AMEAÇA AGRAVADA
COAÇÃO
INTRODUÇÃO EM LUGAR VEDADO AO PÚBLICO
PENAS DE PRISÃO
PENAS DE MULTA
Sumário

Os factos consubstanciadores dos crimes de ameaça agravada, coacção e introdução em lugar vedado ao público, dos quais foram vítimas pessoas ligadas à ex-mulher do recorrente, vítima do crime de violência doméstica, ocorreram no âmbito da mesma situação geral de “perseguição” desta última.
Se é certo que relativamente a todos eles, o arguido actuou de forma a considerar-se preenchido de forma completa o respectivo elemento subjectivo, não é menos certo que os mesmos foram ocasionados pela anterior e persistente postura do arguido relativamente à sua ex-mulher.
Por exemplo, relativamente à vítima dos crimes de coacção e introdução em lugar vedado ao público, o que o recorrente efectivamente pretendia é que essa vítima se afastasse da sua ex-mulher.
Se tal não conduz necessariamente a menor ilicitude, o que é certo é que se entende desproporcionada a pena de prisão, a qual nunca pode ser aplicada “por arrastamento” relativamente à pena de prisão aplicada pela prática do crime de violência doméstica.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença que o condenou numa pena única de 5 anos e 4 meses pela prática de crimes de violência doméstica, ameaça agravada, coacção e introdução em lugar vedado ao público.

Perante recurso dessa decisão interposto pelo arguido, foi proferida decisão sumária neste tribunal da relação que declarou nula a sentença por ter a mesma desrespeitado o disposto no artº 16º, nº 3, do C.P.P..

Foi, então, proferida nova sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto decide-se, condenar o arguido AA, nos seguintes termos:

-pela um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, al. a), 2, a), 4 e 5, do Código Penal, 3 anos de prisão;

-pela prática um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.°, n.° 1 e 155.°, n 1, al. a), ambos do Código Penal, 10 meses de prisão;

-pela prática de um crime de coacção, previsto e punido pelo artigo 154.°, n.° 1, do Código Penal, 10 meses de prisão;

-pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.°, do Código Penal, 2 meses de prisão

- condenar o arguido a pena única (relativa a cúmulo jurídico das penas parcelares supra referidas), de 3 (três) anos e 11 (onze) meses de prisão;

- condenar o arguido no pagamento à Assistente, a titulo de indemnização civil por danos patrimoniais sofridos pela mesma, pela prática pelo arguido do crime de violência doméstica, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros)

- condenar igualmente o arguido no pagamento de 2 Uc´s de taxa de justiça, nos termos dos art.ºs 513º e 514º do Código de Processo Penal e art.º 8º, nº5º do Regulamento das Custas Processuais, reduzida a metade, nos termos do disposto no art.º 344º, nº1º, c) do C.P.P.

- manter a medida de coacção de prisão preventiva a que o arguido se encontra sujeito;”

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Novamente inconformado, o arguido recorreu, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

O Tribunal «a quo», violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude «elevado» é um critério estatístico e não qualitativo, de intensidade. Abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada.

In causu, o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado. Apenas deu um empurrão à vitima, foi um episódio de conflito, (discussão) entre arguido recorrente e a vitima), mas desconhecendo-se quem é que foi o conflituoso e violento: (o arguido, a vitima ou os dois); o arguido ao admitir que deu um empurrão à vitima, foi a forma adequada a afastar um perigo atual e não removível de outro modo, que ameaçava a sua integridade física, a honra.

Quanto aos outros crimes, (Ameaça, coação e introdução em lugar vedado ao público) confessou e manifestou arrependimento, e deveu-se ao facto do seu estado emocional e em sofrimento.

Deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado. Nem reduzido nem elevado.

O relatório social nos termos do artº 370º do CPP, não foi junto aos autos

O tribunal determinou a medida concreta da pena considerando que o arguido manteve um «Relacionamento afetivo desestruturado»

Assim, o Tribunal violou o disposto da alínea d) do no 2 do artº 71º do Código Penal.

O tribunal fixou a pena tendo em consideração a «extrema conflitualidade e violência» que marcou o tal relacionamento afetivo, assim desrespeitando o que estabelece na d) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

A pena aplicada ao arguido foi determinado, não tendo em consideração que ele em julgamento colaborou com a Justiça e esclarecendo todos os motivos e dos seus comportamentos censuráveis.

Mostrou arrependimento o que estabelece o nº 2 da alínea e) do artigo 71º do Código Penal.

10º.

Na operação da fixação da medida concreta da pena, atende-se ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal

11º

Foi elencado na medida concreta da pena um facto não provado na matéria de facto «o arguido padece de consumos de álcool abusivos recusando a sujeição a tratamentos»

12º

O arguido/recorrente sente-se humilhado, difamado e perturbado emocionalmente, colocando em risco a sua saúde, com a não verdade indicada na douta Sentença

13º

A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.

14º

Mostram-se violadas, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos 50º 71º 77º do Código Penal.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicável deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser revogada a douta SENTENÇA recorrida e substituída por outra que alterando a matéria de direito CONDENE em Cúmulo Jurídico o arguido numa pena única não superior a 2 anos e seis meses de prisão e a mesma seja suspensa pelo mesmo período nos termos do artigo 50º nº 1 do Código Penal. CONDENANDO AINDA º arguido no pagamento à assistente, a título de indemnização por danos não patrimoniais uma quantia não superior a mil euros.

Assim, se fará a costumada JUSTIÇA”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1. O Recorrente, arguido nos autos à margem identificados, recorre da sentença condenatória, pondo-a em crise, recorrendo de direito.

2. Assiste razão ao recorrente quando aponta alguns reparos à determinação da medida concreta das penas aplicadas.

3. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo omitiu qualquer fundamentação no que diz respeito à opção por pena privativa da liberdade relativamente ao crime de ameaça agravada, de coacção e de introdução em lugar vedado ao público, violando o disposto no artigo 70.º, do Código Penal.

4. A esses ilícitos são aplicáveis penas de prisão ou penas de multa, por isso é necessário, previamente, escolher a espécie da pena principal.

5. O tribunal deve dar preferência à pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial.

6. No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que este tipo de comportamentos é adoptado na nossa sociedade. Mas, no que diz respeito ao recorrente, as exigências de prevenção especial são medianas, uma vez que não regista antecedentes criminais e aparenta estar social, familiar e profissionalmente inserido.

7. As finalidades da punição ficarão suficientemente asseguradas com a aplicação de penas de multa aos crimes de ameaça agravada, de coacção e de introdução em lugar vedado ao público.

