RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
VIOLAÇÃO DE DEVERES CONTRATUAIS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CARÁTER SUBSIDIÁRIO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário

I - A ilicitude e culpa são ambos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, abrangendo aspetos diferentes, em parte complementares da conduta do autor do facto.
Sendo sobre o lesado que incumbe provar estes pressupostos, salvo se beneficiar de uma presunção legal.
II - Para afastar a responsabilidade que a si é imputada por violação de deveres contratuais, nomeadamente não observância do dever de fiscalização e verificação da regularidade do saque, ao banco R. incumbia ter feito prova de que fez uso de todos os meios adequados à verificação da fidedignidade e genuinidade dos elementos constantes dos cheques apresentados a pagamento, enquanto profissional habilitado e dotado de meios técnicos e humanos adequados ao exercício da atividade bancária, o que não fez.
III - O pagamento do cheque através do SICOI, sem controle da sua imagem e assim sem a verificação do mesmo, não tem implícita uma qualquer dispensa do banco do dever de fiscalizar e verificar o mesmo, nomeadamente a regularidade da assinatura do sacador nele aposta.
IV - O requisito do enriquecimento à custa de outrem contém a regra da imediação ou unidade do procedimento de enriquecimento.
A qual pressupõe que o enriquecimento há de ser obtido de forma direta ou imediata à custa do património do empobrecido, sem que entre o empobrecimento e o enriquecimento exista um património intermédio de terceiro.
V - Esta regra é de afastar nos casos em que o requisito da imediação conflitue com o comum sentimento de justiça, na medida em que da sua aplicação resulte a desproteção de casos jurídicos concretos, chocando o comum sentimento de justiça.
Estando o interesse do lesado salvaguardado por via da responsabilidade contratual imputada ao R. banco não se justifica a aplicação da exceção ao requisito da imediação com vista à condenação de terceiro contra quem foi deduzido cumulativamente o pedido indemnizatório ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.
VI - De igual modo, satisfeita a pretensão dos lesados por via do pedido deduzido contra o banco R. com fundamento em responsabilidade contratual, está afastada a condenação de terceiro com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que o seu caráter subsidiário afasta o seu funcionamento.

Texto Integral

Processo nº 448/14.3T8VFR.P1

3ª Secção Cível

Relatora (por vencimento) – M. Fátima Andrade

Adjunto – José Eusébio Almeida

Adjunta –Fernanda Almeida

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Jz. Local Cível de Santa Maria da Feira

Apelantes/ AA e outra, Banco 1... S.A.

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

………………………………

………………………………

………………………………

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório.

BB e mulher, CC, intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra:

- AA e mulher, DD;

- “Banco 2..., SA”, atualmente Banco 1..., SA.

Pela procedência da ação tendo peticionado a prolação de decisão a:

“A- CONDENAR OS PRIMEIROS RÉUS E SEGUNDOS RÉUS, SOLIDARIAMENTE, A INDEMNIZAR OS AUTORES, POR TODOS OS DANOS PATRIMONIAIS, DECORRENTES DOS FACTOS ILÍCITOS, NO VALOR DE 25.000€ (VINTE E CINCO MIL EUROS), ACRESCIDO DE JUROS DE MORA À TAXA PREVISTA NOS PARÁGRAFOS 3º E 4º DO ART. 102º DO CÓDIGO COMERCIAL DESDE A CITAÇÃO ATÉ EFETIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;

B- CONDENAR OS PRIMEIROS RRS E SEGUNDA RÉ, SOLIDARIAMENTE, A INDEMNIZAR OS AA., PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS, CAUSADOS PELOS FACTOS ILÍCITOS POR ELES PRATICADOS, NA MEDIDA DAS RESPETIVAS CULPAS, NO VALOR DE 5.000€ (CINCO MIL EUROS);

OU

C – SUBSIDIARIAMENTE, CONDENAREM OS PRIMEIROS RÉUS, POR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E A SEGUNDA RÉ POR RESPONSABILIDADE CIVIL, A PAGAREM SOLIDARIAMENTE AOS AUTORES O VALOR DE 25.000€ (VINTE E CINCO MIL EUROS), ACRESCIDO DE JUROS DE MORA À TAXA PREVISTA NOS PARAGRAFOS 3º E 4º DO ART. 102º DO CODIGO COMERCIAL DESDE A CITAÇÃO ATÉ EFETIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;”.

Para tanto alegaram os AA., em suma:

- ter a sua ex-nora e filha dos segundos RR., de nome EE, na época funcionária de escritório do negócio dos AA., falsificado (entre outras) as assinaturas do A. em três cheques sacados sobre contas tituladas pelos AA. [nos valores respetivamente de € 9.500,00; € 7.500,00 e € 8.000,00], no então Banco 2..., no total de € 25.000, 00, depositando-as na conta titulada pelos seus pais, aqui primeiros RR. (vide artigo 13º da p.i.);

- facto de que tomaram conhecimento com a notificação da acusação que contra a sua ex-nora foi deduzida e aos mesmos enviada a 19/07/2013;

- O dinheiro depositado na conta dos 1ºs RR., no total de 25.000,00€, saiu da conta de depósitos à ordem dos Autores domiciliada na 2ª Ré, dinheiro esse que é única e exclusivamente propriedade destes, sendo tais depósitos feitos na conta dos 1ºs RR. ilícitos, pelo que não têm estes últimos direito a esse valor.

- Os AA. foram desapossados dessas quantias por parte da referida EE, filha dos Primeiros RR., sem conhecimento, nem autorização e ou consentimento para tal;

- Os AA. não deviam nenhum quantitativo monetário, nem tiveram nenhuma transação comercial com os Primeiros RR., nada lhes comprando, nada lhes pedindo, nada lhes tendo dado, que pudesse justificar os depósitos no total de 25.000€ na conta dos Primeiros RR.;

- Nunca os Primeiros RR. questionaram os AA. sobre tais montantes monetários depositados na sua conta, aceitando de “animo leve” tais cheques, alguns deles endossados com assinaturas falsas dos AA., nem nunca questionando os AA. sobre o motivo para tais quantias serem depositadas na sua conta;

- Podendo e devendo fazê-lo, uma vez que conviviam uns com os outros, pelo menos nas festas de família onde se encontravam presentes os AA. que só no ano de 2013 e após a conclusão da investigação e deduzida a acusação pública é que deram conta que a sua nora e filha dos RR., de 2007 a 2009, tinha uma contabilidade “paralela” à dos AA;

- Com o seu silêncio foram os 1ºs RR. coniventes com a conduta ilícita da sua filha EE, pois permitiam que a mesma retirasse do património dos AA. as quantias apuradas pela investigação, no montante de 25.000€ e as depositasse na conta dos Primeiros RR. que fizeram delas suas.

- Têm, assim, na sua posse os 1ºs RR. dinheiro que bem sabem que não lhes pertence e que é propriedade única e exclusiva dos AA., não possuindo os Primeiros RR. qualquer título válido para a sua posse;

- Os AA. viram-se desapossados por um esquema fraudulento da referida nora e filha dos 1ºs RR. com o com conluio destes, que sabem, como qualquer pessoa normal, que, ao forjar a assinatura dos AA. estavam a cometer atos ilícitos;

- Até à presente data os 1ºs RR. não restituíram as quantias que ilicitamente se apropriaram, pelo que se tornaram responsáveis civilmente nos termos do disposto no art. 483, n.º1 do C.C..

Assim concluindo deverem os 1ºs RR. ser obrigados indemnizar os AA. pelos danos resultantes da violação legal, indemnização essa que corresponde ao valor total dos depósitos efetuados nas suas contas e retirada da conta dos AA..

Caso assim se não entenda (subsidiariamente), peticionaram os AA. a condenação dos 1ºs RR. – nos termos do disposto no artigo 473º do CC - na sua restituição aos AA., quer das quantias em que foram desapossados no valor de 25.000€, quer dos frutos civis das mesmas, contando-se os mesmos desde a data da detenção ilegítima por parte dos Primeiros RR.

Quantias essas que os 1ºs RR. bem sabiam que não tinham direito, enriquecendo-os na medida, pelo menos, no valor dos cheques que, por direito, pertence aos AA..

Assim conseguindo os 1ºs RR, à custa do património dos AA. e tendo enriquecido aqueles, ilegitimamente, o seu património.

Por sua vez e em relação à 2ª R., alegaram os AA. não ter a mesma respeitado o dever de diligência que sobre si recaía quando lhe foram apresentados os cheques a pagamento, porquanto era nítida a viciação grosseira das assinaturas dos AA. apostas em qualquer um dos cheques que, contudo, debitou na conta dos AA..

Nomeadamente não tendo a 2ª R. verificado se as assinaturas constantes nesses documentos correspondiam às assinaturas dos AA. existente na ficha de abertura de conta nesse banco, dado que até à vista desarmada e sem qualquer equipamento de apoio se revelavam diversas das que constavam das fichas de assinaturas existente no banco e as assinaturas apostos nos cheques falsificados são grosseiras falsificações das assinaturas feitas pelo punho dos AA..

- A Segunda Ré é assim responsável em termos de direito civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes do pagamento dos cheques falsificados, dado que as assinaturas neles apostas, bem como na requisição dos cheques se bem observados e comparadas com as constantes nas fichas de abertura de conta dos AA. permitiam ver a “olho nu” que eram falsificados.

- Sendo a sua responsabilidade pelos danos patrimoniais solidária com a dos 1ºs RR., no montante equivalente ao valor dos cheques no valor global de 25.000,00€ e que ficaram sem este dinheiro, bem como os respetivos juros vincendos a taxa comercial até efetivo e integral pagamento.

Alegaram por fim os AA. que o conhecimento da acusação pública foi para si um choque e surpresa, por desconhecerem que os 1ºs RR. detinham quantias retiradas das suas contas e pagas pela 2ª R. através de cheques falsificados.

Causa de danos não patrimoniais nos termos que descreveram e que quantificaram em € 5.000,00, como consequência da atuação de todos os RR.

Cuja condenação solidária assim peticionaram.


*

Contestaram os RR..

Os 1ºs RR. contestaram em suma alegando:

- serem totalmente alheios a quaisquer atos praticados por sua filha, em apreciação na sequência de queixa crime apresentada pelos aqui AA.;

- Ter o 1º R. marido emprestado dinheiro a sua filha durante um determinado período que depois esta ia restituindo.

Nomeadamente através de depósitos na conta bancária dos RR..

Nunca esta lhe tendo entregue cheques como forma de restituição de quantias emprestadas;

- Nenhum dos RR. participou na atividade que terá sido desenvolvida pela sua filha;

Mais alegaram os RR. inexistirem factos que se possam subsumir ao enriquecimento sem causa, para além de serem os AA. conhecedores dos factos em questão desde 03/09/2009, data em que apresentaram queixa crime que deu azo ao processo crime em que foi deduzida acusação contra sua filha.

Factos que a comprovarem-se poderão subsumir-se à responsabilidade delitual, já prescritos à data da entrada da ação em 21/10/2014, uma vez que pelo menos desde 03/09/2009 dos mesmos têm os AA. conhecimento, e o prazo prescricional é de 3 anos, tal como previsto no artigo 498º do CC (vide artigos 35º e 36º da contestação.

Prescrição que assim invocou.

Termos em que concluíram deverem ser julgadas procedentes, por provadas, as exceções invocadas e improcedente, por não provada, a ação.

Sendo os réus, ora contestantes “absolvidos da instância e, em qualquer circunstância, absolvidos dos pedidos contra si formulados, com todas as consequências legais.”.


*

Contestou a 2ª R., em suma impugnando parcialmente o alegado.

Mais alegou:

- os cheques sacados sobre a conta em questão teriam de conter duas assinaturas, nos termos das condições de abertura da conta estabelecidos;

- a partir de 1988, a principal interlocutora dos AA. perante o Banco passou a ser a ex-nora dos AA.;

- era esta quem se deslocava à agência; procedia ao depósito de valores na conta titulada, levando consigo todos os documentos que necessitavam da assinatura dos AA. a fim de recolher a mesma e de os devolver, devidamente assinados;

- procedendo à entrega dos elementos contabilísticos dos AA. solicitados pelo banco R. e que procedia à entrega de requisições de cheques e levantamento dos mesmos, por a isso estar autorizada pelo A.;

- Os extratos bancários eram mensalmente remetidos aos AA., sem que estes, até julho de 2009, alguma vez tivessem questionado o Banco sobre alegados movimentos não autorizados;

- O banco R. não tinha assim qualquer motivo para sequer suspeitar que a assinatura do A. tivesse sido falsificada;

- Acresce que de acordo com a Instrução nº 25/2003 do Banco de Portugal que regula o Sistema de Compensação Interbancária (SICOI), nomeadamente no seu ponto 14.1 só serão enviadas imagens de cheques quando o respetivo valor for superior ao montante de truncagem acordado pelo sistema bancário e que ao tempo se fixava em 10.000,00€.

Pelo que o banco R. não tinha como descortinar a alegada falsificação da assinatura do autor.

- O banco R. nenhum prejuízo causou aos AA. com o pagamento dos cheques em questão, atendendo aos movimentos bancários que descreveu.

Cheques que estavam assinados ainda por FF, autorizado a movimentar a conta dentro de determinados condicionalismos.

 - Mais alegou ter sido a conduta negligente dos AA. que permitiu e facilitou a alegada conduta da ex-nora durante prolongado período de tempo, sem que verificassem os extratos bancários.

Pelo que existiu culpa dos lesados nos termos e com as consequências previstas no artigo 570º do CC.

Termos em que terminou concluindo pela improcedência da ação.


*

Foi ordenada a suspensão da instância, por causa prejudicial, até ao trânsito em julgado da sentença a proferir no âmbito do processo 1128/09.7TAVFR.

Nestes autos veio a ser proferido Acórdão por esta Relação em 28/10/2016, transitado em julgado em 28/03/2019 (vide certidão junta a estes autos em 29/05/2019), decidindo:

“a) condenar a arguida EE, com os demais sinais dos autos, pela prática de 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1, al. a), bem como pelo art. 30º, n.º 2, todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

b) condenar a arguida EE pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, na forma continuada, p. e p. pelos art. 256º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e art. 30º, n.º 2 do Código Penal, na redação da Lei n.º 48/95 de 15/03 e presentemente p. e. p. pelos arts. 256º, n.º 1, al. c) e n.º 3 e 30º, n.º 2 do Código Penal, com a redação introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 04/09 (continuação criminosa na qual se inclui o crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na redação da Lei n.º 59/2007 de 04/09; por que vinha ainda pronunciado o arguido), na pena de 3 (três) anos de prisão.

c) procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares supra impostas, condenar a arguida EE na pena única de 5 (anos) e 9 (nove) meses de prisão.”


*

Após junção da certidão acima aludida, foi agendada audiência prévia e nesta proferido despacho saneador. Identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

Foi ainda ordenado e realizado exame pericial à letra, com vista a apurar a autoria da assinatura aposta (entre o mais) nos cheques em causa nos autos. Cujo relatório foi junto aos autos em 03/10/2022.


*

Oportunamente foi agendada e realizada audiência de discussão e julgamento.

Após tendo sido proferida sentença e, a final, decidido:

“a) Condenar os réus, solidariamente, a pagarem aos autores a quantia de €25.000,00, acrescida de juros civis a contar da data da citação até integral e efetivo pagamento;

b) Condenar os réus, solidariamente, a pagarem ao autor a quantia de €250,00;

c) Condenar os réus, solidariamente, a pagarem à autora a quantia de €750,00;

d) Absolver os réus do demais peticionado;

e) Condenar os autores e os réus nas custas do processo, na proporção de 13% e 87%, respetivamente.”


***

Do assim decidido, interpuseram os RR. recurso de apelação, oferecendo alegações e formulando as respetivas conclusões.

*

Recurso dos RR. AA e mulher.

Alegaram e concluíram os RR. nos seguintes termos:

“Conclusões

(…)


*

Recurso do Banco 1... S.A..

Alegou e apresentou a final este recorrente as seguintes

“Conclusões

(…)


*

Os recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência das alegações, apresentando conclusões:

(…)


*

***

*


Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.

*

Foram colhidos os vistos legais.

***

II- Factualidade provada.

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

 “1) Desde antes de 1988, o Autor BB é empresário em nome individual, no ramo da cortiça.

2) FF é filho dos Autores e trabalhou na fábrica deles.

3)Em 27 de Novembro de 2001, os Autores contrataram com a Segunda Ré, outrora Banco 3..., a abertura de uma conta de depósitos à ordem, concretamente, na agência de ..., sita na Rua ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira.

4) Os Autores eram também titulares da Conta nº  ... do Banco 1....

5) Nas referidas contas, os Autores depositavam dinheiro de clientes e, através delas, pagavam aos seus fornecedores, realizando os movimentos financeiros a partir delas.

6) As contas suprarreferidas podiam ser movimentadas pelos Autores e pelo filho FF.

7) Destas contas eram cotitulares, não só os Autores, como também o filho de ambos, FF.

8) A respetiva movimentação ficou submetida às seguintes condições: “duas assinaturas, uma das quais sendo o titular 1 “.

9) O titular 1 era o Autor marido.

10) A 12 de Março de 1988, FF casou com EE, que é filha dos Primeiros Réus.

11) Após, EE começou a trabalhar para os Autores, na sua fábrica.

12) A partir de 1990 e até 2009, era EE que tratava de todos os assuntos de escritório.

13) Além disso, era ela que se deslocava às agências bancárias, procedia a depósitos nas contas dos Autores, levava consigo todos os documentos que necessitavam da assinatura dos Autores, a fim de recolher a mesma e de os devolver, devidamente assinados.

14) Era ela que procedia à entrega das requisições de cheques e levantamento dos correspondentes módulos (de cheques).

15) Para tal foi autorizada pelos AA., tendo o Autor marido dado instruções à Segunda Ré de que EE era responsável por aquelas tarefas.

16) No início de 2002, EE começou a fazer, pelo seu punho, as assinaturas dos Autores e do filho destes, como se por eles tivesse sido efetuada, apondo-as em cheques.

17) Deste modo, emitia cheques, que levantava e depositava em contas de que ela ou o Primeiro Réu eram titulares.

18) Tais cheques eram pagos através do dinheiro que os Autores tinham nas contas suprarreferidas.

19) De igual modo, apondo no espaço que é reservado aos subscritores, o nome dos Autores e, no espaço reservado aos avalistas, o seu nome e nome do seu então marido, FF, como se da assinatura dos próprios se tratasse, EE negociou com o Banco 1..., o Banco 3... e o Banco 2..., diversos empréstimos e a emissão de livranças.

20) EE requisitou ainda, mediante assinaturas dos Autores, que fez pelo seu punho, um livro de cheques sacados sobre a conta do Banco 2..., ficando com os mesmos.

21) EE tinha os documentos do Banco, designadamente os extratos bancários das contas, correspondentes a todas as transferências, depósitos de cheques e livranças que emitia em nome dos Autores e de seu filho, sem a autorização e o conhecimento destes.

22) EE, através da adulteração de documentos bancários e contabilísticos, conseguia que os autores desconhecessem a real situação das suas contas bancárias.

23) Com esta conduta, EE retirou do património dos autores a quantia de €285.628,35.

24) Os Autores só tomaram conhecimento da atuação de EE no ano de 2009.

25) Tanto determinou a condenação de EE, pela prática de um crime de burla qualificada e por um crime de falsificação de documento, na forma continuada, numa pena única de 5 anos e 9 meses de prisão.

26) Entre os anos de 2007 a 2009, EE, fazendo, pelo seu punho, a assinatura do Autor e do filho dos Autores, como se por eles tivesse sido efetuada, emitiu, a 09[1] de Outubro de 2007, o Cheque n.º ..., no valor de Euros: 9.500,00.

27) Emitiu, de igual modo, a 01 de fevereiro de 2008, o Cheque n.º ..., no valor de Euros: 7.500,00, bem como o Cheque n.º ..., a 14 de janeiro de 2009, no montante de Euros: 8.000,00.

28) Estes cheques foram depositados na conta nº ..., do Banco 1..., titulada pelos Primeiros Réus.

29) Os cheques n.ºs ..., ... e ... não foram preenchidos no campo “à ordem de”.

30) Os cheques n.ºs ... e ... contêm o número da conta dos Primeiros Réus.

31) O Cheque n.º ... contém o número da conta dos Primeiros Réus e o nome do Réu marido.

32) Os Primeiros Réus fizeram sua a quantia global destes cheques, Euros: 25.000,00, paga através da conta referida no ponto 3.

33) E isto sem conhecimento, autorização ou consentimento dos autores.

34) A 04 de Outubro de 2007, EE depositou na conta dos Autores o cheque n.º ..., de uma conta de que ela e o filho dos Autores eram titulares, no Banco 1..., no montante de 10.000,00€.

35) A Segunda Ré procedeu ao pagamento dos referidos cheques n.º ..., ... e ..., através da conta dos Autores referida no ponto 3, mediante o Sistema de Compensação Interbancária (SICOI), e sem que as assinaturas fossem conferidas, uma vez que, de acordo com a Instrução nº 25/2003 do Banco de Portugal que regula o SICOI, nomeadamente no seu ponto 14.1, só eram enviadas imagens de cheques quando o respetivo valor for superior ao montante de truncagem acordado pelo sistema bancário, o qual ao tempo se fixava em 10.000,00€.

36) A Segunda Ré remetia, mensalmente, os extratos da conta aos Autores, embora os mesmos fossem recebidos e tratados por EE.

37) No âmbito da conta referida no ponto 3, o Autor requisitou um livro de 59 cheques, que ia dos ... a ..., que tinha consigo e que tinha ainda cheques por preencher.

38) Os três cheques em causa faziam parte de um módulo que não se encontrava com os Autores.

39) A Segunda Ré nunca solicitou aos Autores que se dirigissem à agência de ..., desde 2002 a 2009.

40) Fruto da atuação de EE, a Autora sofreu de dificuldades em adormecer, sono agitado, falta de apetite, constante vontade de chorar e ansiedade, tendo de ser acompanhada por psiquiatra e medicada.

41) Foi-lhe diagnosticada uma depressão, para a qual ainda anda a ser medicada e seguida.

42) De igual modo, o Autor marido que, na altura, tinha mais de 73 anos, recomeçou a trabalhar.

43) Atento o incumprimento dos empréstimos contraídos por EE, em seu nome, foram instauradas as Execuções n.ºs 3347/13.2TBVFR e 3347/10.3TBVFR, que correram termos no Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis – Juiz 1 – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – e julgadas extintas por procedência de Embargos de Executado.

44) No âmbito desses processos, os seus bens foram penhorados.

45) Os Autores sentiram-se envergonhados e preocupados, quando se aperceberam que lhes tinha sido retirado o dinheiro que se encontrava nas contas suprarreferidas.”

Julgou ainda o tribunal a quo não provados os seguintes factos:

“a) Durante algum tempo, a filha dos primeiros réus, a referida EE, pediu-lhes dinheiro emprestado, que dizia necessitar, sem nunca indicar a finalidade a que se destinava.

b) O R. marido e, bem assim, a ora Ré mulher, emprestavam-lhe de acordo com a sua disponibilidade financeira do momento, tendo sempre em consideração os montantes que aquela lhes solicitava emprestados.

c) Sendo certo que a filha de ambos, a referida EE, pouco tempo após tais empréstimos (mormente cerca de duas ou três semanas mais tarde) restituía ou devolvia aos ora RR. as importâncias que os mesmos lhe haviam emprestado.

d) Mormente através de depósitos, incluindo os relativos aos 3 cheques supra indicados, que a referida EE fazia diretamente na conta bancária dos ora RR.

e) EE restituiu todas as quantias mutuadas pelos seus pais.

f) A Segunda Ré quando lhe foram apresentados a pagamento os 3 cheques suprarreferidos sabia da viciação das assinaturas dos Autores.

g) O montante de 9.500€, referente ao Cheque n.º ... foi pago por EE, através do cheque n.º ..., de uma conta sua e de seu marido FF, do Banco 1..., no montante de 10.000,00€.

h) Por seu turno e no que respeita aos cheques ... e ... o respetivo pagamento foi garantido através da disponibilização de fundos na conta dos AA. decorrentes da contratação de dois empréstimos.”


*

***


III- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das conclusões formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar:

Recurso dos 1ºs RR. AA e mulher:

- erro na decisão de facto – em causa os pontos 32 e 33 dos factos provados que os recorrentes defendem sejam introduzidos nos factos não provados (vide conclusão 5ª);

- erro na aplicação do direito.

Recurso do 2º R. “Banco 1..., S.A.”

- erro na decisão de facto – em causa os factos provados 21 e 22 que o recorrente pugna sejam alterados quanto à sua redação (vide conclusões VI, XI e XV). Bem como o aditamento de novos factos – os indicados nas conclusões XVI e XVII;

- erro na aplicação do direito.


***

1) Em primeiro lugar cumpre apreciar do imputado erro de julgamento à decisão de facto.

Erro este invocado por ambos os recorrentes, como acima já identificado.

E que de forma sucessiva será analisado - (1º se apreciando os fundamentos do recurso dos 1ºs RR. e depois do recurso do 2º R.).

Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:

i- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.

Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.

ii- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.

Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.

Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.

Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.

Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil”, já supracitado, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.

Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.

Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.ºs  4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.],  cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.

Por fim de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC)  se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.

Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..

iii- Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. do TRG de 12/07/2016, nº de processo 59/12.8TBPCR.G1; e de 11/07/2017 nº de processo 5527/16.0T8GMR.G1 ambos in www.dgsi.pt/jtrg ].

iv- Pelos mesmos motivos, temos igualmente de concluir que as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo se de conhecimento oficioso [vide, entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, nº de processo 154/12.3TBMGR.C1; Ac. TRP de 16/10/2017, nº de processo 379/16.2T8PVZ.P1; Ac. TRG de 08/11/2018 nº de processo 212/16.5T8PTL.G1; Ac. TRP de 10/02/2020, nº de processo 22441/16.1T8PRT-A.P1, todos in www.dgsi.pt].


*

Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões de ambos os recorrentes, bem como o respetivo corpo alegatório, é possível das mesmas extrair quais os pontos factuais que cada um dos recorrentes entende padecer de erro de julgamento, ainda e no caso do recorrente banco os factos cujo aditamento também peticionou, bem como a decisão que a seu ver pretendem seja nos mesmos introduzida.

Igualmente identificaram os meios probatórios que no seu ver impõem decisão diversa, tendo indicado com exatidão as passagens da gravação em que fundam o seu recurso (quando aplicável).

Pelo que se têm como observados os ónus de impugnação e especificação sobre estes mesmos recorrentes incidentes.

Impondo que se proceda à reapreciação peticionada, com a salvaguarda que desde já se deixa expressa quanto à matéria que o banco recorrente pretende ver aditada.

Como acima já assinalado, visando os recursos a reapreciação da decisão antes proferida pelo tribunal a quo, está vedado às partes submeter à apreciação do tribunal de recurso a apreciação de questões novas antes não submetidas à apreciação daquele tribunal.

Tal como vedado está a este tribunal conhecer de questões novas, salvo de conhecimento oficioso.

Acresce ser de excluir da decisão de facto, não só conceitos jurídicos ainda que de uso generalizado e conhecimento comum que constituam ou integrem o próprio objeto de disputa entre as partes, ie, constituam a sua “verificação, sentido, conteúdo ou limites”. Como também expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de suporte factual e suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio.

Dito isto, analisado o articulado do R. que constitui a contestação nos autos apresentada, verifica-se não ter o mesmo alegado qualquer factualidade relativa à falsificação das assinaturas [vide o novo ponto 46 identificado pelo recorrente]. Nomeadamente que a olho nu tal não fosse facilmente descortinável, não se tratando de uma falsificação grosseira.

O mesmo é dizer que configurando esta factualidade matéria impeditiva da pretensão dos AA., incumbia ao R. tê-la oportunamente alegado para que provada pudesse ser, após a oportuna produção de prova.

Não o tendo feito oportunamente, está vedado a este tribunal agora apreciar tal questão nova.

