PROMESSA PÚBLICA
NEGÓCIO UNILATERAL
PROPOSTA DE CONTRATO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PRESTAÇÃO
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
Sumário


I. Uma promessa pública é um negócio unilateral vinculante; não se confunde com uma proposta contratual, mesmo que esta revista a forma de oferta ao público.
II. Apurar se uma declaração pública obriga o seu emitente à realização da prestação implica começar por interpretar a declaração publicitada.
III. Vale aqui a doutrina consagrada no artigo 236.º do Código Civil, devidamente entendida para uma declaração sem destinatário determinado.
IV. Não pode valer como proposta pública uma declaração que apenas revela a intenção de apresentar propostas contratuais.

Texto Integral

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

I. AA instaurou uma acção contra Novo Banco, S.A., e BB, na qual pediu a condenação solidária dos réus no pagamento de € 195.471,90, acrescidos de juros, vencidos e vincendos, contados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, e a condenação de BB no pagamento de €250.000,00.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter registados na conta bancária, que identifica, aberta junto do réu Novo Banco, S.A.,

“a) Papel comercial emitido pela ES International, S.A. (…) no montante de € 100.000,00 (…), subscrito em 20.08.2013 e com data de reembolso a 29.08.2014 (…);

b) Papel comercial emitido pela ES International, S.A. (…),€ 95.471,90 (…), subscrito em 20.8.2013 e com data de reembolso a 29.08.2014 (…);”

Alegou, ainda, por entre o mais, ter confiado no Novo Banco, S.A., que “assumiu, privada e publicamente,” que tais valores iam ser reembolsados pelo próprio Novo Banco na data do reembolso; que a obrigação assim assumida é “perfeitamente válida e exigível”; que tal responsabilidade “pode ser vista, se quisermos, como uma promessa pública”; que o Novo Banco, S.A., era “”efectivamente responsável pelo reembolso dos títulos em causa”; que, todavia, não foi reembolsado na data do vencimento; que se trata de responsabilidade contratual, “baseada na situação de confiança”; que a responsabilidade decorre igualmente da “violação dos deveres de intermediação, em particular dos deveres de informação (transparência e lealdade)”; que sobre o segundo réu, seu gestor de conta à data dos factos, recai a obrigação de o indemnizar por violação do dever de informação, conduta desleal, desconsideração dos seus interesses; que deve considerar-se excluída dos documentos de subscrição a cláusula, neles incluída “de forma padronizada e discreta”, de que lhe foi solicitada informação sobre os seus “conhecimentos e experiência em matéria de investimento” e de que, nomeadamente, tinha todas as informações necessárias para uma decisão esclarecida e fundamentada.

Ambos os réus contestaram, sustentando que deviam ser absolvidos do pedido, por proceder, quanto ao segundo réu, excepção peremptória de “inexistência de responsabilidade” e, quanto ao réu Novo Banco, para a hipótese de se vir a “pretender-se imputar-lhe uma qualquer responsabilidade pela intermediação financeira, originária do BES, sempre deveria proceder a excepção peremptória inominada de não transmissão dessa responsabilidade”.

A acção foi julgada improcedente no despacho saneador, a fls. 288.

Todavia, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 465, v., anulou o despacho saneador por erro de procedimento, quanto ao réu Novo Banco, S.A.; e confirmou a decisão de absolvição do pedido do réu BB.

Pela sentença de fls. 581, o réu Novo Banco, S.A., foi absolvido do pedido. Em breve síntese, o tribunal entendeu não se verificarem os requisitos para se poder considerar que a “actuação do réu consubstancia uma assunção de dívida e/ou uma oferta pública” como o autor invoca: «Como vimos, as comunicações do NB acima referidas traduzem-se em meras intenções da Administração à data do NB em comprar aos clientes de retalho do Novo Banco o papel comercial da ESI e Rioforte, subscritos na rede de retalho do BES até 14 de fevereiro de 2014 e, nessa medida, assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos seus clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo BES de então. Não se retirando das mesmas que o Réu tenha assumido, depois da Deliberação Resolução do BdP, de 3 de agosto de 2014, a obrigação de reembolso do capital pelo Autor investido em papel comercial e respetivos juros. (…) Refira-se, ainda, que, diferentemente do que o Autor invoca, não resultou demonstrado que a provisão que o BdP determinou que fosse constituída pelo BES, para cobertura da dívida do GES subscrita por clientes do retalho, tenha transitado para o balanço do NB.