8. No que concerne à medida da pena, devem ser sopesado o seguinte: o grau de ilicitude dos factos que se afigura elevado, fazendo-se referência, por um lado, aos bens jurídicos em causa (liberdade de actuação, integridade física e psíquica) e, por outro lado, à natureza e gravidade dos maus tratos perpetrados durante um determinado período; a intensidade do dolo que, in casu, é, como se viu, na modalidade de dolo directo, de alta intensidade, por ser a forma mais gravosa do dolo relativamente a todos os crimes, pois o arguido actuou motivado pela sua própria vontade; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram que não revelam nenhuma circunstância digna de relevo a assinalar, dado que os factos surgem como reacção emocional permanente durante e após a convivência em comum do casal; a situação pessoal do arguido que resulta das suas declarações; a conduta anterior ao facto e posterior a este que revelam uma conduta sem qualquer premeditação ou preparação ou recurso a um particular empenho de meios ou esforço do arguido na sua execução; a ausência de antecedentes criminais; as exigências de prevenção geral, traduzida na necessidade de manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas violadas, são elevadas atento o facto do crime de violência doméstica ser sentido pela comunidade como sinal de desprezo pela dignidade humana, um dos valores mais preciosos; e as exigências de prevenção especial que assumem menor relevância uma vez que o arguido é primário e encontra-se social e profissionalmente inserido, sugerindo um juízo de prognose favorável acerca da reintegração social do arguido.

9. Considerando as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, consideramos adequado e suficiente aplicar ao arguido: a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão relativamente ao crime de violência doméstica; a pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) relativamente ao crime de ameaça agravada; a pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) relativamente ao crime de coacção; e a pena de 35 (trinta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) relativamente ao crime de introdução em lugar vedado ao público.

10. Em sede de cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal e, considerando, em conjunto, os factos praticados pelo arguido e a personalidade deste, bem como as necessidades de prevenção geral e especial acima analisadas, tem-se por adequado e suficiente aplicar ao arguido a pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), relativamente aos crimes de ameaça agravada, de coacção e de introdução de lugar vedado ao público.

11. No que concerne à pena de prisão, pode ser ponderada a suspensão da sua execução como dispõe o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

12. Assim, atendendo em especial as consequências dos factos praticados pelo arguido, o facto do comportamento do arguido ter-se norteado pela vontade de retomar o relacionamento com a ofendida (e não por alguma maldade gratuita), a sua fragilidade emocional após ruptura do casal e pedido de divórcio pela ofendida, consideramos não ser necessário expô-lo novamente aos efeitos estigmatizantes de uma pena privativa de liberdade, a cumprir em estabelecimento prisional.

13. É de salientar que no dia 22/01/2023, o arguido ficou em prisão preventiva, aguardando que a DGRSP indicasse instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, que o mesmo demonstrou necessitar quando prestou declarações.

14. Tal instituição nunca foi indicada nos autos e o arguido só negou tratamento de adição alcoólica, nunca se negou a ir para instituição para que lhe prestasse apoio social e tratamento na área da psiquiatria.

15. Há a considerar, todavia, que a suspensão da execução não deverá ser determinada pura e simplesmente, mas antes condicionada a regras de conduta, sob pena de o arguido não sentir a decisão como uma verdadeira sanção criminal e, bem assim, de esta não surtir os efeitos de prevenção geral e especial e de ressocialização que devem estar-lhe associados.

16. Assim, tendo em atenção ao facto de o arguido não registar antecedentes criminais, a confissão dos factos, a natureza dos factos sub judice, a debilidade emocional que o arguido revelou, entendemos que deverá ficar suspensa a execução daquela pena de prisão pelo período de 3 (três) anos, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social, elaborado e executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pela DGRSP, devendo o mesmo conter as seguintes regras de conduta de conteúdo positivo, concretamente:

- obrigação de se submeter a consulta médica de psiquiatria e ao tratamento médico que vier a ser considerado necessário pelo médico assistente;

- obrigação de frequentar programa direccionado à prevenção de violência doméstica e à interiorização do dever de vivência normativa em sociedade, tudo mediante acompanhamento e supervisão da DGRSP, em conformidade com o disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 52.º, n.ºs 1, al. b) e 3, e 51.º, n.º 4, ex vi do art.º 52º, n.º 4, 53.º e 54.º, n.º 3, todos do Código Penal.

17. Na mesma decisão deve ser ainda o arguido condenado na pena acessória de proibição de contactar com a ofendida em qualquer local, bem como de se aproximar das imediações da residência e do local de trabalho daquela, mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de três anos, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal.

18. Por todas as razões ora aduzidas, entende-se que a douta sentença proferida pela Mma. Juiz a quo merece alguns reparos e violou o disposto nos artigos 50.º, 40.º, 70.º e 71, do Código Penal pelo que, deve ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a sentença nos aspectos atrás assinalados.

Nestes termos, concedendo provimento ao recurso apresentado pelo arguido e, em consequência, revogando a decisão recorrida Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, assim fazendo a habitual JUSTIÇA!”

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A assistente respondeu ao recurso, tendo pugnado pela manutenção integral da sentença recorrida.

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Neste tribunal da relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer, acompanhando a resposta apresentada pelo MºPº na 1ª instância e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., apenas a assistente respondeu, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

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APRECIAÇÃO

As questões a analisar (tendo em conta as conclusões do recurso ou oficiosamente):

- Não referência à opção pela pena de multa nos crimes de ameaça, coacção e introdução em lugar vedado ao público;

- Medida da pena;

- Suspensão da execução da pena;

- Montante indemnizatório.

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A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

“A.1.) Da culpabilidade

1.O arguido e a vítima BB casaram em … de 2001 e divorciaram-se em … de 2021.

2. Dessa relação, o arguido e a vítima tiveram quatro filhos: CC, nascida a …2005, DD, nascida a …2010, EE, nascido a …2014 e FF, nascida a …2016.

3. A partir de data não concretamente apurada do ano de 2018 e até à data do divórcio, por diversas vezes, em momentos não concretamente apurados, no interior da habitação do casal sita na Rua …, lote …, …, em …, por motivos relacionados com as contas bancárias e com os gastos do arguido, este disse à vítima as seguintes palavras: «Não estou para encher o cu a vacas. Vai mas é trabalhar onde ganhes mais, não tens nada a ver com o dinheiro que ganho. Agora sei porque é que as mulheres apanham porrada. Se tu apanhasses também andavas calminha».

