AFERIÇÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário

I – A competência material do tribunal, sendo um pressuposto processual, afere-se pelo pedido e respectivos fundamentos, nos termos em que é configurado pelo autor.
II – Ainda que a Ré seja uma pessoa colectiva de direito publico, invocando a Autora uma relação de trabalho regulada pelo Código do Trabalho e não pela Lei Geral do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, é competente para conhecer da respectiva acção o Tribunal Judicial de competência especializada (Juízo do Trabalho) e não o Tribunal Administrativo.

Texto Integral

Proc. nº 3050/23.5T8AVR-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2


Recorrente: UNIVERSIDADE ...
Recorrido: AA






Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto



I - RELATÓRIO
O presente recurso em separado vem interposto de decisão proferida nos autos principais, acção declarativa de condenação, sob a forma de Processo Comum, Proc. nº 3050/23.5T8AVR, intentada pela A., AA, contribuinte fiscal n.º ...65, residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., contra UNIVERSIDADE ..., pessoa coletiva n.º ...08, com sede no ..., ... Aveiro, requerendo que deve ser julgada procedente por provada e, em consequência:
“a) Ser a R. condenada a fixar a retribuição base da A. em €1.543,88 sem prejuízo da progressão salarial que possa vir a ter;
b) Ser a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição base mensal que pagou à A. entre junho de 2008 e maio de 2023 e a que lhe devia ter pago, diferencial esse que se quantifica em €30.995,34;
c) Ser a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição base mensal que vier a pagar a A. e aquela que deveria pagar, até ao momento em que fixar a retribuição base desta em €1.543,88;
d) Ser a R. condenada a pagar à A. o montante global de €5.295,61, a título de subsídio de férias e natal referente aos anos 2008, 2009 a 2018, 2019, 2020 a 2021 e 2022;
e) Tudo isto, acrescido dos respetivos juros legais.”.
Alega, em síntese, que a R. é uma fundação pública com regime de direito privado, instituída pelo Decreto-lei 97/2009, de 27 de abril, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 5, daquele diploma, se rege pelo direito privado, nomeadamente, no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal, podendo, por isso, admitir pessoal em regime de direito privado. E que, no dia 12 de junho de 2008, A. e R. celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, no qual foi atribuída à A. a categoria de Técnica Superior, Grau 1, porém, a partir de janeiro de 2009, a situação jurídico-funcional da A. passou a ser de contrato de trabalho em funções públicas, na categoria de Técnica Superior, com a posição remuneratória, entre a 1ª e a 2ª, e com o nível remuneratório entre 11 e 15.
Mais, alega que, ao caso sub judice será de aplicar o regime constante da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, mormente o artigo 38.º, n.º 7, de onde resulta expressamente para um lugar da carreira de Técnico Superior, quando são exigidas habilitações ao nível de licenciatura, a retribuição a oferecer deve ser, pelo menos, a correspondente ao nível da 2ª posição remuneratória da Carreira de Técnico Superior, como acontece com os trabalhadores contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas, pois, se assim não fosse, estaríamos perante uma verdadeira violação dos princípios da imparcialidade, da justiça, da igualdade e a uma atenta transgressão à prossecução de interesse público.
Por fim, alega que, em janeiro de 2019, por avaliação, a A. alterou a sua posição remuneratória, pois, passou para a 2.ª posição remuneratória, no entanto, porque se encontrava já na 2.ª posição remuneratória, a A. deveria ter subido para a 3.ª posição remuneratória, correspondente ao nível retributivo 19, logo, e, consequentemente, auferir a quantia de €1.407,45 e alega que, deve ainda a R. ser condenada a pagar-lhe a diferença entre a retribuição base mensal que lhe pagou entre o ano 2009 até à presente data.

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Frustrada a conciliação, conforme decorre da acta datada de 26.09.2023, na audiência de partes, foi a ré notificada para contestar, o que veio a fazer, nos termos que constam dos autos, por excepção e impugnação.
Fundamentou-o, em síntese, alegando que a partir do dia 1 de janeiro de 2009 o contrato individual de trabalho celebrado pela Autora e a Ré transitou para uma relação jurídica de emprego público nos termos impostos pela Lei 12.º-A/2008 de 27 de fevereiro, tendo nessa sequência, a Autora transitado, a partir de 1 de janeiro de 2009, para uma relação jurídica de emprego público e a relação contratual passado a ser regulada exclusivamente pelas normas jurídicas aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas.
Mais, alega que, com clareza do pedido e da causa de pedir, se extrai que a relação contratual em que a Autora estriba a sua pretensão advém de uma relação laboral subsumível a um vínculo de emprego público, sendo a própria Autora que o reconhece no artigo 4.º da sua PI quando assume que «a partir de 2009, a situação jurídico-funcional da A. passou a ser de contrato de trabalho em funções públicas», pelo que não sobram dúvidas de que a presente jurisdição não é competente para decidir o presente litígio.
Conclui que, “devem ser julgadas procedentes as exceções invocadas (de incompetência do tribunal, de prejudicialidade das questões, de inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos e de abuso de direito);
Ou, quando assim se não entenda,
Deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada.”.
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Notificada a A. veio responder, com os fundamentos que constam do articulado junto, em 16.10.2023.
Termina com o pedido, de que, “por infundadas, de facto e de direito, devem as exceções invocadas pela R. serem julgadas totalmente improcedentes por não provadas, porém, verificando-se que estão preenchidos os requisitos para a condenação da R. como litigante de má-fé, deverá a R. ser condenado em quantia não inferior a €5.000,00.”.
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Nos termos que constam do despacho, de 13.11.2023, após se considerar a desnecessidade de audiência prévia, fixou-se o valor da causa em €36.290,95 e apreciada “Da exceção da incompetência material do Tribunal”, decidiu a Mª Juíza “a quo” que, “improcede a invocação exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, que se declara competente ratio material para julgar os presentes autos.”.
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Inconformada a Ré interpôs recurso, nos termos das alegações juntas que, terminou com as seguintes: “CONCLUSÕES:
A. O presente recurso é interposto do despacho saneador que decidiu a exceção de incompetência material suscitada pela Recorrente na sua contestação, mostrando-se legalmente admissível por via da presente apelação autónoma, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 644.º/2/b) do CPC.