Nem tão pouco resultou demonstrado que o BdP tenha confirmado a existência de uma provisão nas contas do NB, destinada ao reembolso dos montantes aplicados em títulos de dívida emitidos por entidades do GES.

A ausência de demonstração de tal provisão, transitada do acervo do BES para o do NB ou constituída ex novo na esfera jurídico-patrimonial do último, não permite afirmar-se o reconhecimento, pelo NB, do crédito detido pelo Autor sobre o BES.

Antes pelo contrário, permite sim afirmar-se a natureza contingente das responsabilidades correspondentes do BES, para efeitos da consideração da sua não transmissão do acervo de ativos e passivos do BES para o do NB, em razão do alcance da medida de resolução aplicada.

Acresce que, nas deliberações de 29 de dezembro de 2015, o BdP não se limitou a clarificar que não foram transferidos do BES para o NB quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos, acrescentando, ainda que “quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos, porquanto acrescentou (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES. Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I e Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecidos na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014”.

Assim sendo, a fundamentação em que o Autor se louvou para peticionar a condenação do Réu Novo Banco no âmbito da presente ação não procede, devendo este ser absolvido do pedido deduzido.»

2. O autor interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, formulou as conclusões seguintes:

«A.A promessa pública é uma declaração obrigacional unilateral de realização/cumprimento em data futura de determinada prestação/conduta/obrigação perante quem (destinatário) se encontre numa determinada situação ou pratique certo facto (art. 459.º CC).

B.A matéria provada permite concluir, à luz de um declaratário normal, que o Novo Banco S.A. declarou publicamente que iria proceder ao reembolso/pagamento de determinada quantia (do capital investido em papel comercial da ESI por clientes não institucionais) em data futura (data de maturidade/vencimento) – o que se traduz numa promessa pública de pagamento:

i. Resulta do comunicado publicamente divulgado pelo Novo Banco, S.A. em 14/08/2014 que “O Novo Banco está determinado em comprar aos clientes de retalho do Novo Banco o papel comercial da ESI e Rioforte, subscritos na rede de retalho do BES até 14 de Fevereiro de 2014, tal como fora anteriormente afirmado pelo BES.

ii. O BES, através de comunicado 18/07/2014, havia afirmado publicamente que “tem assegurado o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos seus clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo BES nos seguintes instrumentos de dívida: Todas as emissões de papel comercial da Espírito Santo Internacional (ESI).

iii. Em sintonia com o exposto, o Novo Banco, S.A., publicou no seu website, e que aí permaneceu pelo menos de 08/08/2014 até 15/01/2015), a seguinte informação: “O Papel Comercial emitido pela ESI e Rio Forte transitaram para o NOVO BANCO, e este mantém a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos seus clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo BES de então”.

iv. Tais declarações e informações estão perfeitamente em sintonia com a posição assumida pelo Banco de Portugal junto de vários clientes (pontos 7 a 10 da matéria provada): A provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes do retalho do BES de papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco. Compete ao Novo Banco decidir sobre o reembolso do papel comercial do GES

C. O ambiente de incerteza gerado pela medida da resolução aplicanda ao Banco Espírito Santo S.A. em 04.08.2014 – porque era suscetível de suscitar dúvidas e incertezas quanto ao património dos clientes – só veio agravar/elevar ainda mais o grau de cuidado e diligência da conduta do Novo Banco, S.A.