4. Em data não concretamente apurada do ano de 2021, a hora não apurada, no interior da cozinha da habitação descrita em 3., na sequência de uma discussão e por motivos não concretamente apurados, o arguido empurrou a vítima, fazendo com que esta tivesse ido embater com as costas no balcão da cozinha, provocando-lhe dores.

5. Em Junho de 2021, o arguido e a vítima cessaram o relacionamento, passando a viver em habitações distintas.

6. Após a separação e a até ao dia 20 de Março de 2022, diariamente, a várias horas do dita, por não aceitar o fim da relação, o arguido efectuou várias chamadas e videochamadas e enviou várias mensagens de texto para o telemóvel da vítima.

7. Nesse período, por diversas vezes, durante o período da madrugada, com o intuito de saber onde a vítima se encontrava, o arguido ligou para o telemóvel da vítima, tentando que esta o atendesse de modo a efectuar videochamadas e desta forma saber qual o seu paradeiro e com quem esta estava.

8. Na verdade, em várias dessas chamadas, o arguido disse à vítima que se iria suicidar se esta não voltasse para ele, que a violava e ainda lhe disse as seguintes palavras: «Se te apanho com outro homem, mato-te. Não és de mais ninguém».

9. Acresce que, sempre que a vítima pedia ao arguido que pagasse o valor da pensão de alimentos referente aos filhos menores, o arguido dizia as seguintes palavras: «Só pago se voltares para mim».

10. No período acima descrito em 6.°, por diversas vezes, o arguido desloca-se para junto do local de trabalho da vítima, sito na R. …, …, área deste município de …, permanecendo nessa rua, em frente à …, com o intuito de saber quando a vítima entra ou sai do trabalho.

11. Ademais, por diversas vezes, no período descrito em 6.°, o arguido entrou no hall de entrada do prédio da habitação onde resida a vítima.

12. No dia 11 de Fevereiro de 2022, a hora não concretamente apurada da madrugada, o arguido aproximou-se do prédio onde habita a vítima e subiu pelas varandas até entrar na varanda da habitação da vítima.

13. Em seguida, o arguido colocou as suas mãos na janela da cozinha, não conseguindo abrir a mesma, porquanto a vítima se apercebeu e trancou a mesma.

14. Perante tal, o arguido abandonou o local e ligou para a vítima a pedir-lhe que não denunciasse a sua conduta às autoridades policiais.

15. Em momento não concretamente apurado do mês de Janeiro de 2022, pelas 20h30, o arguido deslocou-se até à Rua …, n.°…, …, em …, propriedade de GG, por saber que a vítima aí se tinha deslocado para estar com a sua sobrinha.

16. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido permaneceu nessa rua, em frente à dita habitação, apenas tendo abandonado o local por volta das 00h30 do dia seguinte, momento em que a vítima também saiu da referida habitação.

17. Em momento não apurado dos meses de Janeiro ou Fevereiro de 2022, pelas 22h30, o arguido seguiu a vítima, quando esta se encontrava a andar, perto do campo de futebol do …, sito na R…, em …, área deste município de ….

18. Quando o arguido se encontrava no interior do quintal duma habitação perto do referido estádio, a vítima viu-o, tendo o mesmo ficado surpreendido e abandonado o local.

19. No dia 28 de Fevereiro de 2022, pelas 18h15, em frente ao edifício do Colégio …, sito na R. …, em …, o arguido aproximou-se da vítima que se encontrava no interior do seu veículo automóvel.

20. Entretanto, quando o arguido se apercebeu que a vítima se preparava para accionar a ignição do veículo automóvel o arguido colocou a sua mão pela janela do veículo, que se encontrava aberta, e, dessa forma, retirou a chave da ignição.

21. Acto contínuo o arguido disse à vítima, em voz alta, as seguintes palavras: «Estavas a falar com aquele homem, vieste ter com aquele homem».

22. Tais palavras foram ouvidas pelo menor EE, que se encontrava presente.

23. Em seguida, a vítima logrou recuperar a chave e colocou-a na ignição, tendo abandonado o local, ao volante do seu veículo.

24. No período compreendido entre as 21h44 do dia 28 de Fevereiro de 2022 e as 06h04 do dia 1 de Março de 2022, o arguido efectuou nove chamadas para a vítima e enviou 23 mensagens escritas para o telemóvel desta, para o seu número ….

25. Pelas 06h04, o arguido enviou à vítima uma mensagem escrita com o seguinte teor: «Vou subir o prédio se não atendes».

26. No dia 28 de Fevereiro de 2022, pelas 22h17, o arguido enviou uma mensagem escrita para o telemóvel de HH pedindo-lhe informação sobre o paradeiro da vítima, por saber que aquela era amiga desta.

27. No dia 11/03/2022, pelas 23h30, o arguido permaneceu nas imediações da residência da vítima, sita na Rua …, Lote …, …, em …, vigiando a vítima.

28. Por despacho de 26/04/2022, foi determinada a suspensão provisória do processo pelo prazo de 24 meses, mediante o cumprimento, por parte do arguido, das seguintes injunções:

1.Abster-se de praticar factos atentatórios da dignidade, honra, integridade física e vida da vítima;

2.Abster-se de se aproximar e contactar, directa ou indirectamente com a vítima, com excepção dos contactos relacionados com o exercício das responsabilidades parentais;

3.Frequentar o programa para agressores de violência doméstica a administrar pela DGRSP e sob a supervisão desta entidade;

4.Submeter-se a consulta médica a fim de apurar se o arguido padece de alguma patologia relacionada com a dependência ao consumo de bebidas alcoólicas ou produtos estupefacientes e, caso o médico conclua pela necessidade de efectuar qualquer tratamento ou acompanhamento, proceder de acordo com as instruções do médico.

29. Contudo, o arguido não cessou a sua conduta e, ao longo dos últimos tempos continuou a perseguir a vítima e a atentar contra a sua integridade psíquica.

30. Em data não concretamente apurada mas ocorrido em meados de Maio de 2022, a vítima começou a exercer actividade profissional na loja do …, no …, em …, durante os fins de semana e com turnos predominantemente nocturnos.

31. Nos dias em que prestava o seu trabalho no referido local, a vítima chegava à sua residência no horário compreendido entre as 0h00 e as 0h20.

32. Nessas ocasiões, por diversas vezes, o arguido permaneceu junto à residência da vítima e apenas se ausentou do local após a vítima chegar a casa.

