PROVA INDICIÁRIA
EFICÁCIA PROBATÓRIA
Sumário

Estando plenamente provados por meio de prova direta os indícios, verificando-se concorrência de uma pluralidade dos mesmos e a sua interligação com o facto nuclear a demonstrar, existindo um nexo preciso, direto, coerente, lógico e racional entre os indícios provados e os factos que deles se inferiram e tendo o tribunal recorrido explicitado cabalmente na sentença o raciocínio por via do qual partindo dos indícios provados chegou à conclusão sobre factos dados como provados, nada obstava a que como tal os considerasse, pois preenchidos estão os requisitos da eficácia probatória da prova indiciária.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 39/23.8GEABT, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Local Criminal de …, em Processo Especial Abreviado, foi o arguido AA condenado, por sentença de 21/11/2023, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, o que perfaz o montante global de 600,00 euros e bem assim na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

a) O arguido vinha acusado de praticar em autoria material e na forma consumada de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, por “(…) no dia 24 de Junho de 2023, pelas 20h10, na Rua …, em …, o arguido guiava o ciclomotor de matrícula …, quando se despistou sozinho e foi fiscalizado pela GNR. Submetido ao teste de presença de álcool no sangue apurou-se que conduzia o referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 2,567 g/l (cfr. talão junto aos autos, efectuado o desconto legal sobre a taxa registada de 2,79g/l). (…) sublinhado e negrito do recorrente.

b) Pelo douto Ministério Público, no despacho de acusação foi indicada como prova a constante dos autos, designadamente: Prova Documental: 1) Auto de notícia, de fls. 4 e 5; 2) Talão de fls. 6; 3) Certificado de verificação de fls.17; 4) Certificado do Registo Criminal do Arguido, de fls. 18; Prova Testemunhal: - BB, militar da GNR, id. a fls. 4 e 5 - CC, militar da GNR, id. a fls. 4 e 5;

c) Após a realização da audiência de discussão e Julgamento, pela meritíssima Juiz a quo, na fundamentação da sentença da qual se recorre, foram dados como provados os seguintes factos:

“1. No dia 24 de junho de 2023, pelas 20h10, na Rua …, em …, o arguido guiava o ciclomotor de matrícula …, quando se despistou sozinho e foi fiscalizado pela GNR.

2. Submetido a teste de presença de álcool no sangue apurou-se que conduzia o referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 2,567 g/l (cfr. talão junto aos autos, efetuado o desconto legal sobre a taxa registada de 2,79g/l).

3. O arguido atuou livre e voluntariamente, consciente do estado em que se encontrava, sabendo que não podia conduzir o mencionado veículo após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade que poderia determinar uma taxa de álcool no sangue superior à permitida para conduzir na via pública, bem como conhecia as características da via por onde circulava, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

Mais se provou que:

4. O arguido ao almoço tinha ingerido 4 copos de vinho.

5. Entre as 17h e as 18h, o arguido ingeriu 3 a 4 cervejas.

6. Após a queda do ciclomotor o arguido tinha colocado o capacete e estava imóvel.

7. Após a queda do veículo, o arguido estava inconsciente.

8. Após a chegada do inem, o arguido recusou observação e transporte para o hospital, recusando, igualmente, assinar a declaração de recusa.

9. Pela equipa do inem foi observado um trauma no arguido.

10. O motociclo foi retirado do local por pessoas não concretamente apuradas e colocado no pátio da igreja, antes dos militares da GNR chegarem ao local.

11. O ciclomotor apresentava riscos na estrutura dianteira lateral direita e o pisca do lado direito partido”

Vejamos,

d) Pelas declarações da testemunha DD, sobrinha do Arguido, o douto tribunal a quo, considerou que a testemunha prestou depoimento de forma objetiva, sincera e espontânea, tendo referido que não viu o “acidente”, (…) “esclareceu que estabeleceu contacto telefónico com o 112, respondendo às questões que lhe foram sendo colocadas, sendo certo que as suas respostas eram indicadas pela mãe (EE) (…)” declarações essas que permitiu ao tribunal a quo dar como provados os factos 1, 2 e 6 a 9 e como não provados os factos constantes nas alíneas a) a l), sublinhado e negrito do recorrente.

e) Ora, salvo douto entendimento em sentido contrário, não é possível extrair do depoimento da testemunha DD a factualidade dada como provada em 1 e 2;

f) Desde logo, quando é questionada ao minuto 00:04:51 pelo MAGISTRADO JUDICIAL – “Muito bem. Então não viu nada?” - A testemunha de formas espontânea e sincera responde, ao minuto 00:04:52 Testemunha – “Não.”

g) A testemunha DD afirma que nada viu! Ora, quem nada viu, nada sabe!

h) Pelo que, no entendimento do Recorrente não pode o tribunal dar como provados factos com base no depoimento de quem, foi sincero e espontâneo a afirmar que nada viu.

i) Ademais, o depoimento da testemunha DD, resulta do que ouviu dizer, do que a mãe (EE) lhe transmitiu.

j) Pois que, de forma genérica a testemunha DD informa o tribunal ao longo do seu depoimento que: - não viu nada; - que foi a mãe que lhe contou/explicou; - que não se aproximou; - que o tio devia estar inconsciente. Que não sabe bem! - que não se recorda se o tio estava sentado ou deitado; - que foram outras pessoas que estavam no local que disseram que o tio não respondia… - que enquanto falava com o 112, estava a falar com a mãe que lhe dava indicações; - que não havia marcas no chão da queda;

k) Ora, tendo o tribunal a quo, desconsiderado o depoimento direito da testemunha de defesa EE, que o considerou “inaproveitáveis posto que se limitaram a pouco mais do que a profissão de fé de que o arguido não tinha conduzido, porquanto traria a motorizada à mão e caiu (…)”, por maioria de razão, não poderá considerar o depoimento da testemunha DD, por ser considerado na perspetiva do Recorrente, um depoimento indireto nos termos do disposto no artigo 129º do Código Processo Penal.

l) Inexistindo quem tenha presenciado os factos concretos que são imputados ao arguido, mormente o facto provado 1 e 2, mormente que -“ No dia 24 de junho de 2023, pelas 20h10, na Rua …, em …, o arguido guiava o ciclomotor de matrícula ..., quando se despistou sozinho e foi fiscalizado pela GNR. Submetido ao teste de presença de álcool no sangue apurou-se que conduzia o referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 2,567 g/l (cfr. talão junto aos autos, efetuado o desconto legal sobre a taxa registada de 2,79g/l, não podem os mesmos ser dados como provados com base em depoimento indireto! negrito e sublinhado do recorrente.