D. Se o Novo Banco S.A. tivesse dúvidas ou não soubesse se pretendia ou poderia proceder ao reembolso tal como tinha sido afirmado pelo BES não poderia dizer o que disse no comunicado de 14 de agosto de 2014, bem como nas Respostas às Perguntas Frequentes, publicadas no sítio do Novo Banco, e que aí permaneceram pelo menos desde 08.08.2014 e até 15 de janeiro de 2015.

E. Resulta da matéria provada que o Recorrente cumpre todos os requisitos para exigir que o Novo Banco SA cumpra a obrigação que assumiu publicamente:

i. O Recorrente, não sendo cliente institucional, investiu € 200.000 (duzentos mil euros) em papel comercial da Espírito Santo Internacional S.A. em 28/08/2013 junto do balcão do BES, com data de reembolso a 29/08/2014 (ponto 1 dos factos provados);

ii. Até à data de maturidade/reembolso, o Novo Banco SA não revogou a obrigação que havia assumido publicamente.

F. Logo, estão verificados todos os requisitos previstos nos artigos 459.º e ss do CC, uma vez que (i) estamos perante declaração negocial unilateral de pagamento de determinada quantia em fatura futura, feita mediante anúncio público; (ii) o destinatário de tal declaração/promessa pública de pagamento (aqui recorrente) cumpre os pressupostos estabelecidos pelo Novo Banco SA; tal declaração manteve-se válida e não foi revogada até à verificação da situação prevista, data de maturidade (29/08/2014).

G. Perante isto, não restam dúvidas que o Novo Banco S.A se vinculou/obrigou perante o Recorrente a cumprir aquilo que anunciou publicamente (em 08.08.2014 e em 14.08.2014), isto é, a proceder ao reembolso/pagamento, na maturidade (29/08/2014), o capital investido pelo Recorrente (duzentos mil euros) junto do balcão BES em papel comercial da Espírito Santo Internacional S.A.

H. Pelo que o Recorrente é legítimo credor do Novo Banco no montante de € 200,00 (duzentos mil euros), acrescido de juros de mora legais, vencidos desde 29/08/2014 até efetivo e integral pagamento.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequência, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que condene o Novo Banco a pagar a quantia de 200.000,00 (duzentos mil euros), acrescido de juros de mora legais, vencidos desde 29/08/2014 até efetivo e integral pagamento.»

O réu contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso, e concluindo a alegação desta forma:

1. Ao contrário do pretendido pelo Recorrente, não poderá ser alterada a decisão recorrida, porquanto as declarações do Recorrido constantes dos factos provados 4 e 6 não configuram uma promessa pública de reembolso, aos clientes, do capital investido em papel comercial da ESI.

2. A aplicação do regime da promessa pública está, em primeira linha, dependente da qualificação das referidas comunicações do Recorrido como uma promessa pública, pelo que importa proceder à delimitação do conceito de promessa pública, por via dos respectivos requisitos legais.

3. Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.09.2015, proferido no âmbito do processo 201/09.6TBVRM-A.G1.S1 e disponível em www.dgsi.pt, a promessa pública deve satisfazer os requisitos de completude, firmeza e suficiência formal.

4. Apenas as declarações constantes dos factos provados 4 e 6 foram emitidas pelo Recorrido, sendo em relação a estas que se deve aferir do preenchimento dos aludidos requisitos legais de completude, firmeza e suficiência formal.

5. Tais requisitos levam-nos a concluir que a promessa, em si, deverá ser suficientemente clara e inequívoca ao ponto de a sua interpretação ou validade não estar dependente de outras comunicações de terceiros, como é o caso das comunicações que integram os factos provados 5 (comunicado do BES) e 7 a 10 (respostas dadas pelo Banco de Portugal).

6. O entendimento do Recorrente no sentido de que a qualificação como promessa pública das declarações do Recorrido resulta da necessária conexão com um anterior comunicado do BES e com as respostas do Banco de Portugal, é o primeiro passo para que se afaste essa mesma qualificação: se as declarações do Recorrido se revelassem completas, firmes e formalmente suficientes, não necessitariam do auxílio de outras declarações, emitidas por terceiros, para a sua cabal qualificação como promessa pública apta a sustentar a vinculação do Recorrido.

