EMBARGOS DE EXECUTADO
INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO
AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR
REGISTO EM SISTEMA INFORMÁTICO
IRREGULARIDADE
Sumário

I – Constituindo os documentos particulares dados à execução inequívocas confissões de dívida, subscritas por quem se obrigou a satisfazer as correspondentes obrigações, o facto de, nos respetivos termos de autenticação, constar, relativamente à identificação da natureza e espécie do ato, que se trata de “Reconhecimento com menções especiais presenciais”, ao invés de “Autenticação de confissão de dívida”, não torna nulos tais termos de autenticação, não acarretando a inexistência do título executivo.
II – Esta irregularidade não se enquadra na violação de nenhuma das formalidades previstas no art.º 46.º do Código do Notariado, nem configura nenhuma das causas de nulidade previstas nos seus art.ºs 70.º e 71.º, não ocasionando, por isso, vício que afete a validade formal do título.

Texto Integral

Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos: Helena Melo
Catarina Gonçalves

         

  Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe movem S..., L.da e A..., L.da, veio AA, já todas identificadas nos autos, deduzir a presente oposição mediante embargos de executado, alegando, em apertada síntese, que:

inexiste título executivo, uma vez que a validade do acto de autenticação do documento particular depende do registo, em sistema informático, sendo que esse registo terá de identificar a natureza e espécie respectiva, o que no presente caso não aconteceu, acrescendo ainda que os termos de autenticação não foram lavrados correctamente porquanto dos mesmos não consta a naturalidade da interveniente, bem como não é feita qualquer menção aos outorgantes que figuram como credores nas mencionadas “Confissão de Dívida”, nos termos que melhor constam na p.i. de oposição e que aqui se dão por reproduzidos.

As exequentes, notificadas, apresentaram contestação que não veio a ser admitida, por extemporânea, em consequência do que foram considerados como confessados os factos alegados pela executada, que não se encontrassem em oposição com o alegado no requerimento executivo.

*

Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferido despacho saneador tabelar e a decisão que antecede, de fl. 19 a 23, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Face ao exposto, por verificada a falta de título executivo, julga-se procedente a oposição mediante embargos de executado e declara-se extinta a execução.

Custas nos termos acima averbados.”.

Inconformadas com a mesma, interpuseram recurso as exequentes/embargadas S... e A..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos de embargos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 41), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A. Não pode o Exequente/Embargado se conformar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, da inexistência de título executivo válido, em suma pelo lapso de registo informático.

B. A Recorrida/Embargante deve a quantia de 211.806,13 € (duzentos e onze mil oitocentos e seis euros e treze cêntimos), através da outorga de 3 documentos particulares de reconhecimento de divida autenticados.

C. A Recorrida/Embargante nada pagou!

D. As Recorrentes/Embargadas apresentaram a juízo as confissões de divida com acordo de pagamento a execução, sendo a divida certa, líquida e exigível.

E. A Recorrida/Embargante confessou-se devedora às Recorrentes/Embargadas, subscrevendo documento feito em escritório de advogado;

F. Factual idade que não coloca em causa, confessando que efectivamente assinou e reconheceu tais dividas.

G. O qual declarou que essa confissão da dívida cor respondia à sua vontade, assinando a declaração em f rente do advogado.

H. Declaração de dívida que foi autenticada e efectuado o respectivo registo informático;

I . Em primeiro, porque dos documentos compostos pela confissão de divida, termo de autenticação e registo online respectivo é inequívoco que expressamente que, perante a ora signatária, advogada, compareceu a Recorrida/Embargante que apresentou aquela «…) apresentou-me o documento que antecede este termo e que constitui CONFISSÃO DE DIVIDA, tendo referido que leu o seu teor e afirmou que o seu conteúdo exprime a sua vontade e é outorgado no seu interesse.»

J. Constando do mesmo as assinaturas da Declarante (a indicada executada) e da ora signatária, como Advogada.

K. Porém, um pouco mais abaixo encontra-se, escrito, no espaço destinado a “Observações”:

“TERMO DE AUTENTICAÇÃO

Aos vinte e oito dias do mês de junho de dois mil e vinte e dois, no meu escritório sito na Rua ..., Loja ..., ... ..., compareceu perante mim, BB, Advogada, portadora da cédula profissional n. º ...67 -C, como outorgante:

AA, divorciada, titular do CC ..., válido até 23.10.2030, NIF ...72, com domicilio na Rua ..., ... ....