33. Numa dessas ocasiões, no mês de Maio de 2022, a vítima demorou um pouco mais a chegar a casa.

34. Nessa ocasião, o arguido permaneceu junto à residência da vítima e ao dar conta da sua demora, através do seu telemóvel com o n.° … enviou uma SMS para o telemóvel da vítima com o n.° … a questionar como tinha corrido o trabalho e a afirmar que o atraso da vítima a chegar a casa se devia ao facto de ter “ido beber um copo”.

35. Em data não concretamente apurada mas ocorrido no mês de Maio de 2022, o arguido enviou SMS para o telemóvel da vítima com expressões a afirmar que iria colocar termo à vida da vítima.

36. No dia 23/05/2022, por volta das 19h00, a vítima deslocou-se para a residência da sua mãe, II, utilizando o seu automóvel.

37. Nessa ocasião, com o recurso de um automóvel, o arguido seguiu a vítima e após esta entrar para o interior da residência da sua mãe, o arguido parou e permaneceu junto a esse local.

38. Quando a vítima se preparava para entrar na residência da sua mãe, o arguido dirigiu-se à vítima e justificou a sua presença no local, referindo “era para perguntar sobre as crianças, não é preciso trabalhares à noite que o dinheiro que eu dou não precisas de trabalhar à noite”.

39. Ao deparar-se com a presença do arguido, a mãe da vítima dirigiu ao arguido a expressão “vai-te já embora que eu não te quero aqui à porta, não quero que faças vergonhas aqui” e fechou a porta de entrada da sua residência, tendo o arguido, nesse momento, abandonado o local.

40. No dia 28/05/2022, pelas 14h00, o arguido deslocou-se à residência da mãe da vítima, II, para ir buscar os seus filhos, DD, EE e FF.

41. Nessa ocasião, quando a mãe da vítima se preparava para fechar a porta de entrada, o arguido dirigiu-lhe a expressão “feche, feche a porta, que você é a primeira a ir”.

42. Em datas não concretamente apuradas, mas ocorrido até ao mês de Maio de 2022 e em quatro ocasiões distintas, o arguido retirou do porta-chaves da sua filha a chave de entrada na residência da vítima.

43. Por temer que o arguido entrasse na sua residência, por quatro vezes, a vítima comprou fechaduras novas e trocou-as pela fechadura que tinha colocada na porta de entrada da sua residência.

44. Em datas não concretamente apuradas, mas ocorrido até ao mês de Maio de 2022 e por diversas vezes, o arguido dirigiu-se à mãe da vítima, II, e pediu ajuda para que a vítima voltasse a viver consigo, retomando a relação.

45. Em data não concretamente apurada, mas ocorrido num sábado do mês de Junho de 2022, a vítima deslocou-se no seu automóvel até ao Bar “…”, sito em ….

46. Nessa ocasião, o arguido seguiu a vítima até ao referido bar e permaneceu nas imediações, controlando a vítima e os contactos que esta estabelecia com outras pessoas, nomeadamente os contactos que esta estabeleceu com o seu amigo, JJ.

47. Após alguns dias, o arguido foi ao encontro do JJ e referiu que o tinha visto na companhia da vítima no Bar “…” e referiu que a vítima “era a mulher da sua vida’”, que “não a queria perder por nada deste mundo” e que “se a mesma arranjasse alguém não sabia o que fazia, não consegue estar sem ela”.

48. No dia 11/07/2022, a vítima deslocou-se para a residência da sua amiga, HH, em ….

49. Nesse dia, a vítima e o arguido tinham acordado que o arguido iria buscar os seus filhos por volta das 22h00 e a vítima não disse ao arguido que iria estar na residência da HH.

50. Contudo, o arguido seguiu a vítima até à residência de HH e, neste local, por volta das 20h20 e já na companhia dos seus filhos EE e FF, o arguido iniciou uma discussão com a vítima e proferiu as expressões “és uma mentirosa, vens ter com os teus amigos, não foste para a formação, não queres ficar com os miúdos”, “mentirosa”, “vou-te fazer a vida negra”, “apenas queres fazer noitadas e andar com os amigos’.

51. Nessa ocasião, temendo pela sua integridade física, a vítima acionou o seu aparelho de teleassistência e após uma patrulha da GNR se deslocar ao local, foi acompanhada até à sua residência por esta força de segurança.

52. Nessa ocasião, ao verificar que a vítima tinha acionado a proteção por teleassistência, o arguido ausentou-se do local, dirigiu-se para junto da residência da vítima e permaneceu nesse local.

53. Ao chegar junto à sua residência, na presença da patrulha da GNR, o arguido dirigiu-se à vítima e proferiu a expressão “eu vou-lhe fazer a vida negra até ao fim, porque já não tenho nada a perder, ela acabou com a minha vida quando pediu o divórcio, trabalhei vinte anos para ela, tem casa, tem carro, tem tudo à minha custa e eu vou mata-la a ela e a outro que apanhe com ela”.

54. No dia 10/08/2022, pelas 20h00, a vítima encontrava-se na sua residência.

55. Nessa ocasião, o arguido deslocou-se junto da residência da vítima para entregar os seus filhos.

56. A vítima e o arguido tinham previamente acordado que o arguido iria deixar os seus filhos junto à porta de entrada do prédio e o arguido não poderia acompanhar os menores até ao terceiro andar, onde se situa a residência da vítima.

57. Contudo, o arguido não cumpriu o acordado e subiu até ao terceiro andar do prédio, na companhia dos seus filhos, e não avisou a vítima que o iria fazer.

58. Nessa ocasião, ao saber que os seus filhos iriam para casa, a vítima abriu a porta de entrada da sua residência e permaneceu nesse local à espera que os seus filhos entrassem em casa.

59. Após os seus filhos e o arguido chegarem junto à residência da vítima, os menores entraram para dentro de casa e a vítima começou a fechar a porta de entrada.

60. Contudo, o arguido colocou as suas mãos na porta e impediu que se fechasse, tendo a vítima questionado “o que estás a fazer aqui?”.

61. Acto contínuo, o arguido respondeu “Posso estar aqui porque a casa é minha” e, ao mesmo tempo, começou a questionar a vítima porque motivo não tinha o seu automóvel nas imediações da sua residência e começou a olhar para dentro de casa, examinando o que se passava no seu interior e verificando se encontrava mais alguma pessoa no seu interior.

62. No dia 09/09/2022, a depoente saiu na companhia da sua amiga, KK e regressou à sua residência pelas 3h00 do dia 10/09/2022.

63. Nessa ocasião, o arguido deslocou-se no seu automóvel para junto da residência da vítima e permaneceu nesse local até a vítima regressar para casa.

64. No dia 14/09/2022, pelas 13h50, a vítima saiu da sua residência na companhia do seu filho EE para o levar a uma consulta ao psicólogo, em …, sem que tenha previamente avisado o arguido que o iria fazer.