B. Compulsada a douta petição inicial, constata-se que a Autora vem a juízo e invoca inequivocamente no artigo 4.º da petição inicial a existência de um vínculo de emprego público.
C. Por assim ser, a causa petendi da Autora não está, pois e ao contrário do que conclui o Tribunal a quo, assente num contrato sujeito ao Código do Trabalho.
D. A causa de pedir da Autora é, sim e confessadamente, um vínculo de emprego público.
E. Assim e porque a Autora assim estriba a sua causa de pedir, deve concluir-se que o despacho recorrido violou a regra constante do artigo 4.º, n.º 4, alínea b) do ETAF e segundo a qual se deve concluir que quando o litígio se centre na aplicação de disposições reguladoras do emprego público, por razões materiais, deve considerar-se competente a jurisdição administrativa.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso de apelação ser admitido, julgado procedente e, em consequência, determinar-se a incompetência material do Tribunal para a decisão da presente ação.”.
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A A. respondeu, nos termos que constam das contra-alegações juntas, em 03.01.2024, que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
1. A Recorrente apresentou recurso do douto despacho saneador proferido em 13 de novembro de 2023 nos autos à margem referenciados, que julgou improcedente a suscitada exceção de incompetência material do Tribunal, entendendo que a competência para a decisão da causa deve pertencer à jurisdição administrativa.
2. Contudo aquela decisão não padece de qualquer erro na apreciação da matéria de facto ou na aplicação da matéria de direito que impusesse uma solução diversa à decidida na aludida sentença, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de confirmação.
3. Com relevo para a decisão, importa ter em conta os termos exatos em que a A., aqui Recorrida, definiu o pedido dirigido ao Tribunal e a sua causa da pedir, pois a competência do Tribunal determina-se pelos termos em que o Autor formula o pedido, o “quid disputatum”, e apresenta a correspondente causa de pedir-
4. Posição esta que se encontra uniformemente observada pelo Tribunal dos Conflitos, devendo considerar-se que a competência se determina tendo em conta os “termos da ação, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes”.
5. O que está em discussão nos presentes autos é sem margem para dúvidas um contrato celebrado ao abrigo do direito privado.
6. A Recorrida nunca possuiu um vínculo de laboral de natureza pública, pois, somente contratou com Universidade Recorrente sob a alçada da gestão privada.
7. A Recorrida fundamentou o seu pedido nos contratos celebrados e no princípio de igualdade de tratamento quanto ao nível retributivo com consequências no posicionamento remuneratório, jamais sendo colocado em causa os procedimentos que culminaram na celebração daqueles contratos.
8. A Recorrente faz referência a uma panóplia de acórdãos que não podem sustentar o recurso que apresenta uma vez que apenas referem à formação de vínculos contratuais em geral, não havendo nenhum que se reporte a um enquadramento semelhante àquele que se encontra em discussão, nomeadamente, com referência a uma causa de pedir e pedido baseados numa relação laboral, o que, conforme demonstraremos tem extrema relevância para a determinação da competência do Tribunal.
9. Parte da jurisprudência indicada, concretamente os Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 19.04.2022 e de 11.01.2017, na medida em que se referem à validade de atos pré-contratuais, não tem aplicação no caso concreto conforme já foi doutamente referido pelo Tribunal a quo no despacho recorrido - “os atos e procedimentos concursais prévios à celebração dos contratos de trabalho não foram postos em causa pela A., nem tinham de que ser, importante sim os contratos de trabalho que no seu culminar foram celebrados” (sublinhado nosso).
10. Tendo o recurso o seu fundamento de direito essencialmente na interpretação jurisprudencial que apresenta, mas que se distancia do objeto em litígio nos presentes autos, logo se antevê que o mesmo estará votado ao fracasso.
11. As alegações de recurso apresentadas assentam, além do mais, na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º, do ETAF, contudo, salvo o devido e merecido respeito, fá-lo apenas numa interpretação parcial que não corresponde à correta aplicação da lei.
12. De acordo com a Proposta de Lei que deu origem ao atual ETAF “No plano da delicada e complexa matéria da delimitação do âmbito da jurisdição, partiu-se, como não podia deixar de ser, do quadro constitucional vigente e das imposições que dele decorrem, vinculando o legislador ordinário (…) Neste quadro se inscreve a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”. Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum. A existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado.”.
13. Este entendimento tem acolhimento na Jurisprudência do Tribunal Constitucional – v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 508/94, in DR de 94.12.13, n.º 372/94, in DR II Série, n.º 204, de 3 de Setembro de 1994, n.º 347/97, in DR II Série, n.º 170, de 25 de Julho de 1997 e n.º 284/2003, de 29 de Maio de 2003 – bem como na Jurisprudência do Tribunal de Conflitos.
14. Perante o enquadramento atrás referido, encontramo-nos obrigados a recorrer às regras de interpretação e aplicação da lei por forma a compreender o sentido e alcance das referidas disposições sobre competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais
15. Conforme ensina BATISTA MACHADO, “A disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento.” (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª Reimpressão, Almedina, p. 173).
16. “Para desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete deve socorrer-se de diversos fatores hermenêuticos: o elemento gramatical, o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático, o elemento histórico. O texto é o ponto de partida da interpretação. Cabe-lhe desde logo a função negativa de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva. Se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (sem prejuízo de se poder concluir com base noutras normas que a redação do texto atraiçoou o pensamento do legislador. Quando as normas comportam mais de um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a um dos sentidos possíveis, devendo o intérprete optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas no suposto de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento. (…)” -Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2006, Proc. n.º 0640101.
17. Da análise do referido preceito extrai-se que os n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º concretizam as questões que devem ser julgadas pelos Tribunais Administrativos e Fiscais, os n.ºs 2 e 3 encerram exceções à competência destes Tribunais.
18. Assim, mesmo que a alínea e), do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF, inclua na jurisdição administrativa a “interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”, a verdade é que a alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo exclui expressamente a “apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público” (sublinhado nosso).
19. Tendo em conta a clara e evidente letra da lei, a qual não deixa margem para dúvidas, a única interpretação que se poderá extrair é que não cabe aos Tribunais Administrativos e Fiscais dirimir litígios decorrentes de contratos de trabalho.
