CUMPRIMENTO DOS ÓNUS LEGAIS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE MÚTUO
ENTREGA DE COISA
Sumário

I - Mostram-se cumpridos os ónus de impugnação, constantes do nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil quando o Recorrente, embora não especifique, por referência a cada ponto da matéria de facto, por si impugnado, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, o faça por referência a um conjunto de factos, de número restrito, conexos entre si e reportados à mesma realidade, com indicação da decisão da matéria de facto por si proposta relativamente a cada facto.
II - A doutrina e jurisprudência maioritárias vêm atribuindo, ao mútuo, a natureza jurídica de contrato real “quoad constitutionem”, a significar que a entrega daquilo que é objecto do contrato não faz parte da execução deste, antes integrando a sua própria constituição.
III - Resultando o negócio jurídico da manifestação de duas vontades, livres e esclarecidas, verifica-se a tradição da coisa quando a quantia mutuada é entregue directamente a terceiro, por determinação do mutuário.

Texto Integral

Processo nº 2573/21.5T8PRD.P1

Acordam as Juízas da 5ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Morais

Primeira Adjunta: Ana Paula Amorim

Segunda Adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida

I. Relatório

AA e mulher BB intentaram a presente acção declarativa com processo comum contra CC, pedindo que o contrato de mútuo outorgado entre Autores e Réu seja declarado nulo, e condenado este a restituir-lhes a quantia de €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor para os juros civis, desde a data de citação para a presente acção até integral e efectivo pagamento.

Alegaram, em síntese, que:

i. Autor e Réu são irmãos e, conjuntamente com o irmão DD, foram sócios da sociedade comercial “A..., Lda.” que hoje já se encontra liquidada.

ii. Em 28 de Junho de 2010, a sociedade “A..., Lda.”, outorgou um mútuo com hipoteca e fiança com a Banco 1..., através do qual esta instituição bancária concedeu um empréstimo, no valor de € 70.000,00, àquela, e os três sócios e respectivos cônjuges responsabilizaram-se solidariamente como fiadores e principais pagadores e prestaram, ainda, garantia constituindo uma hipoteca sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ..., que detinham em compropriedade.

iii. O contrato de mútuo foi incumprido, tendo dado origem a que a Banco 1..., em 2014, instaurasse a acção executiva cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Lousada, Secção de Execução – J2, sob o n.º 84/14.4TBPRD.

iv. Atenta a hipoteca e as fianças constituídas, os aí executados, onde se incluíam os aqui Autores e Réu, encetaram esforços conjuntos em ordem a alcançar uma solução para extinguir a execução que sobre eles impendia.

v. A Banco 1..., em 10/08/2021, após contactos com os executados, comunicou, ao executado DD, estar disponível para pôr fim ao processo executivo através do pagamento da quantia total de € 100.000,00 no prazo de trinta dias.

vi. Ante a comunicação recebida, os executados maridos reuniram-se, entre o dia 10 e o dia 13 de Agosto de 2015, e acordaram que o executado DD iria proceder ao pagamento da quantia de €100.00,00 (cem mil euros), à Banco 1..., e, em contrapartida, os demais executados entregariam €14,500,00 (catorze mil e quinhentos euros), cada, àquele, e anuíam em por fim à compropriedade sobre o bem imóvel dado de garantia, reunindo DD a totalidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel.

vii. O Réu anunciou estar disponível para por fim à compropriedade existente sobre o imóvel a favor do irmão DD, mas não ter disponibilidade financeira para pagar a quantia de €14.500,00, e interessado em ver resolvida a execução que impendia sobre si e sua mulher, solicitou aos irmãos – o aqui Autor marido e DD -, que lhe emprestassem esse montante.

viii. Em ordem a viabilizar a solução alcançada, o Autor marido propôs, ao Réu,  emprestar-lhe a quantia de € 14.500,00, proposta que este aceitou, tendo ficado acordado  entre ambos que a quantia seria entregue directamente a DD, para pagamento do valor responsabilidade do segundo que restituiria, ao primeiro, aquele montante, em singelo.

ix. Em 13/08/2015, os Autores entregaram, a DD, um cheque emitido pela Autora BB, a favor daquele, sacado sob a Banco 1..., no montante total de € 29.000,00, para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do Réu.

x. No dia 20/08/2015, o executado DD procedeu ao pagamento dos €100.000,00 junto da Banco 1... que declarou que todos os executados se encontravam desonerados das suas responsabilidades, como hipotecastes e fiadores.