65. Contudo, nessa ocasião, o arguido permaneceu junto à residência da vítima e ao ver a mesma a sair de casa, seguiu-a até ao consultório do psicólogo.

66. Nesse dia, pelas 14h15, o arguido enviou uma SMS à vítima com o seguinte conteúdo: “Ola como estas o nosso menino está melhor”.

67. Desde pelo menos Maio de 2022 e até à presente data, às segundas-feiras e quintas-feiras, entre as 21h00 e as 23h00, a vítima desloca-se para … para realizar caminhadas com um grupo de caminhantes.

68. Em vários desses dias, o arguido seguiu a vítima até … e enquanto a vítima se encontrava a realizar a caminhada, o arguido deslocou-se no seu automóvel pelas zonas envolventes e, em várias ocasiões, cruzou-se com a vítima a caminhar.

69. Após terminar as suas caminhadas, a vítima desloca-se para a sua residência.

70. Nessas ocasiões, o arguido seguiu a vítima até esta chegar à sua residência e, após, permaneceu nesse local.

71. Após a vítima se deslocar para o interior da sua residência, em várias ocasiões, o arguido enviou SMS à vítima.

72. No dia 12/09/2022, após terminar a caminhada, a vítima foi tomar café na companhia do seu amigo LL e apenas regressou a casa por volta das 0h00.

73. Nessa ocasião, o arguido permaneceu nas imediações da residência da vítima e após verificar que a vítima regressou a casa, começou a enviar SMS para a vítima.

74. No dia 15/09/2022, pelas 22h30, a vítima encontrava-se a realizar a sua caminhada na zona do …, em ….

75. Nessa ocasião, quando a vítima se preparava para atravessar a estrada, o arguido passou junto a si, fazendo-se transportar no seu automóvel.

76. Por diversas vezes, quando se encontra junto às imediações da residência da vítima e não a vê chegar a casa, o arguido deslocou-se no seu automóvel até junto da residência da mãe da vítima para ver se a encontra, tendo-o feito, pela última vez, no dia 15/09/2022, pelas 14h50.

77. No dia 19/09/2022, o arguido voltou a perseguir a vítima quando esta realizava uma caminhada.

78. Nesse dia, pelas 23h00, a vítima foi com o LL à procura de um estabelecimento de restauração/café para tomar café e diante o facto de se encontrarem todos fechados, deslocaram-se para a residência de LL, em …, tendo a mesma permanecido nessa residência até às 00h10 do dia seguinte.

79. Nesse dia, o arguido seguiu a vítima e LL até à residência deste e permaneceu no local durante o tempo que a vítima esteve no interior da residência.

80. Enquanto permanecia junto à residência de LL, através do seu perfil pessoal da rede social “Facebook”, o arguido enviou um “pedido de amizade” para o perfil do LL.

81. Nessa ocasião, ao deparar-se com a vítima a sair da residência do LL, o arguido começou a enviar SMS para a vítima e a realizar telefonemas para a vítima.

82. No dia 20/09/2022, o arguido deslocou-se à oficina de LL, localizada em …, levando consigo uma bicicleta a pedal para arranjar e comportou-se como se fosse um cliente novo.

83. Após trocar algumas palavras com o LL sobre o problema da bicicleta, o arguido dirigiu ao LL as expressões “então e o café de ontem foi bom?", “então você não faz parte dos pirilampos e não foi tomar café ontem à noite"" e “sou o pai das crianças da BB"".

84. Após o LL ter confirmado que tinham ido beber café, o arguido referiu “como é que foram tomar café se os cafés estavam fechados", “sabe como é que é isto: eu gosto muito da BB e cada vez que a vejo com alguém vêem-me ideias à cabeça e não vou permitir que ninguém se meta nunca no meio de nós os dois" e “a BB vai ser minha, pode passar um ano, dez anos, quinze anos mas vai ser minha".

85. Após o decurso de aproximadamente 40 minutos a falar sobre a vítima, o arguido ausentou-se da oficina do LL e no momento em que se preparava para sair, dirigiu-se ao LL e proferiu a expressão “eu também ando por aqui, vou vir aqui mais vezes"".

86. No dia 22/09/2022, o arguido deslocou-se à oficina do LL para ir buscar a sua bicicleta e ao pagar o valor do arranjo entregou ao LL o pagamento do arranjo e € 5,00 de gorjeta ao mesmo tempo que proferiu a expressão “é para pagares um café à BB’’.

87. Ao sair da oficina, o arguido dirigiu ao LL as expressões “Sr. LL, espero que não tenha que vir aqui ainda muitas vezes” e “Sim, pela internet sabe-se tudo”.

88. Nesse dia, no período da noite, a vítima voltou a fazer uma caminhada e após terminar, deslocou-se, na companhia de LL, para a residência deste, onde permaneceram no quintal entre as 23h00 e as 0h00.

89. Após a vítima sair da residência do LL, após o decurso de aproximadamente 15 minutos, o arguido deslocou-se à porta de entrada da residência do LL, tocou à campainha por três vezes e tentou abrir a porta de entrada.

90. Após, o arguido trepou o muro de entrada da residência do LL e acedeu ao quintal da residência.

91. Nesse momento, ao deparar-se com a presença do arguido, LL gritou “ladrão, ladrão”, tendo o arguido, de seguida, pulado o muro para fora do quintal da residência e ausentou-se do local.

92. Por temer pela sua integridade física, desde o dia 22/09/2022, LL deixou de conviver do mesmo modo com a vítima BB.

93. No dia 23/09/2022, pelas 20h00, a vítima encontrava-se a passear na companhia de GG.

94. Nessa ocasião, o arguido seguiu a vítima e quando esta se encontrava junto ao entroncamento da Rua … com a Rua …, em … e se deparou com a presença do arguido, o arguido deslocou-se para o interior de um prédio na rua paralela.

95. Após, o arguido enviou SMS para o telemóvel da vítima.

96. Desde o dia 23/05/2022, o arguido enviou para a vítima as mensagens que seguem, o qual enviou essas mensagens tanto de dia como de noite:

(dão-se aqui como reproduzidos os teores das mensagens tal como consta na sentença recorrida)

97. O arguido, ao agir do modo descrito, molestou psicologicamente a vítima, causando-lhe um estado de humilhação, sofrimento, ansiedade e medo permanentes, na medida em que não sabia o que esperar daquele.

98. O arguido sabia que sobre si recaía o dever de tratar a sua mulher e ex-mulher com particular respeito e consideração, atendendo ao vínculo que os unia e tinha unido e que não podia actuar do modo supra descrito.