Para além de a alegada “falsificação grosseira” implicar um juízo de valor a extrair de factualidade demonstrativa de tal realidade. O mesmo é dizer que se trata de matéria conclusiva que como tal não poderia constar da decisão de facto.

Implicando, in limine, a rejeição do aditamento à decisão de facto de um novo ponto 46 por inadmissibilidade legal.

À mesma conclusão se tem de chegar, no que ao aditamento do novo ponto 47 concerne.

Pretende o recorrente que seja aditado aos factos provados sob um novo nº 47 que o A. não procedeu com devido zelo à conservação e guarda dos cheques.

Também esta é matéria conclusiva, a extrair da demais factualidade que tenha sido julgada provada.

Como já referido, está vedado ao tribunal introduzir na decisão de facto expressões de conteúdo valorativo ou conclusivo suscetíveis de influenciar na solução do litígio.

Sendo que tal matéria conclusiva há de se deduzir e ter por demonstrada com base em factualidade concreta e apurada nos autos.

Em suma, igualmente se conclui ser de indeferir in limine o aditamento à decisão de facto do novo ponto 47 indicado pelo recorrente.


*

Analisemos agora a redação dada aos pontos 32 e 33 dos factos provados, que os recorrentes 1ºs RR. pretendem sejam julgados não provados.

Sob os pontos 32 e 33 julgou o tribunal a quo como provado:

“32) Os Primeiros Réus fizeram sua a quantia global destes cheques, Euros: 25.000,00, paga através da conta referida no ponto 3.

33) E isto sem conhecimento, autorização ou consentimento dos autores.”

Entendem os recorrentes que de tal não foi feita prova.

E para tanto alegam que do depósito dos cheques em causa nos autos na sua conta – e tal é uma realidade inegável – não se pode inferir que sabiam e colaboraram com a conduta ilícita da sua filha.

Em abono da sua tese tendo convocado os depoimentos do autor BB e das testemunhas GG e HH, bem como II – dos quais afirmam nada resultou sobre esta matéria; bem como o constante da motivação constante da decisão de arquivamento proferida no processo nº 1128/09 relativamente ao 1º R. marido e cuja certidão se encontra junto aos autos, da qual se extrai:

«3.1.2. Da conduta do pai da arguida, AA: Como se já referenciou, a Polícia Judiciária detetou movimentos entre as contas tituladas pelos ofendidos e contas tituladas pelo pai da arguida, AA e em benefício deste. Na medida em que tais movimentos financeiros beneficiaram o referido AA, poderia colocar-se uma eventual comparticipação do mesmo na conduta criminosa da arguida. Todavia, da prova recolhida, desde logo as declarações da própria arguida, nada aponta para que o referido AA tivesse participado, de qualquer forma, nos ilícitos praticados pela arguida, tudo levando mesmo a crer que era alheio à atividade criminosa de sua filha. Nessa medida, como é óbvio, não se deduzirá qualquer acusação contra o mesmo.»

Apreciemos se aos recorrentes assiste nesta crítica alguma razão.

No que ao ponto 32 respeita, não se entende a crítica apontada pelos recorrentes.

Os próprios RR. na sua contestação reconhecem que a filha efetuava depósitos na conta bancária pelos mesmos titulada.

Depósitos que, mais afirmaram, visavam restituir quantias pelos mesmos antes emprestadas à sua filha EE.

Tudo lhes tendo (a sua filha) pago, como “puderam verificar através da consulta dos extratos bancários que o banco enviava e pelos quais podiam divisar que o dinheiro emprestado já havia retornado à sua conta bancária” (vide artigos 12º a 14º da contestação dos 1ºs RR.).

A ser assim, tomaram os RR. conhecimento dos depósitos efetuados na sua conta, incluindo (necessariamente) os dos cheques em causa, como aliás vem provado em 26 a 28 dos factos provados e não impugnado (os depósitos dos cheques em causa em conta titulada pelos 1ºs RR.).

Por outro lado, não vem questionado que os RR. não devolveram aos AA. as quantias depositadas na sua conta, nomeadamente as provenientes dos cheques já mencionados.

Tendo estes apresentado como justificação para os valores rececionados o facto de se tratar de devolução/ restituição de valores emprestados a sua filha.

Se assim é, entendendo ter para tanto causa justificativa, é certo que acabam os RR. por reconhecer que fizeram suas tais quantias.

E nesta medida nenhuma censura merece a redação dada ao ponto 32.

Tal como o não merece a redação dada ao ponto 33. Quanto ao qual e em concreto nada dizem aliás os recorrentes.

E aliás, uma vez mais, está em conformidade com o que vem julgado provado em 24 e que não foi impugnado pelos RR..

Mencionam os recorrentes sempre e apenas a sua não colaboração com a atuação da sua filha.

Mas nada dizem quanto ao julgado provado inexistente conhecimento ou autorização dos AA..

Não conhecimento que foi reiterado no depoimento da testemunha II, para além do depoimento do próprio autor.

Em suma, julga-se totalmente improcedente a impugnação aduzida pelos 1ºs RR..

Analisemos agora a redação dada aos pontos 21 e 22 dos factos provados, que o recorrente 2º R. pretende ver alterada.

Sob os pontos 21 e 22 julgou o tribunal a quo como provado:

“21) EE tinha os documentos do Banco, designadamente os extratos bancários das contas, correspondentes a todas as transferências, depósitos de cheques e livranças que emitia em nome dos Autores e de seu filho, sem a autorização e o conhecimento destes.

22) EE, através da adulteração de documentos bancários e contabilísticos, conseguia que os autores desconhecessem a real situação das suas contas bancárias.”

O recorrente banco pugna no sentido de a estes pontos factuais ser dada a seguinte (nova) redação:

“21) EE tinha os documentos do Banco, designadamente os extratos bancários das contas, correspondentes a todas as transferências, depósitos de cheques e livranças que emitia em nome dos Autores e de seu filho, detendo esses documentos com a autorização e o conhecimento destes.”

e

“22) EE, através da adulteração de documentos contabilísticos, conseguia que os autores desconhecessem a real situação das suas contas bancárias”.

O tribunal a quo quanto a esta factualidade expôs a seguinte motivação:

“Pontos 16 a 25: a atividade delituosa de EE resultava desde logo da sua sentença condenatória. De todo o modo, as declarações de parte dos autores e o depoimento da sua filha II permitiram formar convicção neste sentido. Por fim, a própria EE confessou os factos. A propósito do ponto 22 (neste ponto acabou por se explicitar o conceito de contabilidade paralela alegado pelos autores – cfr. art. 5.º, n.º 2, b), do CPC), deverá destacar-se o depoimento de HH, pessoa com prática na área da contabilidade e que foi auxiliar, a esse nível, o autor quando o mesmo se apercebeu da conduta da sua ex-nora, designadamente do desfalque que esta lhe perpetrou. Através de um depoimento seguro, detalhado, perentório e técnico revelou o modus operandi de EE e a forma hábil como esta ludibriava os autores, designadamente o autor. II declarou que o pai era uma pessoa que no fim do ano sabia, de cabeça, os valores que devia ter ganho profissionalmente nesse período e que EE apresentava esses números, falsificando, de forma ardilosa, os documentos que lhe apresentava. Como explicitou HH, a mesma criou um esquema de contabilidade paralela o qual foi suficiente para o autor desconhecer a sua verdadeira situação financeira.

Como resultado desta eficaz atuação delituosa de EE, a mesma conseguiu durante anos esconder dos autores o desfalque nas contas que esta vinha perpetrando.

Repare-se no valor muito elevado que a mesma se locupletou. Por fim, repare-se que, face a todo este contexto, o tribunal não considera remeter para os anais da coincidência o facto das assinaturas dos 3 cheques destes autos, na câmara de compensação, não serem conferidas. Pelo contrário, tal revela também a astúcia de EE.”

O recorrente invoca, para justificar a crítica apontada ao decidido, o depoimento do autor BB.

Mais argumentando estar o facto provado em 21) em contradição com o julgado provado em 12) a 15), especialmente o constante deste último ponto factual.

Abordando este último argumento, claramente carece o mesmo de fundamento.

Nos pontos 12 a 15 dos factos provados consta:

12) A partir de 1990 e até 2009, era EE que tratava de todos os assuntos de escritório.

13) Além disso, era ela que se deslocava às agências bancárias, procedia a depósitos nas contas dos Autores, levava consigo todos os documentos que necessitavam da assinatura dos Autores, a fim de recolher a mesma e de os devolver, devidamente assinados.

14) Era ela que procedia à entrega das requisições de cheques e levantamento dos correspondentes módulos (de cheques).

15) Para tal, foi autorizada pelos Autores, tendo o Autor marido dado instruções à Segunda Ré, de que EE era responsável por aquelas tarefas.”

Mais consta provado, nos seguintes factos, que:

“16) No início de 2002, EE começou a fazer, pelo seu punho, as assinaturas dos Autores e do filho destes, como se por eles tivesse sido efetuada, apondo-as em cheques.

17) Deste modo, emitia cheques, que levantava e depositava em contas de que ela ou o Primeiro Réu eram titulares.

18) Tais cheques eram pagos através do dinheiro que os Autores tinham nas contas suprarreferidas.

19) De igual modo, apondo no espaço que é reservado aos subscritores, o nome dos Autores e, no espaço reservado aos avalistas, o seu nome e nome do seu então marido, FF, como se da assinatura dos próprios se tratasse, EE negociou com o Banco 1..., o Banco 3... e o Banco 2..., diversos empréstimos e a emissão de livranças.

20) EE requisitou ainda, mediante assinaturas dos Autores, que fez pelo seu punho, um livro de cheques sacados sobre a conta do Banco 2..., ficando com os mesmos.”

Todos estes pontos factuais descrevem as tarefas de que a então nora dos AA., EE, foi incumbida enquanto funcionária dos autores.

Bem como o modus operandi da mesma, a partir do momento em começou a falsificar as assinaturas dos autores e do filho destes e seu marido.

O ponto impugnado 21 julgado provado, reporta-se precisamente a este período, como se percebe pelo encadeamento dos factos antes reproduzidos.

E é neste contexto que é julgado provado (21) que a mencionada EE tinha ainda “os documentos do banco, designadamente os extratos bancários das contas, correspondentes a todas as transferências, depósitos de cheques e livranças que emitia em nome dos Autores e de seu filho, sem a autorização e o conhecimento destes.”.

Do depoimento do autor o que resultou (como aliás do depoimento da testemunha II, filha dos AA.) é que era efetivamente a sua nora quem tratava do expediente relacionado com o negócio, nomeadamente indo aos bancos, tratando de documentação e recebendo o correio que era levantado pela mesma.

Nunca tendo, no entanto, dado autorização à mesma para mexer na sua conta ou contrair financiamentos.

E tanto assim era que os atos praticados à revelia dos AA., o foram com recurso à falsificação das assinaturas. E de tal só mais tarde os AA. tiveram conhecimento.

Esta realidade foi aliás também admitida pela própria EE no seu depoimento, confirmando nomeadamente que na altura em que começa a praticar os atos pelos quais viria a ser condenada no processo crime [vide factos provados 16) a 20)] recebia os extratos em papel por correio que desviava, não apresentando contas aos AA..

Autores e filho que consequentemente de tal atuação não estavam cientes e não autorizaram.

O mesmo é dizer que nenhuma censura merece a redação do ponto 21 que vem impugnada, a qual não está em contradição com os anteriores factos provados, atendendo ao distinto momento temporal a que se reportam.

Redação que assim se mantém.

Em segundo lugar impugna a recorrente a redação dada ao ponto 22 dos factos provados.

Alega agora a recorrente que do próprio depoimento da testemunha HH resulta que no seu “trabalho de picagem” a mesma teve acesso aos extratos bancários que eram enviados e ali deixados pela EE.

Com base nos quais pode percecionar a situação real da conta.

Pelo que, conclui a recorrente, não se pode dar como provado que a EE adulterava os documentos bancários, nomeadamente extratos bancários.

Tão só que adulterava documentos contabilísticos.

Do ponto factual em questão não consta provado que a EE adulterava concretamente extratos bancários.  Pelo que nesta parte carece de fundamento a crítica do recorrente.

Por outro lado, a testemunha HH refere que na “picagem” a que procedeu, no confronto entre os livros de cheques e extratos bancários que estavam na empresa não havia correspondência. Pelo que havia livros (de cheques) paralelos. E assim uma contabilidade paralela.

Tendo ainda dado um exemplo de um depósito de um cheque de 50 mil euros que foi lançado como sendo um depósito de 5 mil euros.

Adicionalmente, é uma realidade apurada [cfr. factos provados 16 a 20] que a mencionada EE falsificou e assim adulterou cheques e livranças, nos mesmos apondo assinaturas falsas.

Neste contexto é de concluir não evidenciar a redação dada ao ponto 22 dos factos provados, erro de julgamento que imponha decisão diversa.

Termos em que se julga totalmente improcedente a alteração pugnada pelo recorrente banco.

*

Resta por último e oficiosamente, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC proceder ao aditamento à decisão de facto de matéria alegada, discutida, a que se reporta o tema de prova 1 e na mesma omitida e essencial para o mérito dos autos.

Tema de prova 1 que aqui deixamos reproduzido:

“Apurar se os pais de EE, em conluio com esta, colaboraram e se apropriaram (ou se enriqueceram) do valor constante daqueles cheques, sabendo que as assinaturas constantes dos cheques eram falsificadas por aquela, daí resultando prejuízo patrimonial para os autores (art. 20, 25-28 da pi; art. 8-14 da contestação dos 1.ºs réus; art. 23-33 da contestação do banco).”

Em causa, em especial, o alegado pelos autores em 25º e 28º da p.i..

Em 20º da p.i. os AA. alegaram (formulação negativa) nada deverem aos 1ºs RR. que justificasse os depósitos efetuados na conta dos 1ºs RR. no valor total de € 25.000,00.

E de seguida e relevantemente, para o que se discute nos autos, alegaram os AA. em 25º e 28º da p.i., terem os 1ºs RR. sido coniventes com a atuação da sua filha, permitindo que a mesma retirasse do património dos AA. as quantias apuradas de € 25.000,00 e as depositasse em conta pelos mesmos titulada, fazendo tais quantias suas.

Atuando como tal em conluio com a filha, sabendo que ao falsificar a filha destes a assinatura daqueles, estava a cometer atos ilícitos.

Em 8 e 14 da contestação dos 1ºs RR. estes alegam ser alheios à atividade de sua filha, a quem o 1º R. emprestou dinheiro que tudo pagou, nomeadamente fazendo depósitos nas suas contas.

A versão negativa dos 1ºs RR. foi reportada na decisão de facto, em sede de factualidade não provada – vide factos não provados constantes das als. a) a d).

Mas a alegação dos AA., relevante para a apreciação da verificação dos pressupostos da responsabilidade imputada pelos AA. aos 1ºs RR., não foi introduzida na decisão de facto.

Sendo factualidade essencial, como já assinalado, e que foi discutida durante a produção de prova, impõe-se proceder oficiosamente ao suprimento da omissão da decisão de facto quanto a estes pontos factuais – vide artigos 25º e 28º da p.i..

Da prova produzida, nada resultou quanto ao conhecimento dos 1ºs RR. sobre a atuação ilícita de sua filha e assim sobre o conhecimento por parte dos 1ºs RR. da proveniência dos cheques e nomeadamente que a sua filha tinha ilicitamente obtido os mesmos e aposto a assinatura falsa de seu sogro e marido.

A constatação do depósito de tais cheques na conta dos 1ºs RR., não basta para se julgar demonstrado um qualquer conluio e / ou  conhecimento.

Nem permite, sem outra demonstração factual quanto ao circunstancialismo em que os cheques foram depositados na sua conta, como melhor explicitaremos adiante, efetuar um juízo de censura sobre uma qualquer conduta positiva ou omissiva da parte dos 1ºs RR. perante a verificação de tal depósito em conta sua.

São assim introduzidos na decisão de facto – suprindo a omissão notada nos termos do artigo 662º nº 2 al. c) do CPC - como factos não provados, os seguintes:

“i) Os 1ºs RR., permitiram que a sua filha EE retirasse do património dos AA. as quantias apuradas pela investigação, no montante de 25.000€ e as depositasse na sua conta”;

 j) As quantias retiradas dos AA. foram depositadas na conta dos 1ºs RR. através de um conluio estabelecido entre a filha dos 1ºs RR. e estes, sabendo que aquela forjara a assinatura dos AA.”.


***

Do direito.

Mantida parcialmente – atendendo à introdução nos factos não provados de factos omitidos - a decisão de facto nos termos acima apreciados, cumpre apreciar se ocorre erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.

Recorda-se que, nos termos delineados pelos AA. na p.i., fundaram os mesmos a sua pretensão contra os aqui RR. em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

Subsidiariamente, tendo peticionado a condenação dos 1ºs RR. com base no instituto do enriquecimento sem causa.

E o 2º R. com base em responsabilidade civil contratual, por violação dos seus deveres de diligência e verificação das assinaturas, ao pagar cheques indevidamente por as assinaturas neles apostas serem grosseiramente falsificadas.

O tribunal a quo decidiu pela condenação solidária dos RR. ao pagamento aos AA.:

- da quantia de €25.000,00, acrescida de juros civis a contar da data da citação até integral e efetivo pagamento;

- da quantia de €250,00;

- da quantia de €750,00;

Absolvendo os RR. quanto ao demais peticionado.

Condenação que fundamentou, quanto aos 1ºs RR. em responsabilidade civil extracontratual – condenando-os ao pagamento dos danos patrimoniais – € 25.000,00 correspondentes ao valor retirado indevidamente da conta dos AA. e na conta dos 1ºs RR. depositado; bem como ao pagamento de danos não patrimoniais que quantificou em € 750,00 para a autora e € 250,00 para o autor.

Apreciou ainda a pelos RR. invocada prescrição do direito dos AA. atento o prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 498º do CC para a responsabilidade civil extracontratual, julgando a mesma improcedente.

Por sua vez, e quanto ao 2º R., enquadrou o tribunal a quo a pretensão dos AA. contra o mesmo deduzida no âmbito da responsabilidade contratual.

E tendo concluído pela verificação da violação dos deveres laterais de fiscalização e controlo da regularidade do saque, presumindo-se a sua culpa, condenou o 2º R. com base em responsabilidade contratual, no pagamento aos AA. dos mesmos valores.

Tendo apreciado e afastado a concorrência de culpa dos AA. (para os fins previstos no artigo 570º do CC).

E declarado ser a responsabilidade entre todos os RR. solidária.

           

Em sede de recurso:

A) Os 1ºs RR. AA e DD, colocaram à reapreciação deste tribunal as seguintes questões:

- prescrição do direito dos AA. relativamente à 1ª R., por decurso do prazo do artigo 498º do CC, uma vez que os AA. tomaram conhecimento dos factos perpetrados por EE no ano de 2009 e a presente ação foi intentada em outubro de 2014. Não operando quanto à 1ª R. a interrupção da prescrição decorrente da instauração do procedimento criminal, já que em tal processo nunca a mesma foi constituída arguida [vide conclusões 17 a 21];

- não preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual no que aos 1ºs RR. concerne – atenta a factualidade provada, com a sua consequente absolvição do pedido [vide conclusões 22 a 29].

Sem conceder:

- insuficiência da factualidade provada para condenação dos RR. no pagamento aos AA. de danos morais [vide conclusões 30 a 33];

- a não ser concedida a sua absolvição total, condenação parcial dos 1ºs RR. nos danos patrimoniais, atendendo à sua conduta, no máximo de mera culpa ou negligência atento o regime previsto no artigo 494º do CC [vide conclusões 34º a 53º].

B) O 2º R. Banco 1… colocou à reapreciação as seguintes questões:

- não preenchimento – atenta a factualidade provada - dos pressupostos legais para a condenação do R. Banco por responsabilidade contratual, nomeadamente por ausência de facto ilícito e nexo de causalidade entre os factos e os alegados danos [vide conclusões XXIV a XXXVIII];

- responsabilidade dos AA. na produção do dano, com a consequente absolvição do R. [vide conclusões XXXIX a XLV];

- absolvição do R. pelos danos morais, por alheios ao recorrente e sua vontade e, sempre em último caso, por o grau de culpa do R., a existir, ser a título de negligência [vide conclusões XLVI a XLVIII];

- não verificação do regime de solidariedade e apuramento da diferença de culpas [vide conclusão XLIX];

- culpa do lesado com a consequente absolvição do R. Banco ou redução da sua condenação, nos termos do artigo 570º do CC [vide conclusões L) a LXIV].


*

Em função das questões colocadas por ambos os recorrentes, apreciaremos em primeiro lugar se a factualidade apurada permite a condenação dos 1ºs RR. com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.

*

Preceitua o art.º 483 n.º 1 do CC que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”

Para que a uma pessoa possa ser imputada responsabilidade civil, necessário se torna a verificação dos pressupostos referidos neste artigo e que de forma usual se enunciam do seguinte modo: o facto; a ilicitude; a imputação do facto ao lesante; o dano e; o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. A. Varela in: "Das Obrigações em Geral" vol. 1º, 10ª ed., p. 525 e segs. Autor que para enquadramento deste instituto aqui seguiremos).

Sendo o facto um comportamento humano (ação ou omissão) voluntário – no sentido de facto objetivamente controlável pela vontade; e a ilicitude a violação de um direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. Ainda o abuso do direito.

Na violação dos direitos subjetivos se integrando tanto os direitos absolutos, como os direitos sobre as coisas ou direitos reais, direitos de personalidade, ou familiares entre outros.

Nos direitos reais se destacando o direito de propriedade (que para o caso releva) e que se pode traduzir na apropriação ou disposição indevida da mesma.

Há de assim um comportamento humano voluntário imputado ao agente – ao autor do facto - violar um direito absoluto do lesado.

Dessa violação [e não verificadas causas de exclusão da ilicitude], quando geradora de dano, derivando a obrigação de indemnizar para o agente que atuou com culpa.

Obrigação de reparação do dano que ocorre independentemente de qualquer enriquecimento que o autor do facto tenha obtido – nisto se distinguindo da obrigação de restituir no caso do enriquecimento sem causa à custa de outrem [conforme o autor vindo de citar, a p. 542 o realça]. Aqui basta a ideia objetiva de pura reparação. Ali (na responsabilidade civil) está implícito no conceito de reparação, uma sanção sobre o agente que atua com culpa, impondo-lhe um dever de indemnizar.

Sendo ainda o caráter sancionatório ou repressivo da responsabilidade civil que “permite explicar que a indemnização possa variar consoante o grau de culpabilidade do agente (art. 494º), que a repartição da indemnização entre as várias pessoas responsáveis se faça na medida das respetivas culpas (art. 497º nº 2) e que a graduação da reparação, quando haja culpa do lesado, se faça com base na gravidade das culpas de ambas as partes” (cfr. mesmo autor in ob. cit., p. 543).

A ilicitude traduz assim “a reprovação da conduta do agente”.

Conduta que quando reportada a omissões apenas dá lugar à reparação dos danos quando, independentemente de outros requisito legais, haja por força da lei ou do negócio jurídico o dever de praticar o ato omitido – vide artigo 486º do CC..

Por fim, a culpa implica a análise da conduta do agente. Dizendo-se que o mesmo age com culpa quando a sua conduta merece reprovação do direito, nomeadamente por o agente, naquela circunstância concreta, poder e dever agir de outro modo [distinguindo-se as modalidades da culpa entre dolo e negligência].

Para que haja dolo sendo essencial o conhecimento das circunstâncias de facto que integram a violação do direito. No caso da apropriação de coisa alheia sendo necessário que o agente saiba que a coisa lhe não pertence.

No caso da mera culpa ou negligência sendo necessário ainda a verificação de uma atuação censurável imputável ao agente.

Aferindo-se a censura a imputar ao agente por referência ao comportamento que no caso concreto o homem médio, normalmente diligente, capaz e cuidadoso, assumiria. O denominado “bom pai de família” a que alude o artigo 487º nº 2 do CC.

Resumindo, a ilicitude e culpa são ambos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, abrangendo aspetos diferentes, em parte complementares da conduta do autor do facto.

“Ambas elas exercem, como condicionantes da sanção civil, uma função reprovadora da conduta do prevaricador ou faltoso: a ilicitude no aspeto geral e abstrato considerado pela norma legal; a culpa no momento subjetivo em que o julgador, ainda apoiado na lei, aprecia a reprovabilidade da conduta do agente (ou omitente) em face das circunstâncias concretas do caso.

A ilicitude considera esta conduta objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica (...).

A culpa, considerando todos os aspetos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta do agente, olha ao lado individual, subjetivo do alto ilícito, embora na apreciação da negligência a lei inclua, nos termos expostos, elementos de caráter objetivo.

(...) a culpabilidade trata fundamentalmente do nexo entre o facto e a vontade do autor.” (ob. cit. p. 585/586).

Sendo sobre o lesado que incumbe provar estes pressupostos, salvo se beneficiar de uma presunção legal, o que não é o caso.

Assentes estes pressupostos e confrontados os factos provados, temos demonstrado que foi a filha dos RR. quem a partir do início de 2002 começou a fazer pelo seu punho as assinaturas dos autores e do filho destes, como se por eles efetuadas, apondo-as em cheques que levantava e depositava em contas de que ela ou o 1º R. eram titulares – realça-se era a filha dos RR. quem depositava tais cheques (vide fp 16 a 18).

De igual modo procedendo para a emissão de livranças – vide fp 19.

Tendo com esta conduta a filha dos RR. retirado do património dos autores € 285.628,35 – vide fp 23.

Por esta sua atuação tendo sido condenada no âmbito de processo crime – vide fp 25.

De entre tais cheques e no período contido entre 2007 e 2009, apôs também esta filha dos RR. pelo seu punho a assinatura do autor e do filho deste nos 3 cheques em causa nos autos – que totalizam o valor de € 25.000,00 – e que viriam a ser depositados em conta titulada pelos 1ºs RR. – vide fp’s 26 a 31.

Destes cheques, 2 não preenchidos à ordem, contendo os 3 o número da conta dos 1ºs RR. e um deles ainda o nome do R. marido.

Não está provado que foi o R. marido quem apôs no cheque (no seu verso) e pelo próprio punho o seu nome. Antes e tão só que nele consta o seu nome.

Tão pouco tendo os AA. imputado aos RR. e nomeadamente ao R. marido tal atuação.

O que estes alegaram foi:

- de um lado que a filha dos 1ºs RR. emitiu cheques sacados com recurso à subtração e falsificação das assinaturas dos AA. sacados sobre conta titulada pelos mesmos e que depositou na conta titulada pelos 1ºs RR. seus pais (vide artigos 14º a 18º da p.i.);

- e de outro alegaram que nada deviam aos 1ºs RR que justificasse tais depósitos. Nunca tendo os 1ºs RR. questionado os AA. sobre tais depósitos na sua conta, aceitando de ânimo leve tais depósitos na sua conta, “alguns deles endossados com assinaturas falsas dos AA.” (vide 21º da p.i.), quando o podiam e deviam fazer por conviverem uns com os outros nas festas de família em que se encontravam.

Assim concluindo terem sido os RR. coniventes com a atuação ilícita da filha, permitindo que esta retirasse da conta dos AA. as quantias apuradas que depositava na conta dos 1ºs RR. e que as fizeram suas. Sabendo que a filha ao forjar as assinaturas dos AA. estava a cometer atos ilícitos.

Reitera-se, portanto, o acima já afirmado – os AA. nada alegaram sobre uma atuação direta dos RR. sobre os cheques em questão. E assim do provado em 31) não se pode inferir sequer ter sido o R. marido quem apôs o seu nome no cheque (não só não foi alegado, como não é o que consta do facto em questão). Antes tendo os AA. na sua p.i. imputado exclusivamente à filha dos AA. toda a atuação relativa aos cheques até ao depósito na conta dos RR..

Apenas tendo alegado que os RR. estavam conluiados com a sua filha e que sabiam da falsificação (vide o alegado em 25º e 28º da p.i.).