xi. Em 17/11/2015, em cumprimento do acordado todos os executados outorgaram a escritura de divisão de coisa comum sobre o imóvel dado de hipoteca, passando DD a ser proprietário único do referido imóvel.

xii. No passado mês de Abril do corrente ano, atento o decurso do tempo decorrido desde a celebração do mútuo e a total ausência de pagamento por parte do Réu, o Autor interpelou-o,  presencialmente, exigindo o pagamento do montante mutuado.

xiii. Até à presente data, o Réu não procedeu ao pagamento, aos Autores, da quantia de €14.500,00.

xiv. O contrato de mútuo, celebrado entre Autores e Réu, está ferido de nulidade por falta de forma, uma vez que foi celebrado verbalmente, tendo a declaração de nulidade do mútuo, por falta de forma, como consequência a restituição, pelo mutuário, de tudo o que tiver sido prestado, nos termos do artigo 289.º n.º1 do Código Civil.

Citado, o Réu CC apresentou contestação, alegando que nunca pediu, aos Autores, a quantia de €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros), nem estes lhe entregaram ou disponibilizaram, para ele usar e fruir, tal montante, a qualquer título.

Argumenta que acordou, apenas, colocar fim à compropriedade sobre o imóvel dado de garantia, à Banco 1..., prescindindo da sua quota parte (1/3) sobre o referido prédio, a favor do seu irmão DD, se este se assumisse principal e único pagador da totalidade da divida à Banco 1..., conforme resulta da “Declaração vinculativa”, datada de 09 de Junho de 2015, com reconhecimento de assinatura do Réu, no Cartório Notarial de Paredes, e que foi entregue àquele, por exigência do mesmo, na sequência do que havia ficado acordado, no mesmo dia em que foi apresentada a proposta de pagamento da quantia exequenda à Banco 1....

Invoca, ainda, que, sendo o contrato de mútuo considerado um contrato real quoad constitutionem, a existir, para além de nulo por vício de forma, seria também nulo por falta de objecto, nos termos do artigo 280.º do C.C., pelo que, o Réu nunca estaria obrigado a restituir tal montante aos Autores.

Concluem, pedindo a absolvição do pedido.


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Os autos prosseguiram com dispensa de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador tabelar.

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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo:

Em conformidade com o acima exposto, julgo totalmente procedente, por provada a presente acção e, por consequência, declaro nulo o contrato de mútuo celebrado entre as partes, por verificado o vício de forma, condenando o réu CC, a restituir aos autores o capital mutuado de €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal a partir da data da citação e dos vincendos até integral pagamento e de juros à taxa legal aplicável, desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.

Custas a cargo do Réu (artigo 527º., nºs. 1 e 2 do CPC).

Registe e Notifique”.


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Inconformado, o Réu/Recorrente interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

1- É fundamento do presente recurso a errónea apreciação da matéria de facto e de direito, pelo que pretende o recorrente, nos termos do disposto nos artigos 662.º, nº 1 do C.P. Civil, que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada.

2- Assenta o inconformismo do recorrente nas seguintes questões:

- da errónea apreciação da matéria de facto dada por provada;

- da contradição da matéria de facto dada por provada entre os pontos 18, 19 , 20 e 21 e os pontos 7, onde se lê: “ os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”, 8, onde se lê: “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar €14.500,00”, 9, 10, 11, 12, onde se lê: “… para pagamento do acordado, €14.500,00 dos Autores e €14.500,00 do réu, com obrigação de restituição.”, 16 e 17;

- da violação do preceituado no art. 414.º do CPCivil;

- da errónea aplicação do direito;

3- Sustenta o recorrente que a prova produzida, se devidamente apreciada, conduzia e conduz, necessariamente, a decisão consentânea com a tese do R./recorrente!

4- Tem, por isso, o presente recurso por objeto a reapreciação da prova gravada, bem como a matéria de direito!

5- O recorrente não se conforma com a decisão da matéria de facto consubstanciada em 7,  onde se lê: “ os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”, 8, onde se lê: “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar €14.500.”, 9, 10, 11, 12, onde se lê: “… para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e €14.500,00 do réu, com obrigação de restituição.”,16, 17 e 22 dos FACTOS PROVADOS da sentença a quo, a qual, para efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC vai impugnada, pugnando, o, ora, Recorrente, que a mesma deva constar do elenco dos FACTOS NÃO PROVADOS!