A outorgante, para fins de autenticação/reconhecimento, apresentou-me o documento que antecede este termo e que constitui CONFISSÃO DE DIVIDA, tendo referido que leu o seu teor e afirmou que o seu conteúdo exprime a sua vontade e é outorgado no seu interesse

Este termo de autenticação/reconhecimento foi lido em voz alta e o seu conteúdo explicado à outorgante, pelo que, após ter referido que o teor da confissão reproduz a sua vontade e é outorgada livremente, assinou na minha presença o referido documento em sinal de conformidade.

A identificação da outorgante foi confirmada pela exibição do Cartão de Cidadão sura referido”.

L. Não pode deixar de ser entendido como mani festo lapso ou erro informático, a seleção de reconhecimento com menções especiais presenciais no registo online desse acto de advogado.

M. O texto inserto no registo online desmistifica o acto praticado.

N. Resulta do registo informático – conteúdo que se trata de uma autenticação de confissão de dívida.

O. O que se mostra deficitariamente elaborado é o registo online do acto, nos termos já apontados – inserção indevida no espaço referente à “Indicação da natureza e espécie do acto”, da menção «Reconhecimento de assinatura presencial com menções especiais».

P. Mas o registo foi elaborado e foi -o no dia da assinatura!

Q. Assinatura não impugnada!

R. Ora esta discrepância não faz parte do elenco de situações que determinam a nulidade do acto (art.s 70º e 71º do CN), nem do art.º 38.º n.º 3 do DL 76 - A/2006, de 29/03.

S. Por via desse circunstancialismo, a irregularidade cometida decorrente do lapso de inserção no registo online, em local indevido (em sede de “Observações”), da indicação «Termo de autenticação de confissão de dívida», não afecta a validade do título executivo em causa.

T. O Tribunal a quo interpreta erroneamente a norma presente no art.º 38.º n.º 3 do DL 76-A/2006, de 29/03, onde efectivamente, indica que os actos devem ser registados em sistema informático para ser válido.

U. Pelo que, o Tribunal a quo falha ao considerar que a falta de registo informático e o erro na escolha do acto sejam cominados com a mesma sanção, fazendo uma interpretação extensiva da lei que, salvo melhor opinião, não pode proceder.

V. Enquanto os títulos executivos apresentados são inequívocos e explícitos quanto às obrigações e à aceitação pela Outorgante/Recorrida/Embargante da sua confissão de divida, inexistindo razões de segurança e certeza jurídica que presidam à decisão de não exequibilidade dos mesmos.

W. Essa irregularidade ou erro informático não pode afectar a validade do acto de autenticação;

X. E, não impugnou a Recorrida/Embargante o valor da divida como inexistente ou incorrecto,

Y. Factualidade que não foi tida em conta e cuja interpretação e subsunção dos factos às normas jurídicas discordamos e que caso tivesse sido aplicadas em conformidade, sempre resultariam em decisão diversa.

Z. Pelo que, os documentos apresentados são exequíveis, devendo os presentes embargos improceder.

AA. Motivo que impede a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo é a inexistência de cor respondência mínima no texto da norma legal sob o erro no registo informático, mencionando-se apenas a falta dele.

BB. O entendimento do Tribunal a quo sobre a inexequibilidade não pode obter colhimento, como supra se explanou.

CC. Nesta conformidade, deverá a douta sentença do Tribunal a quo ser revogada e ser considerado o presente recurso procedente e consequentemente serem considerados improcedentes os embargos de executados.

SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!

Contra-alegando, a embargante/executada, CC, pugna pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos na mesma exarados, designadamente que inexiste título executivo, dada a incorrecção do registo informático efectuado.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de averiguar se existe ou não, título executivo, designadamente se o registo informático do documento apresentado como título executivo foi efectuado nas condições previstas no artigo 3.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho.

 É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1.º Nos autos de execução foi apresentado um documento denominado “confissão de dívida”, com data de 28/06/2022, acompanhado de termo de autenticação com data de 28/06/2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido (anexo doc. 2 do r.e.).