20. Salvo o devido respeito, a Recorrente erra na interpretação da lei, ao relevar a natureza do procedimento em discussão, pois tal facto em nada concorre para a determinação da competência do Tribunal sob recurso, na medida em que estamos no âmbito do n.º 3 que exclui os litígios referentes a contratos individuais de trabalho da jurisdição administrativa.
21. Dúvidas inexistem que o litígio sob julgamento apenas poderá ter cabimento na alínea b) 1.ª parte do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF a qual se refere a litígios decorrentes de contratos de trabalho.
22. A Recorrente é uma fundação pública que se rege pelo direito privado, nomeadamente, no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal, podendo, por isso, admitir pessoal em regime de direito privado.
23. No âmbito dessas competências, foram celebrados contratos de trabalho entre A. e R., caracterizando-se a relação laboral entre aquelas desde 12 de junho de 2008, com natureza indiscutivelmente privada, porquanto o que está em causa nos presentes autos é um litígio decorrente de um contrato de trabalho em regime do direito privado e não uma relação jurídica administrativa, nem tampouco um contrato individual de trabalho da Administração Pública.
24. O que se pretende é que a R., na qualidade de empregadora, cumpra o disposto no seu Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato de Trabalho, bem como no Código do Trabalho, dúvidas não existem de que não é a jurisdição administrativa competente para apreciar e decidir todos os pedidos formulados pela A., na medida em que, os referidos vínculos laborais, ao contrário do que a Recorrente refere, não foram constituídos através de um procedimento de natureza pública ou regido por normas de direito público.
25. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo “Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”.
26. Para MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, aquele preceito deve ser entendido como uma “sucessão concatenada e ordenada de atos e formalidades (de facto e de operações), estrutural e funcionalmente distintos uns dos outros, tendendo à produção de um determinado resultado ou modificações jurídico-administrativas, consubstanciada numa “decisão final”, num ato, regulamento ou contrato administrativo” - Código do Procedimento Administrativo", 2.ª edição, atualizada, revista e aumentada, Almedina, 1997, pág. 44 (sublinhado nosso).
27. No âmbito do procedimento de formação dos contratos de trabalho aqui em apreço, seguindo o Regulamento n.º 449/2009 de 17 de novembro, a Recorrente não se encontrava a atuar no âmbito da sua veste pública, ou seja, com ius imperium, consubstanciando o ato de contratação e formação do contrato, irrefutavelmente, um ato de gestão privada ao abrigo do exercício de poderes privados.
28. O procedimento administrativo caracteriza-se pela a celebração de um ato, regulamento ou contrato de direito público, o que, conforme já demonstramos documentalmente e por confissão, não sucede no presente caso!
29. Nestes termos, deve improceder absolutamente a posição da Recorrente quanto à natureza do procedimento de formação dos contratos de trabalho, subsumindo o presente caso à alínea e), n.º 1 do artigo 4.º do ETAF.
30. A alegação da Recorrente viola manifestamente as regras de interpretação as normas jurídicas, às quais já nos referimos, ignorando o elemento mais importante – a letra da lei –, pelo que deve também improceder o seu fundamento na 2.ª parte da alínea b), n.º 4 do artigo 4.º do ETAF!
31. Excluída a competência dos Tribunal Administrativos e Fiscais, resta delimitar o juízo competente para dirimir o litígio sob recurso.
32. De acordo com o artigo 60.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 49.º, n.º 2 do CPT, “A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código”.
33. São os juízos do trabalho conhecer as questões sob discussão uma vez que, compete àqueles juízos em matéria cível, as questões emergentes de relações de trabalho subordinado (artigo 126.º, n.º 1, alínea b) da LOSJ).
34. Face ao exposto, a competência para apreciar de todas as questões submetidas ao Tribunal pela A., ora, Recorrida, devem ser julgadas pelos Tribunais Judiciais, concernente os Juízos de Trabalho em que processo corre termos, pelo que deve ser julgado totalmente improcedente o recurso apresentado, mantendo-se a decisão recorrida inalterada, por corresponder à correta aplicação do direito.
35. A sentença recorrida não violou qualquer das normas indicadas pela Recorrente, tendo o Tribunal interpretado e aplicado devidamente as regras de competência atribuída aos Tribunais Administrativos e Fiscais, concretamente, o artigo 4.º do ETAF.
TERMOS EM QUE, e nos demais que V. Exas. se dignarão suprir, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, ser confirmado o douto despacho saneador recorrido. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
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No despacho proferido em 08.01.2024, a Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, em separado, com efeito meramente devolutivo e determinou a subida dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido, no essencial, dizendo que: “4. Está em causa neste caso a determinação da competência material para conhecer desta acção.
4.1. Determina a Constituição da República Portuguesa – CRP - no n.º 1 do seu artigo 211.º, que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Nos termos do artigo 64.º do Código de Processo Civil, “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
E dispõe, ainda, o art.º 65º do CPC, que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada”.
Por outro lado, de acordo com o artigo 4.º, n.º 4, da Lei n.º 13/2002, de 19/02, que aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF -, no que a este caso interessa, está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, “a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público” - cfr al. b).
Quanto à posição dominante no que toca à aferição da competência dos tribunais, como se lê no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 8/03/17 “É corrente, na doutrina e na jurisprudência, designadamente no Tribunal dos Conflitos, a afirmação de que a competência dos tribunais se estabelece em função dos termos em que a acção é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes).
A competência do tribunal é ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão”.
De acordo com o disposto no artigo 126º da Lei 62/2013, de 26/8, compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, além de outras:
(…)
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho;
s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas”.
4.2. Enuncia-se assim, nas normas supra citadas, um critério geral de orientação para a determinação da competência do tribunal em razão da matéria: estão excluídas da competência do tribunal comum todas as causas que forem por lei atribuídas a algum tribunal ou secção de competência especializada.
Ou seja, passa o critério da determinação da competência do tribunal por verificar em primeiro lugar (i)se de acordo com as leis de organização judiciária a ação deve ser submetida ao conhecimento de um dado tribunal ou secção de competência especializada –por determinação direta –, e, em segundo lugar, (ii)se não for esse o caso, residualmente, pela atribuição da competência ao tribunal comum.
4.3. Assim, neste caso, acompanhamos o douto Despacho recorrido bem como a resposta da Autora, por se entender que é a solução que a lei prevê.
