LEI Nº38-A/2023
DE 2 DE AGOSTO
Sumário

Ao abrigo do artº 2º, nº 1, da L. 38-A/2023 de 2/8 (“…pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade…”) quem já completou 30 anos de idade pode beneficiar da amnistia, até atingir 31 anos.
A palavra utilizada – “entre” – só pode significar que se incluem as duas idades mínima e máxima, ou seja, quem já tem 16 anos e enquanto os tiver (até atingir os 17) e quem ainda tem 30 anos, ou seja, quem ainda não os perfez totalmente, atingido os 31 anos.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

No âmbito do processo 190/20.6GAPRD foi proferido o seguinte despacho:

“AA, nascida em … de Fevereiro de 1990, foi nos presentes autos acusada pela prática, em 19 de Março de 2020, de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, previsto pelo artigo 209.º, n.º 1, do Cód. Penal, e que é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (artigo 1.º do referido diploma legal).

Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º.

O agente, à data dos factos, tem que ter entre 16 e 30 anos de idade, inclusive. – Pedro José Esteves de Brito, in “Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, Julgar Online, Agosto de 2023, acessível em www.julgar.pt.

São amnistiadas as infracções penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa (cfr. artigo 4.º, do referido diploma legal).

Considerando a idade da Arguida à data da prática dos factos (30 anos, ou seja, ainda não tinha atingido os 31 anos de idade), a data da prática dos factos (19 de Março de 2020) e a moldura abstracta do crime pelo qual foi acusada, tal infracção penal está abrangida pela amnistia estabelecida pelo referido diploma legal.

Ora, a responsabilidade criminal extingue-se pela amnistia (artigos 127.º, n.º 1, e 128.º, n.º 1, ambos do Cód. Penal).

Nestes termos, e em face do disposto nos artigos 127.º, n.º 1 e 128.º, n.º 2, ambos do Cód. Penal, declaro extinta a responsabilidade criminal da Arguida AA.

Em face do ora decidido, dou sem efeito a audiência de julgamento agendada nestes autos.

Notifique e desconvoque pela forma mais expedita.

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Discordando da referida decisão, dela recorreu o Ministério Público, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1.A arguida AA foi acusada pela prática, em autoria material (artº. 26º, do Cód. Penal), na prática de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, p. e p. pelo artº. 209º, nº. 1, do Cód. Penal, punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2.Os factos pelos quais a Arguida AA se encontra acusada remontam a 19.03.20.

3.A arguida nasceu em ….02.1990.

4.A Arguida em 19.03.2020 tinha 30 anos e 26 dias.

5.A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (artigo 1.º do referido diploma legal).

6.Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º.

7.A exposição de motivos da PROPOSTA DE LEI Nº 97/XV/1.ª que Estabelece perdão de penas e amnistia de infrações praticadas por jovens referiu:

“Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens.

Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ.”

8.As leis de amnistia e de perdão, como “medidas de graça”, são excecionais e por isso devem ser interpretadas e aplicadas nos precisos termos em que estão redigidas, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas, impondo-se, apenas, uma interpretação declarativa.

9.No caso concreto, a norma estabelece como data limite para aplicação da amnistia reportada à data dos factos o limite de 30 anos e 0 dias.

10.Salvo melhor opinião, encontra-se ultrapassado tal limite temporal da idade porque à data da prática dos factos a Arguida tinha 30 anos e 26 dias.

11.O tribunal a quo, salvo melhor opinião, fez uma errada interpretação do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto.

12. Pois o seu raciocínio permite a conclusão que a idade limite plasmada no artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023 será até perfazer 31 anos.

13.Com efeito, deveria considerar como limite máximo de 30 anos e 0 dias à data da prática dos factos.

14.O tribunal a quo ao declarar, em face do disposto nos artigos 127.º, n.º 1 e 128.º, n.º 2, ambos do Cód. Penal, extinta a responsabilidade criminal da Arguida AA errou na interpretação do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, fez uma interpretação extensiva ao considerar como idade limite até perfazer 31 anos e, portanto, não afastou a aplicação da Lei n.º 38-A/2023 ao caso concreto, violando, assim, a norma do artigo 2.º.

15. O despacho que declarou amnistiado o crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, p. e p. pelo artº. 209º, nº. 1, do Cód. Penal deve ser revogado.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida e substituindo-se por outra que considere não se encontrar amnistia a conduta da Arguida e se determine a realização de julgamento e os ulteriores atos do processo.

Contudo, Vªs. Exªs. decidirão conforme for de LEI e JUSTIÇA.”

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A arguida não respondeu ao recurso.

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta.

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APRECIAÇÃO

A única questão que importa apreciar é de saber se, ao abrigo do artº 2º, nº 1, da L. 38-A/2023 de 2/8 (“…pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade…”) quem já completou 30 anos de idade pode beneficiar da amnistia, até atingir 31 anos.

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A questão já foi apreciada no recente acórdão desta relação de 6/2/2024, relatado pelo Exmº Desembargador Carlos Lobo e assim sumariado:

I - A referência constante do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, “por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”, considerando todo o elemento literal da normação em causa e, bem assim, o pensamento legislativo que lhe é inerente, não afasta o patamar dos 30 anos de idade, antes o inclui.