2.º Nos autos de execução foi apresentado um documento denominado “confissão de dívida”, com data de 28/06/2022, acompanhado de termo de autenticação com data de 28/06/2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido (anexo doc. 3 do r.e.).

3.º Nos autos de execução foi apresentado um documento denominado “confissão de dívida”, com data de 28/06/2022, acompanhado de termo de autenticação com data de 28/06/2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido (anexo doc. 4 do r.e.)

4.º O “registo online dos actos dos advogados” relativo aos termos acimas referidos foi registado como “Reconhecimento com menções especiais presenciais”, nos termos que constam nos respectivos documentos, que constam nos mesmos anexos do r.e. e aqui se dão integralmente reproduzidos.

Se existe ou não, título executivo, designadamente se o registo informático do documento apresentado como título executivo foi efectuado nas condições previstas no artigo 3.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho.

No que a esta questão respeita, como decorre do relatório que antecede, alega a recorrente que inexiste título executivo com o fundamento em que o registo informático do termo de autenticação dos documentos de confissão de dívida se mostra incorrecto, porque no item “Identificação da Natureza e Espécie do Acto” consta a expressão “Reconhecimento com menções especiais presenciais” e não, como devia, de “Autenticação de Documento”.

Na decisão recorrida, seguindo-se o que foi decidido no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 21 de Janeiro de 2020, Processo n.º 4388/18...., disponível no respectivo sítio do Itij, considerou-se que em virtude da inexistência da invocada inexactidão do registo informático, inexiste título executivo e em consequência se julgaram procedentes os presentes embargos, com a seguinte fundamentação:

(…)

Com efeito, a autenticação do documento particular, para ser válida, deve ser efectuada no prazo e com observância dos requisitos legalmente fixados, sendo que o art. 38.º, n.º 3, do DL n.º 76-A/2006, de 29/03, dispõe que os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça – “Tais actos, por força do nº 3 daquele artigo 38º do Dec.-lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, apenas podem ser validamente praticados mediante registo em sistema informático” (citado Ac. do STJ).

Assim, afigura-se que o aludido normativo condiciona a validade do acto de autenticação de documento particular à existência do registo em sistema informático nos termos definidos na citada Portaria n.º 657-B/2006, a qual, no seu art. 1.º, também dispõe que a validade dos reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, das autenticações de documentos particulares e da certificação, ou realização e certificação, de traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, efectuados por câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, advogados e solicitadores, depende de registo em sistema informático.

Em resumo, entende-se que se o registo informático não for efectuado nas condições definidas no art. 3.º da Portaria – nomeadamente, não correspondendo a natureza e espécie do acto com o registado – a autenticação não será válida (“a observância das mencionadas formalidades legais, na realização do respectivo registo, justificam-se por razões de segurança, certeza jurídicas e salvaguarda da fé pública associada a este tipo de documento”, “Efetuado, por advogado, o registo informático sem correta identificação da natureza e espécie do ato, contrariando as disposições conjugadas dos art.ºs 1.º e 3.º, n.º 1, al.ª a), daquela Portaria n.º 657-B/2006, o documento particular não pode ter-se como validamente autenticado, não se revestindo, por isso, de força executiva” – Ac. da RC de 21/01/2020, acima citado).

Assim, no caso concreto, afigurando-se ser aplicável à jurisprudência acima citada e uma vez que a invocada autenticação é inválida por não ter sido efectuado o registo informático nos termos legalmente previstos, na perspectiva da execução e do respectivo título executivo, entende-se inexistir documento que reúna os requisitos de exequibilidade

(extrínseca) para efeitos do art. 703.º, n.º 1, do CPC – “o documento particular não chega a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à acção executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à fattispecie da al. b) do nº 1 do artigo 703º do Código de Processo Civil” (citado Ac. da RC).

Consequentemente, entende-se que as exequentes não têm título executivo com base nos aludidos documentos, restando-lhes definir previamente o seu eventual direito através do recurso aos meios declarativos comuns, se for caso disso e verificados os pressupostos legais para o efeito (o que não se aprecia), pelo que a presente oposição deverá proceder desde já nessa exacta medida, com a extinção da execução (art. 732.º, n.º 4, do CPC).”.