Pelo que, atento tudo o exposto, as partes, a forma como a autora conforma a acção, causa de pedir e pedido, a legislação e regulamentação aplicáveis, entende-se que competente para conhecer desta acção são os tribunais judiciais, e, em concreto, o Juízo do Trabalho territorialmente competente.”.
Notificadas as partes não responderam a este.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se, a decisão recorrida deve ser revogada, por o Juízo do Trabalho não ser materialmente competente para conhecer da acção intentada pela A. contra a R./recorrente, como esta defende.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A factualidade a atender é a que decorre do relatório que antecede, devidamente documentada nos autos.
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Vejamos.
Quanto à questão que se coloca, comecemos por dizer ser posição dominante que, a base de que deve partir a afirmação da competência material do tribunal é a relação material controvertida tal como configurada pelo autor na petição inicial, sem envolvência da apreciação do mérito ou acerto desta configuração através duma antecipada análise e enquadramento jurídico das relações estabelecidas entre as partes. Como, entre outros, lê-se no (Ac. do TRL de 28.06.2023, Proc. nº 2968/22.7T8ALM.L1-4 in www.dgsi.pt), “quando se diz que a competência material do tribunal deve aferir-se pela relação material controvertida tal como configurada pelo autor, quer significar-se precisamente que deve atender-se à causa de pedir invocada e ao pedido formulado, não sendo correcto, para apreciação desta questão, fazer um juízo de prognose sobre o mérito ou viabilidade da pretensão deduzida. Isto é, não deve indagar-se se a natureza que o autor confere à relação de trabalho, pública ou privada, está de acordo com o direito aplicável, já que isso concerne à apreciação do mérito da causa”. Entendimento, este, pacífico na jurisprudência, designadamente a do Tribunal de Conflitos conforme, entre mais, o (Acórdão de 03.11.2020, proferido no Proc. nº 09/20, disponível in www.dgsi.pt).
Previamente a, entrarmos na análise do caso, há que referir que a questão, aqui, suscitada já foi apreciada e objeto de várias decisões, desta Secção Social da Relação do Porto, quer em sede de Acórdãos, quer de decisões sumárias, proferidas nos termos do disposto no art. 656º do CPC, todas acessíveis (in www.dgsi.pt, ou no livro de registo de sentenças) e no sentido de afirmar a competência do Juízo do Trabalho em situações similares à dos presentes autos e, em todas, foi recorrente a, agora, recorrente/ré, UNIVERSIDADE ..., entre elas, vejam-se a decisão sumária (de 14.11.2023, Proc. nº 1470/23.4AVR-A.P1, proferida pelo Desembargador Rui Penha) e os Acórdãos datados (de 30.10.2023, Proc. nº 1472/23.0T8AVR-A.P1, relatado pela, agora, 2ª Adjunta, com intervenção como Adjuntas da, agora, 1ª Adjunta e da Desembargadora Paula Leal de Carvalho; de 13.11.2023, Proc. nº 1413/23.5T8AVR-A.P1, relatado pela Desembargadora Teresa Sá Lopes e intervenientes, como Adjuntos, a, agora, 1ª Adjunta e o Desembargador António Luís Carvalhão e por este relatado, também, de 13.11.2023, Proc. nº 1964/23.1T8AVR-A.P1, em que intervieram como Adjuntos os Desembargadores Nelson Nunes Fernandes e Germana Ferreira Lopes, agora, 2ª Adjunta e de 27.11.2023, Proc. nº 1678/23.2T8AVR-A.P1, relatado pela última e subscrito pela, agora, relatora e Desembargador Rui Penha).
Ora, o caso, pese embora, o invocado pela recorrente, em sede de questão prévia, de que, “a situação concreta da autora nestes autos é totalmente distinta dos anteriores processos e essa diferença, por lapso, não foi detetada pelo Tribunal a quo.”, sempre com o devido respeito, a nós não nos parece ser diferente das situações apreciadas naquelas referidas decisões.
Razão, porque e, atento o disposto no art. 8, nº 3, do CC, comecemos por transcrever a fundamentação constante daquele Acórdão de 27.11.2023, pode dizer-se, subscrito por todas as, agora, intervenientes (na medida em que nele se reproduziu a fundamentação contida no Acórdão de 30.10.2023), onde se lê: {“Em termos fácticos, haverá que ter em conta o enquadramento constante do relatório que antecede.
A Recorrente insurge-se quanto ao facto do tribunal a quo ter julgado improcedente a exceção de incompetência material por si suscitada, reconhecendo assim que o juízo do trabalho é competente em razão da matéria para apreciar e decidir o litígio. Pugna pela incompetência material do juízo do trabalho para decidir a ação, sustentando a competência da jurisdição administrativa.
Defende que o tribunal a quo, ao declarar-se competente em razão da matéria, violou a regra constante do artigo 4.º, n.º 4, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), na medida em que a Autora pugna pela aplicação de normas aplicáveis aos vínculos de emprego público e segundo tal normativo quando o litígio se centre na aplicação de disposições reguladoras do emprego público, por razões materiais, deve considerar-se competente a jurisdição administrativa. Mais defende que foi também violado o artigo 4.º, n.º 1, alínea e), desse mesmo diploma, atenta a corrente jurisprudencial que acentua a regra segundo a qual a competência se determina com abstração pela natureza das normas que materialmente regulam o contrato, bastando que a lei preveja a possibilidade da sua submissão a um procedimento pré-contratual de direito público, sendo que no caso vertente apesar dos contratos de trabalho celebrados entre as partes serem regulados pelo Código do Trabalho a natureza da Ré enquanto universidade fundação impõe-lhe a formação de procedimentos regulados primordialmente por normas de direito público.
Vejamos.
Importa ter presente que a competência material constitui um pressuposto processual que se afere em função, quer do pedido, quer da causa de pedir, padronizada pelos termos em que a relação jurídica material é configurada pelo autor.