99. O arguido agiu com o propósito concretizado de ofender o bom nome, a honra e consideração da vítima.

100. O arguido não se coibiu de actuar da forma descrita, mesmo sabendo estar no interior da habitação onde residia com a vítima e na presença dos seus filhos.

101. O arguido sabia que molestava o corpo e a saúde da vítima.

102. Pelos comportamentos supra descritos o arguido sabia que necessariamente provocava medo, inquietação e insegurança na vítima e que assim prejudicava a liberdade de circulação e de autodeterminação desta, que lhe causava perturbação da sua paz e tranquilidade, e não obstante agiu em conformidade com essa sua representação

103. O arguido sabia que as palavras ditas eram adequadas a que a vítima sentisse receio que aquele atentasse contra a sua vida e contra a sua liberdade sexual.

104. O arguido ao agir da forma descrita previu e quis amedrontar II, do modo acima descrito, com o intuito concretizado de a fazer recear pela sua vida e perturba-la no seu sentimento de segurança e na sua liberdade de movimentação e actuação, bem sabendo que essa conduta era apta a produzir esse efeito, o que não o impediu de agir do modo descrito.

105. O arguido ao agir da forma descrita, fê-lo com o propósito concretizado de levar o LL e não continuar a manter contactos próximos com a BB, bem sabendo que só incutindo medo e receio ao LL de que poderia atentar contra a sua integridade física, o impediria de prosseguir com a sua pretensão de conviver com a BB como o fazia até então, como quis e conseguiu.

106. O arguido sabia que o conteúdo das suas palavras, o modo como as expressou e todo o seu comportamento era apto a demover o LL de conviver com a BB, como era sua pretensão e veio a ocorrer, o que não o impediu de agir do modo descrito como quis e conseguiu.

107. O arguido quis, como conseguiu, introduzir-se e permanecer, na habitação de LL, bem sabendo que, desse modo, invadiu e ocupou uma propriedade que não lhe pertence e que se encontrava vedada, não podendo ser livremente acedida por terceiros e que o fazia sem o consentimento e contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que não o impediu de agir do modo descrito.

108. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

A.2) Da Determinação da sanção

a) O arguido não tem antecedentes criminais.

b) O arguido encontra-se actualmente em prisão preventiva, tendo recusado o tratamento a adição alcoólica.

c) Ao arguido em 26/2/2022 foram aplicadas as seguintes medidas de coacção:

-TIR, já prestado nos autos;

-proibição de contactar, por qualquer meio, com a ofendida BB;

- não frequentar, nem permanecer a, pelo menos, 500 metros da residência, local de trabalho e outros locais frequentados por BB;

- não adquirir, não usar ou, no prazo de 2 dias, entregar armas ou outros objetos e utensílios que detiver, capazes de facilitar a prática de outro crime;

- obrigação de apresentação periódica, às quartas-feiras, no OPC da sua residência;

- sujeição a consulta de avaliação psicológica e/ou psiquiátrica e subsequente acompanhamento, mediante plano e acompanhamento pela DGRSP;

d) Em 22.1.2023, e por violação das medidas de coacção anteriormente aplicadas, foi o arguido sujeito a prisão preventiva, nos seguintes termos: “Atenta a postura do arguido, que referiu que não iria cumprir a medida aplicada, mantém-se a decisão de determinar que o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo em obrigação de permanência em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, cumulada com as medidas de coacção já anteriormente estabelecida, proibição de contactar, por qualquer meio, a ofendida e obrigação de não adquirir ou usar armas ou outros objectos capazes de facilitar a prática de outro crime. Mas, considerando-se retirado o consentimento fornecido e atenta a referida postura, até existência dessa instituição, deverá permanecer em prisão preventiva atentos os fundamentos já expostos que fundamentam uma decisão privativa da liberdade e o disposto nos artigos 202º, nº1, alínea b) e 203º, nº2, alínea a).”

e) Já em prisão preventiva o arguido sempre se recusou a ir para instituição adequada a tratamento de adição alcoólica;

f) Mesmo na prisão, e através dos telemóveis dos filhos, o arguido tenta contactar a vitima, tendo inclusivamente lhe enviado um crucifixo de madeira idêntico ao que enviou para cada um dos seus quatro filhos.

A.3) Do Pedido de Indemnização Civil formulado nos autos.

1 – A vitima/Assistente/demandante sentiu-se inquieta com medo e terror atentas as condutas praticadas pelo arguido.

2 – As condutas praticadas pelo arguido nos termos definidos na acusação e considerados provados conduziram a que a vitima/assistente vivesse em permanente sobressalto quer devido aos permanentes contactos por telefone perpetrados pelo arguido, quer pelo facto do arguido aparecer “de surpresa” em diversas ocasiões e circunstâncias, sempre com o intuito de atemorizar a vitima e fazer notada a sua presença.

3 – A vitima/Assistente vive em permanente estado de medo, desassossego e tristeza, e uma instabilidade emocional que se repercute na sua vida familiar e social.

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Alternativa pena de prisão/pena de multa.

Como bem refere o Ministério Público na resposta ao recurso, a sentença recorrida padece de vício consistente na não apreciação da alternativa da pena de multa relativamente aos crimes de ameaça, coacção e introdução em lugar vedado ao público.

O recorrente não alude concretamente a essa omissão, mas trata-se de questão que pode (e deve) ser apreciada por este tribunal, nos termos do artº 379º, nºs 1, al. c) e 2, do C.P.P..

É o que se fará, sendo certo que pode este tribunal suprir tal omissão.

Os artºs 153º, nº 1/155º, nº 1, al a), 154º, nº 1 e 191º, todos do Cód. Penal, preveem a punição alternativa com pena de prisão ou pena de multa.

Ora, nos termos do artº 70º do Cód. Penal, “… o tribunal dá preferência à segunda sempre que este realizar de forma adequada e suficientes as finalidades da punição.”

Perante isto, o tribunal recorrido tinha a obrigação de se pronunciar sobre a questão, fundamentando especialmente a opção pela pena de prisão.

Não se trata sequer de falta de fundamentação, mas sim de falta de apreciação sobre questão sobre a qual se deveria ter pronunciado, pois que nem sequer se alude à alternativa existente e ao artº 70º do Cód. Penal.

Sabe-se que, como bem refere Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, pág. 77, “São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial (artigos 70º e 40º, nº 1, do CP), que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição). Não é, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite da pena (artigo 40º, nº 2, do CP), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição que venha a ser aplicada (artigo 71º, nº 1, do CP).”