7. O afastamento da existência da promessa de uma prestação também é alcançada por via da análise do respectivo teor e das formas de divulgação.

8. No que concerne ao teor das declarações em causa (factos 4 e 6 da matéria provada), é evidente que, de ambas, não decorre mais do que a manifestação da intenção de apresentar aos clientes relevantes uma proposta comercial, o que se traduz ao dizer-se que se está determinado a, que se conta com um contexto específico ou que se mantém a intenção de, o que não pode jamais equivaler a uma promessa, na medida em que todas aquelas expressões encerram em si um nível de subjectividade que não se compadece com o conceito de promessa pública.

9. Sendo a promessa, por definição, uma declaração de conteúdo objectivo, nenhum declarante se pode vincular a uma mera manifestação de vontade, tanto mais quando as declarações em apreço evidenciam a volatilidade do comportamento que, à data, se poderia esperar do declarante, que estava directamente dependente de um conjunto de circunstâncias que não estavam na sua disponibilidade.

10. Ainda que o Recorrido tenha declarado que estava determinado em assumir um concreto comportamento, certo é que apresenta claramente as circunstâncias factuais das quais tal comportamento está dependente, o que não pode ser ignorado pelo normal destinatário.

11. Donde, a aplicação da teoria da impressão do destinatário, prevista no art.º 236.º do CC, terá que conduzir à conclusão de que as declarações em apreço não podem valer com o sentido que o Recorrente pretende atribui-lhes: um declaratário normal, colocado na posição do Recorrente, não pode, razoavelmente, deduzir que o declarante irá assegurar o reembolso do capital investido em papel comercial, podendo, apenas e só, concluir que existe uma intenção de apresentar uma proposta de compra de tal produto, desde que se verifique um conjunto de condições.

12. Estamos perante uma manifesta ausência do requisito legal da firmeza, na medida em que o declarante não assumiu uma posição definitiva sobre a prestação, limitando-se a demonstrar a sua vontade, o que fica muito aquém do nível de firmeza e completude que se exige à promessa pública.

13. Também falha flagrantemente o requisito da completude por via da omissão das condições e termos concretos da eventual proposta.

14. O que se compreende: se o Recorrido apenas manifestou a sua vontade / intenção de apresentar aos clientes uma proposta de compra do papel comercial, e se a concretização de tal comportamento estava, à data, dependente de um conjunto de circunstâncias que não estavam na sua disponibilidade, é evidente que não estaria em condições de avançar com as condições de concretização de tal negócio.

15. Ainda que as declarações do Recorrido configurassem uma promessa pública – no que não se concede –, nunca a prestação prometida poderia ser a de reembolsar os clientes do capital investido em papel comercial da ESI, mas tão só a de apresentar uma proposta de recompra do papel comercial (o que, note-se, também falharia como promessa pública por via da omissão dos termos e condições de tal negócio de recompra).

16. Em suma, as declarações em análise, as únicas imputadas ao Recorrido e pelas quais poderia o mesmo ser responsabilizado, não configuram uma promessa pública de assegurar o reembolso do capital investido pelos clientes em papel comercial da ESI, por um lado, por manifesta omissão dos requisitos legais que configuram tal figura jurídica, em concreto a completude e a firmeza, e, por outro, pelo facto de a prestação eventualmente prometida nunca poder ser entendida como o reembolso do capital investido, mas tão só a apresentação de uma proposta de recompra do produto.

17. Sem conceder, sempre haveria que avaliar se a respectiva forma de divulgação poderia configurar um anúncio público.

18. O comunicado do Recorrido de 14.08.2014 (doc. 03 junto à petição inicial) foi emitido pelo Departamento de Comunicação e dirigido à imprensa (Press Release), ao passo que a resposta constante do portal da internet do Recorrido configura uma mera informação disponibilizada a quem consulte tal portal, formas de divulgação que não se podem ter como “anúncio público”.