6- E, desde logo, serve à sustentação da pretendida alteração da resposta dada a tal matéria  de facto as declarações de parte do R., ora, recorrente produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento do dia 10 de novembro de 2022, gravadas em formato digital no Sistema “Habilus Media Studio”, do minuto 00:00:01 até ao minuto 00:34:05., nomeadamente do minuto 13m:37s ao minuto 32m:07s.

7 - Tais declarações não podem ser afastadas por falta de credibilidade, como se afirma na sentença em crise, desde logo e porque, tais declarações encontram-se sustentadas no documento intitulado de Declaração Vinculativa de fls. 64 dos autos, onde pode ler-se: “… declara que prescinde da sua quota parte (um terço) que possui no referido prédio a favor do seu irmão DD (…), para que ele, seu irmão, o referido DD titule perante aquela entidade bancária, a Banco 1..., S.A., um acordo de pagamento da referida dívida, e que passe a ser titular e principal pagador da referida dívida na sua íntegra…” e que constitui a matéria dada por provada em 18 a 20, da sentença a quo!

8- Da conjugação das declarações do R., ora recorrente com o teor da declaração de fls. 64 dos autos e, ainda, com a matéria dada por provada em 21 e 22 da sentença em crise é míster concluir que andou mal a Mma. Juíza a quo na resposta dada à matéria, ora, sub impugnação, pois que, sobre tal matéria, apontam os elementos dos autos aqui chamados a apreciação Superior, para resposta negava, impondo-se, assim, ser a mesma carreada para o elenco dos FACTOS NÃO PROVADOS! Talqualmente o impõem, ainda, as  regras da experiência!

9- Não é verosímil que cedendo o R., ora, recorrente a sua quota parte do Direito (1/3) que a ele assistia no prédio que servia de garantia à divida existente à Banco 1..., e, sendo o prédio de valor superior ao valor em dívida, que o mesmo ainda assumisse uma dívida, para com os AA. de forma a comparticipar no pagamento dessa dívida, que, diga-se, havia sido assumida integralmente pelo beneficiário da cessão – DD, o qual, tinha e teve um incremento patrimonial positivo, traduzido na diferença entre o valor da dívida negociada (100.000,00€) e o valor do prédio (superior a 100.000,00€ tal como resultou provado na sentença).

10- De igual forma, não é verossímil que numa alegada negociação entre o A. marido, o R., aqui recorrente e o irmão DD, o A. marido e o R./recorrente viram-se obrigados a assinar um documento, “Declaração Vinculava”, em que declaram prescindir do seu direito no prédio descrito em 3 dos Factos Provados na sentença em recurso em contrapartida do pagamento integral da dívida pelo irmão DD à Banco 1...., e não tenha havido o cuidado e a exigência de redução a escrito do contrato de mútuo que os AA, ora, recorridos, pretendem que vingue nos presentes autos.

11- Repare-se na cautela que constitui a Declaração Vinculava, cujo facto, nela contido,  sempre teria que ser objeto de escritura pública ou documento particular autenticado e, na absoluta falta de cautela por parte dos AA., aqui recorridos, no pretenso empréstimo de €14.500,00 com o R., aqui recorrente. A alegada negociação é simultânea!

12- Nega o R./recorrente da existência do alegado mútuo verbal com a obrigação de restituição, porquanto o mesmo nunca anuiu ou aceitou ou se constituiu devedor de tal quantia perante os AA., aqui recorridos, e, disso, deu o mesmo conta nas declarações supra transcritas, que se impunha que fossem devidamente valoradas, pelo Tribunal a quo!

13- Acresce também, não ser verosímil que, enriquecido já o DD no valor correspondente à diferença entre o valor integral da dívida e o valor do prédio, o A. marido, aqui recorrido e o R./recorrente, ainda, hajam contribuído, adicionalmente, para o enriquecimento do irmão DD com mais € 29.000,00, bem ao arrepio da Declaração Vinculava de fls. 64 dos autos, no termos da qual, o irmão DD assumia integralmente o pagamento do valor em dívida à Banco 1....

14- Nega, ainda, a matéria de facto sub impugnação, a efectivação do pagamento integral da dívida pelo referido DD à Banco 1..., S.A. - matéria provada em 14 dos Factos Provados na sentença a quo!

15- Também negam a matéria de facto sub impugnação e sustentam a alteração à resposta

dada a tal matéria, os factos provados em 18, 19, 20 e 21 da sentença a quo, por manifesta

contradição!