m) Ademais, do depoimento da testemunha DD não permite extrair a conclusão dos factos dados como provados em 6 e 7, mormente quanto “Após a queda do ciclomotor o arguido tinha colocado o capacete e estava imóvel; e Após a queda do veículo, o arguido estava inconsciente.”

n) Pois que, o Recorrente podia estar imóvel, sentado ou deitado no chão, encostado à parede, com o capacete colocado ou sem o mesmo, sem que esses factos só por si, permitam afirmar com certeza que “após a queda do ciclomotor o arguido tinha colocado o capacete e estava imóvel; e Após a queda do veículo, o arguido estava inconsciente.” Trata-se de uma dedução do tribunal a quo, não corresponde a factos concretos que resultem do depoimento da testemunha DD, ou outra qualquer testemunha!

o) No que concerne aos factos provado elencados no ponto 8 e 9, mormente quanto, “Após a chegada do inem, o arguido recusou observação e transporte para o hospital, recusando, igualmente, assinar a declaração de recusa; Pela equipa do inem foi observado um trauma no arguido.”, não resulta do depoimento da testemunha DD qualquer referência à assistência médica realizada no local, muito menos quanto à circunstância do recorrente ter recusado observação e transporte para o hospital. E em bom rigor da verdade, não resulta provada, com base nas declarações da mencionada testemunha DD que a equipa do inem tenha observado um trauma no arguido!

p) Pelo que, no entendimento do recorrente impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, mormente quanto aos fatos dados como provados e enunciados supra, com fundamento na reapreciação da prova gravada. Pois que, o depoimento da Testemunha DD não permite dar como provados os factos descrito em 1 e 2, e, por conseguinte, em 3, por se tratar de uma mera dedução ou presunção legal. Igualmente o depoimento da testemunha não permite extrair as conclusões enunciadas de 6 a 9.

q) Por maioria de razão, saldo douto entendimento em sentido contrário, não poderá o tribunal a quo, considerar que não resultam provados os factos enunciados de a) a l) com base do depoimento da testemunha DD, que nada viu, e sobre os quais nem se pronunciou!

r) Urge, por conseguinte, a reapreciação da prova gravada!

s) Na sentença que agora se recorre, a meritíssima juiz a quo, teve ainda em consideração o depoimento dos militares da GNR, BB e CC, que “(…) de forma objetiva, esclareceram que não assistiram ao acidente e quando chegaram ao local o arguido estava consciente, sentado no chão, estando bastante agressivo, tendo recusado tratamento por parte da equipa médica do INEM. (…) Esclareceram que a

t) (em branco, como no original)

u) descrição dos factos quando ao acidente constantes no auto de notícia e da participação de acidente resultou de dedução (…) abstiveram de referir em tribunal que os factos descritos no auto de descritos no auto de notícia e na participação resultaram de meras deduções, as quais não tinham suporte em qualquer meio de prova recolhido. (…).” Sublinhado e negrito do recorrente.

v) Resulta das transcrições supra, que de facto os militares da GNR não presenciaram qualquer facto ou circunstância, pelo que, enferma de erro grosseiro o auto de notícia ao mencionar que o motivo da intervenção “conhecimento direto”, e a proveniência do crime: “em flagrante delito”!

w) Ademais, pela testemunha BB, militar da GNR, foi dito que a participação do acidente foi realização com base em dedução. Presumiu que o acidente terá ocorrido! E que terá ocorrido da forma como o descreveu!

x) Conforme doutamente é mencionado na sentença “perante a circunstância de ninguém ter visto efetivamente o arguido a conduzir o veículo de duas rodas”, conjugado com o facto de o auto de notícia de fls 3 a 3 verso e a participação do acidente, fls 41 a 42, estarem assentes em presunções dos militares da GNR, sem indicação de qualquer meio de prova de corrobore tais presunções! Sublinhado e negrito do recorrente!

y) Acresce ainda a circunstância de a ficha de cronologia de fls 93 a 98 emitida pelo SNS e o Documento denominado iTeams, fls 99 a 102 retratar depoimento indireto da testemunha DD, que nada viu e nada sabe, que nunca se aproximou do local e que depôs que “por muito pouco que seja, que quer é pedir ajuda e ajudar!” bem como, afirmou que a mãe (EE) é que lhe contou e que lhe ia transmitindo informações enquanto estava em chamada telefónica com o INEM, razão pela qual, tal depoimento e os documentos produzidos com base na sua perceção do alegado acidente ou despiste não pode ser considerados, por não retratar a perceção pessoal e direta da testemunha.

z) Ademais, na participação do acidente, elaborada pelo militar da GNR consta que “o acidente ter-se-á dado como passo a transcrever: - o condutor do ciclomotor circulava na rua … em … e ao descrever uma curva para a direita embateu na parede no número de policia nº 1” – tendo sido identificado o local do embate.

aa) Ora, o proprietário do número de polícia nº 1, o sr. FF, veio aos autos a 20 de setembro de 2023, através de requerimento junto aos autos, disponível no citius através da referência …, informar que “(…) os danos causados no meu edifício, os mesmos já se encontravam danificados há muito tempo”

bb) Pelo que, não corroboram a presunção e tese apresentada pelos militares da GNR na Participação do Acidente.

cc) Na realidade, quando questionado o arguido sobre os factos, o mesmo manifestou vontade de prestar declarações.

dd) Tendo elucidado o tribunal quanto aos factos: De forma sincera e espontânea o arguido confessou a ingestão de bebidas alcoólicas. E mostrou-se conhecedor de que não pode conduzir após ter ingerido bebidas alcoólicas. Explicou ao tribunal que esteve numa pastelaria/café e abeirou-se junto do ciclomotor com intenção do ir guardar na casa da mãe, que fica próxima da pastelaria e da igreja.

ee) Mais, elucidou que ao retirar o ciclomotor da posição de descanso, ao retirar o “coiso”, a mota é pesada e que se desequilibrou e caiu. Que não colocou a chave na ignição nem se “montou” em cima da mota!

ff) Mais, explicou ao tribunal que não colidiu com o número de polícia nº1 da rua …. O que foi corroborado pelo proprietário. Mais elucidou o tribunal que o pisca da mota já estava partido e a carenagem já estava riscada em momento anterior ao dia dos factos de que vem acusado! O que foi corroborado pelas testemunhas de defesa!

gg) O arguido não tem antecedentes criminais nem rodoviários!

hh) Pelo que, é conhecedor dos seus direitos e deveres. Se de facto tivesse guiado o ciclomotor aceitava as consequências impostas pelo tribunal. Mostrando-se respeitador dos ditames da lei.