19. A promessa pública deve ser directamente dirigida ao grupo de pessoas – ainda que indeterminado e mais alargado ou mais restrito –, que se possam encontrar na situação fáctica por ela contemplada, o que não sucede no presente caso.

20. O comunicado de 14.08.2014 foi emitido pelo Departamento de Comunicação e dirigido à imprensa, pelo que, ainda que esta entidade o tivesse divulgado, tal não se pode considerar um anúncio público, porquanto tal divulgação não só não foi efectuada pelo Recorrido, como ficou na disponibilidade de terceiros, bem como a delimitação dos destinatários (em última instância, até poderia ter sucedido que a imprensa não divulgasse aquele comunicado ou que só o fizesse a um grupo restrito de pessoas).

21. Do mesmo modo, a disponibilização de uma informação em site institucional não pode ser tida como um meio apto a que os eventuais interessados possam conhecê-la, na medida em que não garante, de forma alguma, o conhecimento por estes da suposta promessa.

22. Não havendo sequer um acto de divulgação da suposta promessa que configure um anúncio público, não chegou a nascer qualquer obrigação de cumprimento na esfera jurídica do declarante.

23. No mais, adere-se na íntegra e sem reservas à fundamentação de direito apresentada pelo Tribunal a quo que bem andou ao enquadrar as circunstâncias factuais relatadas pelas diversas testemunhas ligadas à administração do Recorrido para excluir a aplicação do regime jurídico da promessa pública.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida de absolvição do Recorrido, só se assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se da sentença recorrida):

«1. Em 28/08/2013, o A. subscreveu ao balcão do BES:

- papel comercial emitido pela sociedade ES International, SA, identificado pelo código ISIN XS0962454913, com data de reembolso a 29/08/2014, tendo aplicado a quantia de € 100.000,00 nesta subscrição e

- papel comercial emitido pela sociedade ES International, SA, identificado pelo código ISIN XS0962454913, com data de reembolso a 29/08/2014, tendo aplicado a quantia de € 100.000,00 na subscrição em causa.

2. O A. adquiriu obrigações da ES Tourism, identificadas pelo código ISIN XS0487556408, tendo aplicado na aquisição € 181.851,25.

3. O A. adquiriu obrigações da ES Tourism, identificadas pelo código ISIN XS0469786684, no valor de € 50.000,00.

4. Em 14/08/2014, o Novo Banco, S.A., emitiu publicamente um comunicado, intitulado “Comunicado do Novo Banco sobre o Papel Comercial”, com o seguinte teor: “O Novo Banco está determinado em comprar aos clientes de retalho do Novo Banco o papel comercial da ESI e Rioforte, subscritos na rede de retalho do BES até 14 de Fevereiro de 2014, tal como fora anteriormente afirmado pelo BES. Este processo sofreu algum atraso, face ao que era desejado pelo Novo Banco, atendendo à necessidade de acerto de algumas questões técnicas com o Banco de Portugal, nomeadamente salvaguarda de obrigações prudenciais e de outras obrigações que resultaram do próprio processo de resolução. O Novo Banco conta ter todas estas questões resolvidas, com o Banco de Portugal, num curto prazo, para apresentar aos clientes propostas comerciais de compra do referido papel comercial”.

5. Em 18/07/2014, o BES, S.A., através do seu Departamento de Comunicação, emitiu publicamente um esclarecimento, intitulado Informação da Comissão Executiva, com o seguinte teor:

“Na sequência das notícias de que a Espírito Santo Internacional se candidatou ao regime de gestão controlada, nos termos da lei do Luxemburgo, o Banco Espírito Santo (BES) vem esclarecer o seguinte:

O BES tem assegurado o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos seus clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo BES nos seguintes instrumentos de dívida:

- Todas as emissões de papel comercial da Espírito Santo Internacional (ESI) ;

- Todas as emissões de papel comercial da Rioforte ;

O Banco, através das suas redes comerciais, irá proativamente contactar os seus clientes abrangidos por estas emissões.