16- De facto, o acordo que consubstancia os referidos pontos 18, 19, 20 e 21 dos factos provados da sentença a quo colide e contraria a matéria de facto sub impugnação, pelo que a resposta assim dada à matéria impugnada, não pode manter-se na ordem jurídica, e, por consequência a sentença em crise!

17- A Mma. Juiz a quo fez uma má valoração e apreciação crica à prova testemunhal e documental produzida nos autos, existindo, por via disso, erro de Julgamento!

18- Sustenta, ainda, a alteração da resposta dada à matéria e facto sub impugnação e a credibilidade das declarações de parte do R., aqui recorrente, o depoimento da  testemunha EE, prestado em sede de audiência de discussão e julgamento do dia 10 de novembro de 2023, gravado em CD no Sistema “Habilus Media Studio”, do minuto 00.00.01 até ao minuto 00.10.50, designadamente as declarações prestadas pela mesma do minuto 02m:18s aos 10m:44s.

19- Do referido depoimento, não resulta demonstrado, em momento algum, a celebração do contrato de mútuo alegado pelos AA., antes, isso sim, a negação reiterada do R., ora, recorrente, de que não tinha forma de participar na resolução da situação juntamente com os irmãos porque não tinha dinheiro, não tinha como pagar, o que, não nega as declarações de parte do R., aqui recorrente, antes as sustenta!

20- Salvo o devido respeito que é muito, dir-se-á que é notório e evidente na sentença em crise a má apreciação do depoimento prestado por esta testemunha que, ao contrário do que se diz na sentença em crise, nega a tese dos AA., aqui recorridos e serve à alteração da matéria de facto que, pelo presente recurso, se pugna!

21- Mal andou a Mma. Juiz a quo na apreciação de tal depoimento, como na decisão proferida e resposta dada à matéria fáctica impugnada. Fez a Mma. Juiz a quo tábua rasa das contradições patentes e claras que resultam do confronto entre o depoimento da testemunha EE e das declarações do A. marido, ora, recorrido, prestadas na audiência de discussão e julgamento do dia 10 de Novembro de 2023, gravado em CD no Sistema “Habilus Media Studio”, do minuto 00.00.01 ao minuto 00.19.08 supra transcritas, nomeadamente as declarações prestadas do minuto 15m:11s ao minuto 16m:36s e bem assim, das declarações prestadas pela testemunha DD no mesmo dia, do minuto 13m:19s ao minuto 26m:47s.

22- As menos boas relações afirmadas pela testemunha com o R./recorrente e, o desagrado que a testemunha EE declarou ter causado nos AA., aqui recorridos e na testemunha DD, seu pai, pelo facto de o R/recorrido não possuir quaisquer bens em seu nome, impunham uma desconsideração do depoimento daquele DD, por parcial e tendencioso, capaz de suscitar, no mínimo, a dúvida quanto à sua veracidade e imparcialidade!

23- A sentença sub recurso, padece, assim, de vicio de errónea apreciação e interpretação   da prova produzida nos autos, inclusive na apreciação e valoração das declarações de parte do A. marido, ora, recorrido, as quais se mostram eivadas de falsidades, imprecisões, Capazes de suscitar, também e, desde logo, pelo menos a dúvida. Acresce serem as mesmas, incoerentes e incongruentes quando em confronto com o depoimento da testemunha EE e as declarações do R, ora, recorrente!

24- Atentos os depoimentos e declarações que se deixaram transcritas, não podia como fez a sentença em crise concluir que as relações entre o A. marido, aqui recorrido, a testemunha DD e o R., recorrente eram estreitas e de confiança, a ponto de o A. marido prescindir de um documento escrito a titular um contrato de mútuo, no valor peticionado, quando foi imposta ao A. marido e ao R., a outorga da declaração vinculativa de fls. 64 dos autos.

25- Acrescem as incongruências retiradas do depoimento produzido por DD, no que se refere à presença do R., aqui recorrente nas negociações com a Banco 1..., quando confrontadas com as declarações prestadas pelo A. marido quanto a esta matéria e pela Testemunha EE, que se deixaram transcritas in supra.

26- Uma análise critica à prova produzida, feita à luz das regras de experiência comum e com juízos de normalidade, conduziria, forçosamente, à adesão na sentença em crise à tese do R., ora Recorrente!