O que não vem provado.

De novo se realça – tão pouco está provado que foi o R. marido quem apôs no cheque (no seu verso) e pelo próprio punho o seu nome. Antes e tão só que nele consta o seu nome.

Aliás não tendo os AA. imputado aos RR., e nomeadamente ao R. marido tal atuação.

Apenas alegando (mas não provando) o tal conluio e conhecimento da falsificação das assinaturas apostas nos cheques depositados na sua conta.

Esta constatação não é inócua para o que apreciaremos sobre a verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual.

O tribunal a quo, analisando a responsabilidade dos RR. afirma que ter ficado apurado que “foi EE quem, materialmente, executou os atos que conduziram ao pagamento dos referidos cheques.”

E acrescenta, “No entanto, como já se viu, a realidade é que a lei civil, um pouco à semelhança da lei penal, não deixa de contemplar a “punição” daqueles que, não intervindo na prática e execução material dos atos, têm neles participação, de tal modo que são também responsáveis pelos danos que os mesmos provoquem”.

Concluindo:

Ora, enquanto beneficiários das quantias depositadas na sua conta, impunha-se que, perante tal situação, como qualquer pessoa razoável, minimamente diligente e

preocupada, questionassem a situação.

Por outro lado, não deixa de suscitar alguma perplexidade a coincidência de tais cheques serem todos em montantes que autorizaram o seu pagamento através do SICOI, isto é, inferiores a 10.000 euros, o que lhes permitiu “escapar” e obviar à verificação da regularidade do seu preenchimento e das assinaturas daí constantes, para serem pagos, sem as mesmas serem conferidas, naquilo que se mostra ter um plano previamente delineado e detalhado, consciente de todos os “obstáculos” que se impunha “driblar” para alcançar o intento final.

Deste modo, é inegável, em cooperação e articulação com a filha EE, se locupletaram, de forma ilícita, com recurso aos cheques em discussão nos autos, que continham a assinatura dos autores, falsificada por esta, e que foram depositados na conta dos primeiros réus e aí pagos pelo réu Banco. Consequentemente, fizeram seus fundos monetários que eram dos autores, ferindo-os no seu direito de propriedade.

Por outro lado, alegaram que o fizeram porque emprestaram dinheiro à filha e esta, com cheques dos autores, restitui-lhes as quantias mutuadas. Como se viu, estes réus não demonstraram a existência de qualquer empréstimo. Por outro lado, a restituição era feita através de cheques que não provenientes da conta da sua filha, mas dos autores. Perante isto como concluir que os primeiros réus não colaboraram com a filha? Como concluir que não foram, no mínimo, negligentes?

Ora, quanto aos sujeitos da obrigação de indemnizar, veja-se que o art. 490.º, do CC, atribui responsabilidade aos autores, instigadores ou auxiliares do ato ilícito, abrangendo os casos de cooperação entre autores e de atuação isolada de cada um deles, de forma individual ou desarticulada (...)

Assim, serão responsáveis civilmente os autores, de acordo com a noção restrita de autor para efeitos de Direito Civil, «que qualifica como autor todo aquele que tem o

domínio do facto – por deter o poder de determinar a sua consumação ou de a evitar –

e como participante o agente que, apesar de intervir nesse facto, não possui semelhante

domínio», mas também «o cúmplice, ou seja, aquele que auxilia o autor, mas nunca chega a ter o domínio do facto. Não é, pois, por o cúmplice não prestar o seu auxílio que o delito deixa de se executar e consumar. O auxílio do cúmplice tanto pode ser de ordem moral, como de ordem física; e o instigador, isto é, aquele que determina outrem à prática do facto lesivo.» (...)

Deste modo, por força da mesma (conduta), os primeiros réus causaram danos aos autores, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, recaindo sobre si o dever de os

indemnizar e compensar.”

Não acompanhamos o raciocínio expendido pelo tribunal a quo neste ponto.

Da demonstrada receção e não devolução do dinheiro por parte dos RR., extrapola o tribunal a quo uma atuação conluiada dos RR. com a sua filha.

Atuação conluiada que se não provou [nos termos acima assinalados].

E que se não pode inferir, sem mais, do demonstrado depósito dos cheques em conta sua, cujo valor fizeram seu.

Necessário seria ter ficado provado, desde logo, que os RR. sabiam que os cheques tinham sido subtraídos aos AA. de forma ilícita. Necessário seria ter ficado provado que com tal conhecimento e em acordo estabelecido com a sua filha, fizeram sua tal quantia, sabendo ou devendo saber que a proveniência de tais valores era ilícita e que assim não tinham os AA. emitido tais cheques e entregue à filha dos RR. para ao valor titulado pelos mesmos dar o destino que bem entendesse.

Ou seja, necessário seria que os AA. tivessem provado o alegado conluio / atuação concertada entre RR. e filha. O que não lograram fazer.

Note-se aliás que num total muito elevado extraviado pela filha dos RR. aos AA. e durante um período prolongado de tempo – vários anos – foram detetados 3 cheques depositados, num período de 3 anos, em conta dos RR..

A astúcia que o tribunal a quo convoca por referência ao valor aposto nos cheques, sempre inferior a € 10.000,00 para “escapar” à verificação da regularidade do seu preenchimento, e das assinaturas nos mesmos constantes, apenas à filha dos 1ºs RR. pode ser imputada, no quadro factual apurado.

O período temporal assinalado e valores em causa, não corroboraram de todo a alegada, mas não apurada, versão de conluio dos RR. com a sua filha.

É bem verdade que os RR. alegaram e não provaram ter recebido os cheques em causa na sua conta, para pagamento de empréstimos que àquela tinham concedido.

No entanto era aos AA. que incumbia a prova dos factos demonstrativos do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

Pelo que, da não demonstração factual do alegado pelos RR. não se pode retirar qualquer consequência para efeitos da necessária e alegada demonstração de uma atuação ilícita e culposa a estes imputável.

Em suma, a factualidade provada não permite assacar aos 1ºs RR. uma qualquer conduta – ação ou omissão a estes imputável - merecedora de censura em face das circunstâncias concretas do caso, pelo facto de terem feito sua a quantia titulada pelos cheques e que foram creditados em conta sua.

Implicando a não demonstração de factos que permitam integrar a sua atuação no instituto da responsabilidade civil extracontratual.

Com a consequente absolvição quanto ao pedido contra os 1ºs RR. formulado, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.

O que se decide.

Daqui resultando prejudicado o conhecimento da prescrição do direito dos AA. com base em tal instituto invocado pelos recorrentes em relação à 1ª R.

O que aqui se declara.


*

A absolvição dos 1ºs RR. com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, impõe a este tribunal de recurso o conhecimento da causa subsidiária de condenação destes mesmos RR. invocada pelos AA., ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa – vide artigo 665º nº 2 do CPC.

Sobre esta causa de pedir subsidiária, a primeira observação que se impõe aqui manifestar é a de que os 1ºs RR. não invocaram em sede de contestação, quanto a este instituto, qualquer prescrição do direito dos AA..

Apenas tendo invocado o não preenchimento dos seus pressupostos.

Motivo por que se não emite qualquer pronúncia quanto a este campo, certo sendo que os recorrentes nunca o poderiam invocar ex novo em sede de recurso, na medida em que constituiria então questão nova não colocada à apreciação do tribunal a quo. Para que neste tribunal de recurso pudesse ser reapreciado.

Assente esta questão, atendendo às várias soluções plausíveis de direito por referência nomeadamente ao requisito da subsidiariedade do enriquecimento sem causa[2], será previamente apreciada a condenação do banco R. em sede de responsabilidade contratual (recurso deste 2º R.).

Só após se apreciando este fundamento da causa de pedir dos AA. deduzido a título subsidiário, para condenação dos 1ºs RR..

O banco recorrente alegou em suma, na sua contestação:

- nenhum motivo ter para suspeitar da falsificação das assinaturas do autor na medida em que desde 1988 a nora dos AA. passou a ser a principal interlocutora junto do banco R..

Procedendo esta a depósitos de valores, levando consigo todos os documentos que necessitavam da assinatura dos mesmos, que depois devolvia devidamente assinados. Procedendo ainda à entrega das requisições de cheques e seu levantamento, por a isso estar autorizada pelo A.;

- pelo valor dos cheques em questão e de acordo com a Instrução nº 25/2003 do Banco de Portugal que regula o Sistema de Compensação Interbancária (SICOI) não lhe foram enviadas imagens dos cheques em causa nos autos, pelo que não tinha como descortinar a alegada falsificação da assinatura do autor.

Sem que até julho de 2009 tivesse o banco R. sido questionado sobre alegados movimentos não autorizados;

- nenhum prejuízo suportaram os AA., porquanto os valores retirados pela nora dos AA. foi posteriormente pela mesma depositado na conta dos mesmos, através de fundos provenientes de contas pela mesma co tituladas em outra instituição bancária. Ou através de empréstimos contraídos junto do banco R., nos quais a nora e filho dos AA. assumiram a posição de avalistas;

- Foi a atitude negligente dos AA., ao entregarem a sua nora os assuntos bancários sem curar de saber do desenvolvimento posterior dos mesmos e confiando cegamente na mesma entre 1988 e 2009, que permitiu e facilitou a atividade delituosa da sua ex-nora.

Culpa dos lesados AA. a ser ponderada nos termos do artigo 570º do CC..

Como já referido o banco R. foi condenado com base em responsabilidade contratual, pela violação dos deveres laterais de fiscalização e controlo de regularidade do saque, presumindo-se a sua culpa.

Tendo ainda sido afastada a alegada concorrência de culpas ao abrigo do previsto no artigo 570º do CC.

Em sede de recurso argumenta o banco recorrente ter ficado provado que o recorrente desconhecia a falsificação das assinaturas nos 3 cheques em causa.

Para tanto, convocando o julgado não provado sob a al. f) dos factos não provados. E, daí, inferindo não ter praticado qualquer ato ilícito e / ou culposo, o que desde logo exclui a obrigação de indemnizar [vide conclusão XXVII].

Este argumento é de descartar sem mais.

Em f) dos factos não provados consta, como não provado, que o banco R. sabia da viciação dos 3 cheques quando os mesmos foram apresentados a pagamento.

Da não prova deste facto, não se extrai o apuramento do facto contrário.

Ou seja, não se pode julgar como provado que o banco R. desconhecia tal falsificação, por ter ficado não provado que a conhecia.

São realidades diversas, ambas a carecer de alegação e demonstração.

O que não é o caso.

Improcede nestes termos esta argumentação.

Seguidamente argumentou o banco recorrente não ser merecedora de censura a sua atuação no pressuposto da violação das regras legais que sobre si impendiam. Inexistindo nexo de causalidade entre os danos dos AA. e a conduta a si imputada, porquanto os cheques foram apresentados a pagamento junto de outra entidade bancária que aceitou os mesmos, analisou, conferiu e remeteu à compensação, sem que estes lhe suscitassem qualquer dúvida. Não sendo a falsificação detetável mesmo que fossem lançados todos os meios adequados à sua deteção – este último argumento, como já tivemos oportunidade de referir antes, em sede de reapreciação da decisão de facto, tem implícita a afirmação de factualidade nova que carecia de oportunamente ter sido provada (após alegação). O que não foi o caso.

Por esta via se afastando este mesmo argumento da não evidência à vista desarmada da falsificação das assinaturas que determinaria a sua não deteção, mesmo que o por parte do banco R. tivessem sido lançados todos os meios adequados à sua deteção, com o seu consequente pagamento.

Dito isto, quanto ao enquadramento da atuação do banco R. na responsabilidade contratual e violação dos seus deveres acessórios, tendo presente a relação contratual entre AA. e 2º R. banco estabelecida, acompanhamos na integra a argumentação do tribunal a quo que de forma exaustiva, convocando tanto doutrina como jurisprudência, analisou o assunto, motivo por que aqui a deixamos em parte reproduzida:

“(...) cumpre primeiro apurar a qualificação da relação jurídica estabelecida entre autores e réu banco (...)

Como se viu, os autores abriram conta no antigo Banco 3.... Deste modo, inicialmente estabeleceu-se o acordo essencial da atividade bancária: o contrato de abertura de conta.

Para MENEZES CORDEIRO, Manual de direito bancário, 2.ª edição, Almedina, 2001, p. 500, o contrato de abertura de conta é o negócio bancário nuclear. A abertura

de conta marca o início duma relação bancária complexa entre banqueiro e o seu cliente e traça o quadro básico do relacionamento entre essas duas entidades.

Apesar de não existir legislação específica, este Autor ensina que a abertura de conta prevê o quadro para a constituição de depósitos bancários que o banqueiro de obriga, desde logo, a receber e regula a conta-corrente bancária. Prevê regras sobre os seus movimentos incluindo juros, comissões e despesas que o banqueiro poderá debitar e sobre os extratos. (…) Normalmente este contrato engloba ainda três negócios subsequentes: a convenção de cheque; a emissão de cartões; a concessão de crédito por descobertos em conta (p. 501).

Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 6479/09.8TBBRG.G1.S1, de 18-12-2013, na abertura de conta (contrato mãe, chamemos-lhe assim) não estamos perante uma multiplicidade de relações contratuais autónomas e estanques entre si, mas antes perante um complexo negocial interligado, configurando uma união de contratos, o qual tem por base aquele convénio principal e que vai ter a sua existência e razão de ser no mesmo.

(...)

... o banco réu aceitou como bons cheques emitidos da conta dos autores, quando as assinaturas constantes dos mesmos foram falsificadas. Deste modo, pretendem os autores ser ressarcidos do valor desses cheques: €25.000,00.

Estamos, assim, perante uma ação de responsabilidade bancária. Para MENEZES CORDEIRO, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade” in Estudos de direito bancário I, Almedina, 2019, p. 44-45, a responsabilidade bancária abrange situações de imputação de danos a instituições de crédito causados no exercício da sua profissão. Tais situações são de natureza muito variada, podendo, designadamente, ter natureza contratual ou aquiliana e derivar da inobservância dos mais distintos deveres.

De um modo mais exemplificativo, escreve que esta (responsabilidade contratual) pode derivar, no caso dos Bancos, da preterição de deveres principais de prestação emergentes do contrato, de deveres acessórios ligados ao cumprimento destes, de normais legais relativas ao exercício da sua atividade, «de deveres gerais de

diligência, dirigidos às instituições de crédito; determinações concretas do Banco de Portugal; regras genéricas dimanadas desse mesmo Banco; o dever geral de respeito, relativo a bens protegidos; deveres do tráfego, derivados desse mesmo dever. Além disso, o banqueiro pode ser chamado a responder por atos dos seus representantes, auxiliares ou agentes (800º/1, do Código Civil) ou por factos praticados pelos seus comissários (500º, do mesmo Código).» (op. cit., p. 9-10).

De forma mais genérica, é sabido que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor – cfr. art. 798.º, do CC.

Como se sabe, para haver responsabilidade contratual tem que estar preenchidos 5 requisitos. Eles são, em síntese:

Primeiro, exige-se que o agente tenha praticado um facto. Segundo, o facto tem de assumir uma veste ilícita à luz do contrato. Em terceiro lugar, o agente tem de agir com culpa, sendo que em sede contratual esta se presume (cfr. art. 799.º, do CC). Quarto, não há responsabilidade civil sem a verificação de danos, de prejuízos. Quinto, e por último, entre os danos e a conduta deve existir um nexo de causalidade: é causa de um prejuízo a condição que, em abstrato, se mostra adequada a produzi-lo de acordo com a experiência comum e as circunstâncias concretas (segundo GALVÃO TELLES, Direito das obrigações, 7.ª edição, Coimbra editora, 1997, p. 331-333, a responsabilidade obrigacional tem como pressupostos a inexecução da obrigação – ato ilícito –, a culpa,  prejuízo e a causalidade. Por último, cite-se a arrumação teórica exposta por NUNO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, Coimbra editora, 2011, p. 616-621: reconduzem-se a 3 os requisitos: tipicidade, ilicitude e culpa. A primeira, traduz-se na conformidade da conduta com um tipo objetivo de responsabilidade civil [tipicidade que, por sua vez, se divide em 5 elementos: ação ou omissão do devedor; violação do direito do credor; relação de causalidade entre ação ou omissão do devedor e a violação do direito do credor; dano ou prejuízo; relação de causalidade entre a violação do direito do credor e o dano ou prejuízo]. O juízo de tipicidade indicia um juízo sobre a ilicitude, mas não se confundem. A ilicitude concretiza-se num juízo de censura, de desvalor dirigido à ação ou omissão [verifica-se a inexistência de uma causa justificativa para o comportamento típico do devedor]. A culpa concretiza-se num juízo de censura, de desvalor dirigido ao agente por ter adotado um comportamento contrário ao direito quando podia e devia ter adotado um comportamento conforme ao direito).

Sempre se diga que, na ausência de regime especial, a nosso ver, o art. 796.º, do CC, seria inaplicável nestas situações (assim Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 11775/16.5T8PRT.P1, de 13-06-2018: Para fundamentar a responsabilidade do banco-depositário não tem aplicação o princípio contido no artigo 796º, nº 1, do CP, uma vez que o depositário não perdeu a possibilidade de pagar ao depositante e uma vez que não existe coisa que possa perecer).

(...)

Vejamos, antes de mais, as particularidades relacionadas com a convenção de

cheque.

Com efeito, o «cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheques» - v. art. 3.º da LUCh -, constituindo um meio de pagamento, que «[serve] o desenvolvimento do mercado e a fluidificação dos circuitos de pagamentos», uma vez que deixa de ser necessário realizar transações em numerário, com os riscos decorrentes de tanto(SOFIA GALVÃO, Contrato de cheque: um estudo breve. Lisboa: Lex, 1992, p. 39).

Destarte, a convenção de cheque consiste, pois, no «contrato, expresso ou tácito, pelo qual o depositante fica com o direito de dispor de uma provisão por meio de cheque,

obrigando-se o banco a pagar cheques até ao limite da quantia disponível, quer a mesma tenha sido formada por depósito antecipadamente efetuado ou por crédito concedido.

Este acordo é frequentemente tácito, decorrendo de atitudes simples por partes dos intervenientes, como sejam o cliente preencher uma ficha de requisição de módulos de cheques e o banco aceitá-la, mandar proceder à impressão desses módulos e entrega-los ao cliente.

Por outras palavras, embora os atos subjacentes à emissão de um livro de cheques (ou conjunto de módulos) possam ser objeto de expressa previsão contratual, que acolha não apenas o consentimento das partes, mas o regime jurídico e os efeitos da específica relação negocial desse modo estabelecida, a verdade é que os mesmos são

desnecessários, sendo suficiente que dos atos das partes decorra a sua vontade de celebrarem uma convenção de cheque. [Assim], a convenção de cheque é o contrato pelo qual o cliente passa a proceder, por meio de cheques, ao saque de quantias que se encontram disponíveis em conta bancária de que é titular ou para cuja movimentação tem legitimidade (cfr. art. 3.º da LUCh).» (PAULO OLAVO CUNHA, Cheque e convenção de cheque, Almedina, 2009, p. 442 [tese de doutoramento que se seguirá muito de perto]).

A convenção de cheque enquadra-se, como já referido, numa relação contratual, de natureza complexa, estabelecida entre o Banco e o Cliente, que é intuitu personae, pois a sua celebração encontra-se indissoluvelmente ligada a este, sendo o seu regime

jurídico aquele que emerge da Lei Uniforme do Cheque e do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28-12.

Trata-se de um contrato sinalagmático, de execução continuada, a que são inerentes determinados direitos e deveres das partes, em que é recíproca a diligência que ambas têm de observar. O cliente tem o direito de sacar ou dispor dos fundos por meio de cheque, bem com os correlativos deveres de verificar a conta, de conservar os cheques e de informar de quaisquer ocorrências que sejam suscetíveis de influir na execução da referida convenção, como a perda, extravio ou roubo dos seus cheques.

Já o banco tem o direito de lançar, a débito, em conta da quantia paga e os deveres de pagar os cheques emitidos para o cliente, de informar o mesmo, de verificar os cheques e fiscalizar os movimentos da conta, de sigilo e de observar uma elevada competência técnica, entre outros.

Assim, o cliente tem direito a movimentar os fundos que se encontram disponíveis na sua conta, através de cheques, e de que eles efetivamente sejam pagos, a quem se mostre seu legítimo portador, quando os apresenta a pagamento, devendo para tal provisionar devidamente a sua conta, que será objeto de saque, mas também guardar e conservar adequadamente os módulos de cheques, evitando «desapossamentos que comprometam a normal utilização do título de crédito» (PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 463), e atuando, pois, de forma diligente, obstando a que os mesmos sejam utilizados por terceiros, de forma indevida e ilegal, que é de imputar ao cliente quando não o faça.

Quanto aos deveres que impedem sobre o Banco, podem estes subdividir-se em

deveres principais, acessórios e laterais, como outrora referido.

Deste modo, o dever principal do Banco é proceder ao pagamento dos cheques

sacados por uma conta, à custa dos fundos depositados nesta, quando apresentados a

pagamento.

Por seu turno, no quadro dos deveres acessórios que impendem sobre o Banco, tem-se os deveres de informação, relativos a esclarecimentos que, no exercício da sua função e atividade, deve fornecer ao seu cliente, o dever de observar uma elevada competência técnica no exercício da sua atividade, e o dever de fiscalização dos cheques, que se faz salientar.

«Este dever corresponde ao chamado dever de verificação dos cheques, sendo acessório e instrumental do dever principal do banco – de pagamento, [consistindo] na

obrigação que o banco tem de verificar cuidadosamente o cheque…, [o que] pressupõe

o controlo da autenticidade do módulo em que foi preenchido o cheque, a comprovação de que o banco não foi notificado de nenhuma vicissitude e o controlo da assinatura do sacador, confrontando-a com a que o banco recolheu do seu cliente quando abriu a conta movimentada pelos cheques sacados nos módulos disponibilizados, e que consta da ficha de cliente.» (PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 481).

Cabe-lhe, pois, verificar a regularidade do saque, assegurando-se que a assinatura aposta no cheque coincide com aquela que consta da ficha do cliente, o que deve ser feito cuidadosamente, por modo a obstar ao pagamento de um cheque falsificado.

Deste modo, existe uma especial atenção na conservação e guarda dos módulos (de cheques) pelo respetivo titular, no tratamento a dar aos cheques (emitidos), nomeadamente no eventual envio dos mesmos por correio, na verificação constante dos saldos das suas contas bancárias e na comunicação imediata ao banco de alguma anomalia com esses módulos; e um cuidado razoável por parte do banco sacado, na verificação da assinatura do sacador e na deteção de imitações grosseiras – assim PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 664-665.

Quando o Banco paga um cheque falsificado (cheques falsos na terminologia de PAULO OLAVO CUNHA, Cheque e convenção de cheque, Almedina, 2009, p. 637-638, o qual faz a distinção entre cheques falsos e cheques falsificados, sendo que destas situações exclui as de saque irregular e de endosso falsificado – cfr. p. 641-646), coloca-se a questão de saber a quem devem ser imputados os danos daí decorrentes.

Como refere PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 665-666, nestas situações importa

determinar quem é que suporta o custo da falsificação a nível extracambiário porque a nível cambiário não há justa causa para o não pagamento do cheque falsificado desde que a vicissitude não resulte da aparência do título, qualquer que seja a causa.

Invocando o art. 35.º (o qual não prevê causas de não pagamento) e 10.º, da LuCh (o qual estabelece o princípio da independência recíproca das subscrições cambiárias), conclui pela tutela cambiária que visa salvaguardar a posição de terceiros de boa fé.

Ora, têm sido colocadas 4 hipóteses para esta problemática: o banco assume o prejuízo; a culpa é do sacador; existe concorrência de culpas; na falta de apuramento de culpa, considera-se que, pela específica posição que ocupa e pelo papel que desempenha na relação contratual de cheque, o banco deve assumir a responsabilidade pelo dano – cfr. PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 667-668.

Esta última tese é subscrita por MENEZES CORDEIRO, Direito bancário, 6.ª edição, Almedina, 2018, p. 438, o qual considera, genericamente, que na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente ou, de modo mais lato, na de vínculos obrigacionais específicos, a simples falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de ilicitude, de culpa e de causalidade. Competirá, pois, ao devedor inadimplente apresentar alguma causa de extinção de obrigação ou de justificação do inadimplemento. Já se estivermos perante a inobservância de deveres genéricos, tudo fica nas mãos do prejudicado que deverá provar os diversos pressupostos de responsabilidade civil. Todavia, a p. 449, sustenta que o banqueiro, como titular dos fundos, corre, em geral, o risco das falsificações que possam ocorrer: em rigor, já não se trata de responsabilidade.

No mesmo diapasão, afirmando-se, como regra, a responsabilidade do Banco, salvo prova, pelo Banco, de que o Cliente-sacador, de forma culposa, preteriu os seus deveres, mormente o dever de adequada guarda e conservação do livro de cheques, «o que encontra justificação no risco da atividade desenvolvida» – cfr. PAULO OLAVO CUNHA, “Relevância e significado do cheque e da convenção de cheque na atualidade: principais problemas”, in I Congresso do Direito Bancário/coord. Miguel Pestana de Vasconcelos. Almedina: Lisboa. 2014, 157-158. Todavia, este autor na sua tese de doutoramento parte inicialmente da responsabilidade por culpa (cfr. p. 673 e ss.), sendo que, no âmbito contratual a culpa se presume, pelo que, para afastar a presunção de culpa, incumbe ao banco demonstrar que a culpa da falsificação é do cliente ou que atuou de forma diligente e não censurável, não lhe sendo exigível, na situação concreta, que agisse de outro modo (p. 679). Já a responsabilidade objetiva do banco poderá apenas colocar-se no seguinte caso: não se provando a culpa de nenhuma das partes, a quem será imputado o dano e qual o critério para o efeito?

Deverá ser imputado ao banco invocando-se a responsabilidade fundada no risco, tendo em conta que é o banco quem melhor controla a fonte dos riscos (p. 681 e ss.).

Prosseguindo.

(...)

Destarte, foi celebrada uma convenção de cheques entre Autores e Segunda Ré, já que esta entregava módulos de cheques, regularmente, ao Autor, mas também, como se sindicou, nesta ação, a EE, sem o conhecimento daquele.

Se é certo que, quanto a tal, a atuação do Banco e, portanto, da Segunda Ré, não merece censura, pois limitava-se a observar as instruções do Autor, crendo que atuava de acordo com a vontade deste, a realidade é que a Segunda Ré pagou cheques falsificados, pelo que a questão da sua responsabilidade civil se destrinça na observância ou inobservância de um dever acessório que lhe incumbia cumprir – o dever de fiscalizar a regularidade do saque e, por isso, a autenticidade das assinaturas do Autor e do seu filho –, mas também na eventual culpa do Autor, enquanto lesado.

Ora, a Segunda Ré não nega que não tenha violado aquele dever, pelo que há preterição do mesmo, dado que as assinaturas e respetiva genuinidade não foram verificados por aquela. Mas, considera a Segunda Ré, a mesma não é culposa, havendo

até uma atuação censurável dos Autores, a quem o dano (também) se deveu).

É certo que a não verificação do cheque pode dever-se precisamente ao facto de o cheque ter sido pago através do SICOI (Sistema de Compensação Interbancária) e ser retido na instituição depositária, o que impede a verificação do referido cheque, como foi o caso destes cheques.

O SICOI constitui «o sistema de pagamentos de retalho gerido pelo Banco de Portugal. Neste sistema, de forma eletrónica, são processados e compensados os pagamentos de retalho, efetuados através de cheques, efeitos comerciais, débitos diretos, transferências a crédito, transferências imediatas e cartões bancários.», entre os participantes no mesmo, até um determinado valor (in https://www.bportugal.pt/page/sicoi).

