RECURSO DE REVISTA
OFENSA DE CASO JULGADO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO
Sumário


I- Em processo executivo, um dos casos em que o recurso é sempre admissível é a ofensa do caso julgado.
II- A ofensa de caso julgado, formal ou material, abre sempre a possibilidade de recurso, independentemente da alçada, da sucumbência ou da dupla conformidade.
III- A ofensa do caso julgado pressupõe duas decisões em conflito.
IV- Um despacho que se limita a ordenar o desentranhamento da contestação apresentada nos autos por quem não tem poderes, nem pode estar, por si, em juízo, não aprecia a relação material controvertida e não forma caso julgado material.
V- Sob o regime actual, o processo executivo não se extingue por sentença, não se exige qualquer acto judicial para pôr termo à acção executiva, sendo suficiente uma declaração do agente de execução, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria.
VI- Se o juiz de execução praticar um acto que pertence à competência funcional do agente de execução, verifica-se uma nulidade processual, porquanto foi realizado pelo juiz de execução um acto que a lei não lhe permite.
VII- Se não foi arguida a nulidade do despacho do juiz a decretar a extinção da execução, a nulidade sana-se.
VIII- Não fica, porém, precludida a via recursiva, com fundamento na ofensa do caso julgado.
IX- Tendo sido revogado, por decisão transitada, o despacho, não transitado, que ordenou o desentranhamento da contestação e todos os actos processuais subsequentes, deixou de haver fundamento para se invocar aquela ofensa.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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AA reclamou para a conferência do despacho de não admissão do recurso que interpôs.


Alega o seguinte:


«Tendo em conta que o despacho de 17/06/2021, proferido nos autos, pelo que é ordenado do desentranhamento da contestação, rejeitando-a, do mesmo cabia recurso ordinário de apelação, nos termos do n.º 2, al. d), do Art.º 644º, do C.P.C., a interpor em 15 (quinze) dias. Tal recurso não foi interposto, transitando em julgado. As reclamações ou outros recursos extemporâneos, jamais poderiam atuar ou revogar, tal despacho, de 17/06/2021.


Tal só podia ser objeto, por transitado em julgado, de recurso extraordinário de revisão, salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária.


Na decisão singular, não se fundamenta a consideração de que tal despacho não transitou em julgado e como pode ser objeto, de um despacho, sobre a arguição de nulidade ou extemporaneamente (pois já tinha transitado), por recurso de apelação da decisão final.


Por último, a execução corre termos nos próprios autos onde foi proferido, o despacho de 17/06/2021, transitado em julgado.


Pelo exposto, nos termos do n.º 3, do Art.º 652º, “ex vi” do Art.º 679º, do C.P.C., requer que, sobre a matéria da decisão singular, recaia douto Acórdão, pela conferência».


Não tem razão o reclamante


Recorde-se o teor do despacho reclamado:


«Da admissibilidade do recurso.


Em 4 de Março de 2022, AA instaurou, por apenso à acção declarativa, com processo comum, acção executiva contra Rodripeixe, Lda. apresentando como título executivo uma sentença proferida em 13 de Julho de 2021, por forma a obter o pagamento coercivo da quantia de € 107.544,68 (sendo € 102.549,27 a título de capital e € 4.995,41 a título de juros de mora vencidos, contados até à data de entrada em juízo do requerimento executivo), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa supletiva legal, contados sobre a quantia de capital, desde 5 de Março de 2022 até integral pagamento.


Em 28 de Abril de 2023, foi proferido despacho, onde se escreveu:


«Atento o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 05/05/2022, superiormente confirmado e transitado em julgado em 23/01/2023, nos termos do qual foi concedido provimento à apelação, decidindo-se pela revogação do despacho proferido em 17/06/2021 e, consequentemente, pela revogação do despacho e sentença que foram subsequentes, proferidos em 13/07/2021, inexistindo, por consequência, título executivo (sentença), determina-se a extinção da presente execução, ordenando-se o imediato levantamento de todas as penhoras efetuadas, quer no âmbito da presente execução quer daquela que com o n.º 2551/18.1T8VCT.3 se encontra igualmente apensa e em que exequente e executada são os mesmos».