Perante o que provado se considerou, entendemos que não se justifica a pena de prisão, realizando a pena de multa as referidas finalidades da punição.

Com efeito, os factos consubstanciadores dos referidos três crimes, dos quais foram vítimas pessoas ligadas à ex-mulher do recorrente, vítima do crime de violência doméstica, ocorreram no âmbito da mesma situação geral de “perseguição” desta última.

Se é certo que relativamente a todos eles, o arguido actuou de forma a considerar-se preenchido de forma completa o respectivo elemento subjectivo, não é menos certo que os mesmos foram ocasionados pela anterior e persistente postura do arguido relativamente à sua ex-mulher.

Por exemplo, relativamente à vítima dos crimes de coacção e introdução em lugar vedado ao público, o que o recorrente efectivamente pretendia é que essa vítima se afastasse da sua ex-mulher.

Se tal não conduz necessariamente a menor ilicitude, o que é certo é que se entende desproporcionada a pena de prisão, a qual nunca pode ser aplicada “por arrastamento” relativamente à pena de prisão aplicada pela prática do crime de violência doméstica.

Posto isto, tendo em conta as referidas normas incriminadoras e o disposto no artº 47º, nº 1, do Cód. Penal, temos que as penas de multa devem ser fixadas entre os seguintes limites:

- crime de ameaça agravada – 10 a 240 dias;

- crime de coacção – 10 a 360 dias;

- crime de introdução em lugar vedado ao público: 10 a 60 dias.

Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, As consequências jurídicas do crime, 2ª reimpressão, pág. 215:

“A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências d prevenção.”

Por outras palavras:

«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade» (Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182).

Tendo em conta o acabado de referir, bem como o também acima referido enquadramento para os factos que consubstanciam a prática dos três crimes em causa, entende-se adequado fixar as penas de multa de 90 dias para o crime de ameaça agravada, 120 dias para o crime de coacção e 40 dias para o crime de introdução em lugar vedado ao público.

Concretizando o que dispõe o artº 77º, nº 1, do Cód. Penal, há que considerar o seguinte:

- os três crimes em causa revestem diferente natureza, mas, como já sobejamente se referiu, todos eles ocorreram dentro do mesmo circunstancialismo de perseguição e ciúme relativamente à ex-mulher do recorrente;

- o crime de ameaça agravada do qual foi vítima a mãe da ex-mulher do recorrente ocorreu em 28/5/2022 e os outros dois crimes, dos quais foi vítima LL, ocorreram na mesma data de 22/9/2022;

- o arguido demonstra uma personalidade a necessitar de acompanhamento, pelo menos, psicológico, pois que, mesmo já depois de preso (cfr. facto provado sob o nº A.2 f) – “Mesmo na prisão, e através dos telemóveis dos filhos, o arguido tenta contactar a vitima, tendo inclusivamente lhe enviado um crucifixo de madeira idêntico ao que enviou para cada um dos seus quatro filhos”), continua a demonstra evidente obsessão pela sua ex-mulher;

- o arguido é primário, confessou os factos, mas não demonstrou arrependimento sincero (o que, aliás, se coaduna com o seu comportamento ao longo do processo, como a seguir melhor se abordará).

Ponderando tudo o referido, e sendo certo que a pena única de multa se deverá situar entre o mínimo de 120 dias e o máximo de 250 dias, entende-se adequado fixá-la em 180 dias.

No que se refere à taxa diária a fixar, nos termos do artº 47º, nº 1, do Cód. Penal, deve ter-se em conta a situação económica do condenado e dos seus encargos pessoais.

Ora, nada consta na matéria considerada provada quanto a isso, o que devia ter sido apurado, mesmo que se entendesse aplicar a pena de prisão.

Mas uma circunstância deveras relevante é conhecida: o arguido está em prisão preventiva desde 22/1/2023.

Se o facto de se estar preso não significa necessariamente que se tenha situação económica precária, o que é certo é que não há notícia nos autos de o arguido ser proprietário abastado ou ter qualquer outro tipo de rendimentos.

Sabe-se também que tem três filhos menores.

Assim sendo, ponderando tudo o referido, entende-se adequado fixar a taxa diária da multa em € 6,00.

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Quanto à medida da pena de prisão aplicada no que se refere ao crime de violência doméstica

Como é evidente, perante a alteração da natureza das penas aplicadas para os crimes de ameaça agravada, coacção e introdução em lugar vedado ao público, persiste a pena de prisão de três anos relativamente ao crime de violência doméstica.

Valem também aqui as transcrições do Prof. Figueiredo Dias acima feitas quanto à medida da pena.

A moldura penal situa-se entre o mínimo de dois anos de prisão e o máximo de cinco anos.

O tribunal recorrido fixou a pena em três anos, ou seja, seis meses abaixo do ponto médio entre aqueles dois limites.

O recorrente pretende que seja fixado o período de 2 anos de prisão, mas fá-lo alegando também que os factos não foram assistidos por qualquer dos menores e, portanto, a situação não se enquadra no nº 2, al. a), do artº 152º do Cód. Penal, mas apenas no seu nº 1.

Importa referir que o recorrente, por um lado, não põe em causa a decisão de facto e, por outro lado, nas conclusões não põe em causa a qualificação jurídica dos mesmos.

Sempre se dirá que perante o que provado se considerou nos pontos 12/13 (habitação da vítima), 22 (presença do menor EE) e 50 (presença dos menos EE e FF), bem andou a decisão recorrida em considerar a situação enquadrável na referida al. a) do nº 2 do artº 152º do Cód. Penal.

Temos, portanto, que a pena deve ser fixada entre os referidos limite mínimo de 2 anos e máximo de 5 anos.

A conduta criminosa do arguido iniciou-se em 2018 e perdurou até Setembro de 2022, com maior intensidade a partir da separação do casal ocorrida em 20/3/2022.

A “perseguição” e “pressão” prolongou-se, pois, no tempo, tendo-se manifestado em variadas formas.

Em julgamento o arguido assumiu a prática dos factos mas, pelo menos a considerar o que consta na sentença recorrida, não pareceu ser sério o arrependimento.

Mas mais importante do que a postura do arguido no julgamento, sempre possível de parecer ser uma coisa e ser outra, é a postura do arguido antes disso.

O arguido não cumpriu as regras da suspensão provisória do processo.

O arguido não cumpriu a totalidade das medidas de cocção fixadas em 26/9/2022 (e não 26/2/2022, conforme consta na matéria considerada provada), e entre elas a mais importante que era a de não contactar com a vítima.