Deste modo, no «subsistema de compensação de cheques, os cheques ficam retidos fisicamente no banco onde são depositados e a respetiva imagem é transmitida ao banco emissor, para verificação do preenchimento, quando se trate de cheques cujo

valor seja superior ao do montante de truncagem acordado pelo sistema bancário.». –

cfr. Ac. do TRC, de 06-10-2015, proc. n.º 38/14.0TBCNT.C1.

A compensação consiste num «processo de apuramento das posições devedoras ou credoras, através do qual os bancos participantes efetuam entre si cobranças e pagamentos mútuos, designadamente dos cheques recebidos em depósito de outros bancos. Traduz-se no apuramento das posições líquidas diárias (devedoras ou credoras) dos bancos envolvidos e completa-se na liquidação financeira efetuada através da movimentação das contas de depósito à ordem junto do Banco de Portugal.» - cfr. Caderno n.º 3 do BP: Cheques – Regras Gerais, p. 12, inhttps://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/3_cheques_-regras _gerais.pdf.

Sendo a adesão ao SICOI facultativa, este é um «risco a correr por conta do sacado» (PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 482).

É que a falta de acesso à imagem dos cheques não dispensa o Banco do dever de

fiscalização e verificação dos mesmos, antes de os pagar, bem como do consequente dever de responder pelo (não) controlo da regularidade da assinatura do sacador aposta, em conformidade com os elevados níveis de competência, que lhe são exigidos nos termos dos arts. 73.º e 74.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31-12, que aprovou o Regime Geral da Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, e com as instruções do BP que os vinculam, designadamente enquanto participantes no SICOI, as quais apenas visam regular e promover o bom funcionamento no âmbito das relações interbancárias, não sendo de aplicar aqui pelo Tribunal – cfr. Ac. do TRC, de 06-10- 2015, proc. n.º 675/12.8TBCBR.C1, disponível in www.dgsi.pt. -, como foi invocado, quanto à Instrução n.º 12/2003.

Com efeito, o cliente não pode ver a sua posição jurídica fragilizada por uma opção do próprio Banco em atenuar, facilitar ou abdicar do cumprimento dos seus deveres, em nome da maior rapidez e fluidez do tráfego, devendo este adotar uma posição proactiva, para acautelar, sempre e em qualquer circunstância, os interesses dos seus clientes, atendendo também à confiança que suscitam nos mesmos, ao entregar-lhe os seus depósitos e fundos.

Assim, mesmo nessa situação, valerá a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do CC, vigente no quadro da responsabilidade civil contratual e, por isso, aqui aplicável.

Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 4079/11.1TBGDM.P1, de 10-11-2015, o STJ tem decidido, de forma persistente, no sentido de que o banco só ilide a presunção de culpa no pagamento de cheques falsificados se provar a culpa do cliente, já que lhe é exigível um grau elevado de meios técnicos de preparação para detetar falsificações. Não obstante as instruções decorrentes do Regulamento SICOI deverem ser tidas em atenção na apreciação do comportamento das entidades bancárias envolvidas, não constitui o mesmo uma fonte

imediata de direito a ter em atenção pelo Tribunal, nem a sua existência afasta o regime de responsabilidade legalmente aplicável, uma vez que se destina primordialmente a regular as relações interbancárias

Mais longe vai PAULO OLAVO CUNHA, Cheque e convenção de cheque, Almedina, 2009, p. 675: abdicando intencionalmente, ou por efeito do funcionamento do próprio sistema bancário (truncagem), de proceder à conferência da assinatura do sacador, a que se encontra contratualmente obrigado, o banco não procede diligentemente, e deverá assumir os resultados dessa omissão, ainda que, em concreto, não lhe fosse exigível que detetasse essa vicissitude, por a mesma corresponder a uma falsificação perfeita (neste ponto este autor afasta a aplicação do comportamento alternativo licito.

Como é sabido, salvo exceção em contrário, o nosso ordenamento estabelece a regra da irrelevância negativa da virtualidade (a não ter existido a causa, o dano ocorreria na mesma por força de outra causa virtual) – sobre isto cfr. MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil português, II, Direito das obrigações, t. 3, Almedina, 2010, p. 740-746. Todavia, NUNO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, Coimbra editora, 2011, p. 711-716, autonomiza do problema da causa hipotética o comportamento alternativo lícito, sustentando que como o problema do comportamento hipotético se põe quando os requisitos da responsabilidade civil não estão preenchidos, o princípio será, ou deverá ser, o da relevância negativa de um comportamento hipotético ou virtual lícito. Excetuam-se os casos em que a exclusão da responsabilidade civil do autor do comportamento ilícito conflitue com o fim do dever infringido ou violado (exemplo: o dever infringido é uma garantia de que o procedimento de formação da vontade é um processo livre)).

Porém, considera-se que não se deve prescindir da culpa do Banco, salvo se este

provar que agiu sem culpa, com a elevada diligência que lhe é exigida, ou se provar a existência de culpa do cliente – GOMES, Fernando Correia – Responsabilidade Civil dos Bancos pelo pagamento de cheques falsos ou falsificados, p. 39. – não sendo de adotar a ideia de responsabilidade objetiva do banco, isto é, independente de qualquer juízo de culpa, que se faz ecoar em alguns sectores, já que a mesma sempre exige consagração legal, como emana do art. 483.º, n.º2, do CC.

Contudo, embora não seja de enveredar por este entendimento, tem-se que, no que concerne à diligência que lhe é assacada, o Banco deve atuar como um «profissional habilitado e dotado de [especiais] meios técnicos e humanos» para o conveniente exercício da sua atividade, presumindo-se a sua culpa nos termos do art. 799.º, n.º2, do CC, quando, não só não age como um bonus pater famílias (ex vi art. 487.º, n,º2, do CC), mas também quando não adotou o comportamento de profissional altamente especializado que lhe era exigido, respondendo pelos danos causados com o pagamento, por si, de um cheque falsificado, quando não provar que mobilizou todos os meios para tanto, mas que, não obstante, não conseguiu sinalizar a irregularidade do saque, mesmo que este, em concreto, se mostre absolutamente perfeito (PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 675), o que encontra justificação na elevada confiança que a sua atividade suscita no mercado e nos seus clientes; confiança esta que cabe tutelar.

(...)”

É jurisprudência dominante “que a responsabilização pela integridade do depósito impende, em princípio, sobre o depositário/instituição bancária, desde que se não demonstre a culpa do depositante no irregular levantamento.

Isto porque sobre o banco deve, por princípio, impender a presunção de culpa, consagrada, no âmbito da responsabilidade contratual, pelo art.799º, nº1, do C.Civil (serão deste Código os demais artigos citados sem menção de origem), sem embargo de aquele poder subtrair-se a tal responsabilidade se conseguir provar que agiu sem culpa e que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu, decisivamente, para o irregular pagamento verificado.

No caso de não se provar culpa de qualquer das partes, tem-se entendido que o risco fica a cargo do depositário, com invocação do art.796º, uma vez que o banco passou a ser o dono do dinheiro depositado (cfr. o Acórdão do STJ, de 21/5/96, C.J., Ano IV, tomo II, 82), e dos arts.769º, 770º e 476º, nº2, já que, tratando-se de um cumprimento indevido, pode ser repetida a prestação, sendo o risco do banco que pagou a quem não devia (cfr. os Acórdãos do STJ, de 16/6/81, BMJ, 308º-255, de 23/7/85, BMJ, 349º-533, e de 10/11/93, C.J., Ano I, tomo II, 130).”[3].

Em suma, para afastar a responsabilidade que a si é imputada por violação de deveres contratuais, nomeadamente não observância do dever de fiscalização e verificação da regularidade do saque, ao banco R. incumbia ter feito prova de que fez uso de todos os meios adequados à verificação da fidedignidade e genuinidade dos elementos constantes dos cheques apresentados a pagamento, enquanto profissional habilitado e dotado de meios técnicos e humanos adequados ao exercício da atividade bancária, o que não fez.

Tal como bastamente justificado na decisão recorrida, o pagamento do cheque através do SICOI, sem controle da sua imagem e assim sem a verificação do mesmo, não tem implícita uma qualquer dispensa do banco do dever de fiscalizar e verificar o mesmo, nomeadamente a regularidade da assinatura do sacador nele aposta.

Sobre esse mesmo banco recairá o risco de tal não verificação, assumindo as consequências pela não observância do dever de fiscalização e controle da regularidade do saque.

A não conferência das assinaturas apostas nos cheques em causa nos autos por parte do banco R. corresponde, portanto, à violação dos seus deveres contratuais, presumindo-se a culpa. Presunção in casu não afastada.

Implicando a obrigação de indemnizar os AA. pelos danos causados com a sua conduta.

No que aos danos concerne, defendeu ainda o recorrente que os AA. concorreram para a produção dos danos, produzidos de forma exclusiva pela confiança cega que depositaram na sua ex-nora, não estando dispensados de adotar um comportamento diligente com vista ao acompanhamento dos movimentos efetuados na sua conta de depósitos à ordem.

Excluindo por tal qualquer dever de indemnização, ou no mínimo importando a sua redução nos termos do artigo 570º do CC.

Também aqui o tribunal a quo emitiu pronúncia, entendendo nenhuma culpa ser de assacar à conduta dos AA. – clientes do banco R. lesados.

O que fundamentou nos seguintes termos que de igual forma acompanhamos:

Aquilatando de uma eventual culpa dos Autores, enquanto clientes-lesados, resulta dos factos provados que o Autor BB entregou todos os assuntos bancários a EE, não mais se dirigindo à agência da Segunda Ré, nem procurando aferir, junto

desta, o que fazia EE. Se o tivesse feito, muito provavelmente, ter-se-ia apercebido de toda a situação, nomeadamente da entrega de um livro de cheques que não chegou a ter na sua posse, a partir do qual foram emitidos estes três cheques em discussão.

Compreende-se que assim o tenha feito por força da dinâmica familiar e da confiança que tanto suscita, não merecendo a conduta dos Autores qualquer censura moral.

Contudo, juridicamente, há que indagar se se impõe a mesma.

Invocada pela Segunda Ré, a título de exceção perentória, enquanto facto impeditivo ou modificativo do direito dos Autores, a culpa do lesado encontra-se prevista no art. 570.º, n.º1, do CC, que dispõe o seguinte: «[q]uando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.».

De acordo com o art. 572.º do mesmo diploma, em conformidade com a regra do art. 342.º, n.º2, do CC, relativa ao ónus da prova dos factos impeditivo, quem invoca a culpa do lesado, com vista à exclusão ou à redução da indemnização, encontra-se onerado com a prova da mesma, sendo que, em todo o caso, o tribunal dela sempre conhecerá, quando a exceção emirja da prova produzida.

Para que haja culpa do lesado, a sua conduta tem de ter sido causa do dano, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, e essa contribuição deve ser marcada pela sua culpa, abrangendo, quer a produção dos danos, quer o agravamento deles – cfr. PIRES DE LIMA, Fernando e VARELA, João de Matos ANTUNES - Código Civil Anotado, Vol. I. 2,ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora Limitada: Coimbra, 1979, pp. 511-512.

Quanto à culpa do lesado, tem-se considerado que a sua atuação culposa tem sido objeto de uma interpretação ampla por alguns autores, os quais, a fazem reconduzir, não só a um comportamento subjetivamente censurável deste, mas também a facto que, do ponto de vista naturalístico, emerge da sua conduta – neste sentido, cfr. JORGE, Fernando Pessoa – Direito das Obrigações, Vol. I. Lisboa: AAFDL. 1976. p. 555.

No entanto, para que se possa considerar que há culpa do lesado, sempre se dirá que se impõe observar, constatar e dar como provado que este omitiu e preteriu as cautelas e os cuidados que lhe eram impostos, não estando em causa, de qualquer modo, um ato ilícito, mas apenas a inobservância de um ónus, que o faz ter que suportar a diminuição ou a exclusão da indemnização, que, no caso, lhe caberia.

Redirecionado no caso sub judice (...)

...é certo que o Autor marido, que regia, principalmente, os assuntos patrimoniais do casal e da indústria que este possuía e possui, se demitiu de tratar de alguns deles, que entregava a EE, a qual indicou, aliás, como sua interlocutora (e da empresa)

junto da Segunda Ré.

No entanto, não é assim tão certo que se tenha demitido de qualquer fiscalização da sua conduta. Afinal, documentos bancários e contabilísticos eram adulterados por EE (...)”

Tal como vem provado, a ex nora dos AA., através da conduta por si assumida de alteração documental conseguiu que os AA. desconhecessem a real situação das contas bancárias (vide fp 23).

De onde se não pode concluir, tout court, que os AA. se demitiram do acompanhamento dos movimentos bancários.

Estes confiaram na nora, e sobre tal juízo de confiança - sem que se tenha provado factualidade da qual se pudesse inferir não haver justificação para tal por parte dos autores – nenhuma censura se pode a nosso ver fundadamente efetuar.

Da mesma forma que no meio empresarial se deposita confiança naqueles que são contratados para exercer as funções de que são incumbidos, nomeadamente ao nível do tratamento da contabilidade e contactos com entidades terceiras, incluindo instituições bancárias, ao nível das empresas familiares é muito comum ser tal relação estabelecida entre familiares.

E se nada demonstra que de tal confiança não eram merecedores, não há, como sem mais, formular um juízo de censura sobre tal atuação.

Note-se que os AA. não deram à sua ex-nora poderes para movimentar contas, assinar cheques, sequer formular em seu nome pedidos de entrega de livros de cheques.

Unicamente deram poderes à mesma para levar, recolher e devolver documentação junto do banco, entregando as requisições de cheques e procedendo ao respetivo levantamento.

Nunca teve a ex-nora poderes para emitir / assinar cheques em nome dos AA., sequer para diretamente formular o pedido de entrega de cheques.

Como dito, os poderes eram só para entrega, recolha e devolução de documentação junto do banco.

Banco que assim não estava eximido do dever de controlar as assinaturas nomeadamente apostas nos cheques, mas também nas requisições de cheques.

Controle que os factos provados demonstram não efetuou.

Nomeadamente quanto aos cheques, nos termos que acima já analisámos.

Se à ex-nora foi entregue um livro de cheques mediante requisição em que falsificou as assinaturas dos AA. (vide fp 20). Cheques que depois lhe foram entregues e com os quais ficou, não tinham os AA. como saber da existência de tais cheques que nunca poderiam sequer supor existirem – já que os mesmos não pediram. Tendo uma legítima confiança quanto à sua inexistência, na pressuposição do cumprimento do dever de fiscalização e verificação da conformidade das assinaturas apostas em todos os documentos bancários que pressupusessem as suas assinaturas.

Nesta medida, entendemos, tal como o tribunal a quo, que nenhuma culpa se pode assacar aos autores pela produção dos danos de que foram vítimas que de alguma forma exclua ou diminua a responsabilidade do R. banco.

A violação dos deveres de fiscalização e verificação da regularidade das assinaturas apostas nos cheques em causa nos autos, justifica como tal a responsabilidade do R. banco pela produção dos danos junto dos AA..

Foi a violação dos seus deveres que permitiu, tal como concluiu o tribunal a quo “que os referidos cheques fossem pagos aos Primeiros Réus, através do dinheiro que os Autores tinham depositado na sua conta, domiciliada na agência bancária da Segunda Ré e que era seu (dos Autores), fruto do seu trabalho e do exercício da sua atividade profissional. Se a Segunda Ré tivesse observado tal dever, cumprindo-o diligentemente, através dos meios técnicos especializados que se exige para tal, provavelmente não teriam ocorrido tais pagamentos e os Autores não se teriam visto desapossados desses fundos.”

Implicando o dever do aqui banco R. em indemnizar os AA. pelos prejuízos patrimoniais decorrentes do indevido desconto dos 3 cheques no montante total de € 25.000,00.

Neste ponto igualmente improcede a argumentação do banco recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.

Insurgiu-se ainda o recorrente quanto à sua condenação ao pagamento aos AA. do montante de € 1.000,00 [€ 250,00 para o autor e € 750,00 para a autora] a título de danos não patrimoniais.

Defende o recorrente que nenhum facto provado demonstra que os danos morais alegadamente sofridos pelos AA. resultaram da sua intervenção.

Implicando a sua total absolvição nesta sede.

Analisando os factos provados, afigura-se-nos neste ponto assistir razão ao recorrente.

Dos factos provados resulta que foi fruto da atuação da EE que a A. sentiu todas as perturbações mencionadas em 40) e 41) dos factos provados. Tendo o A. marido recomeçado a trabalhar (42 do fp).

Mais está provado que os AA. sentiram vergonha e preocupação por lhes ter sido retirado o dinheiro (vide fp 45) – atuação da EE.

Ou seja, os danos morais apurados resultam do que sentiram pela atuação da EE, sua ex-nora. Não diretamente pela conduta negligente do banco.

Tão pouco, acrescenta-se, por qualquer conduta dos 1ºs RR..

É a demonstração do nexo causal que in casu falhou.

Tais danos morais, tendo como causa a atuação da ex-nora, apenas àquela poderiam ser reclamados.

Termos em que se entende ser aqui de proceder a pretensão do recorrente, absolvendo-o da condenação ao pagamento de danos morais aos autores.

Absolvição que com base nos mesmos fundamentos – desde já se adianta - sempre se impõe em relação aos 1ºs RR..


*

Apreciada a responsabilidade contratual do banco R. e verificada a mesma, com a consequente condenação deste ao pagamento aos AA. dos danos patrimoniais pelos mesmos sofridos, cumpre agora apreciar se existe fundamento para condenar os 1ºs RR. ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa – pedido subsidiário formulado pelos AA. [já que só se houver condenação dos 1ºs RR. fará sentido apreciar a questão da solidariedade da obrigação].

Dispõe o art.º 473º do C.C. "1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou".

São requisitos deste instituto: que alguém tenha enriquecido; que esse enriquecimento seja à custa de outrem; e que tenha ocorrido sem causa justificativa.

O requisito do enriquecimento à custa de outrem contém a regra da imediação ou unidade do procedimento de enriquecimento.

A qual pressupõe que o enriquecimento há de ser obtido de forma direta ou imediata à custa do património do empobrecido, sem que entre o empobrecimento e o enriquecimento exista um património intermédio de terceiro.

Este entendimento tem merecido controvérsia na doutrina e jurisprudência, levando à adoção de uma exceção, para os casos em que tal regra ou requisito da imediação conflitue com o comum sentimento de justiça, na medida em que da sua aplicação resulte a desproteção de casos jurídicos concretos, chocando o comum sentimento de justiça.

Assim se decidiu e justificou no recente Ac. do STJ de 12/12/2023 (nº de processo 576/22.1 T8VCT.G1.S1 in www.dgsi.pt, nos seguintes termos:

Este “requisito da imediação ou da unidade do procedimento de enriquecimento significa que, entre empobrecimento e enriquecimento, não deve encontrar-se um facto intermédio (...) ou, em todo o caso, não deve encontrar-se um património intermédio, de terceiro (...).

27. Exigir-se que a atribuição patrimonial seja direta ou imediata, ou que o procedimento por que se concretiza a atribuição patrimonial seja um procedimento unitário — exigir-se que entre o empobrecimento e o enriquecimento não haja nenhum facto intermédio, ou que entre o património empobrecido e o património enriquecido não haja nenhum património intermédio. — é, em todo o caso, algo de controvertido (...).

Em favor do requisito da imediação, pronunciaram-se, p. ex., Antunes Varela (...), Francisco Manuel Pereira Coelho (...), Jorge Ribeiro de Faria (...) e Diogo Leite de Campos (...). Em desfavor do requisito, pronunciou-se, p. ex., Luís Menezes Leitão (...).

28. Constatando a controvérsia, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de maio de 2006 — processo n.º 06A825 — diz expressamente que “[n]ão é possível inferir com segurança das normas que regulam o instituto do enriquecimento sem causa — artigos 473.º a 482.º do Código Civil — que a lei faça da imediação um requisito geral desta figura” (...).

29. Entre os dois polos extremos, a doutrina e a jurisprudência portuguesas tendem a abandonar os critérios mais simples, de aplicação automática ou quase-automática, como sejam a regra da ausência de um facto intermédio ou a regra da ausência de um património intermédio, em favor de critérios mais complexos (...), por que se exige uma ponderação global (...) ou uma valoração global (...), orientada, p. ex., pelo comum sentimento de justiça (...).

30. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 1998 — processo n.º 97A354 —enunciou os critérios, mais complexos, aplicáveis aos casos em que as atribuições patrimoniais sejam só indiretas ou mediatas em termos de uma regra e de uma exceção. Em primeiro lugar, enunciou a regra — de que o enriquecimento há de ser direta ou imediatamente obtido à custa do empobrecido (...) — e, em segundo lugar, enuncia a exceção — excetua-se os casos em que o requisito da imediação conflitue com o comum sentimento de justiça (...).

31. Os dois critérios foram aplicados, p. ex., pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de maio de 2006 — processo n.º 06A825 —, de 16 de novembro de 2006 — processo n.º 06B3568 —, de 12 de fevereiro de 2009 — processo n.º 08A3714 —, de 31 de janeiro de 2019 — processo n.º 89/16.0T8VGS.P1.S2 —, de 6 de junho de 2019 — processo n.º 593/14.5TBTNV.E2.S2 — e de 7 de novembro de 2019 — processo n.º 354/14.1TBALM.L1.S2.

32. O acórdão de 16 de novembro de 2006 afirma que, ainda que a regra seja a imediação, “sempre se deve admitir que uma atribuição patrimonial indireta deve fundamentar a restituição do injustamente locupletado, sob pena [de a] exigência da deslocação patrimonial direta se mostrar excessiva, conduzindo a soluções que chocam o comum sentimento de justiça” e o acórdão de 6 de junho de 2019 confirma, em termos em quase tudo semelhantes, que

“a atribuição patrimonial indireta pode justificar a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, de modo a evitar casos que, por falta da imediação, ficariam juridicamente desprotegidos e chocariam o ‘comum sentimento de justiça’” (...).

33. O sistema esboçado corresponde no mínimo a uma recompreensão (...) e, no máximo, a uma superação do requisito de que o enriquecimento seja direto ou imediato (...).”

A demanda dos 1ºs RR. por parte dos AA. falha a nosso ver precisamente neste requisito da imediação, ou unidade de procedimento.

O empobrecimento dos AA. deriva de forma direta da violação da obrigação contratual do R. Banco que procedeu ao desconto dos cheques sem observar os seus deveres acessórios de conduta.

Motivo da sua já decidida condenação   quanto aos danos patrimoniais – já não quanto aos danos não patrimoniais, com a fundamentação antes exposta e que aqui se tem por reproduzida, com a consequente absolvição também dos 1ºs RR. quanto aos danos não patrimoniais.

Condenação pelos danos patrimoniais do 2º R. que salvaguarda, portanto, os legítimos interesses dos AA. fundadamente reclamados nos autos.

Sem a atuação do banco R., os 1ºs RR. não teriam recebido o valor cuja restituição os AA. do mesmo também reclamam.

Por outro lado, é legítimo afirmar que entre o enriquecimento dos 1ºs RR. e o empobrecimento dos AA. existe uma intermediação do banco que afasta a analisada regra da unicidade do procedimento.

A ser assim e porque salvaguardados já os interesses dos AA. legitimamente invocados, inexiste fundamento para afastar a aplicação da regra geral da imediação, com fundamento numa desproteção que choque o comum sentimento de justiça. Porquanto, como afirmado, estão os interesses dos AA. devidamente protegidos por via da condenação do R. banco à restituição da quantia de que os mesmos se viram desapossados.

Condenação esta fundamentada na responsabilidade contratual do R. banco.

Ainda que assim se não entendesse, igualmente claudicaria a pretensão dos AA. com fundamento na não verificação do requisito da subsidiariedade.

Com efeito e para além dos três requisitos[4] acima elencados, exige-se que ao empobrecido não faculte a lei outro meio de se ver indemnizado ou restituído – é o que se designa por natureza subsidiária deste instituto.

Dispõe em conformidade com o referido o art.º 474º do C.C.: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”

Encontrando-se cobertos todos os efeitos do enriquecimento por instituto concorrente, fica afastado o uso daquele, por via da regra da subsidiariedade[5].

O mesmo é dizer que o lesado apenas poderá recorrer ao enriquecimento sem causa quando outras normas diretamente aplicáveis ao litígio não satisfaçam globalmente a sua pretensão.

Em caso paralelo ao dos autos – por o ato lesivo ser imputado a mais do que um sujeito e apreciando situação de aplicação conjugada de responsabilidade contratual e enriquecimento sem causa, decidiu-se no Ac. do STJ de 28/09/2023, nº de processo 16093/18.1T8LSB.L1.S1 in www.dgsi.pt afastar a condenação do demandado a título de enriquecimento sem causa, com fundamento no requisito da subsidiariedade, atendendo a que o outro demandado fora já condenado com base na responsabilidade contratual.

Conforme neste aresto se sumariou:

I. Em abstrato não é de excluir a possibilidade de aplicação conjugada do instituto do enriquecimento sem causa com o regime da responsabilidade contratual; no caso dos autos, porém, de acordo com o peticionado, o dano ressarcível e o enriquecimento injustificado apresentam-se como coincidentes, não havendo, por isso, lugar à aplicação daquela orientação que permitiria atenuar as consequências negativas do princípio da subsidiariedade previsto no art. 474.º do CC.

II. No caso dos autos, foi a própria autora que, ao intentar ação contra a 1.ª ré com fundamento em responsabilidade contratual, tornou patente que, no caso deste fundamento vir a ser julgado procedente, como efetivamente sucedeu, o fundamento do pedido dirigido contra o 2.º réu (enriquecimento em causa) não reunia a condição prevista no art. 474.º do CC (ausência de outro meio jurídico de ser indemnizado ou restituído).

III. Acresce que a procedência do fundamento do pedido de condenação do 2.º réu não é compatível com a procedência, com trânsito em julgado, do fundamento do pedido de condenação da 1.ª ré, na medida em que, com a condenação desta última, falha um dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa: que o enriquecimento tenha sido à custa daquele que invoca o direito à restituição.”

Da sua fundamentação se extraindo a seguinte argumentação, que acompanhamos:

Os argumentos aduzidos pelo Recorrente remetem-nos para o problema, de elevada complexidade dogmático-jurídica, da inserção do instituto do enriquecimento sem causa no sistema das fontes das obrigações. Complexidade, porventura, agravada no nosso ordenamento jurídico em virtude de o legislador do Código Civil de 1966, contrariamente ao proposto no Anteprojeto Vaz Serra, ter optado por consagrar a subsidiariedade desta fonte das obrigações. A este respeito, ver a síntese de Júlio Gomes (anotação ao artigo 474.º, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 255-256), dando conta das críticas doutrinais a tal opção legislativa.

Entre as múltiplas dificuldades interpretativas das normas do Código Civil que regulam o enriquecimento sem causa, ocupa lugar de relevo a questão da possibilidade – que o Recorrente invoca, louvando-se no voto de vencido aposto ao acórdão recorrido – de, na resolução da mesma situação fáctico-jurídica, ser convocado tanto o regime da responsabilidade civil como o do enriquecimento sem causa. Tal poderá efetivamente suceder em razão da diferente natureza do conteúdo e finalidade de cada uma das fontes das obrigações: na responsabilidade civil, a reparação de um dano; no enriquecimento sem causa, a restituição de um enriquecimento injustificado. Nas palavras de Júlio Gomes (ob. cit., págs. 256-257): «[A] interpretação do artigo 474.º deve ter presente que nem sempre a responsabilidade civil (...) representa um meio adequado para obter o mesmo resultado que a restituição do enriquecimento proporcionaria. Pense-se, por exemplo, na hipótese de o enriquecimento obtido pela ingerência ou intromissão na esfera jurídica alheia ser superior ao dano patrimonial (ou, em todo o caso, e como refere Sirena (...), o dano que é possível provar ficar aquém do enriquecimento), que pode até não existir (o interveniente usou, por ex., a imagem de outrem para fins publicitários, sem o consentimento do seu titular, o qual, não só não era um modelo, como nunca aceitaria a comercialização desse bem).».