Inconformado, o exequente interpôs competente recurso. O Tribunal da Relação de Guimarães julgou totalmente improcedente o recurso de apelação e confirmou integralmente a decisão recorrida.


De novo inconformado, o exequente interpôs recurso de revista, «atendendo a que o despacho recorrido foi proferido contra caso julgado formal (despacho de 17/06/2021), por não considerar que existe caso julgado de tal despacho, que o douto Acórdão recorrido, assim, profere decisão com ofensa de caso julgado, sendo a presente Revista interposta, nos termos do Art.º 629º, n.º 2, al. a) “in fine”.


(…).


Os fundamentos da revista interposta, é a violação da lei de processo, quer na evidente revelia absoluta da Ré, quer no caso julgado do despacho de desentranhamento e rejeição da contestação, de 17/06/2021».


Vejamos se o recurso deve ser admitido, ou se, pelo contrário, deve ser rejeitado.


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Do recurso de revista no processo de execução


Preceitua o artigo 854.º do Código de Processo Civil (serão deste código os artigos ulteriormente citados sem diferente menção): Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.


Resulta que, ressalvadas as hipóteses expressamente acauteladas na 2.ª parte deste artigo, o recurso para o Supremo Tribunal apenas é permitido nos casos em que a revista é sempre admissível, ou seja, nos casos previstos nos artigos 629.º, n.º 2 e 671.º, n.º 2, als. a) e b) (ASTJ de 27.10.2020, Proc.2522/10, de 17.11.2020, Proc. 3072/07, de 20.4.2021, Proc. 3141/07 e de 7.7.2021, Proc. 5435/20).
Um desses casos em que o recurso é sempre admissível é a ofensa do caso julgado que o recorrente agora invoca (artigo 629.º, 2, al. a) in fine) [A referência à revelia feita pelo recorrente deve ser entendida no quadro mais amplo da consequência da manutenção do despacho de desentranhamento].


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Do caso julgado (formal e material)


Como acabamos de ver, a ofensa de caso julgado, formal ou material, abre sempre a possibilidade de recurso, independentemente da alçada, da sucumbência ou da dupla conformidade.


Importa, na verdade, distinguir entre o caso material e o caso formal.


O caso julgado material recai sobre a relação material ou substantiva litigada (artigos 577.º, al. i) e 619.º); o caso julgado formal aproveita as decisões sobre questões de carácter processual (artigo 620.º).


Em ambos os casos, a procedência da excepção pressupõe o conflito entre duas decisões proferidas pelo juiz civil, tendo a primeira transitado em julgado.


Estas duas figuras são expressão do valor da certeza do direito: a ideia de fundo que leva a defender estas excepções é a absoluta convicção de que a atribuição do «bem de vida» conseguido com a sentença transitada em julgado não pode ser posto em causa e voltado a ser discutido num sucessivo processo.


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Das decisões em conflito


A ofensa do caso julgado pressupõe duas decisões em conflito. No caso sujeito, o recorrente entende que estão em oposição a decisão de 17.6.2021 que no processo declarativo ordenou o desentranhamento da contestação da ré, por um lado, e o ulterior despacho de 28 de Abril que determinou a extinção da execução e ordenou o imediato levantamento de todas as penhoras efectuadas.


O primeiro despacho é do seguinte teor:


«Pelo exposto, uma vez apresentada por quem não tinha poderes, nem podia estar, por si em juízo, ordena-se o desentranhamento da contestação apresentada nos autos».


Como qualificar tal acto? Seguindo a classificação adoptada pelo nosso código que divide os actos processuais em actos das partes (artigos 144.º ss.) actos dos magistrados (artigos 150.º ss.) e actos da secretaria (artigos 157.º ss.) trata-se obviamente de um acto de magistrado.


O juiz exerce a sua função mediante o proferimento de despachos e sentenças. O conceito de sentença encontra-se no artigo 152.º, 2. O de despacho apura-se por exclusão de partes. Neste caso, não há dúvida quanto á natureza de despacho da decisão em causa.