27- Diga-se, ainda que, atenta a prova produzida nos autos e/ou a falta dela, a Mma. Juiz a quo não poderia de deixar de assumir, no mínimo, uma posição de dúvida relativamente à matéria dos pontos 7, onde se lê: “ os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”, 8, onde se lê: “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar € 14.500,00”, 9, 10, 11, 12, onde se lê: “… para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do réu com obrigação de restituição.”, 16 , 17 dos factos provados da sentença sub judicie!

28- E, ainda que na dúvida sobre a veracidade de tais factos, impunha-se que o tribunal a quo desse resposta negava aos referidos pontos 7, onde se lê: “ os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”, 8, onde se lê: “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar € 14.500,00”, 9, 10, 11, 12, onde se lê: “…para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do réu, com obrigação de restituição.”, 16, 17 da sentença sub judicie, por efeito do disposto no artigo 342.º do C Civil e 414.º do CPC, donde resulta que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, pois que a dúvida sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus de o provar.

29- A Mma. Juiz a quo a contrario do que se diz no aresto em crise, não usou das regras de experiência e de senso comum, conforme devia, e não fez uma apreciação racional e crítica da prova, incluindo o depoimento prestado pelas testemunhas, declarações de parte e documentos.

30- Há na sentença sub recurso erro na apreciação das provas e, por isso, erro de julgamento, por ausência de valoração racional, integrada, perceção e análise do depoimento testemunhal e documentos dos autos.

31- Pugna-se pela alteração da resposta dada à matéria e facto nos termos referidos supra, que determinarão em conformidade a revogação da sentença e consequente absolvição do R./Recorrente!

32- Dispõe o artigo 1142.º do Código Civil que, “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade.”

33- Sendo o contrato de mútuo considerado um contrato Real quoad constitutionem (artigo 1142.º do Código Civil), isto é, um que só se considera concluído com a entrega da coisa ao mutuário, o alegado contrato mútuo a existir, o que não se concede, para além de nulo por vício de forma, seria também nulo por falta de objeto, nos termos do artigo 280.º do Código Civil, decorrendo essa falta do objecto do referido ato translativo da coisa mutuada!

34- E bem assim se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 325/12.2TBTBU, datado de 01.12.2015, publicado in www.dgsi.pt:

35- “I- O contrato mútuo – considerado como um contrato real – apenas se considera concluído com a entrega da coisa ao mutuário, pelo que, o acordo de vontades no que toca aos elementos integradores desse contrato, ainda que inclua o valor a mutuar e os termos e condições em que se irá processar a sua restituição, é insuficiente para a sua conclusão e para a constituição da obrigação que dele emerge para o mutuário (de restituição da quantia mutuada) obrigação esta que apenas se constitui com a efetiva entrega da quantia mutuada ao mutuário.”

36- É que, “o conceito legal de restituição implica que a pessoa obrigada tenha efetivamente recebido, só podendo restituir quem recebeu”

37- Sendo o mútuo nulo por vício de forma, a declaração de nulidade implica serem as partes restituídas à situação anterior a ele, nos termos do artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, devendo restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

38- Sem prescindir da inexistência do alegado contrato de mútuo, sempre se dirá que, os AA./ recorridos não entregaram ou colocaram à disposição do recorrente qualquer quantia, para uso e fruição, pelo que, nada lhe prestaram.

39- Não integrada no património do recorrente, a quantia de €14.500,00, aludida na ação, nunca haveria ou há lugar à restituição peticionada!

40- Ainda, e sem prescindir, resulta do disposto no argo 342.º do C Civil e 414.º do CPC, que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, pois que a dúvida sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus de o provar, in casu os AA., recorridos!

41- Por tudo quanto vem de dizer, viola a douta sentença em recurso o disposto nos artigos  342.º artigo 289.º, n.º 1, 1142º do Código Civil e argos 414.º, do CPCivil, bem como o primado da verdade material!

NESTES TERMOS e nos mais de Direito que V. Exas., doutamente, suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência revogar-se a sentença recorrida, em conformidade com as conclusões supra expostas”.