Sendo certo que estas considerações de ordem geral se referem à conjugação do enriquecimento sem causa com a responsabilidade civil extracontratual, não é de excluir que, em abstrato, e com as devidas adaptações, possam valer também para a conjugação daquele instituto com a responsabilidade contratual. Na presente ação, tal poderia suceder, designadamente, se acaso tivesse sido alegado e provado que o dano patrimonial ressarcível em sede de responsabilidade contratual é inferior ao enriquecimento injustificado invocado.

No caso dos autos, porém, e de acordo com o peticionado, o dano ressarcível e o enriquecimento injustificado apresentam-se como coincidentes, não havendo, por isso, lugar à aplicação da orientação referida, que reconhecidamente permite atenuar, em alguns casos, as consequências negativas do princípio da subsidiariedade tal como previsto no art. 474.º do Código Civil.

Maior interesse para a resolução do caso sub judice reveste a segunda ordem de argumentos aduzida pelo Recorrente, a saber: o acórdão recorrido terá confundido as «esferas de imputação» de um e outro réus, devendo antes o fundamento de cada pedido «ser analisado quanto a cada sujeito em concreto».

Afirmando ainda o Recorrente, de modo a evidenciar não existirem riscos de duplicação do valor da indemnização/restituição, que «não pretende receber igualmente a mesma quantia dos 1ª e 2º Réus: conforme resulta claro dos pedidos formulados na p.i., o que se pretende ab initio é uma condenação solidária de ambos os Réus».

Vejamos.

Tendo o banco A. optado por formular pedido contra cada um dos réus com fundamento não coincidente, não oferece dúvida de que cada pedido tem de ser apreciado em função da esfera de imputação de cada um dos réus e não como se ambos os fundamentos – responsabilidade contratual e enriquecimento sem causa – tivessem sido invocados contra o mesmo réu.

Entende-se, porém, que o acórdão recorrido realizou efetivamente essa apreciação em separado. Com efeito, apreciou o fundamento (responsabilidade contratual) do pedido dirigido contra a 1.ª R.; e, subsequentemente, apreciou o fundamento (enriquecimento sem causa) do pedido dirigido contra o 2.º R.. Sucede que, ao apreciar este segundo pedido, com fundamento autónomo do primeiro, teve de apreciar os pressupostos específicos do enriquecimento sem causa, entre os quais se conta precisamente, como vimos, o pressuposto negativo da ausência de outro meio jurídico de ser indemnizado ou restituído.

Por outras palavras, o tribunal a quo não conheceu de ambos os fundamentos (responsabilidade contratual e enriquecimento sem causa) em relação ao mesmo réu ou réus. Conheceu, corretamente, do fundamento da responsabilidade contratual quanto ao pedido formulado contra a 1.ª R. e do fundamento do enriquecimento sem causa quanto ao pedido dirigido contra o 2.º R.. A especificidade da apreciação deste último pedido resulta da forma como o instituto do enriquecimento sem causa se encontra gizado no nosso ordenamento jurídico. Trata-se – reitere-se – de fonte das obrigações que, em razão do seu carácter subsidiário, pressupõe o não funcionamento de outro regime jurídico que permita ao autor ser indemnizado ou restituído pelo valor invocado.

Ora, no caso dos autos, foi a própria A. que, ao intentar ação contra a sociedade 1.ª R. com fundamento em responsabilidade contratual, tornou patente que – no caso de este fundamento vir a ser julgado procedente, como efetivamente sucedeu – o fundamento do pedido dirigido contra o 2.º R. (enriquecimento em causa) não reunia as condições previstas no art. 474.º do Código Civil.

É certo que, tendo o banco A. peticionado a condenação solidária do 2.º R. com a sociedade 1.ª R., não existiria risco de duplicação do valor da indemnização ou da restituição. Mas deteta-se aqui uma outra falha no pedido formulado contra o 2.º R., uma vez que, de acordo com o princípio geral em matéria de solidariedade (cfr. art. 513.º do Código Civil), esta apenas é possível se a lei o previr ou se a obrigação em causa tiver, ela mesma, natureza solidária. Ora, nem a lei prevê a solidariedade entre o obrigado por responsabilidade contratual e o obrigado por enriquecimento sem causa, nem está em causa o não cumprimento de qualquer obrigação solidária de ambos os réus.

Acresce que, em última análise, a procedência do fundamento do pedido de condenação do 2.º R. não é compatível com a procedência (com trânsito em julgado) do fundamento do pedido de condenação da sociedade 1.ª R., na medida em que, com a condenação desta última, falha um dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa: que o enriquecimento tenha sido obtido à custa daquele que invoca o direito à restituição, no caso, à custa do banco A..

Por outras palavras: com a condenação da sociedade 1.ª R. a reparar o dano sofrido pelo banco A. (com fundamento em incumprimento do contrato de aquisição de créditos confirmados), o invocado enriquecimento do 2.º R., a existir, não seria já suportado pela esfera patrimonial do banco A., que invoca o direito à restituição, mas antes pela esfera patrimonial da sociedade 1.ª R..

Esclareça-se ainda que se considera inviável condenar subsidiariamente o 2.ª R. por enriquecimento sem causa, para a possibilidade de ocorrência de uma situação de insuficiência patrimonial da 1.ª R., atendendo, antes de mais e sem necessidade de mais considerações, a que tal possibilidade não foi sequer alegada.”

No caso analisado, tal como nos caso sub judice, julgada procedente a pretensão dos AA. [quanto aos danos patrimoniais, tendo sido julgada improcedente quanto aos danos não patrimoniais quanto a ambos os RR. pela não verificação de nexo causal entre a atuação de qualquer um dos RR. e os danos apurados] com fundamento em responsabilidade contratual, fica afastada a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, mesmo que deduzido contra outro sujeito, na medida em que o seu caráter subsidiário afasta o seu funcionamento.

Resumindo, satisfeita a pretensão dos lesados por via do pedido deduzido contra o banco R. com fundamento em responsabilidade contratual, está afastada a condenação de terceiro com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que o seu caráter subsidiário afasta o seu funcionamento.

Concluindo, também o pedido subsidiário formulado contra os aqui 1ºs RR. com fundamento no enriquecimento sem causa improcede.

Implicando a sua total absolvição do pedido contra os mesmos formulado.

Perante o assim decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pelos recorrentes e ainda não apreciadas.

Perante o exposto, procede totalmente o recurso dos 1ºs RR. e parcialmente o recurso do banco 2º R..

IV- Decisão.

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação revogar parcialmente a decisão recorrida e julgar:

1) O recurso dos 1ºs RR. totalmente procedente, com a sua consequente total absolvição do pedido contra os mesmos deduzido.

Custas pelos AA..

2) O recurso do 2º R. Banco parcialmente procedente, com a sua consequentemente condenação ao pagamento aos AA. da quantia de € 25.000,00, acrescida de juros de mora legais desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

Quanto ao mais se absolvendo o banco R. do pedido contra o mesmo formulado.

Custas pelos AA. e R. na proporção do vencimento e decaimento.

Porto, 2024-03-04

Fátima Andrade

José Eusébio Almeida

Fernanda Almeida, [Relatora vencida com declaração de voto:

Declaração de voto: como inicial relatora, voto vencida, pelas razões que de seguida passo a enunciar e constam do projeto que elaborei:

No tocante à fundamentação

Quanto à impugnação da matéria de facto:

Dizem os RR. AA e DD que devem ser dados como não provados os factos 32 e 33, onde se afirma terem os 1.ºs RR. feito sua a quantia global de € 25.000, 00, sem conhecimento ou autorização dos AA.

Ora, constitui verdade inegável – já apurada criminalmente, mas também nestes autos – terem os três cheques aqui em causa, titulando aquela quantia e sacados sobre conta dos AA. – sido depositados em conta bancária dos 1.ºs RR.

Está provado nos pontos 26 a 31.

O mesmo já constava do ponto 15 da sentença criminal de 28.10.2016, depois confirmada por esta Relação (cfr. apenso criminal acessível por apenso a estes autos e aqui junto por certidão, a 29.5.2019).

No despacho de arquivamento do procedimento criminal (junto a estes autos a 9.4.2015), relativamente ao aqui 1.º R. afirmou-se singelamente “Na medida em que tais movimentos financeiros beneficiaram o referido AA, poderia colocar-se uma eventual comparticipação do mesmo na conduta criminosa da arguida. Todavia, da prova recolhida, desde logo as declarações da própria arguida, nada aponta para que o referido AA tivesse participado, de qualquer forma, nos ilícitos praticados pela arguida, tudo levando mesmo a crer que era alheio à atividade criminosa de sua filha. Nessa medida, como é óbvio, não se deduzirá qualquer acusação contra o mesmo”.

Resulta daqui ter o MP entendido que o pai da ali arguida não sabia da atividade desta, nomeadamente quando depositava dinheiros na sua conta.

Admitamos ser verdade esta afirmação (não obstante ter-se dado como provado, nesta sentença – 31 -, que o cheque que termina em 697 contém no verso a assinatura de AA, como é visível no doc. respetivo), considerando – como se fez para os AA. – que os RR. não controlavam os movimentos da sua conta (o que não é verdade, como os 1.ºs RR. deixaram afirmado na contestação e veremos mais adiante) ou que a arguida os “adulterava” de molde a fazer crer realidade distinta da efetivamente verificada (o que igualmente não se admite, como observaremos infra).

Ainda assim, temos que o montante de € 25.000, 00, entrou efetivamente na conta bancária dos 1.ºs RR., pelo que ficou na disponibilidade destes. Donde ser absolutamente lógica e aceitável a conclusão extraída na motivação da decisão de facto de primeira instância: “Relativamente ao ponto 32, os cheques foram aí depositados. Ora, resulta das regras da experiência que, se se deposita dinheiro na conta bancária de uma pessoa, esse dinheiro integra o património do titular da conta bancária bafejada pelo depósito”.

Não se apurou a causa desse depósito, causa essa que podia ser qualquer uma: doação (art. 947.º, n.º 2), pagamento de algo, reembolso de mútuo, etc…

Não se tendo apurado a causa destas transferências – três ao logo do tempo – é legítimo concluir não terem os valores em apreço entrado no património dos 1.ºs RR.?

Obviamente que não!

Já cotejando o teor da sua contestação, o que dizem estes demandados não é que não receberam o dinheiro e não o fizeram seu.

Muito ao contrário! Afirmam ter o R. emprestado dinheiro à filha (arts. 8.º a 11.º da contestação) e que esta, “pouco tempo após os empréstimos”, “restituía ou devolvia aos ora RR. as importâncias que os mesmos lhe haviam emprestado” (art. 11.º da contestação), “mormente através de depósitos que a referida Ver EE (…) fazia diretamente na conta bancária dos RR. (art. 12.º da contestação), “tudo lhes tendo pago, o que os RR. puderam verificar através da consulta dos extratos de conta que o banco enviava, pelos quais podiam divisar que o dinheiro emprestado já havia retornado à sua conta bancária” (art. 14.º da contestação).

Sendo assim, é ponto assente terem os RR. recebido na sua conta bancária a quantia de € 25.000, 00, ficando a mesma na sua disponibilidade e posse. O que já se não demonstrou foi a razão que invocaram para o recebimento desta quantia: o pretenso reembolso de mútuos, como ficou não provado em a) a e), factos que os RR. não impugnam.

Deste modo, não se vê como podem os 1.ºs recorrentes argumentar não terem feito suas as quantias que receberam através dos cheques que foram depositados em contas por si tituladas, quando é certo terem começado exatamente por afirmar que as receberam e que as mesmas se destinavam a pagar-lhes empréstimos, matéria esta que não provaram, como lhes cabia.

Por esta razão, manteria o que consta do ponto 32.º dos factos provados, sendo que o que consta do ponto 33.º (os AA. não tiveram conhecimento, nem deram autorização para que estas quantias fossem depositadas em conta dos RR.) corresponde, afinal, a tudo quanto se demonstrou em processo criminal e que levou à condenação criminal da filha dos ora recorrentes, não sendo sequer alegado por estes terem os AA. conhecimento destes depósitos ou dado consentimento aos mesmos.

Ainda no que tange à impugnação da decisão de facto, atentemos no recurso do segundo R., o Banco.

Pretende este a alteração da redação dos pontos 21 e 22, no sentido de dar como demonstrado saberem os AA. dos documentos detidos por EE e que esta apenas adulterava os documentos contabilísticos e não os bancários.

Desde já, observa-se que, ao contrário do invocado pelo recorrente, o facto 21 não se encontra em contradição com os factos 12 a 15 e não o está pela razão simples de que entre estes e aquele se interpõe o facto 16 que oferece novo enquadramento temporal ao ponto 21. É que, se em 12 a 15 se diz deter a EE a documentação do negócio, incluindo a bancária, por a tanto ter sido autorizada pelos AA. (ponto 15), também se afirma que isso sucedeu no início, a partir de 1990 (e até 2009, altura em que os AA. descobriram o esquema criminoso), para se dizer depois que, a partir de 2002 (ponto 16), passou aquela a agir contra a vontade e conhecimento dos AA., nomeadamente falsificando documentos. Para isso, não deram obviamente os autores a sua autorização, nem estavam conscientes da atuação da então nora no prosseguimento desvirtuado do desiderato para que lhe deram consentimento no começo dos anos 90 do século passado. É nesse sentido que deve ser lido o que assim se deixou explanado na sentença e, bem assim, o depoimento prestado pelo A.

Sobre a prova do facto da adulteração de documentos bancários, designadamente dos extratos bancários (ponto 22):

Não existindo dúvidas de que diversos documentos bancários (vejam-se por exemplo os mútuos) foram falsificados por EE, resta verificar se também os extratos provenientes do Banco eram alterados e se, com isso, se criou a tal “contabilidade paralela” a que alude a sentença criminal.

Neste ponto, o tribunal a quo ancorou-se no depoimento da testemunha HH e é precisamente no depoimento desta que recorrente e recorridos se apoiam para extraírem conclusões opostas.

HH exerceu as funções de auxiliar administrativa de contabilidade, tendo trabalhado, a partir de 2009, a pedido da filha dos AA., na picagem das contas relativas ao negócio A., chegando à conclusão de que havia uma “contabilidade paralela”, onde não apareciam estes três cheques. Questionada pela mandatária do Banco R. referiu que os extratos bancários estavam lá (na empresa) disponíveis, de tal forma que fez o confronto dos cheques com os extratos bancários (os que estavam na contabilidade). Porém, não aludiu a qualquer adulteração dos extratos bancários.

Do depoimento de parte do A. resulta ser a nora quem levantava o correio (incluindo os extratos remetidos pelo Banco), mas não disse que esta falsificasse os extratos bancários, mas apenas que nela confiava totalmente.

Não foram juntos extratos bancários que tenham sido adulterados pela EE, nem vemos qualquer referência a esse facto na sentença criminal.

Talvez por isso, o ponto 22 não contém qualquer referência a extratos bancários, mas apenas a documentos bancários e estes, é certo, foram adulterados, como pode ver-se, por exemplo, nos pontos de facto provados na sentença criminal, em 21 a 24.

Sendo assim, não se vê razão para alterar o ponto 22 dos factos provados.

Quanto ao aditamento de um facto que mencione não ser facilmente descortinável a olho nu a falsificação das assinaturas do A. e de seu filho, tratar-se-ia de matéria que o Banco R. deveria provar e, antes disso, alegar, em ordem a permitir aos AA. impugná-la e até demonstrar o contrário.

Porém, do cotejo da contestação que este recorrente, a seu tempo, apresentou não resulta que o Banco tenha alegado ter-lhe passado despercebida a falsificação das assinaturas apenas porque as mesmas pareciam, à primeira vista, fidedignas. O que disse o Banco é exatamente o oposto: afirmou expressamente não ter inspecionado as assinaturas, porque “não tinha qualquer motivo para sequer suspeitar que a assinatura do A. tivesse sido falsificada” (art. 16.º da contestação), acrescentando que nem sequer tinha de o fazer porque, pelo valor neles inscrito, face a uma instrução do Banco de Portugal, não eram enviadas imagens de cheques.

Ora, o facto que agora pretende aditar constitui matéria nova, de exceção (impeditiva), uma vez que os AA. alegaram antes não ter o Banco fiscalizado as assinaturas (e está dado como demonstrado, em 35 dos factos provados, não ter o Banco R. conferido as assinaturas), mas diz o Banco em recurso coisa nova: que, mesmo a ter fiscalizado, era impossível detetar a falsificação.

Trata-se de matéria essencial à defesa que deveria ter sido alegada com a contestação (arts. 5.º, n.º 1 CPC, 342.º, n.º 2 CC e 572.º al. c) CPC), não sendo um mero facto instrumental, um complemento ou concretização daqueloutros alegados na contestação (é até o seu oposto), e nem sequer é um facto notório.

Ainda que assim não fosse, nunca se poderia dar como provado não se estar perante uma “falsificação grosseira”, dado o caráter conclusivo desta asserção.

Já quanto à impossibilidade de, na aparência (ou a “olho nu”, como afirma o Banco), se verificar não pertencerem as assinaturas destes cheques ao A. ou ao seu filho, também não é verdade que este facto se tenha apurado, uma vez que o relatório pericial (junto aos autos a 3.10.2022) o não afirma inequivocamente, vendo-se que quanto aos docs. C2 a C4, (cheques destes autos), por apenas terem sido analisadas fotocópias (“que impedem a formulação de qualquer conclusão quanto à veracidade da escrita das assinaturas contestadas” – p. 12 do relatório), apenas considera que a escrita das assinaturas destes documentos podem não ter sido produzidas pelo punho de BB, não sendo possível formular qualquer conclusão quanto às assinaturas de FF” (p. 13 do relatório).

Por esta razão, improcede o pretendido aditamento de um ponto 46.

Já quanto ao ponto 47 que o Banco pretende aditar – o A. não procedeu com o devido zelo à conservação e guarda dos cheques –trata-se de matéria conclusiva (não procedeu com zelo, que zelo? E porquê), que respeita à culpa do lesado que o Banco alega nos termos do art. 570.º CC.

Como veremos adiante, a culpa é um juízo de censura que o julgador poderá, ou não, dirigir ao agente, baseado nos factos que a demonstrem. Por isso, o que teria que se provar, em ordem a aplicar o disposto neste último normativo, seriam os factos donde resulta não ter o A. atuado com a diligência devida (que é o mesmo que devido zelo), não sendo de todo admissível dar como provada matéria que, afinal, já corresponderia à solução de direito quanto ao fator culpa do lesado.

Indefere-se, pois, in totum, a impugnação da decisão de facto.


*

Tratando-se de factos instrumentais que podem importar à decisão e se acham adquiridos por documentos juntos a estes autos e aos autos de processo crime (referimo-nos à sentença criminal já transitada), daríamos ainda como provado o seguinte:

- No processo criminal em referência foi proferida decisão de arquivamento a 21.6.2013, notificada aos AA. por cartas remetidas a 19.7.2013;

- O A. nasceu a ../../1936 (doc. 5 junto com a pi);

- A A. nasceu a ../../1944 (doc. 5 junto com a pi);

- EE nasceu a ../../1970 (CRC junto àqueles autos criminais a fls. 1096, 1183, 1356).

No acórdão criminal foi dado como provado, entre o mais, o seguinte:

EE concluiu o 9º ano de escolaridade com 17 anos de idade. Mais recentemente, frequentou um Curso de Educação e Formação de Adultos, promovido pelo Centro de Emprego, que lhe conferiu equivalência ao 12º ano de escolaridade.

Começou a auxiliar os pais, desde cedo, nas atividades agrícolas e lides domésticas, às quais se dedicou a tempo inteiro depois de ter deixado os estudos e até contrair casamento, com 18 anos, com FF.

Fundamentos de Direito

A Do recurso dos RR. AA e DD

Os 1.ºs RR. insistem na prescrição do direito de indemnização dos AA. relativamente à primeira Ré, uma vez que os AA. tiveram conhecimento dos factos, pelo menos em 3.9.2009, altura em que apresentaram denúncia criminal, tendo esta ação sido proposta apenas em 2014, e sendo certo não ter a primeira Ré sido constituída arguida em processo criminal.

Já na contestação haviam invocado a prescrição quanto a ambos relativamente à responsabilidade civil

O tribunal a quo desatendeu esta pretensão.

É consabido decorrer do art. 498.º CC a regra da prescrição do direito à indemnização no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe assiste (n.º 1).

Esse prazo será alargado, correspondendo ao prazo de prescrição criminal, se o facto ilícito constituir crime (n.º 3).

Tal alargamento do prazo é independente de ter ou não existido processo criminal, de este ter sido arquivado, amnistiado ou não ter existido e mesmo que a queixa não tenha existido. É, pois, irrelevante que a Ré tenha ou não sido constituída arguida no processo anterior, pelo que, para efeitos de prescrição, é idêntica a situação do R. e da Ré.

O que releva é, pois, que os factos, abstrata e potencialmente, integrem crime - tal como o autor os traz à lide cível - o que melhor corresponde à proteção dos interesses dos lesados (cfr. Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 1995, págs. 142 e ss.).

Assim se decidiu em Ac. RP (de 20.5.97, CJ, 1997, II, 190) onde se cita Antunes Varela segundo o qual “a possibilidade de o lesado exigir a reparação civil que lhe é devida, fora do prazo normal da prescrição, nos termos previstos no n.º 3 do art. 498.º do CC, não está subordinada à condição de simultaneamente correr procedimento criminal contra o lesante, baseado nos mesmos factos” (cfr. ainda, Ac. STJ, de 22.2.94, CJ, Ac. Dout, Ano II, II, 126).

Sendo assim, se aqui se tiver apurado a existência de crime, o prazo de prescrição poderá ser superior a três anos.

Na verdade, o facto que deu origem ao prejuízo que os AA. invocam consistiu na falsificação da assinatura, por terceira pessoa, de três cheques sacados sobre conta bancária do A. - crime previsto no art. 256.º, n.º 1 al c) e n.º 3 do CP, punível com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou multa de 60 a 600 dias - e em burla qualificada (arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n. º1. al. a) do CP), este punível com pena de prisão de dois a oito anos[6]

Corresponde a ambos os tipos criminais um prazo de prescrição de dez anos (art. 118.º. n.º 1 al. b) CP).

Todavia, antes mesmo de apurar se é aplicável aos responsáveis cíveis o alargamento do prazo por força de crime cometido por terceiro, há que apurar se o prazo do n.º 1 – os três anos – foi ultrapassado.

E, neste tocante, temos que contar com os efeitos da pendência do processo-crime na contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização, tendo em conta o disposto no art. 306.º, cujo n.º 1 estatui que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido e, bem assim, o teor do art. 321.º que determina a suspensão da prescrição por motivo de força maior.

Ora, esteve pendente processo criminal desde 2009 até 2015, altura em que foi deduzida acusação e proferido despacho de arquivamento quanto ao R.

A Ré não foi aí constituída arguida, porque o MP não terá recolhido indícios suficientes relativamente à sua comparticipação. Porém, até à dedução da acusação isso era legal e teoricamente possível.

Ora, valendo em processo penal o princípio da adesão, o desfecho do inquérito em 2015 impediu, até aí, que o prazo de prescrição de três anos começasse a decorrer.

Com efeito, curando da responsabilidade civil conexa com a criminal, o art. 71.º do CPP consagra o princípio da adesão da ação civil à ação penal que, mais do que uma mera interdependência das ações, arrasta o pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal. Não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, plasmadas no art. 72.º do CPP, assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à ação cível em separado. Contudo, deduzida a acusação no inquérito, uma vez que o direito à indemnização tem de ser aí exercido nos prazos perentórios cominados no art. 77.º do CPP, sob pena de ficar definitivamente encerrada a possibilidade do exercício da ação cível em conjunto com a penal, cessa o impedimento para o exercício do direito na instância cível e passa a verificar-se a inércia do respetivo titular, em que se funda a extinção inerente à prescrição, iniciando-se o cômputo do prazo desta a partir de então[7].

Na doutrina, Paulo Manuel Lacão, in Prescrição da Obrigação de Indemnizar, Dissertação de Mestrado, de 2017, p. 21 e ss[8], explicita: “Do nosso ponto de vista, o critério inserido no atual art. 306º, n.º 1, relativo à possibilidade de exercício do direito, assume um alcance mais vasto, não tendo por que se esgotar na temática da exigibilidade, a qual, sendo certamente a mais significativa e paradigmática forma de impedimento legal ao exercício do direito, é apenas uma, dentre outras. Ao lado dela, devem figurar quaisquer impedimentos legais, sejam eles de natureza substantiva ou de natureza processual, não havendo razão para interpretar restritivamente a formulação literal do preceito”.

(…)

Acrescenta que esta solução seria óbvia para os casos de adesão obrigatória: “Sendo assim, o alcance subjetivo do efeito impeditivo da prescrição afere-se em função do âmbito subjetivo da adesão obrigatória. Por outras palavras, a prescrição suspende-se em relação as todos os responsáveis civis que possam ser demandados no processo penal, nos termos do art. 73º CPP, e contra os quais o lesado se encontra impedido de exercer o seu direito, nos termos do art. 306º, n.º 1” ibidem, p. 23.

Já no caso da adesão meramente facultativa ao processo penal (e, no nosso caso, poderia desde logo invocar-se o art. 72.º, n.º 2 al. a) CPP: a acusação demorou bem mais de oito meses a ser proferida, pelo que a adesão deixou de ser obrigatória), já não poderia aludir-se ao art. 306.º CC.

Justifica aquele autor, p. 25: “Do nosso ponto de vista, não pode simplesmente aplicar-se à hipótese de adesão processual facultativa a causa impeditiva da prescrição consagrada no art. 306º, n.º 1, pois que não se verifica, nessa hipótese, um impedimento legal ao exercício do direito. Por outro lado, entendemos que nenhum outro ato processual que se depara no plano processual penal tem a virtualidade de interromper a prescrição, nos termos do art. 323º, nem proporcionaria uma resposta satisfatória, ainda que a tivesse. Não valem, designadamente, como causas interruptivas da prescrição civil a realização de denúncia, a apresentação de queixa, a constituição de assistente (art. 68º CPP), a manifestação, perante as autoridades judiciárias, do propósito de deduzir o pedido de indemnização civil no processo penal (arts. 75º, n.º 2 e 77º, n.º 2 CPP) ou o requerimento de arbitramento de indemnização civil (art. 77º, n.º 4 CPP)”.

Porém – continua – “Se a adesão obrigatória preenche inteiramente a previsão normativa do art. 306.º, n.º 1, constituindo uma causa impeditiva da prescrição, já a adesão facultativa pode ser reconduzida ao art. 321.º e ser reputada como causa de inexigibilidade de exercício do direito para efeitos de suspensão da consumação da prescrição. O que se afigura determinante na concretização da expressão «impedimento de força maior» é a circunstância de, embora possível, o exercício do direito fora do contexto processual penal, quando a adesão a este possa operar em termos facultativos, dever reputar-se, quando o facto constitua crime, inexigível. Assim, propomos uma equiparação entre a impossibilidade e a inexigibilidade de exercício do direito, para efeitos de suspensão da consumação da prescrição, nos termos do art. 321º. Deste modo, garante-se que, em caso de adesão facultativa, o direito indemnizatório não prescreve até que se tenha alcançado a fase processualmente adequada à dedução do pedido civil, ou seja, o início do julgamento, nos termos do art. 77.º CPP” (p. 25 e 26).

Este entendimento afigura-se-nos ser o mais consentâneo com a letra e espírito da lei.

Porém, mesmo que se acredite não se encontrar abrangido pelo impedimento por força maior - e, por isso, não implicar suspensão da prescrição - a pendência do processo crime em caso de adesão facultativa do pedido de indemnização cível ao processo penal, a verdade é que mesmo a jurisprudência, nessa situação, não fica insensível à existência do processo criminal e considera que a pendência da instância criminal representa uma interrupção contínua ou continuada.

