada uma questão fundamental de direito, não havendo legislação que determina o modo de calcular o quantum de divisibilidade de uma hipoteca, e nem poderia haver, pois estarão sempre em causa fatores e critérios atinentes às partes, aos contratos, etc. Aliás,

XXV. A questão que a recorrente levanta (o cálculo do valor pelo qual cada fração irá responder) não é uma questão que encontre sequer suporte nas normas jurídicas citadas com fundamento no recurso – artigos 686.° e 818.° do CC

XXVI. Não tendo o Recorrente cumprido os pressupostos exigidos pelo artigo 672°, n° l, al., c), ou seja, não se verificando a contradição entre o acórdão da Relação e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, impõe-se a não admissão da presente revista excecional. (Cfr. Ac. proferido pela 7.a secção Civel do STJ, em 10-12-2020, Processo 5635/17.0T8GMR-C.G1.SI, disponível em www.dgsi.pt)

Nestes termos, e nos mais de direito que V. as Ex.as. doutamente suprirão, deve:

a). Improceder, in totum, a nulidade invocada quanto à omissão de
pronúncia;

b.) Ser recusado o presente recurso de revista excecional, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 672, n° 1 do CPC, mantendo-se assim a douta decisão recorrida.

Assim decidindo, far-se-á Justiça.»

O Tribunal da Relação do Porto proferiu novo acórdão, indeferindo a arguição de nulidade por omissão de pronúncia: «Se bem atentarmos as questões suscitadas enquadram-se perfeitamente nesta ordem de ideias [distinção entre questões e argumentos apresentado para as sustentar] já que se entendem como meros argumentos de uma questão que o tribunal resolveu noutro sentido que o propugnado pela recorrente.»

O recurso foi admitido nestes termos: «Porque legal, tempestivo e haver legitimidade na admissão do recurso, subam os autos ao STJ nos termos e para os efeitos legais.»

Os factos agora relevantes constam do relatório.

3. Das conclusões das alegações da recorrente resulta que o objecto do recurso, interposto como revista excepcional, comporta as seguintes questões:

– Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia;

– Critério a seguir para a determinação do montante pelo qual responde cada uma das fracções AE e R, abrangidas pela hipoteca, e sua aplicação.

O presente recurso de revista excepcional é interposto no âmbito de uns embargos de executado; a sua admissibilidade afere-se, assim, pelas regras gerais de admissibilidade da revista, como decorre do artigo 854.º do Código de Processo Civil.

Sendo interposto de um acórdão da Relação que conheceu do mérito da causa, encontra-se preenchida a previsão do n.º 1 do artigo 671.º do mesmo Código; mas tendo o acórdão recorrido confirmado a sentença, sem voto de vencido, coloca-se a questão de saber se ocorre a dupla conformidade de decisões das instâncias, simultaneamente um obstáculo à admissibilidade de revista por via “normal” (n.º 3 do artigo 671.º) e pressuposto de admissibilidade de revista excepcional (citado n.º 3 do artigo 671.º e artigo 672.º do Código de Processo Civil).

Transpondo para o presente recurso o critério de aferição da dupla conformidade aprovado pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2022, de 20 de Setembro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 545/23.2TBLSD.P1.S1-A, e conjugando-o com o n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, do qual resulta que as conclusões do recurso delimitam o seu objecto, verifica-se que o objecto do presente recurso coincide com a questão que a recorrente alega que o acórdão recorrido deixou indevidamente de conhecer, o que obriga, desde logo, a interpretá-lo e a verificar se esse não conhecimento provoca a sua nulidade ou se, tal como o segundo acórdão do Tribunal da Relação do Porto entendeu, respeita apenas à não apreciação de um argumento relativo à questão da divisibilidade/indivisibilidade da hipoteca. Ou se, ainda que se trate de questão a conhecer, se pode considerar-se incluída na confirmação da decisão recorrida com que o acórdão recorrido da Relação termina; e, sendo afirmativa a resposta, se essa confirmação se deve estender à fundamentação adoptada na sentença, uma vez que o Código de Processo Civil de 2013 veio considerar só ocorrer dupla conforme se a fundamentação seguida pela Relação não for essencialmente diferente da que a sentença apresentou.

Ora, da respectiva interpretação, tendo como elemento essencial a delimitação do objecto da apelação interposta pela embargada, resulta que o acórdão recorrido considerou não o integrar a questão que constitui o objecto da presente revista – como, aliás, o segundo acórdão da Relação confirma.

Diverge-se do acórdão recorrido quanto ao entendimento de que a não apreciação das conclusões 19.º e 20.º das alegações corresponda apenas à não apreciação de argumentos, sem consequência no plano da validade do acórdão recorrido; a divergência manifestada pela então apelante quanto ao critério de determinação do montante pelo qual respondem as fracções em causa nesta execução não pode ser considerada um argumento relativo à questão da divisibilidade/indivisibilidade da hipoteca a que os autos respeitam. E considera-se, ainda, que essa não apreciação provoca efectivamente a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia – e não, apenas, por falta de fundamentação; note-se, aliás, que, se assim fosse, sempre seria impossível concluir pela inexistência de fundamentação essencialmente diferente e, portanto, pela verificação da dupla conforme, uma vez que o acórdão recorrido nada diz sobre a razão pela qual estaria a confirmar o critério de determinação do montante pelo qual responderiam as fracções em causa nestes autos, uma vez assente a divisibilidade da hipoteca (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 1119/11.8TBALQ.L1.S1, quando entende que “não ocorre ‘dupla conforme’ se a Relação, limitando-se no seu dispositivo a confirmar a sentença da 1.ª instância, omite a análise da questão subjacente” ou de 21 de Janeiro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 268/12.0TBMGD-A.G1.S1, que decidiu no sentido de, por falta de termo de comparação, não se poder dizer se há ou não fundamentação essencialmente diferente entre as decisões das instâncias quando a Relação, julgando nula a sentença, se substituiu ao tribunal recorrido e conheceu do objecto da apelação, nos termos do disposto o artigo 665.º do Código de Processo Civil).

Tendo em conta o objecto da revista e o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 684.º do Código de Processo Civil, que exclui do regime do recurso de revista a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de questões (indevidamente) não apreciadas pela Relação, causando a sua nulidade por omissão de pronúncia – o mesmo sucedendo, aliás, quando se trata de nulidade por falta de fundamentação –, cumpre concluir pela anulação do acórdão recorrido e determinar o envio do processo ao Tribunal da Relação do Porto para que aprecie a questão que lhe foi colocada nas conclusões 19.ª e 20.ª das alegações da apelação interposta pela embargada.

Só após essa apreciação será possível saber se ocorre ou não dupla conforme entre as decisões das instâncias e, portanto, se é ou não caso de remeter o processo à Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

Também só nessa altura se poderá apreciar o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulado pela recorrente.

4. Nestes termos, anula-se o acórdão recorrido e determina-se o envio do processo ao Tribunal da Relação do Porto para que para que aprecie a questão que lhe foi colocada nas conclusões 19.ª e 20.ª das alegações da apelação interposta pela embargada.

Custas do recurso pela recorrida.

Lisboa, 4 de Abril de 2024

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Nuno Pinto de Oliveira

José Maria Ferreira Lopes