ii) Nas suas declaração, ao minuto 00:05:03, o Arguido diz: “ (…)– É assim, eu … eu sai do café, a minha mãe mora a 20 metros e eu agarrei na mota a mão e fui para meter a mota, porque eu deixava a mota em casa da minha mãe e a mota caiu para o chão quando a autoridade chegou a mim não estava na mota, eles não viram nada. E aquilo, aquilo já esta danificado á mais de um ano eu não bati em lado nenhum eu nem na moto sentei nem nada. Eu deixava sempre a mota na casa da minha mãe que mora ali a 20 metros. Eu simplesmente tirei a moto do, do, do coiso, só que a moto é grande é pesada, desequilibrei-me e deixei a mota cair depois o meu sobrinho e uma irmã minha chegaram la agarraram na moto e deslocaram-na para casa da minha mãe que mora ali a 20 metros. Eu nem na mota montei o que mais me aborrece é estar a ser incriminado por uma coisa que não fiz, isso é triste. (…)”

jj) É premente a reapreciação da prova! Pois que, no entendimento do recorrente ainda que se desconsidere as declarações do arguido, por ser interessado, e que se restrinja a prova produzida aos depoimentos dos militares da GNR e à Testemunha DD, resulta, n entendimento do recorrente, uma apreciação e convicção diferente daquela que retirou o tribunal a quo, que na perspetiva do recorrente andou mal, por não ser possível retirar daqueles depoimentos prova inequívoca dos factos, permanecendo dúvida séria, que não se consubstancia ou basta com presunções baseadas na convicção!

kk) Pois que, todo este processo se baseia em deduções! Desde logo da Testemunha DD, que não presenciou os factos e quando chegou ao local não se aproximou nem falou com o arguido. Em presunções e ilações dos militares da GNR que uma vez chegados ao local realizaram uma participação do acidente de acordo com a sua livre convicção e dedução, retirando conclusões sobre o sentido da marcha, local de embate, danos etc…

ll) Quanto as condições pessoais, familiares e económicas do arguido, as mesmas resultaram das declarações do arguido, as quais foram prestadas na audiência de discussão e julgado do dia 23/11/2023, às quais permitiram dar como provados os factos 12 a 17.

mm) Ao contrário do mencionado na sentença recorrida, os factos provados de 12 a 17 não resultaram do depoimento dos militares da GNR, pois que, em momento alguém é prestado depoimento quanto às condições pessoais, familiares e económicas do arguido! Enferma porquanto de erro também nesta parte a sentença recorrida!

nn) Como refere e bem, a meritíssima juiz a quo, durante o depoimento da testemunha BB, militar da GNR, realizado no dia 10/10/2023, áudio denominado 20231010145936_3078550_2871737, o seguinte:

- [00:32:50] Meritíssima Juiz: E ele só lhe respondeu que era o condutor.

- [00:32:53] BB: Sim.

- [00:32:54] Meritíssima Juiz: Isso não quer dizer que a pessoa tenha conduzido.

oo) É que na verdade, o facto de ser o proprietário e condutor no veículo, não significa tout court que naquele dia e àquela hora o arguido tenha conduzido/guiado o ciclomotor!

pp) De igual forma, o facto de ter ingerido bebidas alcoólicas e de estar embriagado, não é sinónimo, ou melhor, não significa só por si que o arguido conduziu o ciclomotor.

qq) Porquanto, inexistindo prova inequívoca de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados, no dia, hora e local de que é acusado!

rr) Ademais, não resultou dos depoimentos prestados a prova séria e considerável que os mesmos tenham efetivamente tido lugar! Razão pela qual, entende o recorrente que a interpretação que o tribunal a quo deveria ter feito da prova produzida, deveria ir no sentido da existência de dúvida séria sobre a prática pelo arguido dos factos de que vinha acusado.

ss) Por não conseguir concluir com certeza quer da prova documental quer da prova testemunhal que factos foram efetivamente praticados, ou seja, se o arguido conduziu ou não o ciclomotor, e se de facto existiu ou não despiste, se os danos apresentados na mota são decorrência de eventual despiste ou se já existiam antes.

tt) Perante a dúvida sobre certos factos incertos, a dúvida deve favorecer o arguido, por aplicação do princípio in dubio pro reo.

uu) Razão pela qual deve ser julgado procede o presente recurso e em consequência absolvido do crime de que vem acusado.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/valoração de prova proibida/violação do princípio in dubio pro reo.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1. No dia 24 de junho de 2023, pelas 20h10, na Rua …, em …, o arguido guiava o ciclomotor de matrícula …, quando se despistou sozinho e foi fiscalizado pela GNR.

2. Submetido ao teste de presença de álcool no sangue apurou-se que conduzia o referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 2,567 g/l (cfr. talão junto aos autos, efetuado o desconto legal sobre a taxa registada de 2,79g/l).

3. O arguido atuou livre e voluntariamente, consciente do estado em que se encontrava, sabendo que não podia conduzir o mencionado veículo após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade que poderia determinar uma taxa de álcool no sangue superior à permitida para conduzir na via pública, bem como conhecia as características da via por onde circulava, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

Mais se provou que:

4. O arguido ao almoço tinha ingerido 4 copos de vinho.

5. Entre as 17h e as 18h, o arguido ingeriu 3 a 4 cervejas.

6. Após a queda do ciclomotor o arguido tinha colocado o capacete e estava imóvel.

7. Após a queda do veículo, o arguido estava inconsciente.

8. Após a chegada do inem, o arguido recusou observação e transporte para o hospital, recusando, igualmente, assinar a declaração de recusa.

9. Pela equipa do inem foi observado um trauma no arguido.

10. O motociclo foi retirado do local por pessoas não concretamente apuradas e colocado no pátio da igreja, antes dos militares da GNR chegarem ao local.