Assim, por exemplo, no ac. STJ, de 22.1.2004 (Proc. 03B4084), onde se lê: «O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo (princípio da adesão), só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei - artº 71º do CPP. Daí que, em princípio, se haja de admitir que o prazo de prescrição não corre enquanto pender a ação penal, nos termos do disposto no artigo 306º, nº 1, do C. Civil», cujo normativo estipula que O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. (…)
Poderia pensar-se, assim, que tal restrição não ocorreria, em princípio, se, não obstante a pendência da ação penal, não existisse obstáculo legal a que o pedido de indemnização pudesse ser apresentado no tribunal cível (em separado), nomeadamente nas hipóteses consideradas no artigo 72º do CPP. E, no caso «sub-specie», a ação cível podia (in abstrato) ser deduzida em separado (…). Não é, contudo, de aceitar que a pendência do processo crime correspondente não assuma relevância como facto interruptivo da prescrição do direito de indemnizar.

O instituto da prescrição pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito quando este não for exercitado durante o tempo fixado na lei. Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas pela respetiva consolidação operada em prazos razoáveis. (…) No fundo, a pendência do processo crime (inquérito) como que representa uma interrupção contínua ou continuada («ex vi», do artº 323, nºs 1 e 4, do C. Civil), quer para o lesante, quer para aqueles que (...) com ele são solidariamente responsáveis pela reparação dos danos, interrupção esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou desfecho final) do processo crime adrede instaurado.

No mesmo sentido, o ac. STJ, de 22.5.2018 (Proc. 2565/16.6T8PTM.E1.S2)[9].

O assunto foi também abordado no ac. do STJ, de 21.11.2019 (Proc. 11701/15.9T8LSR-A.L1.S1), em termos consentâneos com os supra propostos por Paulo Manuel Lacão e a eles aderindo, como nos parece ser o correto, tendo-se consignado na nota 30: (…) tem sido defendido neste Supremo Tribunal de Justiça que, mesmo nos casos previstos no artigo 72.º do CPP, em que a lei não impõe a obrigação de formular o pedido cível no processo penal, o prazo fica interrompido durante a pendência do inquérito assistindo ao titular do direito de indemnização a faculdade de aguardar o termo deste (o arquivamento ou a dedução da acusação), se não quiser recorrer logo à ação cível em separado. Cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.01.2004, Proc. 03B4084, de 13.10.2009, Proc. 206/09.7YFLSB, e, mais recentemente, de 22.05.2018, Proc. 2565/16.6T8PTM.E1.S2 (…). Sempre se diga que é concebível, no entanto, um raciocínio distinto para atingir a mesma solução. Este, sem desatender os interesses do titular do direito, é mais consentâneo com a letra e a teleologia da lei. A premissa de que se parte é a seguinte: não sendo, nestas circunstâncias, rigorosamente impossível o exercício do direito, conforme se exige no artigo 306.º, n.º 1, do CC, não pode aplicar-se esta norma. Entendendo-se, porém, que o exercício do direito, nestas circunstâncias, é inexigível, considera-se aplicável a suspensão, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo, ao abrigo do artigo 321.º, n.º 1, do CC.

Assim, teríamos que, estando pendente processo crime pelos factos que determinaram prejuízos para os AA., nomeadamente os decorrentes dos três cheques depositados em conta dos RR., poderiam estes aguardar o desfecho do inquérito e o decurso do prazo para dedução de pedido cível e, só a partir daí, apresentar ação cível em separado. Seria na ação penal que se apuraria quem, além de EE, poderia ter tido intervenção relevante nos factos denunciados.

Por aqui, o prazo de três anos não teria decorria, não tendo prescrito o direito dos AA. emergente de responsabilidade civil extracontratual.

Mas, mesmo que não se admitisse este entendimento, vejamos do alargamento do prazo de prescrição, nos termos do n.º 3 do art. 498.º, n.º 3 CPC.

Se é certo aderirmos ao argumento segundo o qual, a prescrição tem carácter excecional e pessoal, pois que se “baseia na especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente, facto esse que, constituindo um crime justifica a equiparação do prazo de prescrição civil (quando mais curto) ao correspondente prazo da prescrição penal” (AC. RL, de 9.2.95, CJ, 1995, I, 123), vejamos se assim é sempre e por via de regra.

Na situação que nos ocupa, quer a falsificação, quer a burla ficaram demonstradas, ainda que de autoria de terceiro.

E o que dizer quanto ao alargamento do prazo de prescrição aos outros responsáveis civis, que não aquele que respondeu pelo facto criminal?

Estende-se aos meros responsáveis cíveis, na relação com o lesado, o regime do n.º 3 do art. 498.º CC?

Noutros planos, já se tem respondido positivamente a esta indagação.

O STJ tem decidido, maioritariamente, que este regime (o alargamento do prazo) se aplica aos casos de responsabilidade pelo risco. Por exemplo, o comitente (que não cometeu o crime) tem obrigação de indemnizar pelo facto criminal cometido pelo comissário, assim se lhe estendendo o alargamento do prazo de prescrição (veja-se, por exemplo, o caso do acidente de viação em que o comissário é responsável por homicídio negligente e o comitente responde, nos termos do art. 503.º CC), até por efeitos do disposto no art. 521.º CC, quanto ao regime de solidariedade.

Neste campo, porém, nem sempre a solução foi unânime, uma vez que inicialmente, alguma jurisprudência entendia ser de aplicar ao comitente o prazo mais curto de prescrição (veja-se Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Delitual por Facto de Terceiro, 2009, p. 373, e o próprio Antunes Varela, em anotação a ac. STJ, de 30.1.1985, na RLJ, 123, n.º 3790, ps e 20 e ss, na qual reconhece ser lacunoso o seu Código Civil anotado, na questão do alargamento do prazo de prescrição, assim admitindo que a realidade é mais rica que a lei e que a previsão que, à partida, se pode gizar quando aquela é estabelecida).

Também para o caso das seguradoras – que não respondem criminalmente – se tem admitido a extensão do regime daquele n.º 3, na relação com o lesado, quando o lesante responde por facto criminal.

Na situação que nos ocupa, os RR. não são responsáveis pela falsificação das assinaturas dos três cheques que receberam na sua conta.

Mas, vejamos.

O crime de burla, de que a falsificação é um meio instrumental, ao contrário daqueloutro, é um crime de dano, que só se consuma com o prejuízo efetivo no património do sujeito passivo da infração, sendo que o art. 317.º CPC se refere à intenção de obter para si (agente do crime) ou para terceiro enriquecimento ilegítimo.

Ora, o prejuízo dos AA. só ocorreu quando os cheques foram depositados nas contas dos RR., pelo que, mesmo a não serem estes responsáveis criminalmente, estende-se-lhe o prazo de prescrição aplicável aos crimes por via dos quais tiveram participação no empobrecimento do lesado, empobrecimento este que é requisito da burla.

Este entendimento não é sequer novo.

Foi admitido no ac. RL, de 7.10.2008, Proc. 6760/2008-7: A ausência de instauração de procedimento criminal não afasta a possibilidade de ser aplicável o respetivo prazo de prescrição de acordo com o disposto no n.º3 do art.º 498 do Código Civil, impondo-se apenas para tal efeito que seja demonstrado que o facto em que assenta a responsabilidade civil constitua crime. Tal prazo de prescrição é igualmente aplicável aos responsáveis meramente civis, por ser nesse sentido que aponta o espírito de unidade do sistema – cfr.art.º 9, n.º1, do C. Civil.

O recurso ao argumento extraído do art. 9.º, n.º1, CC (unidade do sistema jurídico, para além da letra da lei) foi exatamente um dos indicado por A. Varela, na citada RLJ, p. 30, para admitir o alargamento do prazo, nos termos do n.º 3 do art. 498.º, a outros responsáveis cíveis, que não apenas ao responsável criminal, além de evidenciar a ideia segundo a qual, não distinguindo a lei a quem se alarga o prazo, com que base pode o intérprete escolher que se alarga a uns e não a outros? – p. 44, ponto 8.

Também o STJ, em ac. de 22.5.2013, Proc. 2024/05.2TBAGD.C1.S1 já ajuizou: “O prazo prescricional a que alude o art. 489.º, n.º 3 do CC aplica-se aos responsáveis civis, sejam, ou não, agentes do crime”.

Igualmente no ac. RL, de 16.6.2020, Proc. 1662/19.0T8PDL.L1-7: “A interrupção do prazo prescricional e o alargamento de tal prazo previsto no art. 498.º, n.º 3 do Código Civil são aplicáveis a todos os responsáveis meramente civis, nomeadamente à seguradora, mesmo que demandada pela primeira vez na ação cível”.

Deste modo, também por aqui estaria afastada a prescrição relativamente aos dois RR. no tocante à responsabilidade aquiliana.

Já quanto à verificação de tal responsabilidade:

O tribunal a quo fundou a condenação dos primeiros RR. na responsabilidade extracontratual.

Após aludir aos requisitos emergentes do art. 483.º CC, acrescentou: “os primeiros réus fizeram seus os fundos monetários que eram da titularidade e, bem assim, da propriedade dos autores, violando o seu direito de propriedade sobre os mesmos, que é um direito absoluto e que, como tal, impunha ser respeitado por todos aqueles que não eram proprietários desse dinheiro, aí depositário, incluindo os primeiros réus e EE”, aqui fazendo repousar o ilícito: receção/apropriação de valores dos AA. que lhes não eram devidos.

Recordemos os pressupostos básicos da responsabilidade civil.

O primeiro, antes mesmo da ilicitude, é o facto voluntário praticado pelo agente.

A noção de ação praticada pelo agente tem sido sobretudo cunhada pelos juspenalistas que distinguem, desde logo, entre ação e omissão. No direito civil, defrontam-se duas teses: os que entendem que é ação o comportamento dominável pela vontade, bastando a possibilidade de controlar o ato ou a omissão; e os que, finalistas, afirmam ser uma ação um processo causal, sendo o fasto inicial o que conduz ao resultado final.

Recordemos em que consiste a ilicitude.

Em traços gerais, ilicitude é tudo quanto é contrário à ordem jurídica e é por ela reprovado.

O art. 483.º CC alude a duas formas de ilicitude: uma que consiste na violação de um direito de outrem, abrangendo-se aqui os direitos subjetivos como os direitos reais, os de personalidade, etc…

Entre os direitos reais avulta o de propriedade, cuja violação pode revestir diferentes aspetos, como privação do uso da coisa pelo titular, a disposição indevida da coisa, a subtração dela, etc…

A segunda vertente da ilicitude respeita à violação de lei que protege interesses alheios.

Não existe dúvida que os AA. se viram desapropriados do seu dinheiro e, assim, atingido o respetivo património. É o direito sobre os seus ou sobre a possibilidade de deles dispor que foi violado.

Sendo certo que os RR., pais da imputada criminal, não foram acusados criminalmente, a verdade é que receberam nas suas contas e fizeram seus os valores titulados nos cheques falsificados pela filha e que esta lhes depositou na sua conta.

Não existem dúvidas de que o dinheiro em causa provém de atividade criminosa e não pode afirmar-se não ter sido praticado um facto pelos dois RR., pois fazerem sua uma quantia em dinheiro é exatamente apropriarem-se de uma quantia em dinheiro.

É nesta apropriação que se encontra o facto.

Aliás, tivesse sido provado que este sabiam da proveniência ou deviam saber, tal apropriação seria suficiente para lhes imputar o crime de recetação, previsto no art. 231.º CP, sobretudo no seu n.º 2 que dispõe: Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa ou animal que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.

Resulta daqui que, receber, a qualquer título, coisa, res, é um facto.

Tratando-se da receção de coisa que provém de crime, mesmo que quem receba este valor não conheça essa proveniência (caso em que estaria incurso na prática do crime) – e, por isso, possa não ter culpa na receção – temos verificado o ilícito porque há uma violação do direito de terceiro.

Receber na sua conta bancária dinheiro não é um facto ilícito.

Fazê-lo seu, apropriar-se dele, tê-lo à sua disposição, também não é um facto ilícito.

Mas, se o dinheiro em apreço provém de um crime, então existe um ilícito que consiste em violar o direito de propriedade de outrem.

Não saber que se está cometendo um ilícito não é, salvo o devido respeito, um elemento afastador da ilicitude, mas sim da culpa.

Sabemos que o crime de burla praticado pela EE, por ser um crime de dano, se consuma quando há um prejuízo efetivo no património do lesado e esse prejuízo ocorre no momento em que a vítima fica sem o dinheiro, isto é, quando outrem – os 1.ºs RR, ficam tendo a disponibilidade desse dinheiro da sua conta.

Portanto, da receção do dinheiro proveniente de crime na sua conta bancária já constitui um ilícito, porquanto aqueles que passam a dispor do dinheiro lesam o património de terceiro.

E basta a simples incursão dos valores na conta, desde que criminalmente gerada.

De resto, note-se que, na sua acusação nunca o R. ou a Ré negaram ter recebido estes valores na sua conta e deles se terem apropriado, ou seja, mantê-lo na sua disposição.

Não é, por isso, necessário para haver ilícito um ato daquele que recebe na sua conta dinheiro furtado, roubado ou o que seja.

Esta conclusão constitui uma simples apreciação jurídica do que é um facto (que pode ser omissivo) e do que é a ilicitude.

Afirmar-se que a Ré (ou mesmo o R., pelo menos, quanto a dois cheques, pois só um deles terá sido por si endossado) não praticou qualquer facto é, tão-só, obnubilar os fundamentos jurídicos da responsabilidade (civil ou penal), ou seja, é observar os factos de uma forma empírica com resultados absolutamente absurdos.

Imagine-se que os RR. sabiam da proveniência criminosa do dinheiro e que o mantiveram na sua conta, nada tendo feito para o receber, mas podendo dispor dele se assim desejassem.

Poder-se-ia dizer não ter havido aí facto ilícito por eles praticado?

Como não?

Seria mesmo crime de recetação, senão de comparticipação na burla.

Mas, note-se: a diferença desta última hipótese para a que cuidamos nestes autos situa-se, tão-só, ao nível do conhecimento ou intenção (ou seja, do elemento subjetivo do tipo criminal ou da culpa, no direito civil), não tendo existido outra atuação dos RR. senão a que está descrita nos factos provados. Ou seja, a atuação ilícita é a mesma: a receção de dinheiro obtido pela burla e falsificação.

Portanto, o que está provado é terem os RR. recebido na sua conta bancária dinheiro proveniente de crime. Este é o facto ilícito objetivo e não subjetivo, porque não está provado saberem os RR. dessa proveniência criminosa.

Então, haverá que passar para o segundo requisito da responsabilidade civil: a imputação subjetiva.

Em responsabilidade civil fala-se de culpa ou de animus subjetivo (que pode ser doloso ou negligente), e que é apreciado de acordo com o critério do bonus pater familias (art. 487.º CC), fórmula que implica um juízo de valor em cuja densificação se trata “de apurar o que é exigível a um homem médio para prevenção da lesão” (Henrique Sousa Antunes, comentário ao art. 487.º, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, p. 302)[10].

Neste tocante, escreveu-se na sentença “enquanto beneficiários das quantias depositadas na sua conta, impunha-se que, perante tal situação, como qualquer pessoa razoável, minimamente diligente e preocupada, questionassem a situação”.

Recorde-se que a pretensão dos AA. assentava em alegado conluio entre estes RR. e sua filha que teria atuado com conhecimento por aqueles da ilicitude da proveniência destes cheques.

Isso não ficou apurado, como já referimos.

Por isso não concordamos com opiniões constantes da sentença quando afirma, por exemplo, terem os RR. cooperado e articulado esta situação com a filha, ou quando os qualifica como instigadores ou auxiliares do ato criminal ou até mesmo cúmplices, o que, de todo, não resulta dos factos provados, sendo certo que da circunstância de não terem demonstrado o que alegaram quanto à causa do recebimento não resulta demonstração pelos AA. do conhecimento pelos RR. da proveniência ilícita dos cheques.

Recorde-se: se tal prova tivesse sido feita pelos A., a responsabilidade dos RR. não era apenas civil, mas também criminal.

Está, assim, afastado o dolo no recebimento do valor dos cheques.

Mas, a culpa cível pode ser mera culpa ou negligência.

Como já explicava lapidarmente Antunes Varela, Das obrigações em geral, 6.ª Ed., p. 542-543, consideram-se situações de mera culpa os casos “em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e, só por isso não toma as providências necessárias para o evitar”. Para além desses casos, outros há em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida.

Esta culpa é apurada, segundo já mencionado, pelo conhecido critério do bonus pater familias, previsto no art. 487.º CC, “acentuando uma nota ética ou deontológica do bom cidadão” (ibidem, p. 545, nota 1).

O que faria, então, o cidadão medianamente previdente se, no espaço de três anos, recebesse na sua conta bancária cheques pertencentes a pessoas (seus compadres) com quem não mantinha relacionamento comercial ou outro que justificasse aquelas quantias?

Manter-se-ia na disponibilidade de tais valores?

Ou procuraria apurar junto dos donos do dinheiro – seus compadres - a razão de tais depósitos?

A resposta que um homem medianamente previdente teria não pode ser senão a segunda.

Afigura-se-nos que aos RR., ao receberem nas suas contas bancárias quantias provenientes dos AA. (seus compadres), com quem não detinham relações comerciais, caberia abordá-los sobre a razão de ser destes depósitos, sendo certo serem os próprios RR. (não apenas o R. ou a Ré, mas ambos) a alegar expressamente que verificavam os extratos da conta bancária que o Banco lhes enviava (art. 14.º da contestação).

Não o tendo feito, atuaram de forma leviana, descuidada, não própria do cidadão eticamente reto e cuidadoso.

Assim, independentemente do tipo de negligência (grave ou leve), recai sobre os 1.ºs demandados a obrigação de indemnizarem o prejuízo material havido.

Quanto aos danos morais, é inequívoco terem os AA. sofrido com a atuação da nora, EE, pela traição sentida em função da confiança que nela depositaram e pelo enorme prejuízo que tiveram (como se diz na sentença criminal, ascendendo a cerca de € 300.000, 00), a ponto de à A. ter sido diagnosticada uma depressão e de o A., aos 73 anos, se ver obrigado a recomeçar a trabalhar.

Mas o que seu deu como provado nestes autos foi que estas repercussões psicológicas e afetivas são “fruto da atuação da EE” (facto 40), nora e mãe dos netos dos AA., no decurso de vários anos e com repercussões vastíssimas que em muito ultrapassam a situação dos três cheques dos autos.

Nada se deu como provado quanto ao efeito destes três depósitos naquela condição psicológica e emocional dos AA.; sequer se deu como provado algo quanto a qualquer sentimento de traição e desconfiança por parte dos compadres que tenha influído nos danos não patrimoniais descritos em 40 a 41, quando é certo afirmar-se aí terem derivado da atuação da filha dos RR. – pela dimensão do desfalque causado e da falta de respeito para com os deveres profissionais e familiares.

Nem as circunstâncias referidas nos arts. 22.º e 64.º da pi (AA. e 1.ºs RR. conviviam com assiduidade, nomeadamente em festas de família e o seu sofrimento agravou-se pela atuação dos 1.ºs RR.) resultou demonstrada de molde a que se ultrapassasse o mote que encima a descrição dos danos não patrimoniais (“fruto da atuação da EE” – facto 40), sendo certo não terem os AA. impugnado a factualidade dada como provada.

De modo que se nos afigura não serem compensáveis danos não patrimoniais.

Relativamente ao valor dos danos a indemnizar, no caso dos prejuízos materiais, o critério da sua fixação é o que resulta do art. 566.º, n.º 2, CC, que consagra a teoria mommseniana da diferença. Neste sentido, teríamos que a indemnização corresponderá aos € 25.000, 00, mais os juros.

Contudo, este critério – da diferença – encontra na lei várias exceções.

A primeira é a consagrada no art. 494.º CC que se aplica aos danos provenientes de facto ilícito, quando haja mera culpa do lesante[11], caso em que a indemnização pode ser fixada abaixo do valor do dano, de acordo com o grau de culpabilidade do agente, situações económicas deste e do lesado e demais circunstâncias concretas do caso.

Este preceito tem sido usado, geralmente, para os danos não patrimoniais, por força da remissão do art. 496.º, n.º 3, mas o seu campo de aplicação é, naturalmente, todo o tipo de danos.

Esta graduação que, nas palavras de A. Varela, expressa a função sancionatória ou punitiva da responsabilidade civil, seria apenas aplicável à responsabilidade extracontratual (embora não seja assim para a toda a doutrina, como nos dá conta Gabriela Fernandes, em anotação II ao art. 494.º, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, p. 337), embora se aplique igualmente à responsabilidade pelo risco (por força da remissão do art. 499.º) – Das obrigações em geral, 6.ª ed., Vol. I, ps. 884-885.

O poder moderador que este normativo confere ao julgador é, na expressão de Brandão Proença, uma das soluções “mais felizes do modelo de 1966” (apud Gabriela Fernandes, cit., p. 336) e, por via disso, não poderia deixar de se considerar na fixação da indemnização, caso os seus requisitos se verificassem[12].

A faculdade que decorre do art. 494.º consiste, afinal, na introdução da “noção vagabunda ao discurso jurídico” [expressão de Carneiro da Frada, em A Equidade (ou a “Justiça com Coração”) – A propósito da decisão arbitral segundo a equidade, ROA, Ano 72, 2012, pp. 109-145] – que é a equidade, forma de julgar que faz com que «o silogismo judiciário assuma hoje, mesmo quando perdura na linguagem, uma feição muito mais desprendida de uma “lógica formal-autoritarista”» (ibidem)[13].

Ora, a segunda Ré defendeu-se argumentando com o disposto no art. 570.º CC (também os lesados teriam concorrido para o dano) e, como veremos, com algum sucesso, de modo a ver-lhe ser diminuída responsabilidade.

Poderão os 1.ºs RR. achar-se injustiçados por responderem pela totalidade dos € 25.000, 00, em confronto com o Banco.

Por essa razão, vejamos a resposta do sistema jurídico para o seu caso.

Ambos os normativos (arts. 494.º e 570.º) permitem a redução equitativa da indemnização.

Poderia, por isso, justificar-se, no caso dos 1.ºs RR., uma redução equitativa da indemnização.

Temos para nós ser sempre de elementar justiça aplicar o sistema jurídico no seu todo e dele extrair as soluções mais equilibradas. De modo que, no cálculo da indemnização, sabemos que não há que fazer apelo somente à regra básica do art. 566.º (teoria da diferença), mas a todas as normas que podem ter reflexos no valor indemnizatório em função de todas as circunstâncias envolventes, mormente as dos arts. 494.º e 570.º CC.

O âmbito e diferente regime dos dois normativos foram perfeitamente explicitados por Brandão Proença, na sua Tese de Doutoramento, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual (Reimpressão de novembro de 1997, pp. 179 a 209), residindo a principal diferença no facto de no primeiro normativo não estar propriamente coberto o concurso de culpas (mas outras situações, como as condições económicas de lesante e de lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente o concurso da mera culpa do lesante com um evento, fortuito, natural ou proveniente da esfera pessoal do lesado), e, no segundo caso, estar em causa um dano que resulta do concurso de condutas (culposas ou não) do lesante e do lesado.

Na situação dos autos, o que temos é uma concorrência de culpas entre AA. e R. Banco, uma vez que a relação entre ambos é contratual e ambos violaram deveres negociais recíprocos.

No caso da responsabilidade extracontratual - a dos 1.ºs RR. – poder-se-á dizer terem estes agido com mera culpa, uma vez que se limitaram a receber na sua conta bancária valores monetários que a sua filha aí depositou ao longo de três anos e, apesar de deverem ter verificado com os sacados, seus compadres, a razão de ser desses depósitos, não pode dizer-se – na terminologia de Rui Alarcão, acima mencionada – ser indesculpável a sua conduta, uma vez que se tratou da sua filha e de um valor total distribuído ao longo de cerca de três anos.

Deste jeito, partindo da mera culpa dos 1.ºs RR., nada resultando quanto às situações económicas destes e dos AA., restaria verificar as demais circunstâncias do caso e estas são eloquentes: o facto originário e gerador da responsabilidade dos 1.ºs RR. resultou de um ilícito criminal que não foi por eles cometido e isso deveria diminuir-lhes-ia a responsabilidade perante os lesados que o foram diretamente pela ação de terceira pessoa.

Todavia, mesmo um mecanismo moderador e de justiciabilidade do sistema, como é do art. 494.º não pode ser aplicado pelo tribunal se não for solicitado pela parte, sob pena de violação do princípio do dispositivo[14].

E o certo é não terem estes RR. invocado esta defesa.

Como veremos, porém, a referência à mera culpa que acabámos de fazer voltará a ter importância mais adiante quando atentarmos no problema da obrigação solidária.

Por outro lado, na relação entre o Banco R. e os AA. – porque o Banco o invocou expressamente – será ponderada a aplicação do disposto no art. 570.º CC, norma que alude à exclusão ou redução da indemnização se tiver ocorrido culpa do lesado na produção ou agravamento dos danos.

Todavia, como acabámos de ver com a aplicação do art. 494.º CC, também o art. 570.º é uma norma excecional, um desvio à regra do cálculo da indemnização segundo a teoria da diferença. Trata-se, por isso, como aquele outro normativo, de matéria de exceção perentória e, de acordo com a regra do art. 342.º, n.º 2, CC, caberia aos RR. invocar factos (não necessariamente a norma do art. 570.º) donde resultasse diminuída a sua responsabilidade por força da atuação dos AA., de molde a que estes – como fizeram para a contestação da Ré – disso pudessem atempadamente defender-se.

Como é evidente, a defesa excetiva da Ré não aproveita aos co-RR., em matéria incluída na disponibilidade das partes.

A impossibilidade de aplicação oficiosa da regra do art. 570.º ao responsável que o não invocou parece-nos de elementar compreensão, mas não deixou de ser explicitada por Brandão Proença, na obra citada, ps. 761-762, onde afirma:

Perante a atitude do lesado de provar «os factos constitutivos do direito alegado’, a comissão ao lesante, nos termos do art. 572.º, da alegação e demonstração da culpa do lesado, como facto impeditivo ou modificativo do direito invocado (réus excipiendo fit actor), não causa estranheza, dado estar em consonância com as regras gerais previstas no art. 342.º. Ao apresentar a sua versão dos acontecimentos, o lesante não procura propriamente negar a articulação feita pelo lesado, mas invocar como exceção perentória, factos que conduzam à convicção da existência de uma conduta culposa do lesado e determinem a improcedência, total ou parcial, do pedido.

Finalmente, quanto aos primeiros RR. impõe-se acrescentar o seguinte:

Ainda que se não verificasse responsabilidade civil extracontratual destes demandados, sempre teríamos reunidos os elementos da obrigação de restituir com base no enriquecimento sem causa (art. 473.º CC), por, em resultado dos depósitos de cheques falsificados, os RR. se terem locupletado à custa do correspondente empobrecimento dos AA., decorrendo a obrigação de restituir do disposto no art. 479.º CC.

De molde que, também por aqui os 1.ºs RR. teriam que entregar aos AA. o capital obtido ilegitimamente na sua conta bancária.

A prescrição não é de conhecimento oficioso (art. 303.º CC) e o certo é que os RR. só a invocaram para responsabilidade civil (e em termos muitos específicos deste regime) e não para o enriquecimento sem causa, do art. 482.º CC, pelo que dela não podemos conhecer (art. 303,º CC).

Mais, ainda que se entendesse que o demandado, ao excecionar a prescrição (invocando o regime concreto de um determinado instituto) está, no fundo, a convocar toda e qualquer origem da extinção do direito do lesado que se relacione com a passagem do tempo e para toda e qualquer causa de pedir, teríamos de novo aqui o que anteriormente expusemos quanto ao prazo do n.º 1 do art. 498.º CC: a existência de um procedimento criminal e o disposto nos arts. 306.º e 321.º CC.

Por esta via, também os RR. teriam que devolver os € 25.000, 00, aos AA.

B Do recurso do Banco R.