O mecanismo de reembolso acima referido não abrange clientes institucionais”

- cf., doc. nº. 4 junto com a p.i., a fls. 27 vº. a 28 vº.;

6. No portal da Internet do Novo Banco (anteriormente BES), pelo menos de 08/08/2014 a 15/01/2015, como resposta à questão frequente “qual é a implicação da criação do Novo Banco para clientes com investimento em Papel Comercial (Espírito Santo Internacional S.A., Rio Forte)?” constou o seguinte:

“O Papel Comercial emitido pela ESI e Rio Forte transitaram para o NOVO BANCO, e este mantém a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos seus clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo BES de então”.

7. No dia 06/08/2014, mediante a interpelação de um cliente particular do BES, que havia subscrito ao balcão papel comercial do Espírito Santo Internacional, S.A., no sentido de saber se tais activos seriam transferidos para o Novo Banco ou ficariam no BES, o Banco de Portugal respondeu nos seguintes termos: “Em resposta ao seu pedido informamos que de acordo com as FAQ publicadas no site do Novo Banco, S.A. (http://www.bes.pt/sitebes/cms.aspx?labelid=novobanco), o Papel Comercial emitido pela ESI e Rio Forte transitam para o Novo Banco, e este mantém a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos seus clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo BES de então. Para mais informações consulte a lista de perguntas frequentes (FAQ) em: http://www.bportugal.pt/ptPT/OBancoeoEurosistema/Esclarecimentospublicos/Pagina s/infobes.aspx

Com os melhores cumprimentos,

Banco de Portugal” - cf., doc. nº. 5-A junto com a p.i., a fls. 31 vº. ;

8. Em 07/08/2014, em resposta a pedido apresentado através de ..., o Banco de Portugal apresentou resposta com o seguinte teor:

“Bom dia,

Em resposta ao seu pedido informamos que:

A provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes do retalho do BES de papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco. Compete ao Novo Banco decidir sobre o reembolso do papel comercial do GES.

Com os melhores cumprimentos,

Banco de Portugal”.

9. No mesmo dia 07/08/2014, perante a indagação de um particular se o papel comercial Rio Forte, subscrito aos balcões do BES, teria reembolso na maturidade, ou seja, se estava no Novo Banco, o mesmo Banco de Portugal respondeu nos seguintes termos:

“Em resposta ao seu pedido informamos que:

A provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes do retalho do BES de papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco. Compete ao Novo Banco decidir sobre o reembolso do papel comercial do GES.

Com os melhores cumprimentos, Banco de Portugal”.

10. No mesmo dia 07/08/2014, perante a indagação de particulares se o papel comercial Rio Forte, subscrito aos balcões do BES, teria reembolso na maturidade, e se havia transitado para o Novo Banco ou permanecido no BES, apresentado através de ..., o mesmo Banco de Portugal respondeu nos seguintes termos:

“Bom dia

Em resposta ao pedido que nos remeteram informamos que:

A provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes do retalho do BES de papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco. Compete ao Novo Banco decidir sobre o reembolso do papel comercial do GES.

Com os melhores cumprimentos,

Banco de Portugal”.»

A sentença deu como não provado que:

«1. Ao balcão do Réu era dada a mesma informação, isto é, que o Réu tinha assumido o reembolso daqueles produtos.

2. (…) O Autor confiou na boa-fé e lealdade do Réu e dos seus funcionários.

3. O Réu assegurou que as provisões que acautelavam o reembolso do papel comercial na maturidade tinham transitado para o Réu e que este asseguraria o reembolso na maturidade.

4. Da comparação da rubrica de provisões no Balanço do BES referente a 30 de junho 20147, com a correspondente provisão no Balanço Previsional do Novo Banco publicado em 03 de agosto 20148 reflete a permanência de dotação para estes compromissos e obrigações.