Aquando seu interrogatório judicial ocorrido em 11/1/2023, após ser aplicada a obrigação de permanência na habitação, o arguido transmitiu que não iria cumprir essa medida e, de imediato, foi proferido o seguinte despacho:

“Atenta a postura do arguido, que referiu que não iria cumprir a medida aplicada, mantém-se a decisão de determinar que o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo em obrigação de permanência em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, cumulada com as medidas de coacção já anteriormente estabelecida, proibição de contactar, por qualquer meio, a ofendida e obrigação de não adquirir ou usar armas ou outros objectos capazes de facilitar a prática de outro crime.

Mas, considerando-se retirado o consentimento fornecido e atenta a referida postura, até existência dessa instituição, deverá permanecer em prisão preventiva atentos os fundamentos já expostos que fundamentam uma decisão privativa da liberdade e o disposto nos artigos 202º, nº1, alínea b) e 203º, nº2, alínea a).”

A prisão preventiva foi sendo sucessivamente mantida.

Trata-se de uma postura do arguido que em nada abona em seu favor, sendo especialmente invulgar que perante a comunicação da aplicação da o.p.h.v.e., o mesmo tenha logo declarado que não iria cumprir tal medida.

Ou seja: o arguido “preferiu” ir para a prisão.

As sucessivas violações das obrigações assumidas por ele (suspensão provisória do processo) ou impostas pelo tribunal (medidas de coacção) demonstram a grande dificuldade que o mesmo tem em lidar com a separação do casal.

Mas há factos que ocorreram ainda antes dessa separação, pelo que a dificuldade não surgiu com a separação.

Perante tudo o referido, e realçando-se as necessidades de prevenção geral, infelizmente cada vez mais presentes neste tipo de crime, entende-se adequada a duração da pena de prisão que foi fixada.

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Quanto à suspensão da execução da pena de prisão

A suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artº 50º do C.P., é uma das penas substitutivas da pena de prisão efectiva, sendo até, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 337, “a mais importante das penas de substituição, por dispor de mais largo âmbito.”

Dispõe o nº 1 do referido preceito legal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Tendo em consideração a referida redacção (na versão original de 1982 referia-se “pode suspender” e não “suspende”), conclui-se claramente que o legislador dá indicação que sempre que se verifiquem os referidos pressupostos, deve o julgador decretar a suspensão da execução da pena de prisão, conhecidos que são os malefícios do cumprimento de penas curtas de prisão.

Tal indicação saiu até reforçada com a nova redacção dada ao preceito legal em causa, pela L. 59/2007 de 4/9, que aumentou o limite máximo para a suspensão da execução da pena de prisão, de 3 para 5 anos.

Daí resulta que o tribunal tenha sempre que ponderar a suspensão da execução da pena de prisão, desde que a mesma caiba dentro do acima referido limite de 5 anos, como é o caso dos autos.

Não há um dever de suspender, mas sim um poder vinculado de decretar a suspensão (Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, C.P. anotado e comentado, pág. 178).

Ou por outras palavras: “trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena de prisão, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos” – Maia Gonçalves, C.P. Português, 18ª edição, pág. 215.

A este propósito, ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2009, págs. 342 e segs.: “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.

(…)

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...).

Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (...).

Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.

No mesmo sentido: ac. do S.T.J. de 8/2/08, C.J., A.S.T.J., ano XVI, tomo I, pág. 227, relatado pelo Sr. Cons. Oliveira Mendes: “A par de considerações de prevenção especial coexistem considerações de prevenção geral, sendo que a pena de suspensão de execução da prisão só é admissível quando não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja o sentimento de reprovação social do crime.”

Feitas estas considerações de ordem geral, vejamos o caso concreto.

Ao que parece (cfr. facto provado sob a al. f) do ponto A) o arguido, mesmo na prisão, continua a pretender contactar com a sua ex-mulher, e se esses contactos são salutares em geral, designadamente se tiverem que ver com os filhos menores, parece que no caso não é disso que se trata.

Perante todo o comportamento anterior do arguido, tudo parece indiciar que o mesmo continua a não ter resolvido o problema da obsessão pela sua ex-mulher.

E enquanto isso não estiver resolvido, tudo o resto também não estará.

Vem isto a propósito de se entender que é muito difícil efectuar qualquer prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, pelo menos num futuro próximo.

Não se entende, assim, como adequada a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, ainda que sujeita a obrigações, entre as quais, obviamente, a proibição de contactos com a vítima.

É que, conforme já se referiu, o arguido já por duas vezes violou essa obrigação. E fê-lo sem qualquer “pudor” de forma “descarada”.

Dir-se-á que estando o arguido em prisão preventiva desde Janeiro de 2023, dentro de cerca de quatro meses atingirá o meio da pena e com isso a possibilidade de beneficiar de liberdade condicional.

É verdade, mas isso é questão a resolver noutra sede, importando agora que perante o que aqui se considerou provado, não se vislumbra que a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão contribua para a reintegração do arguido, tal como exige o artº 50º, nº 1, do Cód. Penal.

Assim sendo, deve o recurso nesta parte ser julgado improcedente.

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Quanto ao montante indemnizatório

O pedido cível apresentado em 27/12/2022 tem o valor de € 5.000,00 e foi nesse montante que o demandado/arguido foi condenado.

Tal valor não é superior ao valor da alçada do tribunal recorrido que é precisamente de € 5.000,00 (artº 44º, nº 1, da L. 62/2023 de 26/8).

Assim sendo, nos termos do artº 400º, nº 2, do C.P.P., não é possível o recurso quanto ao montante indemnizatório fixado.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequência, decidem:

1 - revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido em penas de prisão relativamente aos crimes de ameaça agravada, coacção e introdução em lugar vedado ao público;

2 - condenar o arguido pela prática dos referidos crimes nas seguintes penas de multa:

crime de ameaça agravada – 90 dias de multa à taxa diária de € 6,00;

crime de coacção – 120 dias de multa à taxa diária de € 6,00;

crime de introdução em lugar vedado ao público – 40 dias de multa à taxa diária de € 6,00;

3- Em cúmulo das referidas penas, condenar o arguido na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz a multa de € 1.080,00 (mil e oitenta euros).

3 – Manter a decisão recorrida no que diz respeito à condenação pela prática do crime de violência doméstica.

4- Não conhecer do recurso relativamente ao pedido cível.

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Sem tributação, uma vez que o decaimento no recurso não foi total.

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Évora, 9 de Abril de 2024

Nuno Garcia

Laura Goulart Maurício

J.F. Moreira das Neves