Contrapõem as recorrentes que o lapso alegado pela embargante/executada não tem virtualidades para que se possa concluir pela inexistência de título executivo, com o fundamento em que tal discrepância não acarreta a nulidade da autenticação, nos termos do disposto nos artigos 70.º e 71.º, do Código do Notariado, nem do artigo 38.º, n.º 3, do DL 76-A/2006, de 29/3, até porque no item “Obervações” consta que se trata de “Termo de autenticação de confissão de dívida”, pelo que, tal irregularidade não pode acarretar a invalidade do acto de autenticação.

Ou seja, na decisão recorrida, com apoio no citado Acórdão de 21 de Janeiro de 2020, deste Tribunal da Relação, considerou-se que a apontada inexactidão do registo informático, acarreta a inexistência de título executivo, em face da aludida discrepância/incorrecção constante dos registos informáticos, por constar que foi registado como “Reconhecimento com menções especiais presenciais” ao invés de “Termo de autenticação de confissão de dívida”.

Vejamos!

Como resulta da factualidade provada a execução que deu origem aos presentes embargos baseia-se nos documentos referidos nos itens 1.º a 3.º, dos factos provados, denominados de “confissão de dívida” e nos termos dos quais, a executada/embargante se confessa devedora perante as ora exequentes das quantias neles referidas.

Tais documentos foram apresentados perante Advogada para os autenticar e em cujos termos de autenticação se refere o seguinte:

“A outorgante, para fins de autenticação/reconhecimento, apresentou-me o documento que antecede este termo e que constitui CONFISSÃO DE DÍVIDA, tendo referido que leu o seu teor e afirmou que o seu conteúdo exprime a sua vontade e é outorgado no seu interesse e da sociedade (…).

Este termo de autenticação/reconhecimento foi lido em voz alta e o seu conteúdo explicado à outorgante, pelo que, após ter referido que o teor da confissão reproduz a sua vontade e é outorgada livremente, assinou na minha presença o referido documento em sinal de conformidade.

(…)

Este reconhecimento é feito nos termos do disposto no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 657-B/2006 de 29 de junho, o número de registo informático do presente ato é …” (indicando-se o número que corresponde a cada um dos três termos de autenticação, no final de cada um deles).

Por seu lado, em cada um dos comprovativos do Registo Online Dos Actos Dos Advogados, consta o seguinte:

“IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA E ESPÉCIE DO ACTO

Reconhecimento com menções especiais presenciais

OBERVAÇÕES

(…)

A outorgante para fins de autenticação/reconhecimento, apresentou-me o documento que antecede este termo e que constitui CONFISSÃO DE DÍVIDA, tendo referido que leu o seu teor e afirmou que o seu conteúdo exprime a sua vontade e é outorgado no seu interesse e da sociedade (…).

Este termo de autenticação/reconhecimento foi lido em voz alta e o seu conteúdo explicado à outorgante, pelo que, após ter referido que o teor da confissão reproduz a sua vontade e é outorgada livremente, assinou na minha presença o referido documento em sinal de conformidade”.

Nos termos do disposto no artigo 703.º, 1, b), do CPC, apenas constituem título executivo os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

Sendo que, cf. artigo 363.º, n.º 3, do Código Civil “Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais”.

Competência que veio, também, a ser conferida, entre outros, aos advogados, cf. artigo 38.º, n.º 1, do DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março, desde que efectuados tais actos – designadamente a autenticação – nos termos previstos na lei notarial e mediante registo em sistema informático, cujos termos e funcionamento seriam definidos por portaria do Ministro da Justiça, cf. n.º 3, do preceito ora citado.

Termos, estes, que vieram a ser definidos pela Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho, que reitera no seu artigo 1.º, que a validade dos actos em apreço depende de registo em sistema informático, cujo conteúdo se mostra regulado no seu artigo 3.º, de acordo com o qual devem ser registados os seguintes elementos:

“a) Identificação da natureza e espécie dos actos;

b) Identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação;

c) Identificação da pessoa que pratica o acto;

d) Data e hora de execução do acto;

e) Número de identificação do acto.”.

Acrescentando-se no seu artigo 4.º, n.º 1 que “O registo informático é efectuado no momento da prática do acto, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto”.

Como referido, o citado artigo 38.º, n.º 1, do DL 76-A/2006, confere competência às entidades e profissionais nele referidos para a autenticação de documentos particulares, nos termos previstos na lei notarial.

No artigo 46.º, do Código do Notariado, estabelecem-se as formalidades/requisitos comuns dos instrumentos notariais, de forma exaustiva, cf. seu n.º 1, al.s a) a n).

Por outro lado, cf. resulta dos seus artigos 70.º e 71.º, os actos notariais só serão nulos se ocorrer alguma das situações ali previstas.

No que toca ao regime especialmente previsto para a autenticação de documentos particulares, rege o disposto nos artigos 150.º e 151.º, do mesmo Código, de acordo com os quais, se deve entender que adquirem a natureza de documentos autenticados aqueles em que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário, devendo, ainda, entre o mais, constar que as partes já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade.

Posto isto, incumbe averiguar se o facto de nos termos de autenticação em apreço se ter feito constar relativamente à identificação da natureza e espécie do acto que se tratava de “Reconhecimento com menções especiais presenciais” ao invés de “Autenticação de confissão de dívida”, torna nulos os respectivos termos de autenticação e, por consequência, acarreta a inexistência de título executivo, tal como decidido em 1.ª instância.

Esta irregularidade não se enquadra na violação de nenhuma das formalidades previstas no artigo 46.º, do Código do Notariado, bem como não constitui nenhuma das causas de nulidades previstas nos seus artigos 70.º e 71.º.

Por outro lado e não obstante se fazer constar no item identificação da natureza e espécie do acto, o que acima se referiu, menos certo não é que no campo das “Observações” se faz constar que se trata de “autenticação/reconhecimento do documento que antecede este termo e que constitui CONFISSÃO DE DÍVIDA, tendo referido que leu o seu teor e afirmou que o seu conteúdo exprime a sua vontade e é outorgado no seu interesse …”, o que satisfaz o exigido nos artigos 150.º e 151.º, do Código do Notariado.

Ou seja, dúvidas inexistem que o que se pretendia era autenticar os termos de Confissão de dívida apresentados pela embargante/executada, mediante os quais a mesma exprimiu a vontade, disso estando consciente e ciente, de que estava a contrair uma obrigação perante as exequentes/embargadas.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 17 de Outubro de 2019, Processo n.º 19222/16.6T8PRT-A.P1.S2, disponível no respectivo sítio do Itij:

“Conforme decorre dos artigos 35.º, n.º 3, 150.º e 151.º, todos do Código do Notariado, o procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação, atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade. Tal procedimento pretende assegurar às partes a compreensão do conteúdo do documento particular.

(…)

Não revestindo o acto de autenticação mais do que uma formalidade extrínseca em relação ao documento particular de constituição ou reconhecimento de uma obrigação, sendo o documento particular aqui em causa, claro e inequívoco quanto à natureza da obrigação nele reconhecida, modo de cumprimento e pessoas vinculadas, e expressando os termos de autenticação a concordância com o seu conteúdo, tal basta para que se mostrem reunidas as condições necessárias à exequibilidade do título …”.

Este foi, igualmente, o entendimento seguido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 de Março de 2022, Processo n.º 1078/20.6T8FNC.L1-2, disponível no mesmo sítio do anterior.

Assim e concluindo, uma vez que a irregularidade em causa não acarreta qualquer vício que, nos termos das leis notariais afecte a sua validade formal e constituindo os documentos particulares aqui autenticados, inequívocas confissões de dívida, subscritas por quem se obriga a satisfazer as correspondentes obrigações, é mister concluir que os mesmos constituem títulos executivos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, al. b), do CPC, pelo que não pode subsistir a decisão recorrida e impondo-se o prosseguimento dos autos.

Consequentemente, procede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara a existência de título executivo e, consequentemente, se julgam improcedentes os presentes embargos de executado, podendo a execução prosseguir os seus ulteriores termos.

Custas pela apelada.

Coimbra,19 de Março de 2024.