De facto, segundo doutrina e jurisprudência pacíficas, a competência material deve ser aferida em função da pretensão deduzida, tanto na vertente objetiva, englobando o pedido e a causa de pedir, quer na vertente subjetiva, respeitante às partes, tomando-se, pois, por base a relação material controvertida tal como é configurada pelo autor [cfr. - na doutrina: Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, ed. 1979, pág. 91; na jurisprudência: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - de 30-03-2011 (processo nº 492/09.2TTPRT.P1.S1), de 12-09-2013 (processo nº 204/11.0TTVRL.P1), de 16-06-2015 (processo nº 117/14.4TTLMG.C1.S1) e de 15-12-2022 (processo nº 7760/21.7T8PRT-A.P1.S1); Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 29-03-2011 (processo nº 025/10), de 1-10-2015 (processo nº 8/14) e de 8-11-2018 (processo nº 020/18) – todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Para a resolução da questão da competência em razão da matéria não importa, pois, averiguar quais deveriam ser os correctos termos da pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável.
Como se expõe no citado Acórdão do STJ de 15-12-2022, “[a] competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da ação. Trata-se de questão a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (considerando aí os respetivos fundamentos), não importando indagar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
Deste modo, atendendo a lei na definição da competência em razão da matéria ao objeto da causa, encarado sob um ponto de vista qualitativo - o da natureza da relação substancial preceituada -, a estruturação da causa apresentada pelo autor é que fixa o único tema decisivo para o efeito dessa modalidade da competência dos tribunais.
A determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento de determinada pretensão deve partir do teor dessa pretensão e dos fundamentos que a justificam, sendo irrelevantes, para este efeito, as qualificações jurídicas desta pretensão efetuadas pelo autor, bem como o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma, por se tratar de questão atinente ao mérito da causa (…)”.
A competência interna dos diversos tribunais portugueses, nomeadamente no que respeita à matéria é regulada pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas normas processuais respectivas, sendo certo que serão da competência dos tribunais judiciais (comuns) todas as causas que não sejam atribuídas a qualquer outra ordem jurisdicional [cfr. artigos 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 60.º e 64.º do Código de Processo Civil e artigo 40.º, n.º 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário, na sua versão atualizada – adiante designada por LOSJ)].
Tal como vem sendo entendido, aos tribunais judiciais assiste uma competência genérica e residual, pois são competentes para «todas as causas» que «não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».
Acresce que nos próprios tribunais judiciais vigora a regra da especialização em função da natureza das questões, atribuindo-se competência própria a juízos especializados sendo atribuída aos juízos cíveis com uma competência residual nas situações em que a competência não couber aos juízos especializados (artigos 60.º, 65.º do Código de Processo Civil e 33.º, 37.º n.º 1, 40.º, 80.º e 81.º da LSOJ).
Estabelece o artigo 126.º, n.º 1, da LSOJ:
1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:
a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não revistam natureza administrativa;
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;
e) Das ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho;
f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho;
g) Das questões emergentes de contratos de aprendizagem e de tirocínio;
h) Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de ato ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal;
i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;
j) Das questões entre associações sindicais e sócios ou pessoas por eles representados, ou afetados por decisões suas, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de uns ou de outros;
k) Dos processos destinados à liquidação e partilha de bens de instituições de previdência ou de associações sindicais, quando não haja disposição legal em contrário;
l) Das questões entre instituições de previdência ou entre associações sindicais, a respeito da existência, extensão ou qualidade de poderes ou deveres legais, regulamentares ou estatutários de um deles que afete o outro;
m) Das execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais;
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;
o) Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;
p) Das questões cíveis relativas à greve;
q) Das questões entre comissões de trabalhadores e as respetivas comissões coordenadoras, a empresa ou trabalhadores desta;
r) De todas questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e respetivas alterações, do funcionamento e da extinção das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores;
s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas.” [negrito nosso].
Os juízos de trabalho têm, pois, competência especializada, competindo-lhes dirimir conflitos relacionados com a jurisdição laboral, nomeadamente os resultantes de contratos de trabalho, acidentes de trabalho, doenças profissionais, interpretação de instrumentos de regulamentação coletiva, etc.
Os tribunais administrativos e fiscais têm uma competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas.
Com efeito, estabelece o artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e fiscais» [cfr. ainda artigos 144.º, n.º 1, da LOSJ e 1º, n.º 1, da Lei nº 13/2002, de 19 de fevereiro (Lei que prevê o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na sua versão atualizada – adiante designado por ETAF)].
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º desse Estatuto.
Assim, o artigo 4.º do ETAF concretiza o âmbito da jurisdição, estabelecendo o seguinte:
1 – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.
3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de:
a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa;
b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;
c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões.
4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso;
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;
c) A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente;
d) A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
e) A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva.”
Da análise deste preceito decorre inequivocamente que os n.ºs 1 e 2 concretizam as questões que devem ser julgadas pelos tribunais administrativos e fiscais, enquanto que os n.ºs 3 e 4 versam sobre as situações que estão excluídas do âmbito da jurisdição daqueles tribunais.
Como refere Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas [“A amplitude da competência material dos tribunais administrativos em sede de acções relativas a responsabilidade civil contratual”, in Revista Julgar, n.º 15, 2011, pág. 108], «à luz do artigo 212.º da CRP e do artigo 1.º do ETAF o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal é definido em função da qualificação dos litígios como emergentes de relações jurídicas administrativas, que constitui assim a regra geral para a delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos com os demais tribunais, detendo por força dela os Tribunais Administrativos competência para dirimir os litígios emergentes de relação jurídicas administrativas, excepto nos casos em que, pontualmente, o legislador atribua competência a outra jurisdição, como os desde logo previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 4.º do ETAF 6 , mas também os que são ou venham a ser contemplados em legislação avulsa.» - a referência aos nºs 2 e 3 do artigo 4.º é transponível para os atuais n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo na versão atualizada do ETAF.
Tal como resulta da conjugação do artigo 4.º, n.º 1, alínea o), do ETAF com o artigo 12.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) são da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público.
O ETAF prescreve no n.º 4, al. b) do citado art. 4.º que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público.
Ora, apelando às regras da interpretação e aplicação da lei, e sendo clara e evidente a letra da lei, a única interpretação que se pode extrair é que não cabe aos tribunais administrativos e fiscais dirimir litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, exceto quando estão em causa litígios emergentes do vínculo de emprego público porque nessa situação a competência está reservada aos tribunais administrativos e fiscais. Os litígios emergentes dos contratos individuais de trabalho em regime de direito privado estão, pois, expressamente excluídos da competência da jurisdição administrativa e fiscal.”
