RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
PROCURAÇÃO FORENSE
Sumário

Em sede de processo judicial, existindo alteração do domicílio, não são os serviços de secretaria do Tribunal que têm de exercer o controlo sobre o conteúdo de qualquer procuração em ordem a apurar se se mantém a morada da arguida, mas antes deve ser esta – ou o seu mandatário – que, através de requerimento autónomo, está obrigada a disponibilizar os elementos de contacto a fim de ser perfectibilizada qualquer notificação.

Texto Integral

Processo n.º 3153/23.6T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo do Trabalho de Faro – J2
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I – Relatório:
(…) veio reclamar do despacho de não admissão do recurso por si interposto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal.
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A reclamante interpôs recurso da decisão administrativa proferida pelo Centro Distrital de Faro do Instituto de Segurança Social IP que a condenou no pagamento de uma coima de € 11.000,00 (onze mil euros) e € 45,00 quarenta e cinco euros) de custas.
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Em 10/01/2018, à data da visita inspectiva, a arguida desenvolvia a sua actividade na Rua (…), Bloco B, n.º 1, 2.º-Esq., em Olhão (8700-516).
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Consta da procuração forense junta aos autos que a reclamante reside na Rua (…), Bloco 3, 1.º-Frente, em Olhão (8700-371).
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Em 15/12/2023, foi proferida sentença judicial no processo em causa, que julgou improcedente o recurso interposto, mantendo a decisão administrativa condenatória.
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A decisão em causa não foi proferida na presença da Reclamante.
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Em 20/12/2023, foi enviada carta de notificação dirigida à arguida para a seguinte morada: Rua da (…), lote 46, (…), Olhão.
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A carta em causa não foi entregue ao destinatário e mostra-se devolvida ao Juízo do Trabalho de Faro no dia 04/01/2024.
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Em 29/01/2024, a arguida interpôs recurso dessa decisão.
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Em 09/04/2023, foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:
«Veio a arguida (…) interpor recurso da decisão final através de requerimento datado de 29.01.2024.
A sentença foi proferida nos autos em 15.12.2023 e notificada à arguida através de carta enviada em 20.12.2024.
De acordo com o disposto no artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro: O recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho ou da sua notificação do arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
Pelo exposto não se admite o recurso interposta por extemporâneo. Notifique».
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Em 23/02/2024, foi apresentada a presente reclamação, que sustenta não existir motivo para julgar extemporâneo o recurso, devendo, por isso, ser decretada a sua admissão e a subida imediata dos autos.
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Em abono da sua pretensão, a reclamante afirma que a notificação foi endereçada para morada distinta da constante da procuração forense junta aos presentes autos.
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Além das duas moradas supra referidas, estão insertas no sistema informáticas ainda os seguintes endereços:
· Avenida dos (…), n.º 13, 1.º-Dto., Olhão.
· Urbanização (…), lote 11, 3.º-Dto., Olhão.
· Travessa (…), lote 1, Olhão.
· Vale de (…), (…), Loulé.
· Rua (…), bloco B, 2.º-Esq.º, Olhão.
E, bem assim, o de duas pessoas colectivas:
· Ajuda (…).
· (…) – União de (…) (…) e (…).
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II – Dos factos com interesse para a decisão:
Os factos com interesse para a justa decisão do litígio são os que constam do relatório inicial.
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III – Enquadramento jurídico:
Estamos num domínio onde é aplicável quer o Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quer o Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e depois actualizado pelas Leis n.ºs 63/2013, de 27 de Agosto e 55/2017, de 17 de Julho).
Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do Tribunal a que o recurso se dirige, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º[1] do Código de Processo Penal, por força do disposto nos artigos 60.º[2] do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social e 32.º[3] do Regime Geral das Contra-Ordenações.
As decisões judiciais que admitem recurso estão elencadas no artigo 73.º[4] do Regime Geral das Contra-Ordenações, disposição essa que é integralmente replicada no artigo 49.º[5] do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social.
Ao nível do regime de recurso no que concerne ao prazo, embora ele seja distinto nos diplomas acima referidos, em sede de regime especial, que prevalece sobre o regime geral inscrito no artigo 74.º[6] [7], o recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste[8].
Aquilo que está em discussão é apurar se o recurso é tempestivo e qual o termo inicial para a contagem do respectivo prazo.
A reclamante sustenta que, não tendo sido efectuada a notificação da sentença, a qual que não foi proferida na presença da Reclamante, então não ocorreu a condição legal prevista no n.º 1 do artigo 50.º da Lei n.º 107/2009 de l4 de Setembro (Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais de Segurança Social) para o início da contagem do prazo de interposição de recurso.
Para justificar a falta de notificação afirma que foi violada a exigência da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º[9] da Lei n.º 107/2009, de 14/09 (Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social) e refere que a carta deveria ter sido enviada para o endereço constante da procuração.
A situação em causa não está abrangida pela esfera de protecção do artigo 8.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, mas sim pela norma do n.º 2 do artigo 7.º[10] do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais de Segurança Social, ficando a cargo da interessada a comunicação, no prazo de 10 dias, qualquer alteração do domicílio.
Em sede de processo judicial, existindo alteração do domicílio, não são os serviços de secretaria do Tribunal que têm de exercer o controlo sobre o conteúdo de qualquer procuração em ordem a apurar se se mantém a morada da arguida, mas antes deve ser esta – ou o seu mandatário – que, através de requerimento autónomo, está obrigada a disponibilizar os elementos de contacto a fim de ser perfectibilizada qualquer notificação.
Em teoria e de acordo com as regras processuais, a arguida poderia ser notificada em qualquer uma das 7 moradas indicadas no sistema Citius ou na sede/delegação das duas associações acima referenciadas e não somente na morada indicada na procuração.
Todavia, face à multiplicidade de domicílios em causa, o Tribunal de Recurso também não pode afirmar sem margem para dúvidas que existiu uma intenção pré-deliberada da arguida no sentido de indicar diversos pontos de contacto, a fim de evitar a comunicação de qualquer acto processual – situação em que, por acréscimo, ainda litigaria de má fé – ou, se pelo contrário, ocorreu um erro dos serviços da segurança social ou do Tribunal na inserção de moradas, que conduziu à devolução da carta de notificação da sentença.
Por outras palavras, face aos dados disponibilizados na reclamação e à consulta oficiosa do processo judicial através do sistema Citius, não se pode afirmar inequivocamente que a conduta da requerente tenha contribuído para, em termos objectivos e por culpa própria, ocorresse o não conhecimento do acto de notificação da decisão condenatória.
Assim, na dúvida, como forma de maximizar o exercício do duplo grau de jurisdição, admite-se o recurso interposto, sem prejuízo da possibilidade do relator ter entendimento distinto, ao abrigo da norma consignada na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 405.º do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente à situação vertente.
E, por isso e apenas por isso, face a essa dúvida, deve dar-se prevalência à morada inserta na procuração, entendendo-se, assim, que o recurso em discussão é tempestivo, alterando-se a decisão reclamada.
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IV – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, concede-se provimento à reclamação, admitindo-se o recurso apresentado.
Sem tributação.
Notifique.
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Requisite o processo principal ao Tribunal recorrido.
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Processei e revi.
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Évora, 03/04/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