5. O Réu sabia qual era a real situação das entidades emitentes.»

4. O presente recurso é admissível, nos temos do disposto no n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil. O seu objecto, tal como resulta das conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente (n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil), consiste em saber se os factos provados permitem ter como verificada uma “promessa pública de pagamento” do “capital investido em papel comercial da ESI por clientes não institucionais” (cf. concl. B)), devendo o Novo Banco, S.A., ser condenado a pagar-lhe “a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros), acrescido de juros de mora legais, vencidos desde 29/08/2014 até efetivo e integral pagamento”.

5. Uma promessa pública é um negócio unilateral (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 2006, www.dgsi.pt, proc. n.º 06A1509) expressamente admitido pelo artigo 459.º do Código Civil, em afastamento do que por vezes se tem designado por princípio do contrato (cfr. artigo 457.º do Código Civil); assim, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., 4.ª reimp. da ed. de 2000, Coimbra, pág. 437 e segs.

Não se confunde com uma proposta contratual, ainda que esta revista a forma de oferta ao público (cfr. n.º 3 do artigo 230.º do Código Civil), e ainda que as propostas contratuais sejam irrevogáveis para a parte que as formulou, após terem sido recebidas ou conhecidas pelo destinatário (n.º 1 do artigo 230.º do Código Civil). Não se trata de uma “parte integrante de um contrato em formação”, mas sim de uma “promessa unilateral vinculante”, para utilizar as expressões impressivas constantes da anotação ao artigo 459.º do Código Civil do Código Civil Anotado por Pires de Lima e Antunes Varela, vol. I, Coimbra, 1967, pág.308. Quer isto significar, como todos sabemos, que a fonte da atribuição do direito à prestação prometida é o acto unilateral em que a promessa se revela; diferentemente, só com a aceitação ou, sendo a aceitação dispensável, com a prática de actos que revelem a intenção de a aceitar (artigo 234.º do Código Civil), é que o contrato se tem por concluído e que se constituem os direitos e obrigações nele fundados – e que a proposta contratual tem em vista, naturalmente.

Como explica Vaz Serra, Promessa Pública, sep. do Boletim do Ministério da Justiça n.º 78, Lisboa, 1958, pág. 13, foi opção do legislador tratar a promessa pública como um negócio unilateral – tendo em vista, nomeadamente, a vinculação do promitente, quer “o acto encarado na proposta” tenha ou não “sido praticado em atenção a essa prestação”, podendo mesmo beneficiar quem se encontrasse já na situação prevista na promessa antes da sua exteriorização (págs, 12-13), como veio a ser consagrado no Código Civil (n.º 2 do artigo 459.º).

Como não poderia deixar de ser, é através da interpretação da declaração emitida que, em concreto, se pode distinguir uma promessa pública de uma proposta contratual ­– trata-se de “dificuldade a resolver segundo as regras gerais de interpretação” (Vaz Serra, obrigações – Ideias Preliminares, Fontes (em Especial, Contrato e Negócio Unilateral, Fixação de Prazo), sep. do Boletim do Ministério da Justiça n.º 77, Lisboa, 1958, págs. 212.213.

6. Uma promessa pública envolve (1) uma promessa de prestação (2) a quem pratique certo facto (por acção ou por omissão) ou se encontre numa dada situação (3) e a publicidade dessa promessa (artigo 459.º do Código Civil).

Apurar se uma declaração pública obriga o seu emitente à realização da prestação nela referida, nos termos vinculantes que caracterizam a promessa pública, implica começar por interpretar a declaração publicitada. Vale aqui a doutrina consagrada no artigo 236.º do Código Civil, devidamente entendida para uma declaração sem destinatário determinado (mas determinável, sob pena de nulidade – determinação que naturalmente resultará da definição do facto ou da situação que a declaração tem em vista).

Significa isto, desde logo, que o declaratário real a que o n.º 1 do artigo 236.º se refere há-de ser entendido como um declaratário medianamente diligente e informado que, todavia, se distingue do declaratário normal cuja impressão determina o sentido da declaração porque há-de ser no “círculo de destinatários ou interessados no acto” (Evaristo Mendes/Fernando Sá, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Lisboa, 2014, ponto V da anot. ao artigo 236.º, pág. 538) que essa diligência ou informação medianas se devem determinar – não relevando, como escrevem os mesmos autores, “eventuais conhecimentos particulares de algum ou alguns desses interessados ou circunstâncias por eles reconhecíveis”. Não obstante não se poder considerar como recipienda uma declaração que possa valer como promessa pública (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Março de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 13408/16.0T8LSB.L1.S2), a sua interpretação pode ainda ser alcançada com a aplicação devidamente adaptada do critério do sentido que lhe atribuiria um declaratário normal, aplicação particularmente adequada a uma declaração cuja eficácia vinculante está estreitamente ligada à publicidade com que foi emitida – e, portanto, relativamente à qual se faz especialmente sentir a necessidade de tutela da confiança.

Seja como for, o ponto de partida para a interpretação de uma declaração é o respectivo texto. Vem provado (ponto 4 da matéria de facto) que, em 14 de Agosto de 2014, o Novo Banco emitiu publicamente uma declaração com o seguinte texto: “O Novo Banco está determinado em comprar (…)”; que “este processo sofreu algum atraso (…), atendendo à necessidade de acerto de algumas questões técnicas com o Banco de Portugal (…). O Novo Banco conta ter todas estas questões técnicas resolvidas, com o Banco de Portugal, num curto prazo, para apresentar aos clientes propostas comerciais de compra do referido papel comercial”; que (ponto 6) no seu Portal Internet, pelo menos de 8 de Agosto de 2014 a 15 de Janeiro de 2015, em resposta às FAQ, respondendo à questão de saber que implicações tinha para os clientes com investimento em papel comercial (ESI e Rioforte) a criação do Novo Banco, que este papel comercial transitou para o Novo Banco e que este “mantém a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade…”.

Dos factos provados, são estas as declarações emitidas pelo Novo Banco, assim se considerando a que consta do seu Portal Internet (ponto 6).

Da interpretação literal destas declarações retira-se, tão somente, a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade (ponto 6) e a confirmação dessa intenção, a concretizar depois de resolvidas algumas questões com o Banco de Portugal, mediante a apresentação aos clientes de propostas de compra do papel comercial em causa. Ora, basta esta declaração, divulgada em 14 de Agosto de 2014 e, portanto, uns dias após a disponibilização da resposta constante do ponto 6, de que mantém a intenção de reembolso e que essa intenção se concretizará mediante a apresentação de propostas de compra, para excluir a possibilidade de interpretar as declarações do Novo Banco que ficaram provadas como traduzindo uma promessa pública e, consequentemente, como constituindo imediatamente o réu na obrigação de proceder ao reembolso do papel comercial a que se referiam. É incompatível com essa assunção a declaração de que conta formular propostas de compra.

Note-se que se está a atribuir aos termos utilizados, por um lado, o significado corrente das palavras – consequentemente, o que lhe atribuiria um declaratário normal; e, por outro, que, considerando o conhecimento médio do universo dos interessados que se poderiam encontrar na situação de subscritores não institucionais de papel comercial da ESI, nenhuma prova existe de que pudessem atribuir um diferente significado ao termo intenção ou concretização dessa intenção através de propostas de compra.

Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Março de 2021, já citado, também aqui a “falta de concretização das alegadas declarações públicas do NB” não permite “demonstrar a existência de uma promessa pública unilateral de reembolso do capital investido”.

Não vem provado nada que permita desconsiderar o sentido literal da declaração que foi divulgada publicamente: nem as declarações de outras entidades (cfr. pontos 57,8, 9,10).

Não podendo valer como promessa vinculante as declarações emitidas pelo réu, fica prejudicada a averiguação dos restantes requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos a que respeita o objecto do presente recurso.

7. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 4 de Abril de 2024

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Nuno Ataíde das Neves

José Maria Ferreira Lopes