No caso em apreço, a Autora pede a condenação da Ré: a) reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ambas com efeitos reportados a 10 de novembro de 2008; b) reconhecer que a antiguidade da Autora se reporta a 10 de novembro de 2008; c) integrar a Autora, pelo menos, na 2ª posição remuneratória com efeitos a 03 de março de 2010 e, a partir de 2021, devido à alteração da posição remuneratória obrigatória, ser mantida na 3.ª posição remuneratória; d) pagar à Autora a diferença entre a retribuição base mensal que lhe pagou entre 2010 e 2020 e a que lhe devia ter pago, diferencial esse que quantifica em € 26.769,69; e) pagar à Autora a diferença entre a retribuição base mensal que lhe vier a pagar e aquela que deveria pagar, até ao momento em que fixar a retribuição base desta em € 1.320,15; f) pagar à Autora o montante global de € 5.426,65, a título de subsídio de férias e natal referente aos anos 2008 a 2020; g) pagar à Autora os respetivos juros legais.
Para fundamentar tais pedidos, a Autora invocou a relação laboral que refere manter com a Ré desde 10 de novembro de 2008, sob a alçada da gestão privada e sujeita ao regime de contrato individual de trabalho de direito privado e ao Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não docente e não investigador da Universidade de Aveiro, bem como o princípio da igualdade de tratamento a nível retributivo, ínsito, nomeadamente, nos artigos 23.º e 31.º do Código do Trabalho, com consequências no posicionamento remuneratório na categoria de Técnico Superior (que defende dever ser equiparado aos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas).
“A Recorrente, UNIVERSIDADE ..., é uma fundação pública (uma instituição de ensino superior pública de natureza fundacional) com regime de direito privado, instituída pelo Decreto-Lei nº 97/2009, de 27 de abril, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 5, desse diploma, se rege pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do mesmo preceito (cfr. artigos 1.º, n.º 1, e 2.º do identificado Decreto-Lei).”
Na ação instaurada a Autora invoca que mantém com a Ré desde 10 de novembro de 2008 um contrato de trabalho sujeito ao regime do Código do Trabalho e com apelo ao Regulamento Interno da UNIVERSIDADE ..., quanto à definição de carreiras, de retribuição e de contratação de pessoal não docente e não investigador, em regime de contrato de trabalho celebrado ao abrigo do Código do Trabalho (cfr. Regulamento nº 449/2009, publicado no DR 2ª Série, nº 223, de 17 de novembro de 2009 e Regulamento nº 740/2020, publicado no DR 2ª Série, nº 173, de 4 de setembro de 2020).
Por outro lado, a Autora não coloca em causa os atos e procedimentos concursais que culminaram na celebração dos contratos que invoca.
No presente caso, tal como a ação é configurada pela Autora, estamos perante um litígio emergente de uma relação contratual existente, decorrente de contrato de trabalho celebrado ao abrigo do direito privado, do Código de Trabalho, e não perante um litígio emergente de vínculo de emprego público.
“Os pedidos formulados pela Autora, bem como a factualidade que constitui a causa de pedir, assenta no reconhecimento da existência do contrato de trabalho subordinado de direito privado, sujeito às regras estabelecidas para as relações laborais privadas, fundando sem margem para quaisquer dúvidas as suas pretensões na existência desse vínculo de natureza privada. A Autora invoca o princípio da igualdade de tratamento a nível retributivo previsto em disposições do Código do Trabalho e apela às disposições dos Regulamentos Internos da Ré que definem e regulam o regime de carreiras, de retribuições e de contratação de pessoal não docente e não investigador da Universidade de Aveiro, em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho, para sustentar que o seu posicionamento remuneratório na categoria de Técnico Superior deve ser equiparado aos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas.
Refira-se que, ao contrário do que sustenta a Recorrente, o facto de a Autora invocar uma norma da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas em sede da pretendida equiparação ao nível do posicionamento remuneratório na sobredita categoria, não confere competência à jurisdição administrativa nos termos da parte final da alínea b) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF.
A ressalva contida na parte final desse normativo, respeita apenas aos litígios emergentes do vínculo de emprego público, ou seja, às situações em que o litígio está configurado pelo demandante como sendo emergente de um vínculo de emprego público, porque esses litígios estão reservados à jurisdição administrativa, conforme se referiu supra [conjugação do artigo 4.º, n.º 1, alínea o), do ETAF com o artigo 12.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho)].
Não é esse manifestamente o caso dos autos.
As questões colocadas no presente litígio decorrem, tal como estão configuradas pela Autora, de uma relação de trabalho subordinado existente, sujeita à disciplina do Código do Trabalho, valendo assim a exclusão da jurisdição administrativa e fiscal constante da alínea b) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF.
A decisão recorrida não violou, pois, a regra constante do artigo 4.º, n.º 4, alínea b), do ETAF.
Por outro lado, e ao contrário do que defende a Recorrente, a decisão recorrida também não violou o artigo 4.º, n.º 1, alínea e), do ETAF.
Não desconhece este tribunal a jurisprudência citada pela Recorrente, que se debruça sobre a interpretação deste último normativo, com apelo ao procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público para justificar a competência dos tribunais administrativos [máxime os invocados Acórdãos - da Relação de Évora de 9-11-2017 (processo n.º 78380/13.3YIPRT.E1); do Tribunal de Conflitos de 11-03-2010 (processo n.º 028/09), de 6-12-2018 (processo n.º 021/18), de 19-04-2022 (processo n.º 03880/21.2T8VFR.S1) e de 11-01-2017 (processo nº 020/14); e do Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2015 (processo nº 678/11.0T8BABT.E1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Sucede que tal jurisprudência, salvo o devido respeito por opinião divergente, não permite de modo algum sustentar o recurso apresentado pela Recorrente.
Os citados Acórdãos de 9-11-2017, 11-03-2020, 6-12-2018 e 22-10-2015, não se reportam a um enquadramento semelhante àquele em discussão nos autos, nomeadamente, não se referem a uma causa de pedir e pedido emergentes de contrato de trabalho celebrado ao abrigo do direito privado, do Código de Trabalho, pelo que não se colocava a questão da exclusão prevista no artigo 4.º, n.º 4, alínea b) do ETAF. Os referidos Acórdãos referem-se a situações de contratos de prestação de serviços e contrato de empreitada.
Já os citados Acórdãos de 19-04-2022 e 11-01-2017, como, aliás, também o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 13-10-2021 (processo n.º 02140/21.3T8PRT.S1, disponível em www.dgsi.pt), reportam-se a litígios relativos à validade de atos pré-contratuais inseridos em procedimentos administrativos. Tais Acórdãos não versaram, pois, sobre litígios decorrentes de contratos individuais de trabalho em regime de direito privado, de relações contratuais de contrato de trabalho existentes, mas sim sobre lígitios relativos à validade de atos pré-contratuais inseridos em procedimentos administrativos.
Sublinhe-se que uma leitura atenta destes últimos Acórdãos do Tribunal de Conflitos, permite verificar que nos mesmos se salvaguarda o facto de não se tratar de um litígio que decorra de um contrato de trabalho, mas ao invés um litígio respeitante ao seu procedimento de formação.
Assim, pode ler-se no identificado Acórdão do Tribunal de Conflitos de 11-01-2017, o seguinte:
«(…) Efectivamente, pelo que respeita às normas competenciais, o fulcro do presente conflito negativo de jurisdição reside na diferente interpretação e conjugação de duas normas deste art.º 4.º: - a norma da al. e) do n.º 1 que inclui no âmbito da jurisdição os litígios respeitantes a “questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação e validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público”; - a norma da al. d) do n.º 3 (na redacção conferida pela Lei n.º 59/2008, de 11/9) que excluía do âmbito da jurisdição administrativa “a apreciação de litígios emergentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas” (actualmente constitui a al. b) do n.º 4 do art.º 4.º).
E isto porque o acto ou actos cuja validade se pretende sindicar respeita a um procedimento pré-contratual destinado ao recrutamento para um posto de trabalho relativamente ao qual não há divergência das partes nem dos tribunais em conflito que a vinculação seria estabelecida mediante um contrato individual de trabalho, sujeito ao regime do Código do Trabalho e demais legislação laboral. Com efeito, segundo os termos do anúncio que o desencadeou, estamos perante um procedimento de “concurso de reserva de recrutamento para especialistas de ortopedia, para eventual contratação em contrato de trabalho”. De facto, nos termos do art.º 14.º do Dec. Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, na red. do Dec. Lei n.º 176/79, de 4 de Agosto, aplicável aos HUC-EPE designadamente em matéria de recursos humanos por força do Dec. Lei n.º 180/2008, de 26 de Agosto, sem prejuízo da salvaguarda de regimes transitórios, a regra é a de que os trabalhadores dos hospitais constituídos como entidades públicas empresariais (E.P.E.) estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, nos termos do Código de Trabalho, bem como ao regime disposto em diplomas que definam o regime legal da carreira de profissões de saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos.
Seguramente que não estamos perante um litígio emergente de uma relação contratual existente, hipótese para a qual a al. d) do n.º 3 do art.º 4.º do ETAF forneceria resposta imediata, mas perante um litígio respeitante ao seu procedimento de formação. (…)».
Do mesmo passo, no citado Acórdão do Tribunal de Conflitos de 13-10-2021 escreve-se o seguinte:
«(…) Como se viu, o artigo 4.º, n.º 4, alínea b), do ETAF, vigente já à data da propositura da ação, excluiu do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou este preceito relevante para o efeito de a competência dos tribunais administrativos e fiscais – “(…) em face do que este Tribunal é materialmente incompetente para conhecer do presente litígio, desde logo, por efeito da alínea b), n.º 4, do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, afirmação da qual discordou o Juízo do Trabalho do Porto, por entender que a situação em causa se reconduz a uma “relação de natureza jurídico-administrativa, e por isso da competência dos tribunais administrativos e fiscais – cfr. art.º 11º da Constituição e artigos 1.º e 4.º, n.º 1, al. a) do ETAF".
Acresce que, nos termos do citado art. 4.º, n.º 1, alínea e), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a “validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”. Conforme explica José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, 18.ª ed., Coimbra, 2020, pág. 109), esta alínea e), que veio alargar o “âmbito da jurisdição administrativa relativamente à cláusula geral de definição substancial” desse âmbito – apreciação de litígios emergentes das relações jurídicas administrativas (op. cit., pág. 106 e segs.) –, relativamente a contratos.
4. A Universidade ... é uma fundação pública com regime de direito privado (art. 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 96/2009, de 27 de Abril).
(…)
5. O pedido de anulação formulado nesta acção tem como causas de pedir vícios que o autor atribui ao procedimento de concurso e à decisão do respectivo júri; o pedido de condenação à prática de acto administrativo devido assenta nessa anulação.
Não se trata, portanto, de um litígio entre o autor e a ré que decorra de um contrato de trabalho, não valendo assim a exclusão da jurisdição administrativa e fiscal constante da al. b) do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
(…)
Como se recordou já, também aqui está em causa a impugnação do procedimento de concurso e da deliberação do júri e não um conflito emergente de contrato de trabalho.».
O citado Acórdão do Tribunal de Conflitos de 19-04-2022, cita os referidos Acórdãos de 11-07-2017 e 13-10-2021, pondo o ênfase no facto de estar em causa um litígio relativo à “validade de actos pré-contratuais inseridos em procedimentos administrativos”, para afirmar a competência da jurisdição administrativa.”
No caso dos autos, como se referiu supra, a Autora não coloca em causa os atos e procedimentos concursais que culminaram na celebração dos contratos que invoca, sendo certo que não se trata de um litígio atinente ao procedimento de formação da relação contratual em referência (o que, desde logo, torna desnecessária a indagação sobre a natureza do procedimento de formação dos contratos).
“Não colhe, pois, a argumentação da Recorrente ao apelar ao procedimento formativo dos contratos para justificar a sua integração na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, na medida em que no caso estamos no âmbito do n.º 4, alínea b) do ETAF que exclui expressamente os litígios decorrentes de contratos individuais de trabalho de natureza privada da jurisdição administrativa e fiscal.
Em suma, estamos perante um litígio que emerge de uma relação contratual existente, decorrente de uma relação de trabalho de natureza privada, pelo que é competente para conhecer da respetiva ação o Tribunal Judicial de competência especializada (Juízo do Trabalho) e não o Tribunal Administrativo.”}.