II - Com efeito, enquanto a idade do agente se mantiver nos 30 anos, ao que se entende, está dentro desse limite/marco, pois, ao que se pensa, o legislador não usou a preposição “até” - que, efetivamente, fixaria o limite/espaço para além do qual se não pode ir -, nem afastou quem tivesse já 30 anos de idade (usando uma forma excludente, como cristalinamente o fez no D.L. nº 401/82, de 23 de setembro - Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes -, no seu artigo 1º, nº 2, onde se plasma que “é considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos”).

III - Tem-se 30/40/50 anos de idade no espaço temporal de 12 meses, desde a data que os atinge, até perfazer 31/41/51, sendo que é isto que parece advir da normalidade da vida quotidiana.

IV - Há, assim, que considerar que, no campo de abrangência do dispositivo em ponderação, cabe o universo de condenados que tenham 30 anos e enquanto os tiverem, medidos em tempo de 365 dias nesse estatuto/marco, à data da prática dos factos.

Aderimos ao defendido no referido acórdão, seguindo também o entendimento expresso por Pedro Brito, Revista Julgar de Agosto de 2023, pág. 5.

Com efeito, reconhecendo que mais uma vez o legislador não foi suficientemente claro, é pacificamente aceite que se tem 30 anos até se perfazer 31.

Assim, se se escreveu “entre 16 e 30 anos”, quem ainda não perfez 31 anos, mas já perfez 30, continua a ter 30 anos de idade (e mais qualquer coisa, é certo, mas a idade que habitualmente comunica é 30 anos).

Também o limite mínimo de 16 anos abrange quem tem 16 anos e mais qualquer coisa, até perfazer 17 anos.

Bem se sabe que o limite mínimo de 16 anos está previsto por ser a idade penalmente relevante para efeitos de imputabilidade, mas não deixa de se considerar que tem 16 anos quem ainda não perfez 17.

Tal como se refere no indicado acórdão desta relação de 6/2/2024, o legislador não utilizou a expressão empregue no artº 1º do D.L. 401/82 de 23/9 – “… tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos” – nem qualquer outra equivalente que manifestamente não incluísse quem já tivesse atingido os 30 anos.

Também o artº 3º da Lei 29/99 de 12/5 foi claro ao estipular:

Artigo 3.º

Relativamente às infracções praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, a pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos a delinquentes com menos de 21 anos, à data da prática do crime, ou com 70 ou mais anos, em 25 de Março de 1999, será sempre substituída por multa na parte não perdoada, salvo se forem reincidentes ou se se encontrarem em alguma das situações previstas no artigo seguinte.

Como se vê, quanto aos jovens estabeleceu-se “menos de 21 anos”, o que significa que quem já perfez 21 anos não tem menos de 21 anos e, portanto, não é abrangido pela referida disposição legal.

Na faixa etária oposta teve-se o cuidado de expressamente incluir quem tinha 70 anos, o que acontece desde o dia em que se perfaz 70 anos. Ou seja: está subjacente que tem 70 anos quem já perfez 70 anos e não tem, ainda, 71.

O mesmo se passa aqui, repete-se: tem 30 anos quem ainda não perfez 31.

É certo que, como refere o recorrente, na exposição de motivos alude-se como idade limite para participar nas jornadas mundiais da juventude o não ter perfeito 30 anos, mas tal não teve a mínima correspondência no referido artº 2º, nº 1, da lei da amnistia, como se deixou referido.

A palavra utilizada – “entre” – só pode significar que se incluem as duas idades mínima e máxima, ou seja, quem já tem 16 anos e enquanto os tiver (até atingir os 17) e quem ainda tem 30 anos, ou seja, quem ainda não os perfez totalmente, atingido os 31 anos.

É que a não se incluir quem já perfez 30 anos mas não perfez 31, então poderia colocar-se a hipótese de também não incluir quem já perfez 16 anos mas ainda não atingiu os 17.

Se se exclui o “limite máximo” (30 anos) do “entre”, teria que se excluir o limite mínimo (quem “só” tem 16 anos e mais qualquer coisa, mas não ainda 17).

Tal como não se empregou a expressão “inclusivé” para inequivocamente abranger quem perfez 30, sem atingir 31, também não se empregou tal expressão para “incluir” quem tem 16 sem ter atingido os 17 anos.

Assim sendo, deve entender-se que a partir do momento em que se atinge os 16 anos continua a ter-se 16 anos até atingir os 17, e continua a ter 30 anos quem os atinge e enquanto não perfaz os 31.

Bem andou, pois, a decisão recorrida.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Évora, 9 de Abril de 2024

Nuno Garcia

António Condesso

Maria Margarida Bacelar (vencida conforme declaração de voto que segue)

Declaração de voto

Com o devido muito respeito pela posição que fez vencimento, permitimo-nos discordar da mesma e sustentar o presente voto de vencida nos termos e com os fundamentos que, em breve síntese, passamos a enunciar.

Quer atendendo às considerações consignadas na exposição de motivos constante da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª, que esteve na origem da Lei n.º 38-A/2023 de 02.08, quer levando em conta a interpretação que tem vindo a ser feita de outras normas penais nas quais se utiliza a mesma fórmula para delimitar a idade dos seus destinatários – com recurso à preposição entre – entendemos que as medidas de clemência estabelecidas pela mencionada Lei têm como destinatários apenas os jovens que já tenham completado 16 anos e que ainda não tenham completado 30 anos de idade.

Évora, 09.04.2024

Maria Margarida Bacelar