11. O ciclomotor apresentava riscos na estrutura dianteira lateral direita e o pisca do lado direito partido.

Das condições pessoais, familiares, económicas

12. O arguido vive com a esposa e com dois filhos.

13. O arguido tem 4 filhos, com 22, 21, 20 e 7 anos de idade respetivamente.

14. A esposa aufere o ordenado mínimo.

15. O arguido realiza trabalhos ocasionais e aufere a quantia mensal média de 400,00 euros.

16. Vive em casa própria e suporta uma prestação mensal de 215,00 euros para amortização do credito de habitação.

17. Tem o 4º ano de escolaridade.

Dos antecedentes criminais

18. O arguido não tem antecedentes criminais averbados.

Quanto aos factos não provados, considerou (transcrição):

a) O arguido deixou o ciclomotor de matrícula … estacionando na Rua ….

b) Quando pretendia ir deixar e guardar o ciclomotor melhor identificado na residência da sua mãe, sita …, nº … em …, …, que dista cerca de 20m da Rua …, abeirou-se do mesmo, sendo que em momento algum subiu para cima do ciclomotor ou ligou o motor.

c) Ao abeirar-se do ciclomotor, e ao retirar o ciclomotor da posição de segurança desequilibrou-se e caíram no chão desamparados, o arguido e o ciclomotor.

d) Foi quando, ao se aperceberem do sucedido que o sr. GG e o sr. HH se aproximaram do local para ajudar o arguido a erguer o ciclomotor.

e) De forma simultânea, a sra. EE, irmã do arguido, que estava na casa da mãe, local do qual conseguia visualizar o ora sucedido, juntou-se ao demais para ajudar.

f) Em momento algum o arguido teve intenção de ligar o motor e conduzir o ciclomotor.

g) Após erguer o ciclomotor foi o Sr. HH e EE que pegaram na mota, pela mão, sem ligar o motor, e levaram a mota para a casa da mãe do arguido.

h) Sendo que, o arguido foi junto deles, a pé, carregando apenas o capacete.

i) Os danos que o ciclomotor apresenta, mormente na carenagem do lado direito e pisca pisca da frente direito partido não foram consequência da queda do ciclomotor.

j) Sendo que há vários meses a esta parte que o ciclomotor apresenta tais danos.

k) Sem que nada o fizesse prever, quando o arguido já se encontrava sentado no exterior da habitação da sua mãe, chegou uma ambulância que vinha o socorrer.

l) O arguido não sofreu qualquer lesão, nem tão pouco pediu ajuda ou ligou para a emergência médica, desconhecendo quem o terá feito.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

a) No auto de notícia de fls. 3 a 3 verso, que permitiu fixar o dia, hora e local dos acontecimentos (facto 1).

b) No talão do alcoolímetro do aparelho SAF IR, de fls. 29, o qual foi verificado em 18.07.2002, conforme resulta do respetivo certificado de fls. 30, que permitiu dar como provado a taxa de álcool no sangue que o arguido era portador no dia e hora dos acontecimentos (facto 2).

c) Participação de acidente de fls. 41 a 42, não foi tida em consideração uma vez que parte de presunções, pois os militares da GNR não encontraram o veiculo no local.

d) C.R.C. do arguido de fls. 80 e ss, no que diz respeito aos antecedentes criminais, o que permitiu apurar que o arguido não possui quaisquer antecedentes criminais averbados (facto 18).

e) Ficha de Cronologia de acidente de fls. 93 a 98 emitida pelo SNS, a qual permitiu concluir que o arguido, efetivamente, quando conduzia o veiculo de duas rodas, sofreu um despiste, caindo ao chão, com o capacete colocado na cabeça, tendo ficado imóvel e inconsciente. Na verdade, este documento é elaborado de acordo com as informações prestadas pela pessoa que contacta o INEM, no caso, a sobrinha do arguido, a qual prestou declarações consentâneas com a presente ficha de cronologia. Pelo que se deu como provado os factos 1 e 6.

f) Documento denominado iTeams, de fls. 99 a 102, a qual permitiu dar com provado os factos 8 a 10, nomeadamente que o arguido apresentava trauma (que significa “Lesão ou ferida local produzida por uma ação violenta exterior. Do grego traûma, -atos «ferida, desastre» in https://www.infopedia.pt › dicionarios › termos-medicos).

g) Fotografias de fls. 89 a 90, as quais retratam visualmente que a motorizada apresentava danos na sua estrutura dianteira e no pisca, decorrente da queda, o que permitiu dar como provado o facto 11.

Nas declarações do arguido, o qual negou os factos, dizendo que não conduziu, tendo levado a mota à mão para a casa da mãe, tendo caído com a mesma por se ter desequilibrado, referindo que se tratou de uma atuação desastrosa quer dos bombeiros e do inem, bem como da policia. Contudo, admitiu que estava embriagado, esclarecendo o tipo e quantidade de bebidas ingeridas, reportando que sabe que após a ingestão de bebidas alcoólicas não se pode conduzir (factos 4 e 5). No mais, as suas declarações não mereceram qualquer credibilidade, em face das declarações da testemunha DD e da Ficha de Cronologia de acidente de fls. 93 a 98 e documento denominado iTeams, de fls. 99 a 102, emitidos pelo SNS. Estes documentos e as declarações da testemunha DD contrariaram frontal e inexoravelmente a versão do arguido. As suas declarações apenas permitiram apurar a conduta interna do arguido, bem como que o arguido possui uma personalidade desfasada dos ditames do direito, tendo atuado com um sentimento de impunidade, nomeadamente que tudo pode fazer e nada lhe acontece, trazendo a tribunal testemunhas que não se coibiram de mentir em audiência de julgamento, tudo no desiderato de evitar a sua responsabilidade criminal, sem sucesso. Contudo, esqueceu o arguido que as chamadas para o inem são sujeitas a registos e à identificação dos sintomas que os acidentados apresentam e que a sua versão cairia por terra assim que fosse solicitada tal documentação. De facto, o simples confronto da versão veiculada pelo arguido com as declarações da testemunha DD, prova documental antedita, evidencia, à saciedade, que a sua versão não encontra qualquer correspondência com a realidade. Não obstante, as suas declarações apenas foram valoradas quanto às condições profissionais, económicas e familiares, as quais se afiguraram credíveis, uma vez que não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova (factos ),

Prova testemunhal, nomeadamente:

a) Os militares da GNR, BB e CC, de forma objetiva, esclareceram que não assistiram ao acidente e quando chegaram ao local o arguido estava consciente, sentado no chão, estando bastante agressivo, tendo recusado tratamento por parte da equipa médica do INEM. Reportou a testemunha BB que o arguido apresentava escoriações no braço direito. Referiu que o veiculo não estava no local e que foi encontrado mais tarde atrás do Páteo da igreja, acerca de 50 a 70 metros do local onde o arguido estava. Mais disseram que o arguido, quando instado para o efeito, referiu ser ele o condutor. Esclareceram que a descrição dos factos quando ao acidente constantes no auto de noticia e da participação de acidente resultou de dedução, dado que não identificaram as pessoas que estavam no local junto ao arguido, desconhecendo se havia alguma testemunha ocular, não recolhendo quaisquer depoimentos para o efeito. Mais disseram que no local o arguido nunca lhes referiu que não havia conduzido a mota e que a transportava à mão e só no posto é que verbalizou que não tinha conduzido. Portanto, as declarações dos militares foram valoradas por credíveis, pois não se abstiveram de referir em Tribunal que os factos descritos no auto de noticia e na participação resultavam de meras deduções, as quais não tinham suporte em qualquer meio de prova recolhido. Quanto à valoração das suas declarações que o arguido se identificou como condutor e que este nunca reportou que não tinha conduzido, assim resulta da ficha de cronologia do acidente do SNS supra aludida, a qual reporta a existência de um acidente de viação com um veiculo de duas rodas resultante de um despiste ou colisão. Pelo que as declarações das testemunhas foram credíveis, por corroboradas por prova documental. As suas declarações permitiram, desta forma dar como provados os factos 12 a 17.

b) A testemunha DD, sobrinha do arguido, de forma objetiva, sincera e espontânea, referiu que não viu o acidente, apenas chegando ao local após a mãe lhe ter telefonado a contar que o arguido tinha caído de mota. Quando ali chegou deparou com o tio (arguido) com o capacete na cabeça e não falava, parecendo estar inconsciente, pois não respondia quando chamado. Mais disse que não se conseguia aproximar do tio por ser muito impressionável. Esclareceu que estabeleceu contacto telefónico com o 112 (inem), respondendo às questões que lhe foram sendo colocadas, sendo certo que as suas respostas eram indicadas pela mãe (EE), a qual estava junto ao arguido. Ora as suas declarações foram integralmente corroboradas pela ficha de cronologia, nomeadamente, de fls. 95.

Pelo que se deu como provado os factos 1, 2 e 6 a 9 e como não provados os factos constantes nas alíneas a) a l).

c) As testemunhas de defesa, prestaram declarações inaproveitáveis posto que se limitaram a pouco mais do que a profissão de fé de que o arguido não tinha conduzido, porquanto traria a motorizada à mão e caiu (com um discurso colado ao arguido, pelo que se concluiu foram instruídos por aquele). A verdade é que todas elas tendo, supostamente, vivenciado a mesma realidade, claudicaram na caraterização de pormenores, nomeadamente a forma da queda e em que posição ficou a motorizada e o arguido, como tinha o capacete colocado, o local onde o arguido tinha inicialmente a estacionado a mota antes de conduzir. De facto, em face da prova documental junta aos autos, antes da sua inquirição, nomeadamente a ficha de cronologia do SNS, as testemunhas de defesa apostaram em mentir sem pejo em Tribunal, com o objetivo de eximir o arguido da sua responsabilidade criminal. Sucede que as testemunhas de defesa juntaram à falta de razão de ciência (não terem assistido ao arguido a utilizar a motorizada) um forte comprometimento com a posição do mesmo, tendo consciência que estavam a mentir e quiseram mentir em Tribunal, mesmo após terem sido advertidos que se mentissem praticariam um crime.

Pelo exposto, não tem dúvidas o Tribunal que as testemunhas de defesa mentiram, pois os respetivos depoimentos não foram consentâneos entre si em pormenores que revelariam a veracidade das suas declarações, tendo ficado o Tribunal convicto que as testemunhas só chegaram ao local após o acidente. Consequentemente, as suas declarações não foram valoradas.

Aqui chegados, e perante a circunstância de ninguém ter visto efetivamente o arguido a conduzir o veículo de duas rodas em causa, importa, em face dos depoimentos prestados conjugados com a prova documental junta aos e supra aludida, verificar se o Tribunal conclui se o arguido efetivamente conduziu o veículo após ter ingerido bebidas alcoólicas e com a taxa constante no libelo acusatório. A resposta só pode ser afirmativa. Na verdade, mais ninguém se encontrava no local, a não ser o arguido, o qual foi identificado pelos militares da GNR. Não se apurou que o arguido estivesse acompanhado por outra pessoa no momento em que o mesmo foi interveniente em acidente de viação. Portanto, não se tendo provado que terceiros conduziram o veículo em causa, conclui-se de forma segura, pelas circunstâncias em que o arguido foi visto, que o mesmo era o condutor da viatura no momento em que o mesmo sofreu o acidente, não se afigurando que tenha existido uma terceira pessoa no ato de condução. Acresce que o arguido após a queda, tinha o capacete colocado (note-se a informação constante de fls. 95 supra aludida e que foi confirmada pela testemunha DD).

Ninguém que transporta uma motorizada a pé coloca um capacete na cabeça. Pois, é do conhecimento geral que os capacetes ou têm uma fita com fivela para ajustar o capacete ao queixo ou tem um protetor fixo para proteger queixo com abertura para olhos, boca e nariz. E tanto a fivela aludida como o protetor fixo podem servir de suporte para colocar o capacete no punho do guiador e resulta das regras da normalidade da vida que, nestas circunstâncias (quando a mota é transportada pelo ser humano), o capacete é pendurado no guiador do veículo de duas rodas e não na cabeça. Outra circunstância que levou o Tribunal a convencer-se que o arguido conduziu após ter ingerido bebidas alcoólicas e sofrido um acidente, foi o facto de a motorizada ter sido tirada do local e colocada no pátio da Igreja, longe da vista dos militares, dos bombeiros e dos médicos, pessoas que não tinham laços familiares ou de amizade com o arguido. De facto, se fosse verdade que o arguido estava a transportar a mota à mão, qual o motivo de esconder a mesma? Quem não deve, não teme. Portanto, a retirada da mota do local apenas teve um objetivo: esconder às autoridades que o arguido tinha caído quando estava a conduzir a motorizada. Contudo, tal desiderato não teve sucesso porque o INEM recebeu a informação que tinha havido um acidente de viação com um veículo de duas rodas, decorrente de um despiste ou de uma colisão. Ora, a ficha de cronologia do SNS nunca mencionaria este facto, a não ser que lhe tivesse sido transmitido pela pessoa que efetuou a chamada telefónica para o 112. Portanto, ninguém tendo assistido ao acidente, estando o arguido caído no chão com o capacete colocado na cabeça, inconsciente e a ânsia de esconder a motorizada, retirando-a do local, resulta à saciedade que o arguido vinha a conduzir a mesma, despistando-se, caindo ao chão e tudo isto após ter ingerido bebidas alcoólicas e sabendo que tal importava responsabilidade criminal, quis esconder os vestígios que conduziriam a tal conclusão, mas sem sucesso.

Posto isto, em face da prova produzida, conclui-se, sem margem para dúvidas, que, à data em que o fez, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas, bem sabendo que as mesmas eram passíveis de lhe elevar a taxa de álcool no sangue para valores superiores ao legalmente permitido e iniciou a condução do veículo de duas rodas, bem sabendo que, com a aludida conduta, praticava um crime.

Face ao exposto e em termos de normalidade e das regras da experiência comum, conclui-se que foi o arguido o autor do crime plasmado na acusação, permitindo dar como provado os factos 1 a 11 e como não provados os factos constantes nas alíneas a) a l.

A prova dos elementos subjetivos do crime em apreço (facto 3) resultou da factualidade objetiva provada, porquanto, tratando-se de demonstrar a intenção do agente, é a mesma, as mais das vezes, insuscetível de prova direta, devendo comprovar-se por meio de presunções baseadas nas regras da experiência e da normalidade – cfr., neste sentido, o decidido no Ac. do STJ, de 08/04/1999, in CJ/STJ, Tomo II, p. 171., sendo certo que o arguido confessou saber que não pode conduzir após ingestão de bebidas alcoólicas e se o fizer comete um crime.

Apreciemos.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/valoração de prova proibida/violação do princípio in dubio pro reo

O recorrente discorda da matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2, 3, 6, 7, 8 e 9, dos fundamentos de facto da decisão revidenda e bem assim da factualidade tida por não assente vertida nas alíneas a) a l), fazendo apelo, entre o mais, às próprias declarações e depoimentos das testemunhas DD, BB (militar da GNR) e CC (também militar da Guarda), prestados em audiência de julgamento.

Ora, quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do CPP, têm de discriminar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

Segundo o nº 4 da mesma disposição legal, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º (cumprindo, actualmente, face à revogação deste nº 3 pela Lei nº 94/2021, de 21/12, que entrou em vigor em 22/03/2022, considerar a remissão como feita para o seu nº 1), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa - nº 6.

Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência – o que se verifica no caso em apreço - o que não obsta a que, nesta eventualidade, o recorrente, querendo, também proceda à transcrição dessas passagens).

Analisando as conclusões e a motivação (corpo) de recurso, constata-se que se mostram cumpridas (ainda que imperfeitamente, mas ainda assim não de molde a impedir a apreciação da impugnação na modalidade ampla) as exigências legais.

Assim se entendendo, importa analisar então a prova produzida com o objectivo de determinarmos se consente a convicção formada pelo tribunal recorrido, norteados pela ideia – força de que o tribunal de recurso não procura uma nova convicção, mas apurar se a convicção expressa pela 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e demais elementos probatórios podem exibir perante si (partindo das provas indicadas pelo recorrente que, na sua tese, impõem decisão diversa, mas não estando por estas limitado) sendo certo que apenas poderá censurar a decisão revidenda, alicerçada na livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se for manifesto que a solução por que optou, de entre as várias possíveis e plausíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum - artigo 127º, do CPP.

E, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção”, pois “doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.

Cumpre ter em atenção também que os diversos elementos de prova não devem ser analisados separadamente, antes ser apreciados em correlação uns com os outros, de forma a discernir aqueles que se confortam e aqueles que se contradizem, possibilitando ou a remoção das dúvidas ou a constatação de que o peso destas é tal que não permite uma convicção segura acerca do modo como os factos se passaram.

Analisemos então a concreta factualidade que o arguido critica, considerando os exactos termos da censura que lhe faz e se tem ou não suporte na prova produzida.

Cumpre se diga, antes de mais, que o tribunal recorrido não conferiu credibilidade às declarações do arguido e depoimentos das testemunhas GG, HH, EE e II e julgou credíveis os depoimentos das testemunhas DD, BB e CC, prestadas em audiência de julgamento, sendo certo que, como se salienta, entre outros, no Ac. da Relação do Porto de 21/04/2004, Processo nº 0314013 e Acs. da Relação de Coimbra de 18/02/2009, Proc. nº 1019/05.0OGCVIS.C1, de 10/11/2010, Proc. nº 2354/08.1PBCBR.C2 e de 09/01/2012, Proc. nº 102/10.5 TAANS.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.

No caso sub judice, o tribunal recorrido alumia as razões da valoração que fez e do texto da decisão, bem como da audição da prova que gravada se mostra, não se retira essa inadmissibilidade.

No que concerne aos factos assentes sob os pontos 1 e 2, aduz o recorrente que do depoimento da testemunha DD não se pode por eles concluir, pois não estava presente.

Ora, tendo-se procedido à audição deste depoimento, na gravação disponibilizada pelo tribunal recorrido, resulta que revelou esta testemunha:

A mãe ligou-lhe para o telefone dizendo que o tio tinha caído de mota.

Deslocou-se para o local (quando cheguei a minha mãe já lá estava) onde o meu tio tinha caído e como o meu tio não respondia tomou a iniciativa de efectuar contacto telefónico para o número 112.

Pergunta: e ele não respondeu porquê?

Resposta: tava, devia de estar inconsciente (…) o meu tio não respondia quando nós chamava-mos por ele. Visualizou que seu tio estava encostado à parede e a mota estava lá. O tio estava lá encostado à parede, tava de olhos fechados, ele tinha o capacete (colocado), também não dava para perceber muito bem.

Quando chegou ao local, estavam presentes minha mãe, o meu primo HH, o GG e o II. Eu não me aproximei demasiado.

Já a testemunha BB (militar da Guarda) deu a conhecer:

Encontrava-se em missão de patrulhamento com o Cabo CC e receberam uma comunicação via rádio de acidente de um ciclomotor com feridos, pelo que se deslocaram para o local assinalado.

Chegados, visualizou o Sr. AA (o arguido) sentado na via pública.

O referido indivíduo apresentava escoriações, mais nos braços, na parte direita. Ferimentos, esfoladelas.

A mota estava ali a cerca de cinquenta/setenta metros do local, atrás de uma igreja. Era assim no pátio da igreja. Era um espaço público.

Estava partida do lado direito, a carenagem e um pisca. Este estava partido ou estava estalado, não conseguiu precisar posteriormente.

Foi efectuado o teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue e resultou positivo. Foi então conduzido o arguido às instalações da PSP para realizar o teste quantitativo e acusou taxa crime.

Mais referiu que o arguido recusou o tratamento médico que a equipa da INEM pretendia prestar e o transporte para estabelecimento hospitalar.

Quanto à testemunha cabo da GNR CC, relatou em audiência de julgamento:

Quando chegaram ao local (a testemunha e seu camarada BB, que se encontravam em missão de patrulha), para onde se deslocaram por terem recebido uma comunicação via rádio reportando um acidente com um ciclomotor possivelmente com ferido leve, visualizou o arguido sentado no chão, de pernas esticadas (viradas para a estrada) encostado a uma parede, na via pública.

O ciclomotor encontrava-se a cerca de cinquenta metros do arguido, encostado a uma parede de uma igreja, perto da porta. Apresentava o pisca do lado direito partido (caíram um vidro ou dois do veículo quando foi desencostado da parede) e a carenagem riscada ou talvez partida.

Percorrida a elucidação efectuada pelo tribunal recorrido quanto à formação da sua convicção no que tange a no dia 24/06/2023, pelas 20:10 horas, o arguido conduzir o ciclomotor de matrícula …, se ter despistado sozinho e sido fiscalizado por elementos da GNR, resulta que considerou a prova indirecta ou por presunções.

De acordo com o artigo 349º, do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”, admitindo-se as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, como se extrai do artigo 351º do mesmo.

E é perfeitamente possível o recurso à prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou o tribunal a quo, pois esta prova (que se distingue da prova directa) é admitida no nosso ordenamento jurídico também no âmbito do processo penal – cfr. neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 11/12/2003, Proc. nº 03P3375; 07/01/2004, Proc. nº 03P3213; 09/02/2005, Proc. nº 04P4721; 04/12/2008, Proc. nº 08P3456; 12/03/2009, Proc. nº 09P0395 e de 18/06/2009, Proc. nº 81/04PBBGC.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt e também o Ac. do Tribunal Constitucional nº 391/2015, em DR nº 224, II Série, de 16/11/2015, que decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 127º, do CPP, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal.

A prova indirecta ou indiciária reporta-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova – presunções naturais.

A factualidade que provada está e contra a qual o recorrente se insurge efectivamente não tem correspondência directa no depoimento prestado em audiência de julgamento pelas testemunhas DD, BB e CC, mas resulta da conjugação lógica de todos os elementos probatórios que mereceram a confiança do tribunal, alicerçando-se na verificação de uma relação de normalidade entre os indícios e a presunção que deles se extraiu, dando-se a conhecer na sentença sob censura de forma cristalina o raciocínio através do qual, partindo de tais indícios, se concluiu pela verificação dos factos objecto da crítica.

A propósito, o Ac. da Relação de Guimarães de 17/05/2010, Proc. nº 368/06.5GACBC.G1, disponível em www.dgsi.pt, dá-nos conta do seguinte:

“Segundo a jurisprudência espanhola do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo, com o aplauso geral da doutrina, a eficácia probatória da prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos:

Prova dos indícios: Os indícios devem estar plenamente provados por meio de prova directa e não serem meras conjecturas ou suspeitas, por não ser possível construir certezas sobre simples probabilidades;

Concorrência de uma pluralidade de indícios: embora a validade da regra “indicium unus indicium nullus” seja cada vez mais questionada (cfr., criticamente, Miranda Estrampes, La minima actividad probatoria en el proceso penal Barcelona, 1997, págs. 233-240), salvo em casos excepcionais, um único facto (indício) impede a formulação de uma convicção judicial com base na prova indiciária. Para além dessa pluralidade exige-se ainda que os indícios sejam periféricos relativamente ao facto a provar, assim como estejam interligados com o facto nuclear carecido de prova e que não percam força pela presença de contraindícios que neutralizem a sua eficácia probatória;

Raciocínio dedutivo: entre os indícios provados e os factos que deles se inferem deve existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional. A falta de concordância ou irracionalidade deste nexo entre o facto base e o facto deduzido tanto pode ter por fundamento a falta de lógica ou de coerência na inferência como o carácter não concludente por excessivamente aberto, débil ou indeterminado.

Motivação da sentença: o tribunal deve explicitar na sentença o raciocínio em virtude do qual partindo dos indícios provados chega à conclusão da culpabilidade do arguido. Por isso, “a sentença baseada em indícios deve ter uma extensa e abundante motivação” (Francisco Pastor Alcoy, Prueba Indiciaria y Presuncion de Inocencia, cit. pág. 63)” - fim de citação.

Aderindo a este entendimento, resulta da decisão revidenda que se mostram preenchidos estes requisitos.

Vejamos em concreto.

Provado está, resultando inequivocamente do depoimento da testemunha DD, BB e CC, que no dia, hora e local, mencionados, o arguido seguia com o ciclomotor de matrícula … e tombou no solo, pois a primeira visualizou-o ainda com o capacete de protecção colocado (não sendo plausível, de acordo com as regras da experiência comum, que o usasse se não estivesse a conduzir o veículo, mas apenas a levá-lo “à mão”, apeado) e o ciclomotor posicionado perto, enquanto as demais observaram o arguido sentado no solo apresentando escoriações no braço direito e o veículo com danos no mesmo lado, compatíveis com uma queda.

Que foi fiscalizado pelos militares da GNR, extrai-se também dos depoimentos das testemunhas BB e CC, conjugados com o teor do talão do alcoolímetro do aparelho SAF IR a fls. 29.

O tribunal recorrido explicita cabalmente o raciocínio em virtude do qual partindo destes factos provados directamente chega à conclusão pela culpabilidade do arguido.

Estando plenamente provados por meio de prova directa os indícios, verificando-se concorrência de uma pluralidade dos mesmos e a sua interligação com o facto nuclear a demonstrar, existindo um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional entre os indícios provados e os factos que deles se inferiram e tendo o tribunal recorrido explicitado cabalmente na sentença o raciocínio por via do qual partindo dos indícios provados chegou à conclusão sob os factos dados como provados nos pontos 1 e 2 e agora sob impugnação, nada obstava a que como tal os considerasse, pois preenchidos estão os requisitos da eficácia probatória da prova indiciária.

Quanto à factualidade descrita no ponto 3 dos provados, trata-se de materialidade consubstanciadora do dolo (e da consciência da ilicitude, encare-se esta como “elemento emocional” do dolo ou como puro elemento integrante da culpa) que, porque inerentes à dimensão subjectiva, do foro psicológico, são, quase sempre indemonstráveis de forma naturalística, extraindo-se, normalmente, das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir, conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis.

Face à factualidade objectiva que provada se encontra, não podia o tribunal recorrido deixar de a dar como provada.

Os factos provados 6 e 7, extraem-se cabalmente do depoimento da testemunha DD, que mereceu credibilidade, porque prestado de forma espontânea, com desenvoltura genuína e manifestamente não parcial, atento o teor retro mencionado.

Já os relatados em 8 e 9, resultam, sem margem para dúvidas do depoimento da testemunha BB, conjugado com o teor do documento intitulado “iTeams – INEM Tool for Emergency Alert Medical Sistem”, de fls. 99 a 102 (de onde consta como diagnóstico: “Trauma” e bem assim que o assistido se recusou a assinar a declaração de recusa de transporte, o que manifesta o percepcionado pelos membros da equipa que interveio junto do arguido).

No que concerne à crítica incidente sobre os factos não provados depositados sob as alíneas a) a l), tendo em conta o que provado se encontra, não poderia o tribunal a quo concluir pela sua comprovação.

Assim, resulta claro inexistir utilização incorrecta da prova indirecta, estando a inferência retirada de acordo com as regras da experiência comum (sendo estas, de acordo com Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II volume, Reimpressão da Universidade Católica, Lisboa, 1981, pág. 300, definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade).

Mas, diz ainda o arguido que o depoimento da testemunha DD constitui depoimento indirecto, o que, a corresponder à realidade, o poderia tornar inadmissível de ser valorado como meio de prova, atento o estabelecido no artigo 129º, do CPP.

De acordo com o artigo 128º, nº 1, do CPP, “a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova”.

Por seu turno, consagra-se no aludido artigo 129º, que “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas” – nº 1; sendo que o mesmo se aplica “ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha” – nº 2.

O que se visa com tal proibição é que o tribunal não acolha como prova um depoimento que se limita a reproduzir o que se ouviu dizer a outra pessoa que é possível ouvir directamente.

Este entendimento tem subjacente a ideia de que a utilização e valoração dos testemunhos de ouvir dizer é incompatível com um processo de estrutura acusatória, por ser contrária aos princípios da imediação e do contraditório em julgamento.

Acresce que, como se pode ler no Ac. do STJ de 03/03/2010, Proc. n.º 886/07.8PSLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt “a essência da prova testemunhal é a que a mesma se refere às declarações que efectua uma pessoa sobre aquilo que percebeu pessoal e directamente. A prova testemunhal caracteriza-se pela sua imediação com o acontecimento que se presenciou visual ou auditivamente.

O depoimento indirecto refere-se a um meio de prova, e não aos factos objecto de prova, pois que o que está em causa não é o que a testemunha percepcionou mas sim o que lhe foi transmitido por quem percepcionou os factos. Assim, o depoimento indirecto não incide sobre os factos que constituem objecto de prova, mas sim sobre algo de diferente, ou seja, sobre um depoimento.”

Pois bem.

Conforme resulta da motivação da convicção do tribunal a quo e da audição da respectiva gravação, o que a testemunha referiu no seu depoimento a propósito de o arguido ter o capacete de protecção colocado, estar encostado a uma parede de olhos fechados, não responder quando interpelado e daí deduzir que se encontrava inconsciente, bem como que sua mãe lhe comunicou que o tio tinha caído de mota, deriva do que observou ou ouviu (percepcionou com os próprios sentidos) e bem assim do que lhe foi afirmado pela testemunha EE (sua mãe e irmã do arguido).

E, vero é que EE foi pelo tribunal ouvida em audiência de julgamento.

De onde, o depoimento de DD podia, perfeitamente, servir como meio de prova e alicerçar a formação da convicção do julgador de 1ª instância.

Refere também o recorrente que enferma de erro grosseiro o auto de notícia ao mencionar o motivo da intervenção como “conhecimento direto” e a proveniência do crime enquanto “em flagrante delito”, mas vero é que, percorrida a sentença criticada, se mostra claro que o auto de notícia apenas foi tido em atenção para fixar o dia, hora e local dos acontecimentos, materialidade que, aliás, já resultava dos depoimentos das testemunhas BB e CC, mostrando-se irrelevantes as desconformidades assinaladas.

Mais aduz o arguido, que da sentença consta que os factos provados em 12 a 17 (concernentes às suas condições pessoais, familiares e económicas) resultaram da convicção formada com base nos depoimentos dos militares da GNR, o que não corresponde à realidade, pois foi o próprio que elucidou o tribunal a propósito.

Mas, na sentença revidenda podemos ler que as declarações do arguido foram valoradas quanto às condições profissionais, económicas e familiares, as quais se afiguraram credíveis, uma vez que não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova (factos), pelo que a menção que da mesma consta a que as declarações dos militares da Guarda permitiram (…) dar como provados os factos 12 a 17, mais não integra do que um mero lapso de escrita, em absoluto até irrelevante.

Mas, considera o recorrente que o tribunal recorrido não teve em atenção o princípio in dubio pro reo.

A violação do princípio in dubio pro reo, corolário do da presunção de inocência constitucionalmente tutelado, pressupõe “um estado de dúvida insanável no espírito do julgador”, só podendo concluir-se pela sua verificação quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal encontrando-se nesse estado, optou por decidir contra o arguido (fixando como provados factos dubitativos ao mesmo desfavoráveis ou assentando como não provados outros que lhe são favoráveis) ou, quando embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios válidos em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter – cfr. Ac. do STJ de 27/05/2009, Proc. nº 05P0145 e Ac. da Relação de Évora de 30/01/2007, Proc. nº 2457/06-1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Percorrendo a decisão revidenda, não resulta da mesma que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – e que, a partir desse estado, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis ao arguido e nem a essa conclusão (dubitativa) se chega da análise desse mesmo texto à luz das regras da experiência comum ou fazendo apelo à prova que gravada se encontra.

Não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida e nada nos permitindo concluir que o devesse estar, não se manifesta violado este princípio.

Carece, pois, de razão o recorrente quanto à pretendida alteração dos referidos factos.

Termos em que, importa concluir que a prova produzida foi valorada com razoabilidade e os elementos apontados na sentença como relevantes para a decisão de facto se mostram coerentemente explanados e valorados de acordo com um raciocínio lógico-dedutivo que não fere as regras da experiência comum.

Conforme decorre da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do CPP - no segmento “as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida” - para que ocorra uma alteração da matéria de facto pelo tribunal ad quem não basta que o recorrente articule argumentos que permitam concluir pela possibilidade de uma outra convicção, exige-se que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal a quo é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, se mostra violadora de regras da experiência comum ou se fez uma manifestamente errada utilização de presunções naturais.

Tal exercício não foi feito pelo arguido/recorrente quanto aos factos impugnados, pelo que se não impõe a alteração da matéria de facto no sentido almejado e tem de se considerar, por isso, toda a factualidade dada como provada definitivamente fixada.

O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal.

Censura o recorrente esta condenação com alicerce na impugnação da matéria de facto que pretendia fazer valer.

Esse seu desiderato, como vimos, não foi alcançado.

Tendo em atenção os factos que provados se encontram, verificados estão os elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime por que o arguido foi condenado, inexistindo circunstâncias excludentes da ilicitude ou da culpa.

Destarte, cumpre negar provimento ao recurso.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.

Évora, 9 de Abril de 2024

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Margarida Bacelar)

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(António Condesso