A responsabilidade contratual:

Neste tocante a sentença recorrida é exemplar, pois identifica corretamente o tipo de relação que intercede entre A. e 2.º R. e explicita a natureza dos deveres e direitos que dela emergem para uns e outros, recorrendo aos pertinentes ensinamentos dogmáticos e jurisprudenciais.

Justifica-se, por isso, que aqui se reproduza o que nela se contém quanto à responsabilidade bancária, com profuso estudo sobre a matéria o qual, em retas contas, não foi assimilado pelo Banco recorrente, como se demonstra pelo que deixa expresso nas conclusões XXVII a XXXVIII, isto é, em onze conclusões nas quais pugna pela inexistência de ilícito por parte do Banco (ou mesmo de danos na esfera dos demandantes ou de nexo de causalidade entre o facto que não reconhece como ilícito e os danos que diz não existirem), sem rebater qualquer dos significativos argumentos que a sentença de primeira instância diligentemente assinalou.

Diz-se ali (na decisão recorrida), nos pontos 7 a 10 da fundamentação jurídica (com sublinhado nosso):

«(…) os autores abriram conta no antigo Banco 3.... Deste modo, inicialmente estabeleceu-se o acordo essencial da atividade bancária: o contrato de abertura de conta.

Para MENEZES CORDEIRO, Manual de direito bancário, 2.ª edição, Almedina, 2001, p. 500, o contrato de abertura de conta é o negócio bancário nuclear. A abertura de conta marca o início duma relação bancária complexa entre banqueiro e o seu cliente e traça o quadro básico do relacionamento entre essas duas entidades (…). Normalmente este contrato engloba ainda três negócios subsequentes: a convenção de cheque; a emissão de cartões; a concessão de crédito por descobertos em conta (p. 501).

(…)

Vejamos, antes de mais, as particularidades relacionadas com a convenção de cheque.

Com efeito, o «cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheques» - v. art. 3.º da LUCh -, constituindo um meio de pagamento, que «[serve] o desenvolvimento do mercado e a fluidificação dos circuitos de pagamentos», uma vez que deixa de ser necessário realizar transações em numerário, com os riscos decorrentes de tanto (SOFIA GALVÃO, Contrato de cheque: um estudo breve. Lisboa: Lex, 1992, p. 39).

Destarte, a convenção de cheque consiste, pois, no «contrato, expresso ou tácito, pelo qual o depositante fica com o direito de dispor de uma provisão por meio de cheque, obrigando-se o banco a pagar cheques até ao limite da quantia disponível, quer a mesma tenha sido formada por depósito antecipadamente efetuado ou por crédito concedido. Este acordo é frequentemente tácito, decorrendo de atitudes simples por partes dos intervenientes, como sejam o cliente preencher uma ficha de requisição de módulos de cheques e o banco aceitá-la, mandar proceder à impressão desses módulos e entregá-los ao cliente.

(…)

Trata-se de um contrato sinalagmático, de execução continuada, a que são inerentes determinados direitos e deveres das partes, em que é recíproca a diligência que ambas têm de observar. O cliente tem o direito de sacar ou dispor dos fundos por meio de cheque, bem com os correlativos deveres de verificar a conta, de conservar os cheques e de informar de quaisquer ocorrências que sejam suscetíveis de influir na execução da referida convenção, como a perda, extravio ou roubo dos seus cheques.

Já o banco tem o direito de lançar, a débito, em conta da quantia paga e os deveres de pagar os cheques emitidos para o cliente, de informar o mesmo, de verificar os cheques e fiscalizar os movimentos da conta, de sigilo e de observar uma elevada competência técnica, entre outros.

(…)

Quanto aos deveres que impedem sobre o Banco, podem estes subdividir-se em deveres principais, acessórios e laterais, como outrora referido.

Deste modo, o dever principal do Banco é proceder ao pagamento dos cheques sacados por uma conta, à custa dos fundos depositados nesta, quando apresentados a pagamento.

Por seu turno, no quadro dos deveres acessórios que impendem sobre o Banco, tem-se os deveres de informação, relativos a esclarecimentos que, no exercício da sua função e atividade, deve fornecer ao seu cliente, o dever de observar uma elevada competência técnica no exercício da sua atividade, e o dever de fiscalização dos cheques, que se faz salientar.

«Este dever corresponde ao chamado dever de verificação dos cheques, sendo acessório e instrumental do dever principal do banco – de pagamento, [consistindo] na obrigação que o banco tem de verificar cuidadosamente o cheque…, [o que] pressupõe o controlo da autenticidade do módulo em que foi preenchido o cheque, a comprovação de que o banco não foi notificado de nenhuma vicissitude e o controlo da assinatura do sacador, confrontando-a com a que o banco recolheu do seu cliente quando abriu a conta movimentada pelos cheques sacados nos módulos disponibilizados, e que consta da ficha de cliente.» (PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 481).

Cabe-lhe, pois, verificar a regularidade do saque, assegurando-se que a assinatura aposta no cheque coincide com aquela que consta da ficha do cliente, o que deve ser feito cuidadosamente, por modo a obstar ao pagamento de um cheque falsificado.

Deste modo, existe uma especial atenção na conservação e guarda dos módulos (de cheques) pelo respetivo titular, no tratamento a dar aos cheques (emitidos), nomeadamente no eventual envio dos mesmos por correio, na verificação constante dos saldos das suas contas bancárias e na comunicação imediata ao banco de alguma anomalia com esses módulos; e um cuidado razoável por parte do banco sacado, na verificação da assinatura do sacador e na deteção de imitações grosseiras – assim PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 664-665.

(…)

(…) afirmando-se, como regra, a responsabilidade do Banco, salvo prova em contrário, pelo Banco, de que o Cliente-sacador, de forma culposa, preteriu os seus deveres, mormente o dever de adequada guarda e conservação do livro de cheques, «o que encontra justificação no risco da atividade desenvolvida» – cfr. PAULO OLAVO CUNHA, “Relevância e significado do cheque e da convenção de cheque na atualidade: principais problemas”, in I Congresso do Direito Bancário/coord. Miguel Pestana de Vasconcelos. Almedina: Lisboa. 2014, 157-158. Todavia, este autor na sua tese de doutoramento parte inicialmente da responsabilidade por culpa (cfr. p. 673 e ss.), sendo que, no âmbito contratual a culpa se presume, pelo que, para afastar a presunção de culpa, incumbe ao banco demonstrar que a culpa da falsificação é do cliente ou que atuou de forma diligente e não censurável, não lhe sendo exigível, na situação concreta, que agisse de outro modo (p. 679). Já a responsabilidade objetiva do banco poderá apenas colocar-se no seguinte caso: não se provando a culpa de nenhuma das partes, a quem será imputado o dano e qual o critério para o efeito? Deverá ser imputado ao banco invocando-se a responsabilidade fundada no risco, tendo em conta que é o banco quem melhor controla a fonte dos riscos (p. 681 e ss.).

(…)

(…) foi celebrada uma convenção de cheques entre Autores e Segunda Ré, já que esta entregava módulos de cheques, regularmente, ao Autor, mas também, como se sindicou, nesta ação, a EE, sem o conhecimento daquele.

Se é certo que, quanto a tal, a atuação do Banco e, portanto, da Segunda Ré, não merece censura, pois limitava-se a observar as instruções do Autor, crendo que atuava de acordo com a vontade deste, a realidade é que a Segunda Ré pagou cheques falsificados, pelo que a questão da sua responsabilidade civil se destrinça na observância ou inobservância de um dever acessório que lhe incumbia cumprir – o dever de fiscalizar a regularidade do saque e, por isso, a autenticidade das assinaturas do Autor e do seu filho –, mas também na eventual culpa do Autor, enquanto lesado.

Ora, a Segunda Ré não nega que não tenha violado aquele dever, pelo que há preterição do mesmo, dado que as assinaturas e respetiva genuinidade não foram

verificados por aquela. Mas, considera a Segunda Ré, a mesma não é culposa, havendo até uma atuação censurável dos Autores, a quem o dano (também) se deveu.

É certo que a não verificação do cheque pode dever-se precisamente ao facto de o cheque ter sido pago através do SICOI (Sistema de Compensação Interbancária) e ser retido na instituição depositária, o que impede a verificação do referido cheque, como foi o caso destes cheques.

(…)

Deste modo, no «subsistema de compensação de cheques, os cheques ficam retidos fisicamente no banco onde são depositados e a respetiva imagem é transmitida ao banco emissor, para verificação do preenchimento, quando se trate de cheques cujo valor seja superior ao do montante de truncagem acordado pelo sistema bancário.». – cfr. Ac. do TRC, de 06-10-2015, proc. n.º 38/14.0TBCNT.C1.

(…)

Sendo a adesão ao SICOI facultativa, este é um «risco a correr por conta do sacado» (PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 482).

É que a falta de acesso à imagem dos cheques não dispensa o Banco do dever de fiscalização e verificação dos mesmos, antes de os pagar, bem como do consequente dever de responder pelo (não) controlo da regularidade da assinatura do sacador aposta, em conformidade com os elevados níveis de competência, que lhe são exigidos nos termos dos arts. 73.º e 74.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31-12, que aprovou o Regime Geral da Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, e com as instruções do BP que os vinculam, designadamente enquanto participantes no SICOI, as quais apenas visam regular e promover o bom funcionamento no âmbito das relações interbancárias, não sendo de aplicar aqui pelo Tribunal – cfr. Ac. do TRC, de 06-10-2015, proc. n.º 675/12.8TBCBR.C1, disponível in www.dgsi.pt. -, como foi invocado, quanto à Instrução n.º 12/2003.

Com efeito, o cliente não pode ver a sua posição jurídica fragilizada por uma opção do próprio Banco em atenuar, facilitar ou abdicar do cumprimento dos seus deveres, em nome da maior rapidez e fluidez do tráfego, devendo este adotar uma posição proactiva, para acautelar, sempre e em qualquer circunstância, os interesses dos seus clientes, atendendo também à confiança que suscitam nos mesmos, ao entregar-lhe os seus depósitos e fundos.

Assim, mesmo nessa situação, valerá a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do CC, vigente no quadro da responsabilidade civil contratual e, por isso, aqui aplicável.

Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 4079/11.1TBGDM.P1, de 10-11-2015, o STJ tem decidido, de forma persistente, no sentido de que o banco só ilide a presunção de culpa no pagamento de cheques falsificados se provar a culpa do cliente, já que lhe é exigível um grau elevado de meios técnicos de preparação para detetar falsificações. Não obstante as instruções decorrentes do Regulamento SICOI deverem ser tidas em atenção na apreciação do comportamento das entidades bancárias envolvidas, não constitui o mesmo uma fonte imediata de direito a ter em atenção pelo Tribunal, nem a sua existência afasta o regime de responsabilidade legalmente aplicável, uma vez que se destina primordialmente a regular as relações interbancárias

Mais longe vai PAULO OLAVO CUNHA, Cheque e convenção de cheque, Almedina, 2009, p. 675: abdicando intencionalmente, ou por efeito do funcionamento do próprio sistema bancário (truncagem), de proceder à conferência da assinatura do sacador, a que se encontra contratualmente obrigado, o banco não procede diligentemente, e deverá assumir os resultados dessa omissão, ainda que, em concreto, não lhe fosse exigível que detetasse essa vicissitude, por a mesma corresponder a uma falsificação perfeita (neste ponto este autor afasta a aplicação do comportamento alternativo licito. Como é sabido, salvo exceção em contrário, o nosso ordenamento estabelece a regra da irrelevância negativa da virtualidade (a não ter existido a causa, o dano ocorreria na mesma por força de outra causa virtual) – sobre isto cfr. MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil português, II, Direito das obrigações, t. 3, Almedina, 2010, p. 740-746. Todavia, NUNO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, Coimbra editora, 2011, p. 711-716, autonomiza do problema da causa hipotética o comportamento alternativo lícito, sustentando que como o problema do comportamento hipotético se põe quando os requisitos da responsabilidade civil não estão preenchidos, o princípio será, ou deverá ser, o da relevância negativa de um comportamento hipotético ou virtual lícito. Excetuam-se os casos em que a exclusão da responsabilidade civil do autor do comportamento ilícito conflitue com o fim do dever infringido ou violado (exemplo: o dever infringido é uma garantia de que o procedimento de formação da vontade é um processo livre)).

Porém, considera-se que não se deve prescindir da culpa do Banco, salvo se este provar que agiu sem culpa, com a elevada diligência que lhe é exigida, ou se provar a existência de culpa do cliente – GOMES, Fernando Correia – Responsabilidade Civil dos Bancos pelo pagamento de cheques falsos ou falsificados, p. 39. – não sendo de adotar a ideia de responsabilidade objetiva do banco, isto é, independente de qualquer juízo de culpa, que se faz ecoar em alguns sectores, já que a mesma sempre exige consagração legal, como emana do art. 483.º, n. º2, do CC.

Contudo, embora não seja de enveredar por este entendimento, tem-se que, no que concerne à diligência que lhe é assacada, o Banco deve atuar como um «profissional habilitado e dotado de [especiais] meios técnicos e humanos» para o conveniente exercício da sua atividade, presumindo-se a sua culpa nos termos do art. 799.º, n.º2, do CC, quando, não só não age como um bonus pater famílias (ex vi art. 487.º, n,º2, do CC), mas também quando não adotou o comportamento de profissional altamente especializado que lhe era exigido, respondendo pelos danos causados com o pagamento, por si, de um cheque falsificado, quando não provar que mobilizou todos os meios para tanto, mas que, não obstante, não conseguiu sinalizar a irregularidade do saque, mesmo que este, em concreto, se mostre absolutamente perfeito (PAULO OLAVO CUNHA, op. cit., p. 675), o que encontra justificação na elevada confiança que a sua atividade suscita no mercado e nos seus clientes; confiança esta que cabe tutelar.

Atente-se, no que tange à verificação das assinaturas, na jurisprudência do STJ, a qual pugna que não basta um controlo “a olho nu”, para se infirmar esta presunção de culpa, uma vez que: «Não é compaginável com o grau de diligência exigível atualmente que um Banco prudente, zeloso e cauto, não disponha de técnicas e funcionários especializados na deteção de falsificação de assinaturas. Mais que controlar a semelhança das assinaturas, o Banco tem o dever de fiscalizar a autenticidade delas, sendo insuficiente a mera inspeção por semelhança» – Ac. do STJ de 31-03-2009, proc. n.º 09A197, disponível in www.dgsi.pt.

Ora, no nosso caso, é clamoroso que o Banco violou os deveres laterais de fiscalização e controlo da regularidade do saque que lhe cabia cumprir, já que não procedeu sequer à conferência das assinaturas do Autor e do filho (…)» - fim de citação.

A esta recessão de doutrina e jurisprudência, e coonestando-a, apenas acrescentaríamos alguns contributos mais:

Ac. STJ, de 7.3.2008, Proc. 08B1850: I - O banco depositário deve arcar com os prejuízos decorrentes do pagamento de cheques com a assinatura falsificada do sacador. II - Pode, porém, subtrair-se a tal responsabilidade se conseguir provar que agiu sem culpa (ou seja, que usou toda a diligência que um qualquer banqueiro usaria nas circunstâncias do caso concreto) e que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu decisivamente para o irregular pagamento verificado. III - A similitude entre a assinatura da ficha de assinaturas arquivada no banco e aquela que foi aposta no cheque adulterado não significa, por si só, que a falsificação se possa considerar como perfeita, ao ponto de não ser possível detetá-la e de, assim, afastar-se a culpa do sacado.

Ac. RP, de 19.3.2009, Proc. 0836601: I – Estando o banco sacado obrigado a conferir a assinatura do sacador, deverá considerar-se que o pagamento de um cheque não emitido pelo cliente sacador envolve, em princípio, a violação, por parte do banco, do dever de conferir aquela assinatura de forma a confirmar se a ordem de pagamento que consta do cheque é ou não legítima. II – O banco sacado que paga um cheque não emitido pelo respetivo cliente/sacador – cuja assinatura foi falsificada – responde pelos danos daí decorrentes, salvo se provar que atuou sem culpa, demonstrando que, apesar de ter cumprido, de forma diligente, o seu dever de conferir aquela assinatura, não estava ao seu alcance detetar a falsificação efetuada ou provando que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu decisivamente para o pagamento irregular que foi verificado.

Ac. STJ, de 8.5.2012, Proc. 96/1999.G1.S1: I - O depósito bancário pode caracterizar-se como o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respetiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante. O banco adquire a propriedade e a disponibilidade do dinheiro, e o depositante um direito de crédito sobre o banco. II - A convenção de cheque é um contrato de prestação de serviços, mais concretamente um contrato de mandato sem representação, sinalagmático, que se caracteriza por o banco aceder a que o seu cliente, titular de um direito de crédito sobre a provisão, mobilize os fundos à sua disposição, por meio da emissão de cheques, vinculando-se o banco ao respetivo pagamento (art. 3.º da LUCH). III - Da convenção e cheque deriva para os seus celebrantes uma multiplicidade de direitos e deveres, gerais e específicos, de conduta e de proteção. IV - Para o cliente, sobressai a possibilidade de emitir cheques sobre os fundos de que dispõe, sabendo que o banco os pagará, recaindo paralelamente sobre si a obrigação de verificar regularmente o estado da sua conta e de guardar cuidadosamente os cheques, pondo-os a salvo de apropriações ilegítimas e a coberto de falsificações, e de dar imediatamente notícia de uma eventual perda; traduz-se tal obrigação no cumprimento de um dever de diligência, de uma prestação de facto, que, em princípio, deve ser pontualmente satisfeita pelo próprio devedor. V - Para o banco, distingue-se como seu dever principal o dever de pagamento, e como deveres laterais o de rescindir o contrato de cheque em caso de utilização indevida, de observar a revogação do cheque, de esclarecer terceiros que reclamem informações sobre essa revogação, de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados, de não pagar em dinheiro o cheque para levar em conta, de informar o cliente/sacador sobre o destino e tratamento do cheque, especialmente sobre a pessoa do apresentador. VI - Se, por se entender estar-se perante um negócio de massas, na determinação do conteúdo deste dever, que recai sobre o banco, de fiscalização, de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados para pagamento, as exigências não podem ser exageradas, todavia o cliente não pode ser prejudicado por um abrandamento do cumprimento das obrigações do banco. VII - No caso de pagamento de cheque falsificado, o banco só se liberta da responsabilidade provando que não teve culpa e que o pagamento foi devido a comportamento culposo do depositante, sendo necessário que a culpa do depositante se sobreponha ou anule a responsabilidade do banco.

Ac. RP, de 7.12.2018, Proc. 1539/16.1T8PVZ.P1:Tendo sido falsificada a assinatura do titular da conta que permitiu transferências bancárias não autorizadas, o banco só se liberta da responsabilidade em duas situações: a) – provando que não teve culpa e que a transferência foi devida a comportamento culposo do titular da conta, sendo necessário que a culpa deste se sobreponha ou anule a responsabilidade do banco, já que lhe é exigível um grau elevado de meios técnicos de preparação para detetar falsificações; b) se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente o dever de verificação da assinatura, não poderia ter dado pela falsificação.

Ac. STJ, de 5.6.2018, Proc. 765/15.5T8LSB.L1.S1: O envio pela autora, através de correio simples, de um cheque nominativo a favor da sociedade X no valor de € 31 222,38, que, após, é falsificado, dele passando a constar como beneficiário a sociedade Y, e é por esta depositado na conta titulada junto do réu Banco A (tomador), em consequência do que vem a ser pago, na compensação, pelo réu Banco B (sacado), gera um prejuízo naquele valor pelo qual são responsáveis, na proporção de 50% para cada, a autora e os bancos réus: a autora, pelo envio do cheque em correio e em carta simples, em violação do disposto no Regulamento do Serviço Público dos Correios, aprovado pelo DL n.º 176/88, de 18-05: os Bancos, pela violação do dever de verificação do cheque, previsto nos arts. 73.º e 74.º do RGICSF, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 e Instrução do BP n.º 3/2009.

Tendo presente este quadro jurídico e o relativo à responsabilidade contratual, com os requisitos decalcados da delitual e a particularidade da presunção de culpa de que acima já se falou, é fácil verificar a impropriedade dos argumentos do Banco R. para lograr demonstrar a sua irresponsabilidade.

Em primeiro lugar, a não prova de um facto (neste caso o facto da al. f) não significa, nem nunca significou, a prova do contrário, pelo que não se demonstrando que o R. sabia da viciação dos cheques, também se não demonstra que o R. não sabia de tal viciação.

Depois, é inequívoco que, não tivesse o cheque sido falsificado e sacado sobre a conta do A., não teriam este e mulher uma diminuição do património de € 25.000, 00. O cheque foi sacado sobre conta titulada sobre o Banco R., de modo que, tivesse este procedido à verificação das assinaturas – o que admite, logo na contestação, não ter feito -, já o cheque poderia não vir a ser descontado.

Para além disso – e considerando um argumento que o R. não invocou na contestação (pois aí só afirmou não ter verificado as assinaturas e nem a tal ser obrigado de acordo com uma Instrução bancária interna que em nada vincula os clientes, como já sobejamente ficou dito, sendo por isso impróprio o que consta da conclusão XXXIV) – teríamos aquilo a que se chama (ir) relevância negativa da causa virtual ou do comportamento lícito alternativo, situação que deflui do art. 563.º CC (nexo de causalidade).

A doutrina vê nesta norma a chamada teoria da causalidade adequada. A probabilidade a que alude aquele normativo – são indemnizáveis os danos que o lesado provavelmente não teria tido se não fosse a lesão - refere-se à adequação da lesão aos danos. Mas pode bem suceder que o lesante demonstre que, mesmo que não tivesse atuado ilicitamente, sempre o dano se produziria[15].

Neste caso, a validade desta argumentação dependeria de o Banco demonstrar a perfeição das falsificações e a impossibilidade de perceção da fraude mesmo com recurso aos mais sofisticados meios de deteção, uma vez que, como já se notou jurisprudencialmente, a observação a “olho nu” é, no seio de uma instituição bancária, absolutamente inócua e insuficiente, sendo por isso inconsequente o que se expôs na conclusão XXXI e, mais ainda, na conclusão seguinte.

Nem o Banco alegou esse facto, nem o mesmo se demonstrou, nem juridicamente seria isenta de críticas a sua admissão, como explica Henrique Antunes, em comentário ao art. 563.º do CC, In Comentário ao Código Civil; Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, p. 554 e ss.

Temos, assim, apurada a responsabilidade contratual do Banco R. pelos danos não patrimoniais.

Dos danos não patrimoniais

O Banco R. pugna pela não condenação por danos morais, uma vez que a atuação principal é imputável à arguida já condenada.

Há muito que se entende ser cabível a compensação por danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Gravidade não significa aqui excecionalidade, mas simples ultrapassagem da mediania, de acordo com padrões éticos-morais, nomeadamente atendendo à vulnerabilidade da pessoa do lesado e à sua idade.

Trata-se de compensar as perturbações emocionais ou afetivas, como os desgostos, as angústias e os vexames, o que também é admissível no âmbito das relações bancárias, como assinala Menezes Cordeio, citado pela primeira instância.

Tal compensação justifica-se quando se verifique a violação de deveres de proteção e de cuidado para com o devedor (Carneiro da Frada, Direito Civil. Responsabilidade Civil, O Método do Caso, 2006, p. 92), ou quando se trata de relações contratuais duradouras que impliquem uma relação de confiança entre as partes, como sucede com os contratos bancários que se prolongam ao longo do tempo (vejam-se, por exe., os mútuos para aquisição de habitação que se cumprem durante décadas).

Na situação vertente, os danos ditos morais sofridos pelos AA. e elencados nos factos provados, como já acima adiantamos, não resultam em primeira linha da falta de diligência do Banco no não controlo das assinaturas dos três cheques. Sendo certo que os danos patrimoniais – a perda dos € 25.000, 00 – resulta, pelo menos em parte, da negligência do Banco R., no que respeita aos danos não patrimoniais, o que se deu como provado foi a repercussão da conduta de EE no estado emocional e na vida dos AA.

Os AA. tinham alegado terem confiado no Banco (art. 59.º), tendo sentido medo por não poderem acreditar na segurança bancária (art. 61.º), sentido por isso desespero, incerteza e outros transtornos (arts. 61.º a 64.º).

O que se demonstrou foi a vergonha e preocupação que sentiram por se aperceberem ter-lhes sido retirado este dinheiro por EE.

Sendo assim, não cabe compensar os AA. por danos morais decorrentes da negligência bancária.

Da culpa do lesado

Invoca o Banco o disposto no art. 570.º CC para fundamentar uma exclusão ou diminuição da obrigação de indemnizar a seu cargo.

O art. 570.º prevê uma dupla concorrência do facto culposo do lesado (conduta ativa ou omissiva) para a produção ou para o agravamento dos danos. Esta culpa do lesado é uma “culpa imprópria, não técnica”, na medida em que pode até não constituir ilícito, mas apenas “falta de cuidado ou de zelo com os seus bens”, culpa esta apreciada, não na perspetiva de “reprovação da sua conduta”, mas “na distribuição dos danos”, de acordo com um critério objetivo, obtemperado por fatores subjetivos como “a idade, a pouca instrução e a deficiência. A pergunta nuclear será saber o que faria, perante um certo factualismo, uma pessoa com as características do lesado” (José Brandão Proença, comentário ao art. 570.º do CC, Comentário cit, ps. 576. e ss.).

Quer isto dizer que a culpa do lesado não tem que decorrer simplesmente da violação de regras contratuais perante a contraparte, podendo defluir outrossim da falta de cuidado ou zelo que se lhe impõe sobre a sua pessoa e bens.

Já antes se acentuou, citando a sentença de primeira instância, que o cliente tem o direito de sacar ou dispor dos fundos por meio de cheque, bem como os correlativos deveres de verificar a conta, de conservar os cheques e de informar de quaisquer ocorrências que sejam suscetíveis de influir na execução da referida convenção, como a perda, extravio ou roubo dos seus cheques.

A este respeito, o que se demonstrou não foi uma perda, roubo ou extravio dos cheques, mas a sua utilização ilícita por parte de uma funcionária dos AA.

Nos termos do art. 800.º, n.º 1 CC, o devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se os mesmos atos fossem praticados por si próprio. A razão de ser do preceito é evitar situações de desigualdade, isto é, que o devedor se veja numa situação de favor face ao credor, por lhe ser exigida menor diligência no cumprimento pelo simples facto de ter recorrido a auxiliares.

E, tal como sucede no âmbito da comissão do art. 500.º, “é irrelevante que o auxiliar tenha atuado dolosamente ou contra as instruções do devedor” (Maria da Graça Trigo/Rodrigo Moreira, comentário ao art. 800.º CC, Comentário cit., ps. 1112 e ss.).

Todavia, “se o credor aceitou determinada (s) pessoa (s) como substituto ou auxiliar (és), consideramos haver apenas concorrência de culpa do lesado (art. 570.º, n.º 1), se algum deles tiver sido mal escolhido pelo devedor”, sendo que quanto ao grau de diligência exigível ao terceiro auxiliar, a lei não aponta critério, mas “é compatível com exigência acrescida, se o terceiro for mais preparado ou qualificado do que seria o devedor” (Ana Prata, anotação ao art. 800.º CC, Código Civil Anotado, Vil. I, 2.ª Ed., p. 800.º e ss).

Na situação dos autos, EE não era representante legal dos AA., não existindo notícia de que tenha sido outorgada qualquer procuração que lhe permitisse atuar em nome daqueles, mas era auxiliar de cumprimento, uma vez que foi admitida ao serviço do A., em 1988 (facto 10 e 11), altura em que contaria 18 anos de idade, detinha o 9.º ano de escolaridade e experiência anterior em atividades agrícolas e domésticas. Nessa época, já o A. era empresário em nome individual no ramo da cortiça (facto 1).