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[1] Artigo 405.º (Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso):
1 - Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2 - A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3 - No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4 - A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso.
[2] Artigo 60.º (Direito subsidiário):
Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.
[3] Artigo 32.º (Do direito subsidiário):
Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.
[4] Artigo 73.º (Decisões judiciais que admitem recurso):
1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites.
[5] Artigo 49.º (Decisões judiciais que admitem recurso):
1 - Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 39.º.
2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.
[6] Artigo 74.º (Regime do recurso):
1 - O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
2 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 73.º, o requerimento deve seguir junto ao recurso, antecedendo-o.
3 - Neste casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que será resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
4 - O recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma.
[7] A propósito de divergências anteriores sobre o princípio da igualdade, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2009, para fixação de jurisprudência (in D.R. n.º 11, 1.ª Série, de 16-01-2009), veio a estabelecer: “Em processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação, quer o de apresentação da respectiva resposta, nos termos dos artigos 74.º, n.ºs 1 e 4, e 41.º do Regime Geral de Contra-ordenações (RGCO)”.
[8] Artigo 50.º (Regime do recurso):
1 - O recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
2 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior, o requerimento segue junto ao recurso, antecedendo-o.
3 - Nestes casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que é resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
4 - O recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultem desta lei.
[9] Artigo 8.º (Notificação por carta registada):
1 - As notificações em processo de contra-ordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, nos seguintes termos:
a) Sempre que se notifique o arguido do auto de notícia, da participação e da decisão da autoridade administrativa que lhe aplique coima, sanção acessória ou admoestação;
b) Sempre que o notificando se recusar a receber ou assinar a notificação, o distribuidor do serviço postal certifica a recusa, considerando-se efetuada a notificação;
c) A notificação por carta registada considera-se efetuada na data em que seja assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando;
d) Se, por qualquer motivo, a carta registada for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando por via postal simples, considerando-se efetuada a notificação.
2 - As notificações referidas no número anterior podem ser efetuadas através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, do sistema de notificações eletrónicas da segurança social, ou da caixa postal eletrónica, equivalendo ambas à remessa por via postal registada com aviso de receção.
3 - Na impossibilidade de concretizar a notificação prevista nos números anteriores, designadamente quando a sede ou o domicílio dos destinatários se situar fora do território nacional, a mesma pode ser feita por edital, nos seguintes termos:
a) Publicitação em anúncio no sítio na Internet da ACT e da segurança social de acesso público;
b) Considera-se feita no dia da publicitação do anúncio;
c) Produz efeitos após o prazo de dilação de três dias.
[10] Artigo 7.º (Notificações):
1 - As notificações são dirigidas para a sede ou para o domicílio dos destinatários, ou para caixa postal eletrónica, ou, ainda, publicitadas por edital.
2 - Os interessados que intervenham em quaisquer procedimentos levados a cabo pela autoridade administrativa competente devem comunicar, no prazo de 10 dias, qualquer alteração da sua sede ou domicílio.
3 - Se do incumprimento do disposto no número anterior resultar a falta de recebimento pelos interessados de notificação, esta considera-se efetuada para todos os efeitos legais, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
4 - As notificações no âmbito dos processos contra-ordenacionais referentes a matérias da segurança social são realizadas nos termos do Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto, que cria o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital.