IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO TRIBUNAL DE RECURSO
FACTO SEM RELEVÂNCIA JURÍDICA
OBRAS EM PRÉDIO VIZINHO
REPARAÇÃO DE DEFEITOS
GRAVIDADE DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

I - O objetivo do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é (nem pode ser) pura e simples repetição das audiências perante o Tribunal da Relação, mas a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, sem prejuízo de, aquando da apreciação dos meios probatórios colocados à sua disposição, formar uma convicção autónoma sobre a materialidade impugnada.
II - Como assim, os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
III - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
IV - O proprietário de um imóvel tem direito a que os defeitos de que a sua casa ficou a padecer, em consequência de obras levadas a cabo no prédio vizinho, sejam reparados à custa do proprietário desse prédio. Tais obras constituem, ainda, o infrator na obrigação de indemnizar o proprietário do prédio vizinho.
V - A avaliação da gravidade do dano para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 496º do Código Civil deve aferir-se segundos critérios objetivos – de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num certo momento histórico, e tendo em conta o circunstancialismo do caso – e não de harmonia com perceções subjetivas ou de uma particular sensibilidade do lesado.
VI - Deve considerar-se dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excecional, mas também o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade. Dito de outro modo: um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação.

Texto Integral

Processo nº 495/20.6T8PVZ.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Póvoa de Varzim – Juízo Central Cível, Juiz 4


Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
2ª Adjunta Desª. Anabela Mendes Morais

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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

AA e BB intentaram a presente ação declarativa sob a forma comum contra CC e DD, pedindo:

a) a condenação dos réus a cumprirem a ordem da Câmara Municipal de Matosinhos na íntegra;

b) a condenação dos réus a realizarem as intervenções necessárias, no seu imóvel e na parede meeira, para que a origem das infiltrações na casa da autora seja eliminada;

c) a condenação dos réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 100,00 € por dia, desde a sua condenação e até efetiva e integral reparação da origem das infiltrações;

d) a condenação dos réus no pagamento, à autora e marido, do valor de 74.708,75 €, acrescido do IVA aplicável, para reparação e reconstrução dos danos verificados na sua casa e nos bens móveis que lhes pertencem;

e) a condenação dos réus em valor a liquidar, por todos os danos que ainda se venham a verificar desde a entrada da ação e que nesta fase não se conseguem adivinhar ou quantificar;

f) a condenação dos réus no pagamento de 10.000,00 € a título de danos morais;

g) a condenação dos réus à taxa de juros de mora de 5%, prevista no artigo 829º-A, n.º 4, do CC, pelo dinheiro que forem condenados a pagar e até efetivo e integral pagamento.

Para substanciarem tais pretensões alegaram, em síntese, que os réus levaram a cabo obras de construção em prédio vizinho do seu, sendo que em consequência desses trabalhos sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais de que pretendem ser ressarcidos. 

Os réus apresentaram contestação, defendendo-se por exceção, invocando que o tribunal carece de competência material para a apreciação do pedido formulado na alínea a) do petitório; no mais, defenderam-se por impugnação.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi declarada a incompetência material do tribunal para conhecer o pedido formulado pelos autores sob a alínea a), com a consequente absolvição dos réus da instância no que ao mesmo se refere. Procedeu-se à definição do objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizou-se o julgamento com observância do legal formalismo, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar «a ação parcialmente procedente por provada e em consequência condenar os réus no pagamento:

- à autora mulher, a título de danos patrimoniais, do valor de 6.361,31 €, a que acresce IVA à taxa legal em vigor no momento do pagamento, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento e, ainda, nos termos do art.º 829-A, n.º 4, do CC, de juros contabilizados à taxa de 5%, desde a data do trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento;

- aos autores, a título de danos patrimoniais, a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação como sendo a correspondente ao valor: da limpeza em lavandaria dos cortinados dos quartos situados no alinhamento da parede sul manchados; do casaco de antílope com bolor, valor esse não superior a 1.000,00 €; à reparação do móvel da sala de jantar empenado devido à humidade; aos três quadros do quarto de dormir danificados pela humidade, valor esse não superior a 500,00 €; e, aos dois quadros da sala de jantar e de estar danificados pela humidade e um deles partido aquando do início da obra, valor esse não superior a 750,00 €;

- aos autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 4.000,00 €, que se considera atualizado com referência à presente data, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento e, ainda, nos termos do art.º 829-A, n.º 4, do CC, de juros contabilizados à taxa de 5%, desde a data do trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento».

Não se conformando com o assim decidido, vieram os autores interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

A. Serve o presente recurso para alteração parcial da sentença recorrida, porquanto não se aceita que nesta tenha havido uma redução parcial dos valores indemnizatórios peticionados a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, e restrição dos itens e sua reparação a avaliar em incidente de liquidação, assim como se impugna matéria de facto (factos provados nos pontos 1.15, 1.31, 1.34; 1.70, e 1.71; e factos não provados dos pontos 2.1, 2.5, 2.6, 2.13, 2.15, 2.17, e 2.18);
B. Começando pela impugnação do facto provado no ponto 1.15, al. c), sobre o chão do quarto de dormir, que especifica um dano verificado apenas no lado sul do mesmo, em confrontação com o facto não provado no ponto 2.1, alínea c), de um dano no lado norte do piso desse quarto, não devia o tribunal ter restringido tal dano a partes do piso, mas deveria ter declarado que todo o piso desse quarto ficou afetado;
C. Isto porque no relatório pericial, na discriminação do quesito sobre os danos verificados, em “Andar”/ “Quarto”/ “Pavimentos”, os peritos não distinguem os lados afetados, referindo-se a todo o piso e dizem ser danos compatíveis com infiltrações; devendo-se ainda articular com a fotografia 6 desse relatório e com as fotografias juntas como documento n.º 3 à PI, e com os testemunhos de EE, funcionária da limpeza há 7 anos (minutos 5:30 a 6:03) e de FF, amiga da família há décadas (minutos 7:08 a 7:38), pois ambas referem que todo o piso desse quarto foi afetado pela entrada de água;
D. Assim, no ponto 1.15, alínea c), sobre o chão do quarto, deve a atual alínea passar a ter o seguinte texto: “O pavimento do quarto de dormir, em réguas de madeira maciça, “taco”, apresenta-se levantado e com os rodapés danificados, compatível com sinais de infiltração”;
E. E no ponto 2.1, alínea c), a alínea que refere, como facto não provado, o dano no lado norte desse quarto, deve ser inteiramente retirada da sentença;
F. Passando para a impugnação do facto dado como não provado no ponto 2.1, alínea d), sobre três candeeiros de cristal, o tribunal a quo errou pois fundamentou indicando que nas fotografias juntas aos autos viu “candeeiros de teto com a luz acesa”, mas trata-se de um erro de interpretação. É que no pedido da PI não se especifica que eram candeeiros de teto e há mais candeeiros de teto na casa, além dos que surgem acesos nas referidas fotografias;
G. De acordo com a testemunha EE, minutos 4:25 a 5:18, esta afirmou que viu a avariarem, “tipo curto-circuito”, os candeeiros de teto e de parede da sala e do quarto, pelo que deve ser eliminada a referida alínea do ponto 2.1, e deve ser incluído no ponto 1.15 dos factos dados como provados, na alínea d) (“Bens Móveis”), ou numa nova alínea com o título de “instalações elétricas”, uma nova alínea com o texto: “candeeiros de cristal, do quarto e da sala, danificados com a humidade”;
H. Estes candeeiros, tal como para os demais bens móveis, deverão ser incluídos na segunda alínea da condenação, relativamente aos bens cuja reparação/ substituição e respetivo custo terão ainda de ser determinados em incidente de liquidação;
I. Quanto ao ponto 1.34 dos factos dados como provados, este é impugnado na medida em que o tribunal dá a entender (por remissão para o ponto 1.20) que a parede nova, erguida pelos Recorridos, não tapou os buracos deixados pelas vigas de madeira que estes retiraram aquando da demolição (vide pontos 1.9, 1.13, 1.69, 1.71 e 1.62, sobre a veracidade dos buracos deixados pela retirada de tais vigas, sobre a desproteção da parede meeira causada pelos Recorridos, e sobre o facto de as infiltrações só terem terminado quando foi colocada uma chapa “sandwhich” e rufos e vedações no telhado, entre as duas paredes – a nova, da casa dos Recorridos, e a meeira);
J. Na verdade, os referidos buracos podem até nunca ter sido tapados, pois a parede nova erguida não ficou “colada” à parede meeira e as infiltrações só terminaram quando se vedou e isolou a distância entre as duas paredes (neste sentido, vide página 22 do pdf da sentença, é referido que o serralheiro dos Recorridos, responsável por esse isolamento, “Isolou a distância entre as paredes das duas casas”; o pedreiro – GG - daqueles, página 24, “Colocou a hipótese de a água vir da parte de cima, pois só podia vir da empena e escorrer entre as duas paredes, uma vez que a vedação ainda não estava feita”, que referiu ainda no seu testemunho, minutos 12:45 a 13:20, 17:00 a 17:40 e 27:00 a 29:50, a “brecha/frecha” entre as duas paredes e que a água da chuva escorreu entre as mesmo, tendo entrado na casa dos Recorrentes; e ainda a testemunha FF, minutos 11:20 a 12:05, 12:40 a 12:50 e 15:50 a 17:30, sobre essa mesma distância e do isolamento em cima, entre as paredes).
K. Ou seja, os buracos não foram tapados ao erguer-se a parede nova, mas sim quando se isolou e vedou a distância entre as duas paredes. Consequentemente, o ponto 1.34 deve figurar como sendo provado apenas com o seguinte texto: “Os réus ergueram na casa deles a parede nova a que se alude em 1.20.”;
L. Relacionado com o ponto anterior, também se impugna o ponto 2.5 dos factos dados como não provados, primeiro na segunda parte desse ponto porquanto ficou provado à saciedade que a infiltração se deu exatamente porque os Recorridos não taparam os buracos aquando da retirada das vigas (neste sentido, porquanto em contradição absoluta com os factos dados como provados nos pontos 1.8, 1.9, 1.10, 1.11, expressamente o 1.13 e o 1.14; aliás fundamentado pelo próprio tribunal, e bem, através: das fotografias juntas aos autos (página 14 do pdf da sentença); pelo testemunho de HH (páginas 16 e 17 do pdf da sentença); pelo testemunho de II (página 18 do pdf da sentença); e pelas declarações de parte da Autora mulher (páginas 25 e 26 do pdf da sentença), pelo que essa segunda parte, do ponto 2.5, deve desaparecer completamente do texto da sentença;
M. E ainda se impugna a primeira parte desse ponto 2.5, pois efetivamente ficou provado que existia uma distância entre as duas paredes, mesmo que não tivesse sido provada a distância exata dos 20 cm. No sentido da existência dessa distância, veja-se a prova: declarações de parte do próprio recorrido que admitiu esse espaço (minutos 17:10 a 17:40 e 30:15 a 31:30); testemunho de FF (minutos 11:20 a 12:05, 12:40 a 12:50 e 15:50 a 17:30); testemunho de GG, que confirma pelo menos 5cm de distância (minutos 10:00 a 10:28, 12:45 a 13:20, 17:00 a 17:40 e 27:00 a 29:50); aliás, é o tribunal recorrido que na sentença (página 22), refere que o serralheiro indicou ter isolado a distância entre as duas paredes, e que o pedreiro (página 24) referiu que a água escorria entre as mesmas;
N. Assim, o ponto 2.5 deve passar a figurar nos pontos dos factos dados como provados, com o seguinte texto: “A parede a que se alude em 1.20 foi erguida afastada da parede meeira”;
O. Também se impugnam os pontos 1.70 e 1.71 dos factos dados como provados, pois o tribunal errou ao indicar não conseguir concretizar temporalmente o que expõe nesses pontos. Se usou o Livro de Obra junto aos autos, como fundamenta na sentença, para concretizar temporalmente a factualidade contida em 1.7. (1ª parte), 1.51. (2ª parte), 1.63., 1.64. e 1.65, então poderia ter feito o mesmo quanto aos pontos acima;

P. Nesse Livro de Obra está indicado que após a betonagem na placa de cobertura (ponto provado 1.65), o momento seguinte em que se refere o telhado da casa principal é a 20 de abril de 2020, que a 5 de maio de 2020 dá-se a: “Retoma dos trabalhos de eletricidade e colocação de rufos ao nível das coberturas” e mais à frente, no dia 6 de julho de 2020, regista a entrada em obra de trabalhos de serralharia;

Q. Pelo que se conclui que o ponto 1.70 deve manter-se como provado, mas com o texto: “A partir de 20 de abril de 2020 decorreram as obras no telhado.”, E o facto dado como provado no ponto 1.71 deve continuar como provado, mas com o texto: “A partir de 5 de maio de 2020 foi feito o capeamento e isolamento da parede da empena, a colocação de rufos e vedações”;

R. Avançando com as impugnações, sobre o ponto 2.6, sobre o facto de os Recorridos terem ignorado o ofício da CM de dezembro de 2019, estes ignoraram até por bem mais tempo do que esse prazo de um mês. Considerando o suprarreferido sobre a colocação de rufos em maio de 2020 – Livro de Obra -, na verdade ignoraram quase meio ano essa ordem. Como tal, este ponto deverá ser retirado da matéria de facto dada como não provada, e deverá ser colocada na matéria de facto dada como provada, por ordem com o texto: “Até maio de 2020 os Réus optaram por ignorar o ofício da CM de 5 de dezembro de 2019”;
S. Sobre o facto não provado do ponto 2.13, vai o mesmo impugnado, pois a verdade é que nunca, antes das obras iniciadas pelos Recorridos, os Recorrentes haviam sofrido de infiltrações ou humidades no seu imóvel. Ouça-se as gravações dos testemunhos de: HH (minutos 1:42 a 1:46, 1:59 a 2:13 e 13:54 a 14:10), II (minutos 1:10 a 1:28, 8:00 a 8:05, e 6:55 a 7:10), JJ (minutos 0:40 a 0:55, 2:48 a 3:50 e 4:29 a 4:40), FF (minutos 1:30 a 1:48 e 4:30 a 5:30), EE (0:24 a 0:28 e 1:05 a 1:32), KK (0:10 a 0:25, 6:40 a 7:23 e 7:40 a 7:58), todos conhecedores do imóvel há décadas e todos a garantir que nunca antes haviam visto humidades no imóvel e que os donos sempre cuidaram muito bem do mesmo; e ainda os esclarecimentos dos peritos (minutos 44:10 a 45:08);
T. Uma vez que ficou extensamente provado que a primeira vez que houve humidade ou infiltrações no imóvel dos Recorrentes foi apenas em abril de 2019, quando os Recorridos iniciaram as suas obras, o ponto 2.13 deve ser retirado dos factos dados como não provados, e passar a figurar nos factos dados como provados, exatamente com o mesmo texto;

U. Quanto ao facto não provado do ponto 2.15, o mesmo é impugnado pois foi o próprio Recorrido marido, nas suas declarações de parte (minutos 24:00 a 24:49) quem afirmou ter observado a oficina quando foi ao local da obra acompanhado da engenheiro e do fiscal da Câmara. Consequentemente, deve este ponto ser retirado dos factos dados como não provados e deverá passar a figurar nos factos dados como provados, com o mesmo texto;

V. Relativamente às vigas/traves em madeira da casa dos Recorrentes, afetadas pelas humidades e infiltrações advenientes das obras dos Recorridos, diga-se que as mesmas ficaram expostas na parede meeira que ficou exposta à intempérie após demolição da casa dos Recorridos (ponto 1.8 dos factos dados como provados);

W. Ouçam-se os esclarecimentos dos Srs. Peritos em audiência de julgamento, sobre as vigas dos Recorrentes terem ficado expostas após demolição (minutos 6:58 a 7:10), e com isso expostas às humidades e infiltrações (minutos 18:16 a 18:31), tendo nas verificadas pelos peritos) ficado claro que se veem os cotos/ extremidades das vigas dos Recorrentes;

X. Também ficou provado que a água entrou pela parede e circulou pelos tetos e chão, conforme testemunho de HH, minutos 7:20 a 8:28, 22:05 a 23:10 e 24:00 a 24:18; de II, minutos 5:50 a 6:50; de KK, minutos 8:30 a 8:43;

Y. E ainda os esclarecimentos dos Srs. Peritos, minutos 14:43 a 15:00, 17:55 a 18:07, 18:42 a 19:12 e 28:55 a 29:01, em que os peritos concordaram que não há a mínima dúvida de que a água andou nas vigas que visualizaram no rés-do-chão e que estavam/estão escurecidas e oxidadas pela água que nelas andou, tendo o perito do tribunal dito expressamente que entrou muita água na oficina do rés-do-chão, inquilina dos Recorrentes, e nas vigas;

Não obstante estas constatações, o perito do tribunal e o perito dos Recorridos entenderam que estes factos não afetariam as vigas em madeira da casa dos Recorrentes, logo (conforme explicação dos mesmos) nem sequer os indicaram na lista de danos do seu relatório (apesar de, em tribunal, confirmarem expressamente que as mesmas foram afetadas pelas infiltrações de água…), o que terá levado o tribunal a quo a não incluir as vigas da casa na lista de danos como factos dados como provados no ponto 1.15, e deixou a referência às mesmas no ponto 2.1, c), segunda alínea, como facto não provado, assim como deixou como facto não provado o ponto 2.17, o que fez por uma errada interpretação da prova;

Z. Explicou o perito dos Recorrentes em tribunal (minutos 19:14 a 23:34, 29:29 a 31:10 e 34:20 a 35:17) que o problema da humidade nas vigas são os ciclos de humidade/ podridão, pois apodrecem quando se molham, secam, molham, secam, sucessivamente, assim arruinando a madeira (confirmado e concordado pelos outros dois peritos em tribunal – estes, além dos minutos anteriores, também a minutos 23:40 a 26:50 e 27:00 a 27:55);      

AA. Diz o perito dos Recorrentes (minutos 44:10 a 45:08) – assim como por todas as provas já acima expostas quanto a este ponto – que é impossível, antes destas obras dos Recorridos, que a parede meeira e vigas da casa dos Recorrentes tenham antes sido afetadas pela água;

BB. E que o fungo da humidade, depois de começar o seu trabalho, não mais para e irá invariavelmente resultar na podridão das vigas da casa dos Recorrentes (minutos 50:45 a 51:02, 19:14 a 23:34, 29:29 a 31:10 e 34:20 a 35:17).

CC. A certo ponto (minutos 23:40 a 26:50) o Sr. Perito do tribunal tentou justificar-se, pois, embora dando razão a tudo que o perito dos Recorrentes estava a declarar, o que entendia era que as vigas dos Recorrentes em princípio, julgava ele, não tinha passado pelos tais ciclos de humidade ou podridão, de molhar, secar, molhar, secar, sendo esse o motivo pelo qual entendia não ser de incluir nos danos a questão das vigas;

D. Acontece que, em articulação com esta prova, que foi dado como provado que a parede meeira esteve meses exposta, fosse aquando da demolição, fosse aquando da ausência de rufos e vedações entre as duas paredes, e ainda que a casa dos Recorrentes começou por sofrer infiltrações com a chuva da Páscoa/ abril de 2019 e continuou a sofrer infiltrações até ao Inverno/Natal de 2019 (ouçam-se vários dos testemunhos já acima referidos, como por exemplo – entre outros -, FF nos minutos 19:10 a 23:33, ou EE nos minutos 12:40 a 14:22; II, minutos 16:00 a 16:25 sobre as infiltrações terem decorrido mais de um ano; ou HH, minutos 9:18 a 9:68, também sobre o tempo que decorreram as infiltrações);

EE. Portanto, tendo as infiltrações sido sentidas entre abril de 2019 e o Inverno, é natural, e resulta das regras da experiência e do senso comum, que as referidas vigas tenham estado, durante todo esse ano de 2019, expostas ao frio, ao calor, à chuva e à secura, em ciclos constantes e a decorrer durante muitos meses, exatamente enquadrando-se nos tais ciclos de podridão/ humidade que os 3 peritos explicaram em tribunal;
FF. Esta posição foi sustentada também relatório autónomo, que foi pedido no âmbito desta ação e junto aos autos por requerimento de 22 de novembro de 2021, junto pelos Recorrentes;
GG. Aqui chegados, reside o busílis da questão: o perito designado pelo tribunal, que concordou plenamente com as explicações do perito dos Recorrentes, apenas recusou incluir as vigas nos danos, e concordar que as mesmas estejam com fungos e a apodrecer, porque, como o próprio disse, não sabe se as vigas estiveram expostas aos tais ciclos. Mas, por tudo que já se expôs e provou, foi mesmo isso que aconteceu!
HH. Consequentemente, o ponto 1.15, dos factos dados como provados, deve passar a incluir uma alínea com o dano: “As vigas/ traves em madeira, que suportam a casa dos Recorrentes, encontram-se oxidadas e escurecidas em virtude de terem sido afetadas pelas infiltrações de água advenientes das obras dos Réus”;
II. O ponto 2.17, dos factos dados como não provados, deve ser transposto para os factos dados como provados com o seguinte texto: “As vigas da casa da autora, por terem iniciado um ciclo de podridão/ humidade, encontram-se num processo de declínio que irá culminar no seu apodrecimento”;
JJ. E deve o ponto 2.1, c), segunda alínea, dos factos dados como não provados, ser completamente eliminado do texto da sentença;
KK. Como tal, o valor dos danos patrimoniais pelos quais os Recorridos devem ser condenados também tem de ser superior e condizente com o peticionado na PI, pelo que o ponto 1.31, dos factos dados como provados deve ser alterado para passar a figurar com o valor de 67.198,25€ (mais IVA);
LL. Este é o preço do documento n.º 12 junto com a PI, e até é de valor inferior o preço superior posteriormente obtido e junto aos autos por requerimento de 22 de novembro de 2021 dos Recorrentes, e inclui a reparação da estrutura das vigas/ traves em madeira na casa daqueles;
MM. Este facto e valor é uma consequência jurídica e natural da prova de que as vigas foram efetivamente afetadas pela humidade e pelas infiltrações (repete-se, os peritos todos concordaram com este facto, mas apenas discordaram, por desconhecimento do período de tempo que esteve em ciclo de humidade, que o fungo da humidade pudesse estar a atacar as madeiras);

NN. Assim, este ponto 1.31, dos factos dados como provados, deve passar a ter o seguinte texto: “A reparação dos danos a que se alude em 1.15. a), b) e c) ascende ao valor de 67.198,25€, a que acresce IVA à taxa legal em vigor.”;

OO. Já o ponto 2.18, igualmente impugnado, está em contradição com tudo que foi provado neste processo (mesmo sem considerar as impugnações da matéria de facto deste recurso), e devia ter sido considerado provado por presunção judicial, devido à experiência e ao senso comum. É razoável concluir-se que os Recorrentes sofreram com o facto de os Recorridos nada terem feito para evitar o sofrimento daqueles, mesmo (telefonema provado) e notificados (notificação judicial avulsa junta aos autos) de tal, sendo um sofrimento pessoal e inquestionável por terem sofrido durante tanto tempo e sem qualquer tipo de reação da parte dos Recorridos, que claramente mostraram indiferença perante a situação;

PP. Passando para o valor da indemnização pelos danos patrimoniais, deve a primeira alínea da condenação ser alterada para passar a prever os 67.198,25€ (acrescido de IVA à taxa legal em vigor), conforme explicado e explanado supra. Este é o valor (até abaixo do orçamento apresentado em requerimento de 22 de novembro de 2021 pelos Recorrentes) que reproduz as necessidades e valores reais para reparação da totalidade dos danos sofridos e que impera reparar, e pelo qual devem os Recorridos ser condenados a título de indemnização por danos patrimoniais;

QQ. Sendo que, se não provado o valor exato da sua reparação, é certo ter ficado provado que é imprescindível a reparação das vigas em madeira na casa dos Recorrentes. Pelo que, nem que seja em incidente de liquidação, devem os Recorrentes ter o direito de provar o custo de reparação/ substituição das vigas da sua casa, uma por uma, o que poderá suceder em tal incidente;

RR. Quanto aos candeeiros de cristal da sala, conforme provado também danificados pelas infiltrações, deve a segunda alínea da condenação da sentença ser alterada para acrescer os danos com tais candeeiros, cujo valor seja concretamente apurado em incidente de liquidação;

SS. Terminando, sobre os danos morais, deve a terceira alínea da sentença ser alterada para prever os 10 mil euros peticionados na PI, ou então que os 4 mil euros sentenciados sejam a pagar a cada um dos Recorrentes. Isto porque, e mesmo sopesando o critério da equidade, ficou extensamente provada a culpabilidade dos agentes, a duração do evento lesivo e o dolo, a consciência, dos Recorridos em continuarem a afetar os Recorrentes com os seus atos e com as suas omissões, mais tendo ficado provados os problemas de saúde destes, pelo que se justifica o aumento de tal indemnização ou a condenação ao pagamento do valor sentenciado, mas a cada um dos Recorrentes.


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Notificados os réus apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. Recorreram ainda subordinadamente terminando com a formulação das seguintes

CONCLUSÕES:

1ª- Dos factos provados devia constar quando é que a parede nova, que é simultaneamente a parede da casa dos RR. voltada para a casa dos AA., paralela á parede meeira e que tapa por completo esta parede, ficou edificada ao nível da 1ª placa, 2ª placa e cobertura.

2ª- E quando foi feita a vedação a encimar as duas paredes com colocação de rufos e vedação de empena.

3ª- Da prova produzida nos autos, existe matéria factual para dar respostas positivas a tais questões e que reforçam em termos de matéria de facto a improcedência de alegada infiltração da parede meeira nos termos referidos pelos AA.

4ª- Assim, começando pelo depoimento do Réu CC, em declarações de parte, em depoimento no dia 12.05.2022, pelas horas 11.05-11.43 de 0,00-37,29: 9.34- 9.48- R- A casa que eu construí é completamente autónoma da parede meeira, não tem nada a ver com a parede meeira, é uma casa que hoje se tirar a parede meeira não tem qualquer ligação à parede meeira. Foi feita completamente já a pensar em ficar completamente autónoma.

9.50Adv.R- Terão optado por fazer uma parede nova encostada á meeira para a sua casa?

R. 9.59- Faz parte do projeto. Foi feita em bloco térmico, e betão, colunas em betão, ferro, por aí fora.

16.44 Adv.R- A parede meeira foi a curto prazo tapada por uma parede independente, paralela, encostada. Que tempo é que demorou esta a tapar?

16.52-Aquilo era carregado de camiões na rua, sistema de betonagem, entre piso da primeira placa e a segunda distam 2 ou 3 semanas no máximo.

18.04-Adv.R- Quanto tempo é que demorou a fazer essa parede?

18.26 R- A parede é feita em 2 traços, 1º piso do rés do chão e depois o piso, conforme iam fazendo as lajes, a parede era feita antes de fazer a laje.

Adv.R- 18.41- Temos aqui as fotos 8 e 9 juntas com a contestação, diz aqui que terá sido carregada a 11 de junho de 2019, terá sido início verão 2019?

18.52-R- Foi uma questão que eu tentei fazer a obra numa altura que não houvesse grande pluviosidade.

19.16-R- A placa de cobertura foi colocada por volta de agosto,

ADVr- Aqui fala-se em 29 de julho?

R- Sim, dentro dessas datas.

Adv.R- Final do verão as placas estavam colocadas?

R- Exatamente.

19.31- Adv.R- Final do verão esta parede já estava feita.

R- Exatamente.”

5ª- Com pertinência, o depoimento da Testemunha, do mestre de pedreiro da obra, GG, depoimento no dia 10.11.2020, h.10.26-10.57, de 00,30.40,

“T- 7.27- A parede vizinha, nós nunca mexemos na parede porque levou uma estrutura nova.”

“T--9.34- Carreguei a 1ª placa em Junho.”

“T–9.40- Implantamos a obra, abrimos caboucos, inclusive foi contra a parede meeira, fizemos fundações, levantamos logo as paredes para carregar a placa.”

Adv.R- 10.40- Essa parede nova ficou independente e isolou a outra parede?

T. 10.48- Sim, sim, ficou.

Adv.R- E foi até ao telhado?

T- 10.50- Foi até á empena.

T.- 10.59- Nós deixamos a obra da frente prontinha até julho, depois formos fazer a parte de trás. Eu saí daquela obra no fim de agosto.!

6ª- Acrescente-se também com interesse para esta matéria o depoimento da testemunha LL, picheleiro-eletricista da obra, gravado no dia 09-11-2022, hora- 14.29-14-37, de 0.00-07.49

“Adv.A. 0.57 Quando é que foi para esta obra trabalhar?

T- 0,53- A obra começou em Abril de 2019, nós só fomos para lá depois da obra estar concluída de pedreiro.

T.-2.43- Fez um muro novo encostado.”

Aduz-se ainda o depoimento da testemunha, vizinha da casa dos AA. e dos RR. FF dia 09-11-2022, hora- 10.58-11.21, gravado de 0.00-23.43, diz com interesse para aqui,

“11.49 - Vi essa parede, eles ergueram logo essa parede pegada o que foi é que devia ter havido proteção em cima.

Sra. Juíza- 22.20- Demoliram a casa e qual foi a primeira coisa a fazer?

T- 22.23- Foi fazer a parede, tem de se dizer a verdade. Fizeram a parede e fizeram muito

bem.”

7ª- Também a testemunha dos AA. HH, no dia 09.11.2022, H.9.43-10.15, gravado de 0.00-31.11, disse aos minutos,

A pergunta do MD Advogado dos AA. 8.50- Recorda-se quando é que começou a água a cair?

T-8.52- Na altura do Outono /Inverno.”

A pergunta do MD Advogado dos AA. 8.50- Recorda-se quando é que começou a água a cair?

T-8.52- Na altura do Outono /Inverno.”

8ª- Acresce que os AA. reconhecem expressamente em 21. da P.I. que em 5 de dezembro de 2019 já estava erguida essa parede “nova” até ao telhado, paralela é meeira e que pela 1ªsemana de janeiro de 2020 os RR. colocaram os rufos de vedação.

9ª- E ainda com interesse para esta matéria a testemunha MM, do dia 10.11.2022, hora 9.49-10.14, gravação de 0,00-25.28, serralheiro da obra, disse,

Adv.R.1.10- Quando foi para a obra como estava a obra?

T- 1.13- Estava pronta de pedreiro.

Adv.R. 1.22- Pronta de pedreiro é com as placas e cobertura em cimento?

T- 1.26- As placas de piso e a placa de cobertura.

Adv.R. 1.39-O seu trabalho em que é que consistia?

T- 1.49- O meu trabalho era colocação de rufos e revestimento de parede de fachada.

Adv.R- 2.26- Os rufos fazem o fecho entre as duas casas para ficar completamente isolado?

T.- 2.28- Sim.

Adv.R- 3.14- Fez obra de vedação com os rufos nas duas casas?

T- 3.57- Revesti a parede do vizinho para não haver entrada de águas para as casas.

Adv.R.- 4.18- Recorda-se em que altura do ano é que foi para lá?

T- 4.25- Finais de Agosto, setembro, quando comecei a entrar em obra, logo a seguir às férias.

Adv.R.-4.44- Andou na obra até quando?

T- 4.46- Em setembro/outubro ficou logo vedado com o prédio vizinho.

T. 8.36- A parede do prédio do Sr. CC é encostada ao prédio vizinho.

T- 8.57- As paredes encostam uma á outra.

Adv.R.- 13.49- Quando é que terminou a sua intervenção na obra? Nesta parte dos

rufos e de vedação?

T- Finais de dezembro.

T- 19.30- No final de setembro a parede já estava fechada, era a preocupação do sr. CC”

10ª- E sobretudo tem de se cotejar estes depoimentos de quem andou em obra com o Livro de Obra junto aos autos e cujas datas de colocação de placas e telhado constam necessariamente de tal documento.

11ª- Do cotejo da prova supra aduzida e mormente dissecada nas Contra-Alegações/Resposta que por economia processual aqui se dão por reproduzidas, resulta que a parede erigida pelos RR. começou logo em abril de 2019, que seguiu a estrutura do prédio conforme as placas respeitantes a cada piso iam sendo carregada.

12ª- E assim, conforme consta do Livro de obra e dos depoimentos das artes no prédio, e até resulta dos demais depoimentos supratranscritos, tal parede em julho de 219 já estava concluída até ao telhado, em paralelo, e colada á parede meeira.

13ª- Logo, nos factos provados tem de constar a data em que tal parede foi iniciada, as etapas da sua edificação e o seu termo pois tal é essencial para se saber se a parede meeira esteve apenas uns dias exposta ou só um mês e conjugar isso com o facto de as principais testemunhas da Autora, FF, II e HH dizerem que as infiltrações da chuva ocorreram no inverno.

14ª- Ergo, devem ser eliminados dos factos provados os pontos 1.11 e 1.4, e

substituídos pelos seguintes:

“-A parede nova erguida pelos RR. na edificação da sua casa, paralela com a parede meeira, desde o solo até ao telhado, e encostada á referida parede meeira, foi logo iniciada e terminada nas datas referidas em 1.63., 1.64. e 1.65., dos Factos Provados.”

“- Os rufos de vedação a encimar as duas paredes foram colocados até ao final de dezembro de 2019.”

15ª- E consequentemente devem ainda passar a factos provados os seguintes factos considerados Não Provados:

2.31. Sendo autónomo o travejamento da casa dos autores, a parede ficou como estava, com a vetustez dos anos e os buracos que já apresentava.

2.32.A parte lateral da parede de meação a que se alude em 1.58. ficou “à mostra” por uns dias.

2.35. As obras no telhado a que se alude em 1.70. decorreram em dezembro de 2019.

2.36. Antes das chuvas já estava a parede meeira isolada e impedida qualquer infiltração de água.

16ª- Acresce que se impugna a matéria de facto dada como não provada sob os pontos 2.22, 2.23, 2.24.2.25 e 2.26.

17ª- Com efeitos resulta dos depoimentos supra da testemunha GG, pedreiro da obra, do MM, serralheiro da obra e das declarações do R. marido que as obras foram feitas com cautela e preocupação, manualmente, explicando como e por que razão não andaram máquinas que pudessem fazer trepidações, sendo precisos a referir o estado da empena da casa dos AA. antes das obras e a sua falta de isolamento.

18ª- Logo tais factos não provados devem passar a factos provados.

19ª- Quanto aos bens móveis referidos em 1.15, d) dos factos provados, não existe prova que possa sustentar tal decisão parcelar.

20ª- De todas as testemunhas arroladas pelos AA. apenas a EE, empregada doméstica referiu genericamente alguns bens, cuja credibilidade é afetada pelas razões já aduzidas supra nas contra-alegações, o que aqui se dá por reproduzido por economia processual.

21ª- Já as testemunhas II e HH não foram a casa dos AA. não referiram nada sobre tal matéria.

22ª- Talqualmente as testemunhas FF, KK e NN, embora com genéricas afirmações sobre coisas estragadas, nenhuns bens em concreto especificaram, conforme depoimentos também transcritos supra e que aqui se dão por reproduzidos.

23ª- Não existe uma data em que tenham verificado tais factos, que permita estabelecer um nexo de causalidade, pelo que a matéria constante em factos provados no ponto 1.15, d) Bens Móveis deve ser considerada não provada e assim eliminada tal alínea dos factos provados.

24ª- O ponto 1.24 dos Factos Provados, face ao documento junto com a P.I. e cujo teor foi esgrimido em julgamento com o depoimento da testemunha NN, no dia 09-11-2022, H- 10.36- 19.57 e depoimento gravado de 0.00-22.08, no seu afã de agradar disse aos minutos:

“ Adv.R.- 18.37- O sr. BB não era doente cardíaco desde 2012?

T. 18.37- Que eu saiba não. Até corria maratona.

T. 18.55- Em setembro de 2019 o BB teve um problema extremamente grave que o levou de urgência ao hospital e teve um desfecho menos positivo agora.

19.50 a 22.08- confrontada com documento de alta do hospital junto com a p.i., documento 8 emitido em 29.10.2019, revelando problemas de HTA em 2012 e episódio no SU do Hospital em 2016 e exibido o seu teor, frisando o episódio de urgência com problema cardíaco em 2016, disse,

T- 21.00- Documento não me diz nada. “tal facto não pode ser julgado provado como consta pois não corresponde á verdade do que se passava com a saúde do Autor.

25ª- Como se alcança do teor do documento, a testemunha confrontada com o mesmo deu uma resposta inadmissível e demonstrativa da tentação de ligar a precária saúde do Autor aos factos dos autos o que é inadmissível e por isso tal facto deve ser eliminado dos factos provados.

26ª- Ora, cabe aos AA. o ónus da prova dos factos quanto ao nexo de causalidade da alegada lesão de direitos e ainda o nexo de causalidade adequada relativamente a alegados danos, o que não foi feito pelos AA.

27ª- Consequentemente, face aos factos provados que resultam da procedência deste recurso, os danos patrimoniais que o venerando Tribunal “a quo” fixou a pagar á Autora no montante de 6 363,31€, não pode proceder porquanto não existe demonstrado nos autos um nexo de causalidade atenta a divergência entre depoimentos sobre se ocorreram as alegadas infiltrações no verão ou no inverno, e atento o curso da edificação da parede da casa dos RR. que isolou a parede meeira, pela própria natureza das coisas.

28ª Quanto aos danos patrimoniais atribuídos aos Autores, em quantia a liquidar em execução de sentença, uma vez que inexistem factos provados sobre tais danos como se alega supra, carece de fundamento tal condenação que deve ser revogada.

29º- Finalmente, a condenação a título de danos não patrimoniais na quantia de 4 000,00€ a pagar pelos RR. aos AA. carece de fundamento pois o que se pode ter verificado foi um incómodo natural que uma reconstrução de prédio vizinho acarreta em termos de algum barulho e preocupação por qualquer interferência que possa ocorrer no prédio encostado.

30ª- Tratando-se de meros incómodos o alegado pelos AA. improcede a decisão que condenou os RR. no pagamento de quantia a título de danos não patrimoniais.                            


*

            Após os vistos legais, cumpre decidir.


  ***

II- DO MÉRITO DO RECURSO


1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:

                        Do recurso independente interposto pelos autores
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente dilucidar se aos autores/apelantes assiste (e em que termos) o direito de exigir dos réus/apelados o pagamento do montante necessário para reparação/substituição das vigas em madeira e para substituição dos candeeiros danificados em resultado de infiltrações registadas no seu prédio urbano;
. da (in)adequação do montante arbitrado para compensação dos danos patrimoniais que sofreram.

              Do recurso subordinado interposto pelos réus
. do erro da apreciação da prova de factos;
da (in)verificação dos pressupostos para os réus serem condenados na reparação dos danos reclamados pelos demandantes.

***


2. Recurso da matéria de facto

2.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1.1. Encontra-se descrito na CRP de Matosinhos sob o n.º ...01/20100706 da freguesia ... o prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...02.

1.2. Pela Ap. ...60 de 10.12.2015 foi inscrita a “Aquisição” por “Sucessão Hereditária” desse prédio a favor da aqui autora AA, casada com o autor BB no regime da comunhão de adquiridos.

1.3. Encontra-se descrito na CRP de Matosinhos sob o n.º ...9/19860611 da freguesia ... o prédio urbano sito na Rua ....

1.4. Pela Ap. ...05 de 06.02.2017 foi inscrita a “Aquisição” por “Compra” desse prédio a favor dos aqui réus.

1.5. O prédio a que se alude em 1.1. confina, pelo lado sul, com o prédio identificado em 1.3.

1.6. As moradias, a pertencente à autora e a dos réus, já existem pelo menos desde o ano de 1937.

1.7. Em abril de 2019 os réus iniciaram a obra de demolição da sua moradia, com exceção da fachada principal e da parede meeira com a moradia da autora, para posterior reconstrução da mesma com nova estrutura e novos materiais.

1.8. O que implicou que a parede meeira com a moradia da autora, na sua face virada para a moradia dos réus, passasse a estar temporariamente exposta às intempéries.

1.9. Com a obra de demolição os réus retiraram as vigas de madeira da sua moradia que se apoiavam na parede meeira e que, aquando a sua retirada, deixaram buracos na mesma.

1.10. Os réus ou os funcionários que trabalhavam na obra não realizaram de imediato qualquer intervenção na parede meeira no sentido de a proteger de possíveis infiltrações e consequentes danos na moradia da autora.

1.11. Vindas as chuvas, a moradia da autora passou a sofrer de infiltrações de água.

1.12. Os autores telefonaram ao réu marido no sentido de o informar do que estava a ocorrer.

1.13. Não tendo sido colocada qualquer proteção na parede meeira e não tendo sido de imediato tapados os buracos da retirada das vigas, aquela parede passou a ser fonte de infiltrações.

1.14. As infiltrações prolongaram-se por meses.

1.15. As infiltrações provocaram os seguintes danos na moradia identificada em 1.1.:

a) Paredes:

- A parede sul do quarto de dormir (parede meeira), com acabamento pintado, apresenta manchas, reboco oco em algumas áreas e tinta descascada;

- As paredes poente e nascente do quarto de dormir, na parte junto à parede sul, com acabamento pintado, apresentam manchas e tinta descascada;

- A parede sul das salas de jantar e estar (parede meeira), com acabamento pintado, apresentam manchas, reboco oco em algumas áreas e tinta descascada;

- A parede poente das salas de jantar e estar, na parte junto à parede sul, com acabamento pintado, apresentam manchas e tinta descascada;

- A parede sul do quarto sul - nascente das águas furtadas, forrada a papel, apresenta manchas com fungos;

- A parede sul da garagem (parede meeira), com acabamento em azulejo, apresenta manchas de sujidade e escorrência.

b) Tetos:

- O teto do quarto de dormir apresenta manchas com fungos, acabamento descascado e gesso fissurado;

- Os tetos das salas de jantar e de estar apresentam manchas com fungos, acabamento descascado e gesso fissurado;

- O teto da garagem, em placas de gesso, apresenta-se danificado, com manchas e fungos.

c) Chão:

- O pavimento do quarto de dormir do lado sul, em réguas de madeira maciça, “taco”, apresenta-se levantado e com os rodapés danificados.

d) Bens Móveis:

- Mobiliário das divisões situadas no alinhamento da parede sul com bolor devido à humidade;

- Roupas e edredons com bolor e humidade;

- Cortinados dos quartos situados no alinhamento da parede sul manchados.

- Casaco de antílope com bolor, de valor não concretamente apurado mas não superior a 1.000,00 €;

- Móvel da sala de jantar empenado devido à humidade;

- Três quadros do quarto de dormir danificados pela humidade, de valor não concretamente apurado mas não superior a 500,00 €;

- Dois quadros da sala de jantar e de estar danificados pela humidade e um deles partido aquando do início da obra, de valor não concretamente apurado mas não superior a 750,00 €.

1.16. Mediante escritura pública datada de 15.05.1974, o pai e avó da autora mulher e II declararam celebrar um contrato mediante o qual os primeiros dão de arrendamento ao segundo “o rés-do-chão amplo do seu prédio urbano, sito na rua ..., com entrada pelo número ..., em ..., concelho de Matosinhos”, destinando-se o locado “a oficina de reparação e de recolha de automóveis e de outros veículos”, contrato esse que ainda hoje se mantém.

1.17. As infiltrações também se sentiram nos tetos e paredes da garagem onde o inquilino explora a oficina.

1.18. Numa tentativa de obstar à continuação do problema, a autora mulher apresentou uma exposição na Câmara Municipal de Matosinhos, tendo sido realizada uma inspeção à obra dos réus.

1.19. No âmbito dessa inspeção de controlo urbanístico, realizada no dia 5 de dezembro de 2019, ficou definido que o réu iria proceder, “com a maior urgência possível à instalação do revestimento na parede exterior e dos rufos de vedação.”

1.20. Os réus ergueram uma parede paralela à parede meeira.

1.21. Os réus colocaram rufos de vedação na parede meeira.

1.22. A entrada das águas da chuva provocou humidades e fungos prejudiciais à saúde dos autores.

1.23. Foi atribuída à autora uma incapacidade de 71%.

1.24. O marido da autora, que costumava participar em maratonas, tem vindo a sofrer de problemas cardíacos desde 22 de setembro de 2019, tendo sofrido uma intervenção cirúrgica cardiotorácica.

1.25. A infiltração das águas, com a humidade, com os bolores e cheiros que daí resultam, provoca aos autores sofrimento diário e angústia.

1.26. A situação agravou-se a cada dia que passou e a habitação dos autores foi ficando cada vez mais danificada.

1.27. A autora apresentou uma notificação judicial avulsa, recebida pelos réus a 28 de fevereiro de 2020, junta por cópia com a petição inicial como doc. 9, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.28. Como preparação para este processo, a autora contratou uma empresa especialista em engenharia civil (“A...”), para realizar um levantamento e relatório técnico sobre os danos verificados na sua habitação.

1.29. Esse relatório foi elaborado e datado de 5 de março de 2020.

1.30. Pela elaboração desse relatório e do orçamento de reparação a autora pagou 430,50 € (IVA incluído).

1.31. A reparação dos danos a que se alude em 1.15. a), b) e c) ascende ao valor de 6.361,31 €, a que acresce IVA à taxa legal em vigor.

1.32. Em março de 2020 os réus apresentaram um requerimento de resposta à notificação judicial avulsa a que se alude em 1.27., junta com a petição como doc. 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.33. A parede entre as duas moradias é meeira e suportava as traves de madeira das duas casas.

1.34. Os réus ergueram na casa deles a parede nova a que se alude em 1.20., com a qual taparam os buracos referidos em 1.9.

1.35. A autora falou pessoalmente com o pedreiro que estava na obra sobre a situação referida em 1.9.

1.36. O réu marido aparecia na obra com uma regularidade não concretamente apurada mas não superior a uma vez por semana.

1.37. Os barrotes do teto da oficina estiveram em contacto com as águas da chuva que se infiltrou na parede meeira.

1.38. Os autores, à data da petição, viviam com divisões da sua casa danificadas.

1.39. Os autores viveram com entrada de águas da chuva na sua casa sempre que chovia, afetados pela humidade e pelo desconforto de viverem numa casa com divisões que deixaram de reunir condições de habitabilidade.

1.40. Os autores viveram com a angústia e o medo de, principalmente quando chovia, verem uma vez mais uma parede ou chão de uma divisão a ficar danificada.

1.41. O prédio dos autores tem um valor patrimonial de 60.900,00 €, determinado no ano de 2015, e foi inscrito na matriz no ano de 1937.

1.42. Mediante escritura pública de 06.02.2017, OO e outros declararam vender ao réu marido, casado de acordo com o regime de comunhão de adquiridos com a ré mulher, que declarou aceitar a venda, o prédio urbano a que se alude em 1.3., composto por: a) casa de dois pavimentos, dependência e quintal, inscrita na matriz respetiva sob o artigo ...68, com o valor patrimonial tributário de 61.720,00 €, vendido por 50.450,00 €; e, b) casa com logradouro, inscrita na matriz respetiva sob o artigo ...98, com o valor patrimonial tributário de 38.560,00 €, vendido por 40.000,00 €.

1.43. As obras realizadas pelos réus no seu prédio foram licenciadas de acordo com projeto e documentos de arquitetura que a Câmara Municipal de Matosinhos exigiu para licenciar a obra.

1.44. A obra dos réus foi fiscalizada e não foi embargada ou suspensa pela autoridade municipal.

1.45. O prédio urbano a que se alude em 1.3. era constituído por duas edificações juntas mas com fachadas diferentes: a) uma com a fachada em azulejos, com sinais de inabitada e degradada; e, b) outra com uma fachada num estilo mais moderno, com a cor azul escuro, conservada.

1.46. O edifício encostado à casa onde residem os autores, embora partilhasse uma parede com essa casa, na qual assentavam traves de madeira suporte de soalho, é totalmente autónomo e individualizado dessa casa.

1.47. O edifício a que se alude em 1.46., quando foi adquirido pelos réus estava em mau estado, inabitado e classificado pela entidade oficial como “edifício em ruínas”.

1.48. Os réus, tendo em vista reabilitar o prédio a que se alude em 1.3., formado pelo conjunto das duas casas, anexos e logradouros, contrataram com técnico habilitado projeto de obras para ser submetido a licenciamento municipal.

1.49. E assim foi apresentado pedido de licenciamento municipal composto pelos projetos e todos os documentos que instruem um tal processo.

1.50. Ficaram os réus a aguardar a aprovação, o que sucedeu com a prolação do Alvará de Licenciamento de Obras de Ampliação e Alteração com o nº 14/19, em 11 de janeiro de 2019.

1.51. Foram celebrados os contratos das empreitadas nas várias artes e iniciadas as obras em fevereiro de 2019.

1.52. Os réus, relativamente ao edifício que encosta ao dos autores, mantiveram o mesmo tipo de fachada que dá para a rua.

1.53. Porém, fizeram o aproveitamento de vão de telhado, elevando o nível do telhado da sua casa que ficou, na confrontação com a casa dos autores e num segmento dessa confrontação, mais elevada.

1.54. Foi assim alterada a empena na casa dos réus voltada para a casa dos autores, ficando, numa parte, mais alta que a casa dos autores e, noutra parte, continuou a empena da casa dos autores mais alta, embora em menor altura e comprimento.

1.55. A empena nova protege a casa dos autores.

1.56. A casa dos autores é completamente autónoma do edifício dos réus quanto a suporte de traves de madeira e, na parte em que a empena da casa dos autores virada para a casa dos réus era mais alta do que esta, quanto a impermeabilizações e isolamentos.

1.57. Nas obras no prédio dos réus, com a demolição das partes em ruínas, foi incluído o soalho existente no 1º andar que era suportado por traves em madeira apoiadas na parede comum com a casa dos autores até um ponto da espessura dessa parede não concretamente apurado.

1.58. Com a demolição ficou “à mostra” a parte lateral da parede de meação voltada para a casa dos réus, desde o ponto correspondente ao telhado da casa dos réus até ao piso térreo.

1.59. A situação a que se alude em 1.58. tinha, necessariamente, que acontecer.

1.60. Na sequência do que se refere em 1.58. os autores telefonaram ao réu marido, tal como se refere em 1.12.

1.61. A parede meeira foi tapada por parede paralela independente, tal como se refere em 1.20., encostada, de cima a baixo, ficando a edificação dos réus totalmente independente da parede meeira.

1.62. Essa parede nova, juntamente com as chapas e rufos a que se alude em 1.68. e 1.69., fez a vedação completa em relação ao prédio dos autores.

1.63. A execução da obra decorreu com a montagem da placa de piso do 1º andar em 05.06.2019, com a sua betonagem em 04.07.2019.

1.64. Passou para a montagem da placa de teto do 1º andar em 22.07.2019 e a sua betonagem em 29.07.2019.

1.65. Após foi montada a placa de cobertura - placa de inclinação que engloba o sótão - em 18.08.2019 e efetuada a sua betonagem 26.08.2019.

1.66. O edifício dos réus contempla, para além dos dois pisos, o aproveitamento do vão do telhado.

1.67. Assim, na parte posterior dos edifícios em relação á estrada, em que a empena do edifício dos autores ficava num nível superior, passou a ficar num nível inferior.

1.68. Já na parte voltada para a estrada, embora a empena do edifício dos réus tenha subido em relação á empena do edifício dos autores, ficou ainda num nível inferior, tendo os réus procedido ao isolamento da parede do edifício dos autores, mediante a colocação de vedação em chapa e rufos em aço inox, por forma a garantir uma impermeabilização total.

1.69. Os réus revestiram a parede lateral autónoma em chapa “sandwich” que faz isolamento de humidades.

1.70. Em data não concretamente apurada mas posterior às referidas em 1.65. decorreram as obras no telhado.

1.71. De seguida foi feito o capeamento e isolamento da parede da empena, a colocação de rufos e vedações.

1.72. O prédio da autora passou a beneficiar desse isolamento, impermeabilização vedação.

1.73. Os autores não abordaram o réu marido por contacto pessoal.


*

                                              

2.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:

2.1. As infiltrações provocaram os seguintes danos na moradia identificada em 1.1.:

a) Paredes:

- A madeira da vidraça existente na parede nascente da sala de estar está cheia de bolor;

- A parede sul do quarto sul - poente das águas furtadas, forrada a parquet, está manchada e com bolor;

- As paredes da entrada da casa têm a tinta a descolar.

b) Tetos:

- O teto do quarto sul - poente das águas furtadas, todo forrado a parquet, apresenta-se manchado e com bolor.

- O teto do quarto sul - nascente das águas furtadas, forrado a papel, apresenta o papel manchado, a descolar e cheio de bolor;

- O teto do corredor, forrado a papel, apresenta-se manchado e a descolar;

- O teto do corredor, de gesso, está manchado com a humidade;

- O teto da entrada da casa, forrado a papel, está manchado e a descolar.

c) Chão:

- O pavimento do chão do quarto de dormir do lado norte apresenta-se estragado e com manchas de bolor.

- A estrutura da casa está em risco devido às infiltrações de água nas traves que estão a suportar a casa e os pisos.

d) Instalações elétricas e bens danificados:

- Televisor do quarto e comando avariados, no valor de 1.000,00 €;

- Rádio despertador do quarto avariado, no valor de 80,00 €;

- Três candeeiros de cristal, do quarto e da sala, danificados com a humidade, no valor 1.000,00 €.

e) Bens Móveis:

- Duas garrafas de cristal partidas com a trepidação aquando do início da obra, no valor de 500€;

- Armário embutido na parede sul com manchas de humidade no interior.

- Colunas de madeira no primeiro piso cheias de humidade e com rachadelas;

- Corrimão de madeira das escadas a estalar a tinta e a rachar.

2.2. Na limpeza das roupas e edredons a que se alude em 1.15. d), os autores gastaram, em lavandaria, 500,00 €.

2.3. Os cortinados a que se alude em 1.15. d) têm o valor de 1.000,00 €.

2.4. As infiltrações continuam até aos dias de hoje, o que agrava e aumenta os efeitos da água nos bens dos autores.

2.5. A parede a que se alude em 1.20. foi erguida a cerca de 20 cm da parede meeira mas os réus não taparam os buracos deixados na parede meeira aquando da retirada das vigas de madeira.

2.6. Os réus, apesar do que se refere em 1.19., optaram por ignorar o ofício da CM durante um mês, tendo-se mantido as infiltrações e os danos na moradia dos autores.

2.7. Os rufos a que se alude em 1.21. foram colocados no fim da 1º semana de janeiro de 2020.

2.8. Os réus colocaram os rufos a que se alude em 1.21. mal e ainda provocaram novos danos na parede da autora ao colocar esses rufos.

2.9. A colocação de rufos foi insuficiente, o que faz com que continuem as infiltrações de água da chuva na moradia da autora.

2.10. O autor sentiu-se de tal maneira afetado pela situação da sua habitação e pela má-fé demonstrada pelos réus ao longo do último ano (com referência à data da petição inicial), que tem vindo a sofrer dos problemas cardíacos a que se alude em 1.24.

2.11. A chaminé da casa dos réus estava apoiada na casa da autora.

2.12. A parede meeira foi erigida na mesma altura das duas casas.

2.13. Até a obra dos réus começar, os autores nunca tinham tido humidades e muito menos infiltrações de água das chuvas dentro da sua casa.

2.14. Os buracos a que se alude em 1.9. não foram tapados.

2.15. O réu marido foi à oficina do inquilino da autora, tendo inclusive chegado a lá ir acompanhado de uma engenheira da CM e de um fiscal.

2.16. E ainda uma outra vez, após ter sido chamado pelo inquilino para que fosse ver o teto em pladur da oficina.

2.17. As vigas da casa da autora encontram-se em estado de apodrecimento.

2.18. A autora e o seu marido sofreram com a indiferença dos réus ao seu sofrimento.

2.19. Os réus têm atividade profissional na área da construção civil e sempre disseram que, se houvesse alguma parede danificada na pintura ou revestimento por eventual infiltração de água ou outros danos relacionados procederiam à sua reparação.

2.20. Os autores não permitiram que os réus pudessem verificar se existiam danos a reparar.

2.21. O edifício a que se alude em 1.46. tem data de construção diferente da casa onde residem os autores, sendo de construção anterior talvez em cerca de dez anos.

2.22. Atento o estado dos edifícios, foram adotadas todas as medidas e cautelas para proceder à demolição de paredes e remoção de escombros.

2.23. Por isso tais obras foram feitas manualmente.

2.24. Na realização dessas obras foi evitado tocar no muro comum.

2.25. E não foram feitas quaisquer trepidações.

2.26. A empena da casa dos autores não tinha isolamento.

2.27. Toda a construção da casa dos autores tem as paredes antigas feitas com mistura de saibro, revelando salitre e mau estado devido ás deficiências de materiais, à vetustez da edificação e à falta de obras de conservação.

2.28. Atento o que se refere em 1.56., a reconstrução do edifício dos réus decorreu sem qualquer interferência na casa habitada pelos autores em qualquer das suas divisões e estruturas, mantendo-se os autores a habitar a casa sem perturbações, ininterruptamente, até aos dias de hoje.

2.29. As traves a que se alude em 1.57. foram cortadas pelo limite exterior da parede comum na parte voltada para a casa dos réus.

2.30. Foi deixado na parede comum o toco de madeira restante para evitar que ficassem buracos.

2.31. Sendo autónomo o travejamento da casa dos autores, a parede ficou como estava, com a vetustez dos anos e os buracos que já apresentava.

2.32. A parte lateral da parede de meação a que se alude em 1.58. ficou “à mostra” por uns dias.

2.33. Na ocasião a que se alude em 1.60. o réu marido informou os autores da celeridade das obras com incidência na parede comum.

2.34. As traves foram cortadas pelo limite do prédio dos réus de modo que não foram deixados buracos.

2.35. As obras no telhado a que se alude em 1.70. decorreram em dezembro de 2019.

2.36. Antes das chuvas já estava a parede meeira isolada e impedida qualquer infiltração de água.


***

2.3. Apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Nas conclusões recursivas quer os autores quer os réus vieram requerer a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.

Como é consabido, o art. 640º estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:

«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes […].»

          O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.

          Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

            No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os apelantes impugnam a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar e decisão que sugerem, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação dessa decisão.

            Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “ […] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.

            No presente processo a audiência final processou-se com gravação da prova pessoal prestada nesse ato processual.

           A respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração, como sublinha ABRANTES GERALDES[2], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.

Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

          Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[3]

          Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Cód. Civil.

            Daí compreender-se o comando estabelecido na lei adjetiva (cfr. art. 607º, nº 4) que impõe ao julgador o dever de fundamentação da materialidade que considerou provada e não provada.

          Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.

          É através dos fundamentos constantes do segmento decisório que fixou o quadro factual considerado provado e não provado que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.

          Atenta a posição que adrede vem sendo expressa na doutrina e na jurisprudência, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[4].

          Tendo presentes estes princípios orientadores, cumpre agora dilucidar se assiste razão aos apelantes, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles preconizados.

Como emerge das respetivas conclusões recursivas, os autores apelantes advogam que: (i) deve ser alterada a redação dos pontos 1.15, 1.31, 1.34, 1.70 e 1.71 dos factos provados; (ii) devem ser dadas como provadas as proposições constantes dos pontos 2.1, 2.5, 2.6, 2.13, 2.15, 2.17 e 2.18 dos factos não provados.

Já os réus apelantes sustentam que: (i) deve ser alterada a redação dos pontos 1.11 e 1.14 dos factos provados; (ii) devem ser dadas como provadas as proposições constantes dos pontos 2.22, 2.23, 2.24, 2.25, 2.26, 2.31, 2.32, 2.35 e 2.36; (iii) devem ser dadas como não provadas as proposições vertidas no ponto 1.15, alínea d) e 1.24 dos factos provados.


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2.3.1. Apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelos autores apelantes

2.3.1.1. Impugnação dos pontos 1.15, alínea c) dos factos provados e 2.1, alínea c) dos factos não provados

Começando pela impugnação deduzida pelos autores apelantes advogam estes que deve ser alterada a redação da alínea c) do ponto 1.15 dos factos provados, de molde a que, onde se refere que «O pavimento do quarto de dormir do lado sul, em réguas de madeira maciça, “taco”, apresenta-se levantado e com os rodapés danificados», passe a constar que «O pavimento do quarto de dormir, em réguas de madeira maciça, “taco”, apresenta-se levantado e com os rodapés danificados, compatível com sinais de infiltração».

Sustentam que, na decorrência dessa alteração de redação, deve ser retirada da alínea c) do ponto 2.1 dos factos não provados a referência a que «O pavimento do chão do quarto de dormir do lado norte apresenta-se estragado e com manchas de bolor».

Para fundamentar a referida alteração convocam o relatório pericial elaborado pelos peritos que levaram a cabo a perícia no âmbito do presente processo, os registos fotográficos que juntaram com a petição inicial (documento nº 3), a fotografia nº 6 que acompanha o dito relatório e bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas EE e FF, sendo que, na sua perspetiva, desses meios probatórios resulta que todo o quarto situado no andar (e não apenas o seu lado sul) apresenta o pavimento levantado e com os rodapés danificados, fruto das infiltrações verificadas.

Dada a natureza técnica da matéria em causa, assume, neste aspeto, uma especial relevância a perícia realizada, sendo que no respetivo relatório os peritos referem, efetivamente, que o mencionado quarto (que se situa no “andar” e não no “desvão”, como terá sido entendido pelo decisor de 1ª instância)  apresenta “pavimento em réguas de madeira maciça – taco – levantado e rodapés danificados, compatíveis com sinais de infiltração pela parede”, não registando qualquer restrição quanto à localização desses danos. Tal afirmação mostra-se outrossim corroborada pela fotografia nº 6 que acompanha esse relatório, de cuja análise resulta que o pavimento de madeira se encontra levantado e os rodapés danificados, com evidentes sinais de infiltração provenientes da parede.

Impõe-se, por isso, a impetrada alteração da redação da alínea c) do ponto 1.15 dos factos provados (com a consequente retirada da matéria de facto não provada do ponto 2.1 alínea c), 1ª parte), a qual passará a ter o seguinte teor: «O pavimento do quarto de dormir, em réguas de madeira maciça – taco –, apresenta-se levantado e com os rodapés danificados, compatíveis com sinais de infiltração pela parede».  


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2.3.1.2. Impugnação do ponto 2.1, alínea d) dos factos não provados e da alínea d) do ponto 1.15 dos factos provados

Na decisão recorrida deu-se como não provado na alínea d) do ponto 2.1 que «As infiltrações provocaram danos em três candeeiros de cristal, do quarto e da sala, danificados com a humidade, no valor de 1.000,00€».

No sentido de justificar o juízo probatório negativo emitido quanto à mencionada proposição, o juiz de 1ª instância considerou que da análise dos registos fotográficos que foram juntos aos autos (mormente de fls. 14 a 29 verso) “é possível ver os candeeiros de teto com a luz acesa, o que nos leva a dar como não provada a factualidade contida em 2.1. d))”.

Os apelantes advogam que essa afirmação de facto deve transitar para a alínea d) do ponto 1.15 dos factos provados, ficando a constar que «candeeiros de cristal, do quarto e da sala, danificados com a humidade, em valor não superior a 1.000,00€ a apurar em incidente de liquidação».

Para tanto sustentam que os candeeiros que se veem nas fotografias “não são os candeeiros referidos como tendo ficado danificados”, convocando para confirmação dessa realidade o depoimento produzido pela testemunha EE.

Procedendo à audição do registo fonético do depoimento dessa testemunha (que é a empregada que faz a limpeza da casa dos autores, duas vezes por semana, há cerca de sete anos), a mesma referiu, genericamente, ter verificado que “candeeiros na parede e no teto avariaram, tipo curto-circuito”, não indicando, no entanto, qual a efetiva localização dos mesmos.

Certo é que a referida anomalia nos candeeiros não é mencionada pelos peritos no respetivo relatório, malgrado fizesse parte do objeto da perícia determinar, na íntegra, os danos que se registaram no imóvel pertencente aos autores em resultado de infiltrações provenientes da parede meeira, sendo que estes, neste ponto, não reclamaram do relatório nem formularam qualquer pedido de esclarecimento suplementar aos peritos.

Como assim, verificando-se que em diversas fotografias juntas aos autos (v.g. fotografia nº 3 junta com a petição inicial e fotografia nº 8 que acompanha o relatório pericial) os candeeiros – designadamente os instalados na sala do “andar” – se apresentavam com as luzes acesas, afigura-se-nos que os meios de prova adrede carreados para o processo não são de molde a impor (como é suposto pelo nº 1 do art. 662º) a alteração do sentido decisório referente ao enunciado fáctico em crise.


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2.3.1.3. Impugnação dos pontos 1.34 dos factos provados e 2.5 dos factos não provados

No ponto 1.34 deu-se como provado que «Os réus ergueram na casa deles a parede nova a que se alude em 1.20 [isto é, a parede paralela à parede meeira], com a qual taparam os buracos referidos em 1.9».

Já no ponto 2.5 deu-se como não provado que «A parede a que se alude em 1.20 foi erguida a cerca de 20 cm da parede meeira, mas os réus não taparam os buracos deixados na parede meeira aquando da retirada das vigas de madeira».

Sustentam os apelantes que a redação do ponto 1.34 deve ser alterada, passando a ter a seguinte redação: «Os réus ergueram na casa deles a parede nova a que se alude em 1.20», devendo o aludido ponto 2.5 transitar para o elenco dos factos provados com a seguinte redação: «A parede a que se alude em 1.20 foi erguida afastada da parede meeira».

Portanto, o propósito dos apelantes passa por retirar do facto provado 1.34 a referência de que a construção da parede a que se alude em 1.20 [isto é, a parede paralela à parede meeira] tapou os buracos deixados na parede meeira aquando da retirada das vigas de madeira, porquanto, na sua perspetiva, a prova produzida aponta no sentido de que esses buracos não foram tapados e que aquela parede foi erigida pelos réus no seu prédio afastada da dita parede meeira.

Resulta da matéria de facto provada (ponto nº 1.9 - que não foi objeto de impugnação em sede recursória) que “com a obra de demolição os réus retiraram as vigas de madeira da sua moradia que se apoiavam na parede meeira e que, aquando a sua retirada, deixaram buracos na mesma”, importando então apurar se os mesmos ficaram “abertos” na parede meeira e bem assim se a parede paralela foi erigida com algum afastamento em relação àquela parede.

Depois de se proceder à audição dos registos fonográficos dos depoimentos das testemunhas que depuseram sobre esta matéria (concretamente MM [serralheiro que trabalhou na obra dos réus], GG [que realizou a parte de pedreiro no imóvel dos demandados] e FF) o que deles resulta é que os réus procederam (registando-se consenso que esses trabalhos ter-se-ão iniciado em finais de fevereiro de 2019 – o que, aliás, se mostra confirmado pela informação veiculada a fls. 4 do respetivo Livro de Obra) à demolição da moradia que existia no seu prédio (que confronta a norte com o prédio dos autores), retirando as vigas de madeira dessa (antiga) moradia que se apoiavam na parede meeira, deixando nesta os buracos resultantes dessa retirada.

Certo é que das testemunhas que trabalharam na obra dos réus (MM e GG) nenhuma delas referiu que, depois dessa demolição, se tenha procedido ao tapamento dos ditos buracos, tendo antes os réus decidido erigir uma nova parede [que é a parede a que se alude no ponto 1.20 dos factos provados] paralela à parede meeira.

Emerge igualmente desses depoimentos e bem assim do depoimento produzido pela testemunha FF (que reside, há já vários anos, na mesma rua onde se situam os imóveis pertencentes aos autores e aos réus, sendo amiga de longa data da autora, frequentando com regularidade a casa desta e que percecionou a forma como foi sendo erigida a dita parede nova) que entre essas duas paredes existia um pequeno espaço (que a testemunha GG denominou como “pequena frecha/brecha”), que, todavia, não souberam definir com exatidão em termos métricos. Dos mencionados depoimentos resulta ainda que a vedação/isolamento da parede e desse espaço apenas ocorreu com a colocação de chapa tipo “sandwich” na parede lateral e dos rufos no telhado, os quais se destinaram, precisamente, a proteger a alvenaria, evitando infiltrações da água da chuva entre as duas paredes.

Refira-se, neste ponto, que as testemunhas inquiridas confirmaram, em maior ou menor medida, que enquanto não foi colocada a chapa e os rufos se registaram infiltrações no imóvel dos autores (como, aliás, foi dado como provado nos pontos 1.13 e 1.14), atribuindo a proveniência das mesmas à água da chuva que escorreria entre o dito espaço existente entre a parede “nova” e a parede meeira, introduzindo-se nesta.

Também os peritos, quer no respetivo relatório quer nos esclarecimentos prestados na audiência final, atestaram que as infiltrações/humidades que se verificaram no interior do imóvel dos demandantes resultaram da infiltração de água da chuva na parede meeira.

Tendo em conta os referidos elementos de prova afigura-se-nos justificar-se a alteração do juízo probatório referente às mencionadas afirmações de facto, de molde a que

(i) o ponto nº 1.34 passe a ter a seguinte redação: «Os réus ergueram na casa deles a parede nova a que se alude em 1.20»;

(ii) o ponto 2.5 dos factos não provados transiste para o elenco dos factos provados com o seguinte teor: «A parede a que se alude em 1.20 foi erguida a uma distância concretamente não apurada da parede meeira, não tendo os réus procedido ao tapamento dos buracos que nesta foram deixados aquando da retirada das vigas de madeira que nela assentavam».


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2.3.1.4. Impugnação dos pontos 1.70 e 1.71 dos factos provados

 Nos referidos pontos 1.70 e 1.71 deu-se como provado que:

. “Em data não concretamente apurada, mas posterior às referidas em 1.65. decorreram as obras no telhado” (ponto 1.70);

. “De seguida foi feito o capeamento e isolamento da parede da empena, a colocação de rufos e vedações” (ponto 1.71).

Advogam os apelantes que:

. a redação do ponto 1.70 deve ser alterada, passando a dela constar que «A partir de 20 de abril de 2020 decorreram as obras no telhado»;

. o ponto 1.71 deve antes ter a seguinte redação: «A partir de 5 de maio de 2020 foi feito o capeamento e isolamento da parede da empena, a colocação de rufos e vedações».

Em sustentação da preconizada alteração dos transcritos enunciados fácticos apelam ao Livro de Obra cuja cópia foi junta aos autos, donde emerge que as obras no telhado do prédio dos réus foram realizadas a partir de 20 de abril de 2020, sendo que o capeamento, isolamento da parede da empena e a colocação de rufos e vedações teve lugar a partir de 5 de maio desse mesmo ano.

Antes de mais cumpre sublinhar que os próprios apelantes, na peça processual com que deram início à presente demanda, expressamente afirmam – em contrário do que ora defendem - que os rufos de vedação foram colocados na primeira semana de janeiro de 2020.

Como quer que seja, o que a análise do Livro de Obra revela é que no local os réus levaram a cabo a construção de dois edifícios contíguos, sendo que, como esclareceu a testemunha MM (que foi o responsável pela colocação dos rufos de vedação), a colocação desse material na parte do imóvel que confronta (a norte) com o prédio dos autores terá ocorrido em finais de dezembro de 2019, acrescentando que procedeu ainda, mais tarde, à colocação de rufos na parte do imóvel dos réus que não confronta com o dos autores (que a testemunha identificou com a parte “lá atrás”), o que terá tido lugar “talvez em maio de 2020”.

Consequentemente, na ausência de outros subsídios probatórios mais consistentes, inexiste razão fundada que legitime a impetrada alteração da redação dos pontos 1.70 e 1.71 dos factos provados.


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2.3.1.5. Impugnação dos pontos 2.6, 2.13 e 2.15 dos factos não provados

Nos referidos pontos de facto deu-se como não provado que:

. “Os réus, apesar do que se refere em 1.19., optaram por ignorar o ofício da CM durante um mês, tendo-se mantido as infiltrações e os danos na moradia dos autores” (ponto 2.6);

. “Até a obra dos réus começar, os autores nunca tinham tido humidades e muito menos infiltrações de água das chuvas dentro da sua casa” (ponto 2.13);

. “O réu marido foi à oficina do inquilino da autora, tendo inclusive chegado a lá ir acompanhado de uma engenheira da CM e de um fiscal” (ponto 2.15).

Defendem os apelantes que os transcritos enunciados fácticos devem transitar para a materialidade provada.

Questão que imediatamente se coloca é a de saber qual o efetivo relevo da impugnação das aludidas proposições para a decisão do presente pleito.

Como é consabido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, visa, em primeira linha, alterar o sentido decisório sobre determinada materialidade que se considera incorretamente julgada. Mas este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada ou não provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. O seu efetivo objetivo é, portanto, conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.

Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer - conforme vem sendo entendido[5] -, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

Alinhando por igual visão das coisas, entendemos que a preconizada alteração do sentido decisório referente às aludidas proposições factuais é concretamente inócua, posto que da mesma não se extrai qualquer consequência jurídica com reflexo na decisão das questões que delimitam objetivamente o âmbito do presente recurso.

Com efeito, na economia da presente ação o que se discute é saber se em consequência das obras levadas a cabo pelos réus se registaram infiltrações no interior do imóvel dos autores de que resultaram os danos de que pretendem ser ressarcidos, sendo que aqueles, no articulado de defesa que apresentaram, em parte alguma procuram mitigar a sua responsabilidade através da alegação de um qualquer suporte factual destinado a permitir afirmar que o imóvel destes já apresentava infiltrações em momento anterior à realização das ditas obras.

Significa isto, pois, que perante o modo como os elementos objetivos da instância se mostram balizados nos articulados apresentados pelas partes, competirá aos autores demonstrar (enquanto factos constitutivos da sua pretensão) que os danos cuja reparação reclamam resultaram de infiltrações motivadas pelos trabalhos desenvolvidos pelos réus no seu imóvel, razão pela qual - não tendo estes, neste particular, alegado qualquer materialidade destinada a servir de facto modificativo do direito a que aqueles se arrogam -  a proposição vertida no ponto 2.13 é, neste contexto, irrelevante para a decisão das concretas questões que se discutem no âmbito dos presentes autos.

Idênticas considerações são válidas no que tange a facticidade plasmada no ponto 2.6, porquanto, na economia da ação, o que releva é saber até que momento se mantiveram as infiltrações na moradia dos autores (matéria que se mostra acolhida nos pontos nºs 1.62, 1.68, 1.69 e 1.72 dos factos provados) e não propriamente apurar se os réus cumpriram, ou não, a determinação dos serviços técnicos da Câmara Municipal de Matosinhos a que se alude no ponto nº 1.19 dos factos provados (e que poderia eventualmente motivar a aplicação de uma coima).

Também não se antolha qual o efetivo relevo da afirmação de facto plasmada no ponto 2.15, dado que, como anteriormente se deu nota, o que interessa para a sorte da presente demanda é apurar se as infiltrações se registaram em toda a parede sul do prédio dos autores, incluindo no rés-do-chão (onde funciona, há mais de 50 anos, uma oficina), e não tanto em saber se o réu se deslocou ou não a esse espaço acompanhado de técnicos da Câmara Municipal de Matosinhos.

Consequentemente, não há, por conseguinte, que apreciar os referidos segmentos impugnatórios.


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2.3.1.6. Impugnação dos pontos 2.1, alínea c), 2ª parte e 2.17 dos factos não provados e do ponto 1.15 dos factos provados

 Nos referidos pontos deu-se como não provado que:

. “A estrutura da casa está em risco devido às infiltrações de água nas traves que estão a suportar a casa e os pisos” (ponto 2.1, alínea c), 2ª parte);

. “As vigas da casa da autora encontram-se em estado de apodrecimento” (ponto 2.17).

Sustentam os apelantes que essas afirmações de facto devem ser dadas como provadas e, por via disso, o ponto 2.17 deve passar a constar do respetivo elenco com a seguinte redação: «As vigas da casa da autora, por terem iniciado um ciclo de podridão/humidade, encontram-se num processo de declínio que irá culminar no seu apodrecimento»; já o ponto 1.15 dos factos provados deve incluir uma nova alínea com o seguinte teor: «As vigas/traves em madeira, que suportam a casa dos recorrentes, encontram-se oxidadas e escurecidas em virtude de terem sido afetadas pelas infiltrações de água advenientes das obras dos réus».

A questão de facto subjacente às transcritas proposições – isto é, se em consequência da ocorrência de infiltrações resultantes da construção do prédio dos réus as vigas/traves de madeira da casa dos autores se encontram em estado de apodrecimento - foi especialmente debatida nos autos, tendo os peritos tomado posição sobre a mesma (seja no relatório que apresentaram, sejam nos esclarecimentos que prestaram em julgamento), não se registando, contudo, sobre este ponto um posicionamento unânime.

Com efeito, enquanto o perito do tribunal e o perito dos réus emitiram uma posição negativa, afirmando que as vigas/traves - malgrado tenham estado em contacto com água proveniente de infiltrações na parede meeira - não estão comprometidas na sua função estrutural; já o perito dos autores (no qual estes fundamentalmente se baseiam para legitimar a pretendida alteração do juízo probatório quanto às mencionadas proposições factuais)  pronunciou-se no sentido de que, por força das infiltrações que se registaram no imóvel dos demandantes, o respetivo travejamento de madeira está comprometido, pondo em crise o suporte estrutural do edifício.

Estamos, assim, em presença de uma questão de natureza eminentemente técnica sendo que, face ao antagonismo registado entre as posições dos peritos, na falta de outros subsídios probatórios (sendo que, neste conspecto, os depoimentos que os apelantes convocam – v.g. depoimentos prestados por HH e II - não têm um particular préstimo para o esclarecimento da questão, posto que não possuem especiais conhecimentos nesta área, sendo mecânicos de profissão), haverá que valorar primordialmente a tomada de posição do perito do tribunal face às maiores garantias de imparcialidade que oferece, maxime no confronto com o perito dos autores que, como resulta dos autos, foi o técnico que, a solicitação destes, elaborou o relatório e o orçamento juntos com a petição inicial como documentos nºs 10, 11 e 12, e nos quais se ancoram para formular os pedidos identificados nas alíneas b) e d) do terminus dessa peça processual.

Inexiste, assim, razão válida que justifique a modificação do sentido decisório quanto às aludidas afirmações de facto.


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2.3.1.7. Impugnação dos pontos 1.31 dos factos provados

No ponto 1.31 deu-se como provado que «A reparação dos danos a que se alude em 1.15. a), b) e c) ascende ao valor de 6.361,31 €, a que acresce IVA à taxa legal em vigor».

Defendem os apelantes que o referido ponto deve ser alterado de molde a que dele passe a constar que “A reparação dos danos a que se alude em 1.15. a), b) e c) ascende ao valor de 67.198,25€, a que acresce IVA à taxa legal em vigor”.

A pretendida alteração surge da sequência da consideração de que se torna necessário reparar a estrutura das vigas/traves em madeira da casa dos autores, afirmação de facto esta que foi analisada aquando da apreciação da impugnação dos pontos 2.1, alínea c), 2ª parte e 2.17 dos factos não provados.

Consequentemente, mantendo-se inalterado o juízo probatório quanto a esses enunciados fácticos, não há outrossim fundamento para a alteração da redação do ponto 1.31 nos termos preconizados pelos apelantes.


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2.3.1.8. Impugnação dos pontos 2.18 dos factos não provados

No ponto 2.18 deu-se como não provado que «A autora e o seu marido sofreram com a indiferença dos réus ao seu sofrimento».

Sustentam que esse facto deve ser dado como provado, não porque essa realidade tenha sido confirmada por qualquer das pessoas inquiridas em julgamento, mas antes “por aplicação do mecanismo da presunção judicial”.

Ora, como é consabido, o uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art. 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).

A presunção traduz-se e concretiza-se, assim, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência.

A essa luz, na ausência de demonstração de qualquer suporte factual que permita a emissão do aludido juízo inferencial, terá, pois, de improceder esse segmento impugnatório.


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2.3.2. Apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida, a título subsidiário, pelos réus apelantes

2.3.2.1. Impugnação dos pontos 1.11 e 1.14 dos factos provados e dos pontos 2.22, 2.23, 2.24, 2.25, 2.26, 2.31, 2.32, 2.35 e 2.36 dos factos não provados

Os réus apelantes advogam que os pontos 1.11 e 1.14 dos factos provados devem ser eliminados, devendo ser dados como provados os pontos 2.22, 2.23, 2.24, 2.25, 2.26, 2.31, 2.32, 2.35 e 2.36 dos factos não provados, materialidade essa que, na essência, deve constar do elenco dos factos provados com a seguinte redação:

. “A parede nova erguida pelos réus na edificação da sua casa, paralela com a parede meeira, desde o solo até ao telhado, e encostada à referida parede meeira, foi logo iniciada e terminada nas datas referidas em 1.63, 1.64 e 1.65”;

. Os rufos de vedação a encimar as duas paredes foram colocados até ao final de dezembro de 2019.

O propósito dos apelantes assenta, pois, em que fique a constar dos factos provados o momento em que foi edificada a parede nova (a que se alude no ponto 1.20) ao nível da 1ª placa, 2ª placa e cobertura, colocados os rufos de vedação e bem assim o modo como esse trabalho foi executado.

Ora, como já se deu nota aquando da apreciação da impugnação referente aos enunciados fácticos plasmados nos pontos 1.34, 1.70 e 1.71 dos factos provados e no ponto 2.5 dos factos não provados, o que releva para a sorte da presente demanda não é tanto a forma como foram executados os trabalhos de construção da dita “parede nova”, mas antes, e fundamentalmente, quando é que foram colocados os rufos de vedação no telhado, porquanto (como, aliás, deflui dos pontos 1.62, 1.68, 1.69 e 1.72 – que não foram alvo de impugnação em sede recursória) somente com essa colocação se operou a vedação completa em relação ao prédio dos autores, fazendo cessar as infiltrações que até então se registavam no mesmo.

Daí que valham para este efeito as considerações que nesse lugar foram tecidas a respeito das afirmações de facto, neste particular, postas em crise pelos réus, inexistindo, pois, razão válida para alterar o juízo probatório que foi emitido quanto às mesmas pelo decisor de 1ª instância.


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2.3.2.2. Impugnação dos pontos 1.15, alínea d) dos factos provados

Sustentam ainda os réus apelantes que o ponto 1.15, alínea d) dos factos provados deve ser dado como não provado, posto que, na sua perspetiva, não foi produzida prova bastante no sentido de confirmar a realidade nele plasmada.

Não lhes assiste razão, na justa medida em que o juiz a quo, na respetiva motivação da decisão de facto, deixou evidenciadas as razões que o conduziram a dar essa materialidade como provada, mormente apelando aos registos fotográficos juntos aos autos (fls. 14 a 29 vº) e aos depoimentos prestados em julgamento pelas testemunhas FF e EE, que confirmaram os danos que as infiltrações registadas no interior da residência dos demandantes ocasionaram em móveis aí existentes.


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2.3.2.3. Impugnação dos pontos 1.24 dos factos provados

          Por último, advogam os réus que o ponto 1.24 dos factos provados deve ser dado como não provado.

          Esse ponto tem a seguinte redação: “O marido da autora, que costumava participar em maratonas, tem vindo a sofrer de problemas cardíacos desde 22 de setembro de 2019, tendo sofrido uma intervenção cirúrgica cardiotorácica”.

          Ora, se bem se entende o propósito dos apelantes, essa afirmação de facto deve ser retirada do elenco dos factos provados para afastar “a tentação de ligar a precária saúde do autor aos factos dos autos [ou seja, ao problema das infiltrações que se registaram na residência do mesmo]”.

          Com o devido respeito, não se antolha em que medida se possa extrair da transcrita proposição a existência de um qualquer nexo causal entre essas infiltrações e os problemas de saúde do demandante, razão pela qual terá, também, de improceder este segmento impugnatório.


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3. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Na sentença recorrida - depois de ter considerado como provado que em consequência das obras que os réus levaram a cabo no seu imóvel ocorreram infiltrações no prédio pertencente aos demandantes - afirmou-se estarem reunidos os pressupostos normativos para aqueles serem responsabilizados à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual.

Por via disso, convocando o disposto nos arts. 483º, 562º e 566º, todos do Cód. Civil, decidiu condenar-se os demandados no pagamento aos autores das seguintes quantias:

(i) 6.361,31 €, a título de danos patrimoniais, a que acresce IVA à taxa legal em vigor no momento do pagamento, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento e, ainda, nos termos do art.º 829-A, n.º 4, do CC, de juros contabilizados à taxa de 5%, desde a data do trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento;

(ii) a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação como sendo a correspondente ao valor: da limpeza em lavandaria dos cortinados dos quartos situados no alinhamento da parede sul manchados; do casaco de antílope com bolor, valor esse não superior a 1.000,00 €; à reparação do móvel da sala de jantar empenado devido à humidade; aos três quadros do quarto de dormir danificados pela humidade, valor esse não superior a 500,00 €; e, aos dois quadros da sala de jantar e de estar danificados pela humidade e um deles partido aquando do início da obra, valor esse não superior a 750,00 €;

(iii) 4.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento e, ainda, nos termos do art.º 829-A, n.º 4, do CC, de juros contabilizados à taxa de 5%, desde a data do trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento.

Os autores apelantes insurgem-se contra esse segmento decisório, sustentando que o valor referido em (i) deverá antes ser fixado em €67.198,25 (mais IVA) e que na condenação referida em (ii) deve igualmente ser incluída a reparação/substituição de três candeeiros.

Por seu turno, os réus apelantes (ainda que a título subsidiário) sustentam que não devem ser condenados em qualquer quantia por inexistência de danos justificativos de atribuição de compensação monetária.

A alteração desse segmento decisório pressupunha, como prius, a modificação das afirmações factuais que constam dos pontos 1.15 e 1.31 dos factos provados, nos moldes preconizados pelos apelantes, o que, todavia, não lograram.

Perante tal lacuna probatória, terão, pois, de improceder as conclusões H), KK) a NN), PP)  a RR) do recurso dos autores e as conclusões 27ª e 28ª do recurso dos réus.


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De igual modo ambos os apelantes se rebelam contra o segmento condenatório referido em (iii), sustentando os autores que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais que sofreram deverá ser fixada em €10.000,00 (ou então em €4.000,00 para cada um deles), enquanto que os réus defendem que não deve ser arbitrada qualquer importância a esse título por se estar em presença de “meros incómodos” que não assumem gravidade que justifique a atribuição de qualquer indemnização.

Que dizer?

Sob a epígrafe “Danos não patrimoniais”, postula o nº 1 do art. 496º do Cód. Civil que «[N]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

A propósito da forma de se proceder à avaliação da gravidade do dano, a doutrina[6] tem entendido que a mesma deve aferir-se segundos critérios objetivos – de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num certo momento histórico, e tendo em conta o circunstancialismo do caso – e não de harmonia com perceções subjetivas ou de uma particular sensibilidade do lesado.

O recurso a um critério objetivo na apreciação da gravidade do dano justifica-se para negar as pretensões ressarcitórias por meros incómodos, contrariedades ou prejuízos insignificantes, que cabe a cada um suportar na vida em sociedade, evitando-se, deste modo, uma extensão ilimitada da responsabilidade.

Sob esse enfoque vem constituindo orientação jurisprudencial consolidada[7] que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objetiva insuficiente para os efeitos do transcrito inciso normativo, sendo que, neste conspecto, se deve considerar dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excecional, mas também o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade. Dito de outro modo: um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação.

No que ao caso releva, resultou provado que:

. “A infiltração das águas, com a humidade, com os bolores e cheiros que daí resultam, provoca aos autores sofrimento diário e angústia” (ponto 1.25);

. “A situação agravou-se a cada dia que passou e a habitação dos autores foi ficando cada vez mais danificada” (ponto 1.26);

. “Os autores, à data da petição, viviam com divisões da sua casa danificadas” (ponto 1.38);

. “Os autores viveram com entrada de águas da chuva na sua casa sempre que chovia, afetados pela humidade e pelo desconforto de viverem numa casa com divisões que deixaram de reunir condições de habitabilidade” (ponto 1.39);

. “Os autores viveram com a angústia e o medo de, principalmente quando chovia, verem uma vez mais uma parede ou chão de uma divisão a ficar danificada” (ponto 1.40).

Como emerge do descrito quadro factual, os autores, em consequência da atuação dos réus, viram afetada a sua casa de habitação em termos tais que implicaram não só o desconforto resultante das humidades, bolores e cheiros que se registaram no seu interior, como também pelo facto de terem ficado limitados na utilização de alguns dos seus compartimentos.

Não se trata, evidentemente, de meros incómodos (como advogam os réus), mas antes de verdadeiros constrangimentos que assumem a gravidade legalmente suposta para justificar a atribuição de uma compensação.

 Como assim, ponderando tal realidade à luz dos critérios legais aplicáveis (cfr. 1ª parte do nº 3 do citado art. 496º) e tendo por referência os valores que têm sido arbitrados em situações análogas[8], afigura-se-nos que a compensação arbitrada no ato decisório sob censura se revela ajustada, pelo que será de manter.


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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente quer o recurso independente, quer o recurso subordinado, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, a cargo dos apelantes na proporção da respetiva sucumbência.

Porto, 4.03.2024
Miguel Baldaia de Morais
Fátima Andrade
Anabela Morais

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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; no mesmo sentido milita REMÉDIO MARQUES (in A ação declarativa, à luz do Código Revisto, 3ª edição, págs. 638 e seguinte), onde critica a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto que vem sendo seguida por alguma jurisprudência.
[3] Isso mesmo é ressaltado por ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[4] Assim ABRANTES GERALDES Recursos, pág. 299 e acórdãos do STJ de 03.11.2009 (processo nº 3931/03.2TVPRT.S1) e de 01.07.2010 (processo nº 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Coimbra de 27.05.2014 (processo nº 1024/12) e de 24.04.2012 (processo nº 219/10), acórdão da Relação de Lisboa de 14.03.2013 (processo nº 933/11.9TVLSB-A.L1-2), acórdãos da Relação de Guimarães de 15.12.2016 (processo nº 86/14.0T8AMR.G1) e de 13.02.2014 (processo nº 3949/12.4TBGMR.G1) e acórdão desta Relação de 17.03.2014 (processo nº 7037/11.2TBMTS-A.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido se pronuncia ABRANTES GERALDES, Recursos, pág. 297, onde escreve que “de acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
[6] Cfr., inter alia, ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, Almedina, págs. 628 e seguinte, ALMEIDA COSTA, in Direito das Obrigações, 6ª edição, Almedina, pág. 483, MENEZES LEITÃO, in Direito das Obrigações, vol. I, 4ª edição, Almedina, , págs. 316 e seguintes e CAPELO DE SOUSA, in O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 555 e seguinte, onde enfatiza que os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado não justificam a atribuição de uma compensação pecuniária por se estar em presença de prejuízos «que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interativa vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de atos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos».
[7] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 11.05.98 (processo nº 98A12621), de 24.05.2007 (processo nº 07A1187), de 12.07.2018 (processo nº 1842/15.8T8STR.E1.S1) e de 6.12.2017 (processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] Cfr., entre outros, acórdão da Relação de Coimbra de 8.11.2016 (processo nº 428/10.8TBCDN.C1), acessível em www.dgsi.pt.