De acordo com a classificação proposta por José Alberto dos Reis, podemos classificar, sob o ponto de vista técnico, os actos dos magistrados em cinco categorias: a) Despachos, determinações ou provisões; b) Decretos ou ordens; c) Resoluções; d) Investigações; e) Sentenças (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945:165/166).


O despacho de 17.6 pertence ao terceiro grupo: uma resolução pela qual o juiz se pronuncia negativamente sobre uma questão de natureza processual.


A lei distingue ainda entre despachos de mero expediente, proferidos no uso de um poder discricionário e despachos que não sejam de mero expediente nem proferidos no uso legal de um poder discricionário (artigos 152.º, 4, 156.º, 1 e 630.º,1).


O ajuizado despacho integra-se na terceira categoria, ou seja, é um despacho mediante o qual o juiz interfere nos direitos das partes, neste caso mandando desentranhar um instrumento de defesa.


Não se pode, porém, dizer que essa decisão aprecia a relação material controvertida, ou seja não forma caso julgado material ex artigo 619.º,1.


É mais problemática a qualificação do segundo acto extintivo da execução.


Lembrava Alberto dos Reis que «no processo de execução propriamente dito a sentença não tem cabimento, visto que o tribunal não é chamado a decidir uma causa. A actividade que aí se pede ao órgão do Estado é uma actividade executiva, e portanto administrativa no fundo; não tem carácter típico de actividade jurisdicional . É, pois, por meio de simples despachos que o órgão público exerce a sua actividade: é por despacho que ordena a penhora e a venda, é por despacho que adjudica aos credores ou a terceiros os bens penhorados; é ainda por despacho que julga extinta a execução» (Ibidem:156; o bold é meu).


Não é, pois, de estranhar que, na versão originária do Código de Processo de 1939, não houvesse qualquer referência a sentença de extinção de execução.


Tal referência é obra da reforma de 1961 que, nos artigos 919.º, 2 e 920.º, 2, voltou a dar o nome de sentença ao acto pelo qual se julga extinta a execução (Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa:691/692).


O artigo 912.º, 2 saído daquela reforma, passou a estipular:1. A execução é julgada extinta logo que se efectue o depósito da quantia liquidada, nos termos do artigo 917.º, ou depois de pagas as custas, tanto no caso do anterior como quando se mostre satisfeita pelo pagamento coercivo a obrigação exequenda.


2. A sentença que julgue extinta a execução é notificada ao executado e aos outros credores, se já tivessem sido graduados (o blod é também naturalmente meu).


O DL n.º 38/2003, de 8 de Março, procedeu a uma ampla reforma da acção executiva e este artigo foi por ela abrangido.


Onde se previa no n.º 1 que a execução era julgada extinta passou a dizer-se que «a execução extingue-se logo que»; no n.º 2 eliminou-se a referência a sentença, passando a dizer-se que «a extinção é notificada ao executado, ao exequente e aos credores reclamantes».


Várias foram as interpretações a que esta alteração deu azo. Prevaleceu a tese, expressa por Carlos Lopes do Rego, de acordo com o qual «o DL elimina a sentença que julga extinta a execução. Deste modo, passará a competir ao agente de execução a decisão sobre a extinção do processo – não apenas no caso de pagamento coercivo, como também de extinção por qualquer outra causa.


A extinção da execução – apreciada e determinada pelo agente de execução – é notificada a todas as partes, incluindo os credores reclamantes (deixando naturalmente de relevar a admissão liminar das reclamações, já que tal despacho se mostra banido)» (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra,2004:154; dispensando qualquer declaração do juiz ou do agente de execução, Carlos Oliveira Soares, «O caso julgado na acção executiva», Themis, Ano IV, N.º 7 (2003):251).


Estavam assim as coisas quando se operou a chamada reforma da reforma da acção executiva pelo DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro. A alteração introduzida no citado art.º 919.º, n.º 3, veio estatuir que a «extinção da execução é comunicada (...) ao tribunal, sendo assegurado pelo sistema informático o arquivo automático e electrónico do processo, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria».
O novo código de 2013, aprovado pelo DL n.º 41/2013, de 26 de Junho, manteve a solução anterior pelo que não há qualquer dúvida que hoje o processo executivo não se extingue por sentença, não se exige qualquer acto judicial para pôr termo à acção executiva, sendo suficiente uma declaração do agente de execução, repita-se «sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria».