Aqui chegadas, para justificarmos, a razão porque consideramos e dissemos, ser idêntica a situação em apreço, apenas, importa aqui transcrever alguns dos artigos da petição inicial:
“1º A R. é uma fundação pública com regime de direito privado, instituída pelo Decreto-lei 97/2009, de 27 de abril, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 5, daquele diploma, se rege pelo direito privado, nomeadamente, no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal,
2.º podendo, por isso, admitir pessoal em regime de direito privado.
3.º No dia 12 de junho de 2008, A. e R. celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, no qual foi atribuída à A. a categoria de Técnica Superior, Grau 1 – documento n.º 1
4.º Porém, a partir de janeiro de 2009, a situação jurídico-funcional da A. passou a ser de contrato de trabalho em funções públicas, na categoria de Técnica Superior, com a posição remuneratória, entre a 1ª e a 2ª, e com o nível remuneratório entre 11 e 15 – documento n.º 2 …..
I – DA POSIÇÃO RETRIBUTIVA E RESPETIVA RETRIBUIÇÃO
17.º Na cláusula quarta do contrato de trabalho por tempo indeterminado outorgado no 12 de junho de 2008, - documento n.º 1 - estabelece-se que: “O Primeiro Outorgante pagará ao Segundo Outorgante a retribuição-base ilíquida mensal de € 1.116,12, sujeita aos descontos legais e acrescida de outros abonos a que legalmente tenha direito, bem como das atualizações salariais que venham a ser aplicadas à correspondente categoria”.
18.º A Lei n.º 62/2007 – Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, no artigo 134.º, n.º 2, estabelece que: “O regime de direito privado não prejudica a aplicação dos princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública, nomeadamente a prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade.”
19.º Do mesmo modo, o Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato de Trabalho da UNIVERSIDADE ... - 449/2009 – publicado no Diário da República, 2ª série, Nº 223, de 17 de novembro de 2009, refere no artigo 28º, n.º 5, assim como, no Regulamento Interno - 744/2020 -, publicado no Diário da República, 2ª série, Nº 173 de 4 de setembro de 2020, no artigo 30º, n.º 5, que, "a retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade, por força do princípio da equiparação ao regime retributivo da administração pública, dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas.".
20º Por outro lado, o artigo 23.º, n.º 1 do Código do Trabalho determina que: “(…) c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade; d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.”
21.º De referir ainda o artigo 31.º do Código do Trabalho, que estabelece o seguinte: “1 – Os trabalhadores têm direito à igualdade de condições de trabalho, em particular quanto à retribuição, devendo os elementos que a determinam não conter qualquer discriminação fundada no sexo. 2 – A igualdade de retribuição implica que, para trabalho igual ou de valor igual: a) Qualquer modalidade de retribuição variável, nomeadamente a paga à tarefa, seja estabelecida na base da mesma unidade de medida; b) A retribuição calculada em função do tempo de trabalho seja a mesma.”
22.º Posto isto, não existem dúvidas que ao caso sub judice será de aplicar o regime constante da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, mormente o artigo 38.º, n.º 7, de onde resulta expressamente para um lugar da carreira de Técnico Superior, quando são exigidas habilitações ao nível de licenciatura, a retribuição a oferecer deve ser, pelo menos, a correspondente ao nível da 2ª posição remuneratória da Carreira de Técnico Superior, como acontece com os trabalhadores contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas,
23.º pois, se assim não fosse, estaríamos perante uma verdadeira violação dos princípios da imparcialidade, da justiça, da igualdade e a uma atenta transgressão à prossecução de interesse público.
24.º Posto isto, tendo como premissa que a aqui A. é licenciada em Economia, desde 16/01/2003 - documento n.º 19 - não se entende como lhe foi atribuída a 1.ª posição remuneratória, concluindo-se, assim, que a aqui R. não valoriza os trabalhadores, nem tão pouco o seu grau académico.
26.º Assim, deveria a A. ser integrada, pelo menos, na 2.ª posição remuneratória correspondente ao segundo nível retributivo, ou seja, no nível retributivo 15, com efeitos retroativos a junho de 2008.
27.º Acontece que, em janeiro de 2019, por avaliação, a A. alterou a sua posição remuneratória, pois, passou para a 2.ª posição remuneratória, no entanto, porque se encontrava já na 2.ª posição remuneratória, a A. deveria ter subido para a 3.ª posição remuneratória, correspondente ao nível retributivo 19, logo, e, consequentemente, auferir a quantia de € 1.407,45.
28.º Além disso, deve ainda a R. ser condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição base mensal que pagou à A. entre o ano 2009 até à presente data, como se discrimina: • No ano de 2008: €1.284,41; • No ano de 2009 a 2018: €19.352,40; • No ano de 2019: €2.471,64; • No ano de 2020: €2.479,08; • No ano de 2021: €2.479,08; • No ano de 2022: €1.876,08; • No ano de 2023: €1.052,65.”.
E conclui pedindo nos termos já atrás indicados.
Ou seja, da análise da petição inicial constata-se que a Autora invoca a existência de um contrato de trabalho celebrado com a Ré, em 12.06.2008, defendendo, no entanto, para efeitos de remuneração, dever ser integrada, por força da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, na 2ª posição remuneratória nível de retribuição 15 da categoria de técnica superior, com efeitos retroactivos a 01.06.2008, como acontece com os trabalhadores contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas, tudo em homenagem aos príncípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade.
Cumpre, também, dizer que a Autora não reclama, nem peticiona, o reconhecimento dum contrato de trabalho em funções públicas. O que a Autora reclama são as consequências que entende decorrerem da execução do seu contrato de trabalho, como se a relação contratual estabelecida, em 01.06.2008, entre as partes, tivesse reflectido, em termos remuneratórios, situação de paridade com colegas funcionários contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas.
E, face a isso, contrariamente ao que refere e pretende a recorrente, só podemos concluir que, o tribunal do trabalho é competente em razão da matéria para apreciar os pedidos formulados pela Autora por os mesmos se fundamentarem num contrato de trabalho subordinado (art. 126º, nº 1, al. b) da Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção em julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Porto, 4 de Março de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Relatora: (Rita Romeira)
1ª Adjunta: (Eugénia Pedro)
2ª Adjunta: (Germana Ferreira Lopes)