Dois anos após ter sido admitida a trabalhar na fábrica dos AA., era a nora destes quem tratava de todos os assuntos de escritório (facto 12), sendo ela quem se deslocava ao Banco que até lhe permitia levar consigo documentos que esta depois devolvia, supostamente assinados pelos AA. (facto13 e 14), tendo sido o A. quem a encarregou dessas tarefas (facto 15). O Banco remetia mensalmente os extratos das contas aos AA., mas era aquela EE quem os recebia. Durante, pelo menos, sete anos, os AA. não terão conferido os extratos bancários, não tendo resultado provado que a nora os tivesse adulterado, embora tivesse criado uma contabilidade paralela com que iludia os AA. sobre a realidade da sua situação financeira, assim conseguindo, durante quase uma década e com ardis vários e falsificações múltiplas (como provado em processo crime), apropriar-se de quase € 300.000, 00 dos demandantes.

O A. contaria 73 anos quando, em 2009, se apercebeu da situação, mas em 2002, quando a atuação criminosa terá começado, estaria nos seus 66 anos.

Do exposto resulta terem os AA. confiado a sua contabilidade e contas bancárias, incluindo cheques, a quem, na casa dos 20, contava apenas o 9.º ano e experiência agrícola e doméstica. Nem os laços familiares (era nora) justificam a confiança cega depositada naquela pessoa, a ponto de, pelo menos durante sete anos, não terem pedido extratos bancários ou não se terem deslocado ao Banco para saber da conta bancária que era, afinal, o core da atividade do A. (cfr. facto 5).

Veja-se que a situação laboral-profissional do A. era a de comerciante, profissão que importa o cumprimento de inúmeras obrigações, nomeadamente fiscais, com lançamentos de valores de compras e vendas, etc…

Só um completo alheamento das contas da empresa e das bancárias levado a cabo durante muitos anos justifica um desfalque na ordem de grandeza apurada em processo criminal.

Diferente seria se os AA. tivessem confiado os seus interesses monetários e contabilísticos a profissional contabilista diplomado, conceituado e respeitado, como se provou no ac. do STJ de 8.5.2012 (Proc. 96/1999.G1.S1) para afastar a culpa da lesada e, mesmo assim, aí com uma atuação ilícita do lesante durante apenas quatro anos, ao contrário do que aqui sucede.

Do exposto resulta terem os AA. incumbido a totalidade da sua vida financeira e empresarial, incluindo total disponibilidade de documentos, cheques, guarda e conservação de elementos de contabilidade, assinaturas em documentos que esta trazia e levava ao banco, a quem estava longe de reunir as qualidades necessárias para tão importante tarefa, pessoa que não detinha qualquer formação académica para o efeito, nem experiência anterior. Não foi sequer alegado pelos AA., nem demonstrado, qualquer facto que justificasse esta confiança total numa funcionária jovem e não qualificada, durante tantos anos.

Depois, não se compreende que os AA., sobretudo tendo em conta a qualidade profissional do A., apenas tivessem confiado nos documentos que lhe eram apresentados pela funcionária, sem nunca curar de se deslocar ao Banco e verificar as respetivas contas.

Assim, no confronto entre a atuação do Banco – que não conferiu as assinaturas dos cheques falsificados pela auxiliar dos AA. – e a conduta dos AA., especialmente do A., em confiar a sua contabilidade e documentos bancários e financeiros a quem, de todo, não detinha competência para o efeito (culpa in elegendo e in vigilando) e, ainda, ao não conferirem extratos nem se deslocarem ao Banco, podemos concluir terem os demandantes contribuído para o agravamento do dano, posto que, no caso destes três cheques, a sua apresentação ocorreu em três anos distintos, com intervalos de cerca de um ano, o que permitiria ao comerciante minimamente diligente a oportunidade para consultar os extratos bancários ou o próprio Banco antes da atividade criminosa da sua auxiliar prosseguir durante tantos anos.

Admite-se, contudo, ser a conduta do Banco mais gravosa, já que, além da omissão de fiscalização que se impunha à organização institucional que é a entidade bancária, ainda admitiu ao longo de anos que a funcionária dos AA. levasse consigo documentos para estes assinaram e os devolvesse depois assinados, sem exigir, como devia, a presença dos clientes, não controlando ainda a emissão de cheques e permitindo requisição pela funcionária de novo livro de cheques quando ainda existiam anteriores por preencher (factos 37 e 38).

Neste conspecto, nos termos do art. 570.º CC, a indemnização a cargo do banco é diminuída em 30 %, cabendo-lhe indemnizar os AA. em 70% do valor pedido, isto é, em € 17.500, 00.

Do regime de solidariedade

Quanto ao regime da solidariedade entre os RR. pela indemnização, a sentença recorrida considerou apropriada à situação o concurso de causa (causalidade complementar concorrente ou causalidade cumulativa necessária), invocando o art. 497.º, nº 1 CC (se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade).

Pode entender-se que n.º 1 daquele normativo e o n.º 1 do art. 512.º não exigem que haja identidade de causa ou de fonte da obrigação, nem as obrigações têm de provir do mesmo facto jurídico para que se verifique solidariedade entre devedores.

Assim, como explica Gabriela Fernandes, com abundante resenha doutrinária, no Comentário ao Código Civil, cit., p. 368, “nas hipóteses de concurso necessário de causas (causalidade complementar ou concorrente ou causalidade cumulativa necessária) – em que dois ou mais eventos concorrem para a produção de um dano, sendo essa condição essencial ou necessária (…) – e nas hipóteses de concurso cumulativo (causalidade cumulativa não necessária) – em que dois ou mais eventos concorrem para a produção de um dano mas teria bastado a ocorrência de um dos eventos para o mesmo dano se verificar -, a doutrina tem concluído pela imputação do danos aos vários agentes, aplicando o regime da solidariedade passiva que se encontra estabelecida no art. 497.º”.

A sentença referiu a este respeito:

“estes atos, dos Primeiros Réus, e a omissão da observância do dever de fiscalização da Segunda Ré, não são independentes, mas conexos, pois, pese embora a inexistência de um conluio entre os Réus, a realidade é que a conduta danosa de um não teria ocorrido sem o comportamento de outro”.

Vejamos:

Trata-se de obrigações plurais, neste caso, do lado passivo.

As obrigações plurais podem ser conjuntas, cumulativas ou parciárias, isto é, “a prestação é fixada globalmente, mas em que a cada um dos sujeitos compete apenas uma parte do débito” (ou do crédito. A. Varela, Das obrigações em geral, cit. p. 715-716).

Neste caso, as obrigações são separadas e assentam sobre vínculos distintos (ex. empreitada entregue a diferentes empreiteiros para partes distintas da obra).

Quanto ao respetivo regime, cada um dos sujeitos da conjunção tem, em princípio, o mesmo débito (ou crédito) perante o credor, ou seja, o valor global da prestação é dividido pelo número de vínculos existentes. Cada prestação é independente uma da outra. O credor pode peticionar a cada um dos devedores a sua parte e cada devedor se desobriga pagando a sua parte.

Já nas obrigações solidárias – que apenas existem quando tal resulte da lei ou do contrato (art. 513.º CC) – entende-se que existe um nexo que liga dois ou mais vínculos obrigacionais, pelo que o credor pode exigir a prestação integral a qualquer dos devedores e a prestação que um efetue libera os demais perante o credor (art. 512.º, nº 1).

Já nas relações internas, o devedor que pagou, porque deve apenas uma quota ou parte do débito comum, tem direito de regresso sobre os demais, na parte que a estes compete (art. 524.º).

A razão de ser da diferença entre os dois regimes é facilitar e acautelar o credor na exigência do crédito, podendo este exigi-lo a apenas um deles e ficando salvaguardado, por ex., da insolvência dos restantes.

No nosso ordenamento, a solidariedade é regra para a responsabilidade delitual (arts. 490.º e 497.º) e no campo comercial (art. 100.º do Cód. Comercial), sendo a disjunção para os casos de responsabilidade contratual.

Entre os diversos pressupostos da solidariedade avulta o relativo à identidade de causa ou fonte de obrigação, questionando-se se, para ser solidária, a obrigação tem de ter a mesma causa.

Em regra, é assim que sucede: as obrigações nascem do mesmo facto jurídico. Todavia, neste aspeto, os autores divergem, pois, enquanto uns exigem que a obrigação nasça da mesma causa, outros admitem que a obrigação solidária se origine em momentos sucessivos de fontes diferentes.

Exemplo de solidariedade nesta última circunstância (com causas diversas) não é desconhecido da lei. No art. 595.º, n.º 2, relativo à assunção de dívida, a fonte da obrigação do segundo devedor é o contrato de transmissão de crédito, sendo a fonte da obrigação do primeiro devedor qualquer uma (por ex., delitual) e, ainda assim, passam ambos a responder solidariamente pela dívida, podendo o credor exigir a prestação a qualquer um deles (embora, no plano interno, não exista direito de regresso, a menos que isso haja sido estipulado expressamente no contrato de transmissão da dívida).

A. Varela, cit. p. 730, afirma “nada há na lei nem na lógica dos bons princípios que exclua a possibilidade de a solidariedade (perfeita) vigorar entre pessoas que se obriguem em momentos sucessivos, através de causas distintas”.

Também o elemento literal da lei aponta nesse sentido, pois o n.º 2 do art. 512.º dispõe claramente “A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles”, motivo por que Ana Afonso (Comentário cit, Direto das Obrigações cit, p. 432) sublinha: “Resulta portanto do n.º 2 que não é essencial, para que exista solidariedade, que todas as obrigações tenham o mesmo conteúdo obrigacional” (…). Também não é indispensável a identidade causal, como se depreende do art. 507.º, n.º 1. A obrigação pode nascer em momentos sucessivas e com fonte diversa. Assim, por exemplo, quando há uma pluralidade de responsáveis civis em que um responde extracontratualmente pelo risco e outro com base na culpa e outro ainda por violação de um dever de fonte contratual”.

Para tornar mais certas as situações de solidariedade em causa de concurso de causas, alude-se á necessidade de comunhão de fins para que o credor possa exigir o seu crédito a diversos obrigados, como sucede no caso do lesado que vê o seu bem destruído por um terceiro que causa um incêndio e que pode dele exigir indemnização, tal como da seguradora onde tinha segurado tal bem; ou do dono da coisa que a deu em comodato e que é furtada por terceiro porque o comodatário não a guardou como devia.

Nestes casos, o ladrão e o comodatário respondem paralelamente pelo mesmo dano ou são devedores solidários?

A resposta estaria no que pudesse entender-se por comunhão de finis e, por isso, existira solidariedade quando ocorresse colaboração dos devedores ao serviço do mesmo interesse do credor; se, ao invés, se verificasse uma simples coincidência de fins das prestações, faltaria a solidariedade, situação em que, no entanto, “alguns preceitos das obrigações solidárias possam ser aplicados, por analogia” (A. Varela, cit, p. 733).

Este modo de ver não é afastado sequer pela doutrina mais recente, como pode ver-se, por exemplo em António Barroso Rodrigues, O Concurso de Responsabilidade Civil, Ensaio sobre o concurso das modalidades delitual e obrigacional de responsabilidade civil, 2023[16], onde alude (p. 356) à policausalidade em termos de nexo fundamentador como conduzindo à regra da solidariedade, na responsabilidade delitual, como já acima dissemos; à parciaridade, na responsabilidade obrigacional, como também referimos; referindo-se a uma obrigação de indemnizar com pretensões disjuntas, no caso de concurso de responsabilidades, mas aqui “com particularidades a explorar”.

Essas particularidades, que correspondem ao acima referido quanto a “comunhão de fins”, estão tratadas nas ps. 548 e ss., explicando aí o autor existir uma lacuna do sistema quanto ao regime a adotar (p.559), lacuna cuja integração deverá ocorrer considerando os aspetos do regime com o qual a situação apresente maior familiaridade, ou seja, o da solidariedade no plano interno, designadamente no exercício do direito de regresso (p. 560).

Assim, se no plano externo – nas relações com o credor – considera serem parciárias as obrigações do responsável delitual e do responsável contratual, no plano interno, deveria aplicar-se o modelo de regresso (p. 561) próprio da solidariedade, reconhecendo não existir critério para estabelecer a medida do reembolso entre os corresponsáveis, mas admitindo que seja feito tendo em conta o grau de culpa de cada um deles, “suspeitando” até “que um tal critério nunca se poderia traduzir numa simples fórmula” (p. 569), numa velada remissão para a equidade.

Seja qual a solução que se adote, o regime a aplicar entre os deveres, no caso entre os 1.ºs e 2.º R. – seria sempre a da solidariedade, existindo entre eles direito de regresso, uma vez satisfeita a prestação do autor para além da responsabilidade cada um dos devedores plurais.

Nenhuma das partes recorre da decisão de primeira instância quanto ao regime de solidariedade entre os co-RR., pelo menos nas relações internas.

Porém, o Banco argumenta dever salvaguardar-se a diferença entre as culpas dos responsáveis.

O direito de regresso - e respetiva quota parte de responsabilidade entre os devedores solidários – é um direito novo, próprio do condevedor que satisfaz o credor para além daquilo que entende dever competir-lhe.

Esse tema não é objeto da ação, nem os co-RR. tiveram oportunidade de se defender do assim pretendido. Será, por isso, objeto de futura ação de regresso.

Pelo exposto, que os recursos dos RR. seriam parcialmente procedentes e, assim, revogando parcialmente a sentença, condenaria os 1.ºs RR. (AA e DD) a indemnizarem os AA. na quantia de € 25.000,00, com juros legais desde a citação e até integral pagamento, e condenaria o 2.º R. (Banco 1...) a indemnizar os AA. na quantia de € 17.500,00, com juros de mora legais, desde a citação e até integral pagamento, sendo que as responsabilidades dos 1.ºs RR. e 2.º R seria solidária, pelo menos nas relações internas entre os devedores, até à quantia de € 17.500,00, existindo direito de regresso nas relações internas entre os RR. em eventual ação de regresso]
__________________
[1] Trata-se de lapso, pois o cheque é de 04.10.2007, como se vê de fls. 152 e do relatório pericial junto a 3.10.2022.
[2] Cfr. Ac. STJ de 28/09/2023, nº de processo 16093/18.1T8LSB.L1.S1 IN www.dgsi.pt
[3] Cfr. ainda Ac. STJ de 05/06/2018, nº de processo 765/15.5T8LSB.L1.S1; Ac. TRP de 22/01/2008 , nº de processo 0727079; sobre os ónus probatórios da instituição bancária, in www.dgsi.pt
[4] Cujo conceito tem vindo a ser discutido na doutrina, como de tal dá nota Júlio Gomes na anotação ao artigo 473º do CC – “Comentário ao Código Civil, UC, “Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, 250 e segs..
[5] Vide António Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, vol. VIII, edição Almedina de 2020, p. 250, defendendo uma interpretação restritiva do requisito da subsidiariedade, exemplificando situações em que este não opera.
[6] Nota 1 do voto - No AUJ de 19.2.1992, considerou-se existir concurso real ou efetivo entre a falsificação e a burla.
[7] Nota 2 do voto - Ac. STJ, de 22.5.2018, Proc. 2565/16.6T8PTM.E1.S2. No mesmo sentido, ac. STJ, de 21.11.2019, Proc.11701/15.9T8LSR-A.L1.S1.
[8] Nota 3 do voto - Disponível em Lacao_2018.pdf (unl.pt)
[9] Nota 4 do voto - Com o sumário seguinte: I –(…) uma vez iniciado o procedimento criminal com a notícia do crime (de ofensa à integridade física por negligência previsto no art. 148.º, n.º 1, do CP), o prazo de prescrição de 5 anos (aplicável por força das disposições conjugadas dos arts. 498.º, n.º 3, do CC, e 118.º, n.º 1, al. c), do CP) apenas começou a correr, nos termos do art. 306.º, n.º 1, do CC, com o desfecho do inquérito, portanto, com a dedução da acusação contra o arguido em tais autos, momento a partir do qual o direito pôde ser exercido na ação civil. II - Com efeito, curando da responsabilidade civil conexa com a criminal, o art. 71.º do CPP consagra o princípio da adesão da ação civil à ação penal que, mais do que uma mera interdependência das ações, arrasta o pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal. III - Não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, plasmadas no art. 72.º do CPP, assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à ação cível em separado.
[10] Nota 5 do voto - Não se provam “juízos”, que cabem ao tribunal: apenas se invocam e demonstram os factos de que dependerá o juízo de culpa. Este é uma questão-de-direito”, anotação ao art. 487.º, Código Civil Comentado, II - Das Obrigações em Geral, Coord. de António Menezes Cordeiro, p. 426.
[11] Nota 6 do voto - A culpa é grave ou grosseira “quando o lesante violou as regras mais elementares de prudência, deixando de tomar precauções que, nas mesmas circunstâncias, se impunham a qualquer pessoa razoável”. A negligência leve ou ligeira define-se pela negativa; o comportamento do lesante, não sendo desculpável, não é particularmente reprovável” (Rui Alarcão, Direito das obrigações, Coimbra : [s.n. ], 1983.- 334 p. Texto elaborado por Sousa Ribeiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, com base nas lições do Prof. Doutor Rui de Alarcão ao 3º ano jurídico, pp.252-253.
[12] Nota 7 do voto - Do mesmo modo Ana Prata, Responsabilidade delitual nos códigos civis português de 1966 e brasileiro de 2002, in Estudo em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, 2013, p. 128: “Parece-me claro que o artigo 494.º tem como pressupostos de aplicabilidade um juízo sobre o grau de culpabilidade do agente, admitindo, quando ele não seja grave, isto é, quando haja mera culpa, que a indemnização seja reduzida em termos equitativos, face ao volume dos danos”.
[13] Nota 8 do voto - “Constituindo o Direito uma objectivização da Justiça (enquanto hábito moral, do suum cuique tribuere), a equidade assinala a amplificação e a perfeição a que o Direito tende, em ordem à Justiça. Corresponde pois a uma pulsão do Direito, harmónica com a sabedoria (e a inerente ética da virtude). Sem deixar de satisfazer as exigências da razão — ou talvez precisamente por causa dela —, abre-se também ao “transracional”, entrelaça-se com o conhecimento e a sensibilidade que advêm — volte-se à expressão — “do coração Carneira da Frada, cit., ps. 126).
[14] Nota 9 do voto - Cfr. Ana Prata, Responsabilidade delitual…¸p. 133, sublinha que o tribunal só pode agravar a situação do lesado e beneficiar a do lesante “se tal lhe for pedido”.
[15] Nota 10 do voto - A situação é bem explicada por Dina Freitas Teixeira, in A relevância negativa do comportamento licito alternativo na responsabilidade civil delitual – recorte do âmbito normativo dos artigos 491.º, 492.º e 493.º/1 do Código Civil, RDC VI (2021), 1, 205-230, onde diz: “denota-se que as condutas proibidas ou impostas pelos preceitos foram previamente selecionadas devido a sua idoneidade abstrata de causarem perigo ou, no caso de impostas, protegerem os bens jurídicos defendidos.
Na realidade, e este o sustento material que fundamenta a limitação a liberdade de agir através da imposição de comportamentos devidos ou a proibição de determinadas condutas, mobilizadas pelo intuito de prevenir perigos específicos. Esta base teleológica sustenta a presunção de causalidade estabelecida pela violação do respetivo dever, no sentido de determinar que a violação da disposição legal de proteção foi causa necessária do resultado danoso.
A demonstração da falta de relevância da norma violada, ou seja, do comportamento desconforme para prevenção do dano desfaz a intencionalidade predicativa da respetiva norma, uma vez que se verifica que o dano se teria produzido sensivelmente do mesmo modo e nas mesmas condições, ainda que cumprido o respetivo dever, ou seja, ainda que fosse adotado o devido e imposto comportamento licito alternativo. Por conseguinte, verifica-se a irrelevância do comportamento violador por parte do agente, dado que um comportamento conforme não teria evitado o resultado, pelo que se extingue o nexo causal e manifestada a insignificância material da norma impositiva no caso concreto.
(…)
O lesante poderá atacar tal presunção de causalidade, através da demonstração da irrelevância da sua conduta na produção do resultado, o que será o mesmo da irrelevância da sua conduta na produção do resultado, o que cera___2 o mesmo que demonstrar que a sua conduta não foi a verdadeira causa do dano. Trata-se de revelar que a adoção do comportamento conforme ao que a norma de conduta postulava não iria evitar o dano, destruindo assim o nexo fundamentador da responsabilidade. As normas preceituadas pelos artigos 491.º, 492.º/1 e 493.º/1 predicam a
exoneração do lesante, infrator do dever de vigilância (491.º e 493.º/1) ou do dever de diligencia de construção ou conservação (492.º/1), através da demonstração de que os danos observados, ter-se-iam produzido ainda que se adotasse um comportamento conforme aos seus deveres.
(…)
O agente que invoca a relevância negativa da causa virtual não só se assume como infrator da norma imposta, bem como reafirma o nexo de causalidade do seu comportamento ao respetivo dano, confirmando que a sua conduta violadora foi a verdadeira causa do evento lesivo. Com efeito, no domínio da causa virtual o nexo causal entre o comportamento ilícito e o resultado proibido apresenta-se intacto. Na realidade, na causa virtual o agente não afirma que o seu comportamento não foi causa do dano, mas ao contrario, invoca como fundamento de exoneração da sua responsabilidade a quebra da imputação objetiva, pelo facto de existir uma causa hipotética cujo decurso iria implicar o mesmo resultado, o que o leva a sustentar uma inevitabilidade do dano.
Em anotação ao art. 563.º, do Código Civil Comentado - II - Das Obrigações em Geral, coord. de Menezes Cordeiro, 2021, ps. 575, 576, também esclarece: Relevância negativa: o Código, sem se pronunciar globalmente sobre a questão, indicia, por vezes, a posição favorável à relevância negativa. Assim: (i) as pessoas obrigadas a vigiar outras que causem danos podem eximir-se à responsabilidade se provarem que os danos se teriam verificado ainda que a obrigação tivesse sido cumprida (491.º); (ii) o responsável por danos causados por edifício pode evitar a responsabilidade provando que os mesmos se teriam verificado ainda que ele tivesse usado da diligência devida (492.º/1); (iii) o responsável por danos causados por animais ou coisas à sua guarda pode liberar-se de responsabilidade provando que os danos se teriam igualmente verificado, ainda que não houvesse culpa sua (493.º/1); (iv) o devedor que esteja em mora – isto é, que não tenha cumprido, no prazo devido, a obrigação – pode eximir-se a suportar os prejuízos causados ao credor provando que este teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo (807.º/2). Os casos em que, por expressa injunção legal, existe relevância negativa de imputação virtual são exceções ou traduzem o aflorar duma regra geral? Pereira Coelho, depois de um estudo profundo de diversas questões, aponta, no Código de Seabra, as disposições que – tal como no atual – admitiam a relevância negativa da imputação virtual. Procurando indagar da sua excecionalidade, esse autor considera que as mesmas não são excecionais enquanto sedimentem a teoria da diferença no cálculo da indemnização; pelo contrário, são excecionais na medida em que mandem atender, na determinação do dano, a circunstâncias posteriores à sua real verificação.
A regra seria a da irrelevância, embora o autor aceite a aplicação analógica dos casos consubstanciados na lei como de relevância, a outras hipóteses. Pessoa Jorge, pelo contrário, pronuncia-se pela relevância da imputação virtual. Este autor faz, fundamentalmente, apelo à teoria da diferença: se, estabelecida a diferença entre a situação real de um património e a sua situação hipotética sem o dano, verificar que, mercê da intromissão doutro evento, não há qualquer diferença, não haveria responsabilidade. Antunes Varela, por seu turno, defende a irrelevância negativa da causa virtual, salvo a hipótese de disposição legal excecional em contrário. Apenas admite que a eventualidade virtual seja tomada em conta, por exemplo, no cálculo do lucro cessante.
(Solução preconizada. Da lei, não se extrai, diretamente, qualquer conclusão. As previsões limitadas de relevância negativa tanto podem conduzir ao aflorar de uma regra geral como à consagração de simples exceções, insuscetíveis de extensão. Mas encontramos arrimo nos princípios gerais da imputação do dano. No séc. XIX e nos princípios do século XX, o tema foi considerado como uma questão de causalidade natural; só mais tarde se apurou a presença de uma realidade axiológica.
A imputação delitual deriva da cominação, ao autor de um delito, do dever de indemnizar o dano provocado. Para tanto, basta que o dano seja prefigurado como fim, pelo agente, e que advenha da utilização, pelo mesmo agente, dos meios postos ao serviço desse fim. Sobre o todo recai, depois, a previsão da ilicitude, com a culpa. Não vemos como este esquema possa ser perturbado pelo concurso virtual; todo o processo delitual se mantém incólume ainda quando se estabeleça que, na sua ausência, teria operado outra imputação de dano idêntico. Na imputação objetiva verifica-se, com as adaptações necessárias, outro tanto. Um dano é, aí, imputado a uma pessoa, independentemente da prática de qualquer delito, segundo previsões singulares que cobrem a totalidade da imputação em si. Sendo o concurso de imputações, Relevância negativa: o Código, sem se pronunciar globalmente sobre a questão, indicia, por vezes, a posição favorável à relevância negativa. Assim: (i) as pessoas obrigadas a vigiar outras que causem danos podem eximir-se
à responsabilidade se provarem que os danos se teriam verificado ainda que a obrigação tivesse sido cumprida (491.º); (ii) o responsável por danos causados por edifício pode evitar a responsabilidade provando que os mesmos se teriam verificado ainda que ele tivesse usado da diligência devida (492.º/1); (iii) o responsável por danos causados por animais ou coisas à sua guarda pode liberar-se de responsabilidade provando que os danos se teriam igualmente verificado, ainda que não houvesse culpa sua (493.º/1); (iv) o devedor que esteja em mora – isto é, que não tenha cumprido, no prazo devido, a obrigação – pode eximir-se a suportar os prejuízos causados ao credor provando que este teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo (807.º/2). Os casos em que, por expressa injunção legal, existe relevância negativa de imputação virtual são exceções ou traduzem o aflorar duma regra geral? Pereira Coelho, depois de um estudo profundo de diversas questões, aponta, no Código de Seabra, as disposições que – tal como no atual – admitiam a relevância negativa da imputação virtual.
Procurando indagar da sua excecionalidade, esse autor considera que as mesmas não são excecionais enquanto sedimentem a teoria da diferença no cálculo da indemnização; pelo contrário, são excecionais na medida em que mandem atender, na determinação do dano, a circunstâncias posteriores à sua real verificação. A regra seria a da irrelevância, embora o autor aceite a aplicação analógica dos casos consubstanciados na lei como de relevância, a outras hipóteses. Pessoa Jorge, pelo contrário, pronuncia-se pela relevância da imputação virtual. Este autor faz, fundamentalmente, apelo à teoria da diferença: se, estabelecida a diferença entre a situação real de um património e a sua situação hipotética sem o dano, verificar que, mercê da intromissão doutro evento, não há qualquer diferença, não haveria responsabilidade. Antunes Varela, por seu turno, defende a irrelevância negativa da causa virtual, salvo a hipótese de disposição legal excecional em contrário. Apenas admite que a eventualidade virtual seja tomada em conta, por exemplo, no cálculo do lucro cessante.
[16] Nota 11 do voto - Obra que não tem em vista consolidar o entendimento sobre qual a solução em termos de concurso de causas de responsabilidade, nas relações entre credor e lesantes, mas sim um outro que é o do concurso de títulos de aquisição e admissão do cúmulo, ou seja, da escolha pelo credor, da demanda do responsável contratual e(ou extracontratual (ex., em caso de responsabilidade médica, a demanda do médico pela lesão física e violação do direito absoluto à integridade física e da clínica, pela violação do contrato de prestação de serviços). A obra é, aliás, objeto de crítica por parte de Ana Isabel Afonso, in O concurso de responsabilidade civil – Ensaio sobre o concurso das modalidades delitual e obrigacional de responsabilidade civil, por António Barroso Rodrigues, Na Católica Law Review, Vol. VII, n.º 2, Maio 2023, 121-127, artigo no qual esta Professora chama a atenção para a proposta no quadro de harmonização do Direito Privado da União Europeia, onde a regra, em caso de pluralidade de obrigados, é exatamente a da solidariedade.