Como esta declaração não se configura como acto jurisdicional por se basear na mera constatação de ocorrências materiais, despida de qualquer valoração, não forma caso julgado, nem formal nem material (Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003:338).


De resto, esta conclusão não se refere apenas ao acto final que põe termo ao processo, porquanto, no dizer de João de Castro Mendes /Miguel Teixeira de Sousa, como «em geral, não há decisão, mas apenas actuação, raramente tem sentido falar de caso julgado no processo executivo. Não se pode afirmar, por exemplo, que a escolha dos bens a penhorar pelo agente de execução (art.751.º, n.º 1 a 4) ou da modalidade da venda por esse agente (art. 812.º, n.º 1 e 2) é susceptível de transitar em julgado. O que sucede é que os actos constitutivos, quando não impugnados, se estabilizam como fonte de situações processuais» (Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL, Lisboa, 2022:416).


Apesar de ser este o regime aplicável, a verdade é que, no caso sujeito, houve decisão judicial a determinar a extinção da execução e a ordenar o levantamento das penhoras.


Há que retirar as consequências deste acto judicial.


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Do valor do despacho judicial a ordenar a extinção da execução


Actualmente, o principal órgão do processo executivo é o agente de execução, a quem compete praticar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou ao juiz (artigo 719.º,1).
Explica Teixeira de Sousa que «o quadro geral da repartição de competências (funcionais) entre o agente e o juiz de execução é o seguinte: o agente de execução actua e executa; o juiz da execução controla e decide» (Manual , op. cit:462). Dito de outro modo: «o agente de execução pratica actos de carácter executivo sem natureza jurisdicional; o juiz realiza actos de natureza jurisdicional, sem carácter executivo. É, portanto, pelo tipo de acto-e não pela natureza a que respeita-que se demarca a competência do agente e do juiz de execução» (Idem).
Ao agente de execução compete, entre outros actos, comunicar a extinção da execução ao tribunal (artigo 849.º, 3) e notificá-la ao exequente, executado e ainda aos credores reclamantes (artigo 849.º, 2).


Afirma Rui Pinto: «actualmente o encerramento da execução é feito por uma entidade administrativa –o agente de execução. Trata-se de um ato interno da instância em causa, inidóneo só por si a vincular externamente. Portanto, em absoluto se lhe poderá assacar algum tipo de eficácia de caso julgado» (A Ação Executiva, AAFDL, Lisboa, 2023:963).


Perante a repartição de competências entre o juiz e o agente de execução acima apontada, não pode o juiz julgar extinta a execução.


Elucida Teixeira de Sousa que «a separação da competência jurisdicional e do agente de execução impede que qualquer destes órgãos da execução possa invadir a esfera de competência que está reservada ao outro órgão. Assim, se o juiz de execução praticar um acto que pertence à competência funcional do agente de execução, verifica-se uma nulidade processual (artigo 195.º, 1), porque foi realizado pelo juiz de execução um acto que a lei não lhe permite» (Manual, op. cit:474/475; o bold é meu).
O regime das nulidades processuais secundárias consta no essencial dos artigos 195.º e 199. Contra as nulidades reclama-se, não se recorre.


Não tendo sido arguida a nulidade do despacho do juiz a decretar a extinção da execução a nulidade sana-se.


Todavia, não fica precludida a via recursiva, com fundamento na ofensa do caso julgado.


Terá ocorrido esta violação, no caso sujeito?


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Da violação do caso julgado


Dispõe o artigo 620.º, 1, que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, têm força obrigatória dentro do processo.


Esta norma refere-se às situações de caso julgado formal, como é precisamente o caso do despacho em exame, uma vez que o mesmo apenas se pronunciou sobre a relação processual.


O alcance do caso julgado está previsto no artigo 621.º: «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique».


No caso dos autos, o despacho impugnado não se pronunciou quanto ao mérito da causa, mas apenas, como vimos, quanto a uma questão formal.


Revogado o despacho que ordenou o desentranhamento da contestação e, consequentemente, o despacho e sentença posteriores a esse despacho, foi proferida decisão de extinção da execução ex artigo 704.º, 2.


Procedeu correctamente o primeiro grau?


Certamente que sim, se não tiver havido trânsito em julgado desse despacho, o qual, primeiramente proferido, prevaleceria sobre despacho contraditório ulterior também transitado (artigo 625.º).


Claro que não, se o despacho de 17.06.2021 não tiver transitado em julgado.


O recorrente dá esta segunda resposta, mas a resposta correcta é, ao invés, a primeira.


Vejamos porquê.


Sabe-se que logo em 18 de Junho de 2021, a ré veio pedir a rectificação/reforma do despacho proferido em 17 de Junho de 2021, nomeadamente porque o Tribunal não teria atentado que o mandatário judicial subscritor da contestação mandada desentranhar fora igualmente constituído pelo Curador ad litem (e não apenas, e previamente, pelo seu sócio BB).


Em 13 de Julho de 2021, foi proferido despacho, desatendendo a pretensão da ré por o Tribunal ter entendido ser intempestiva a arguição de nulidade feita, devendo a decisão em causa ser impugnada apenas com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final, lendo-se nomeadamente no mesmo:


«(…)


In casu, a Requerente fundamenta o seu pedido de rectificação/reforma do despacho em crise em vício/erro de fundamentação, o que, consubstanciará uma nulidade de acordo com a previsão do art.º 615.º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Civil, e não, como é pretendido um qualquer mero lapso manifesto, considerando a concreta fundamentação do despacho. Ora, segundo o prevê o mesmo dispositivo no respectivo n.º 4, tal nulidade só poderá ser arguida perante o tribunal que proferiu a decisão/despacho se este não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.


Sucede, pois, que a decisão em crise nestes autos proferida admite recurso ordinário - ainda que a interpor juntamente com o recurso da decisão final, pelo que será no âmbito daquele que tal nulidade poderá e deverá ser arguida.


Pelo exposto, vai indeferida a respetiva pretensão.


Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.


(…)»


Este despacho, não tendo sido objecto de arguição, transitou.


A ré veio, na sequência desse despacho, interpor recurso da sentença final, arguindo a nulidade do dito despacho de 17.6., bem como de todo o processado, após a sua prolação.


Depois de várias vicissitudes processuais, que aqui seria ocioso reproduzir, foi lavrado, em 5 de Maio de 2022, acórdão que julgou procedente a apelação e, na sequência, revogou o despacho proferido em 17.6.2021 bem como todas as decisões subsequentes.


Decisão igualmente transitada, pois que, interposto recurso de revista, este foi julgado inadmissível pelo relator, decisão confirmada em posterior conferência pelo colégio dos juízes.


A decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º).


Só depois do trânsito do acórdão da Relação de 5 de Maio se poderia considerar transitado o despacho de 17 de Junho. Porém, como este foi revogado, deixou de servir para contradizer o despacho de extinção ora impugnado, cujo recurso, pelos motivos abundantemente expostos, não se admite».


Como se vê a decisão reclamada explica, cremos que muito claramente, que o despacho em causa não transitou em julgado. Se o reclamante tivesse querido ler com atenção o despacho objecto de impugnação teria concluído, se não erramos, que não lhe assiste razão.


Será ocioso repetir mais uma vez o que se deixa explícito na decisão reclamada.


E diz-se «mais uma vez» porquanto ao longo deste processo, foram várias as pronúncias judiciais que se analisaram a questão ora de novo suscitada.


Por último, não se vê a relevância que possa ter a execução correr termos nos próprios autos onde foi proferido o despacho de 17/06/2021.


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Pelo exposto, acordamos em indeferir a reclamação e em confirmar o despacho do relator.


Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs ex tabela II a que se refere o artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais.


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10.04.2024


Luís Correia de Mendonça (Relator)


Maria Amélia Ribeiro


Ricardo Costa