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Os Autores/Recorridos apresentaram resposta,  formulando as seguintes conclusões:

I. O Réu/Recorrente vem pugnar pela revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo que, julgou totalmente procedente, por provada a acção e em consequência declarou nulo o contrato de mútuo celebrado entre as partes, por verificado do vício de forma, condenando o Réu, a restituir aos Autores, o capital mutuado de € 14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora contados à taxa legal a partir da data da citação, e nos vincendos, até integral e efectivo pagamento;

II. Coloca em crise a matéria de facto e de direito, impugnando os factos provados 9, 10, 11, 14, 18, 19, 20 , 21, 22 e ainda o facto provado 7 onde se lê “os demais executados entregariam € 14.500,00 ((catorze mil e quinhentos euros)”, facto provado 8 onde se lê ”…mas não ter disponibilidade para pagar € 14.500,00”, e facto provado 12 onde se lê “…para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500 do réu, com obrigação de restituição”;

III. Delimita o âmbito do recurso à alegada existência de uma errónea apreciação da matéria de facto e contradição entre matéria de facto dada por provada e errónea aplicação do direito e violação do artigo 414.º do CPC;

IV. Nas suas alegações não obstante indicar os meios de prova concretos que na sua perspetiva e valoração impunham decisão diversa, em momento algum especifica quais os meios de prova que em concreto impõem decisão diferente quanto ao concreto facto que pretende impugnar, tecendo considerações genéricas. subjectivas e repetitivas, impugnando em conjunto os factos que coloca em crise, limitando-se a concluir impor-se uma alteração à matéria de facto que impugna por alegado erro na apreciação da prova;

V. Como é consabido, o artigo 640º do Código de Processo Civil estabelecendo que recai sobre o recorrente um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação – e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação;

VI. O Recorrente incumpre este ónus que sobre si impende, pelo que deve o recurso interposto ser rejeitado por violação do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil;

VII. Por cautela e dever de Patrocínio, seguirão os Autores/Recorridos a responder à impugnação da matéria de facto do Réu/Recorrente, fazendo um esforço por seguir as alegações do Recorrente atenta a forma desorganizada, repetitiva e generalizada como as mesmas se apresentam;

VIII. O Réu/Recorrente sustenta a sua alegação nas declarações de parte por si prestadas, nas declarações de parte do Autor marido/recorrido que reputa de falsas e nos depoimentos das testemunhas EE e DD;

IX. A sentença recorrida, e bem, na exposição da convicção do Tribunal, afirma, “As declarações de parte do réu CC mostraram-se confusas, incongruentes e, em alguns pontos inverosímeis. E, por isso, foram reputadas de pouco esclarecedoras e notoriamente parciais, quando negou que o autor lhe tivesse emprestado a quantia de € 14.500,00 reportada ao acordo que os três irmãos alcançaram na referida reunião.”;

X. O Réu/Recorrente defende que seja conferida credibilidade às suas declarações de parte, porém, trunca as declarações prestadas, expurgando-as das partes que confirmam aquela  que foi a convicção do Tribunal a quo e que determinou a falta de credibilidade das mesmas concluindo ainda que as declarações de parte por si prestadas vêm sustentadas no documento declaração vinculativa de fls. 64 dos autos;

XI. Atente-se na transcrição das declarações de parte prestadas pelo Réu/recorrente em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10/11/2022 gravadas em formato digital no sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:34:05 com início de gravação 15h20m e fim de gravação às 15h54m,mais concretamente de 01m46s a 33m57s );

XII. Não é aceitável que o Réu/recorrente tenha afirmado em tribunal que foi o irmão DD que lhe trouxe o documento e ele assinou, quando a sua assinatura está reconhecida por notário (Cfr documento n.º 01 com a contestação. a fls. 64 autos):

XIII. Como não é igualmente aceitável a afirmação do Réu/Recorrente de que não esteve presente na escritura de divisão de coisa comum, quando tal resulta da certidão da escritura de divisão de coisa comum outorgado em cartório notarial (Cfr documento n.º 11 junto à PI);

XIV. Como não tem qualquer sentido que o Réu/Recorrente tenha afirmado e reiterado que após uma conversa com os irmãos, antes mesmo da Banco 1... ter avançado com acção executiva, nunca mais tenha reunido com eles para discutir este incumprimento, mas quando questionado sobre a tal declaração vinculativa responda que afinal sim mas foi o irmão que lhe trouxe o documento e ele assinou;

XV. As declarações do Réu/Requerido, como bem verteu a Meritíssima Juiz na sentença ora em crise são inverosímeis e negadas pelos documentos autênticos juntos aos autos (cfr. documentos n.º s 4, 5, 11 juntos com a Pi e documento 1 junto com a contestação);

XVI. Note-se que consta da referida declaração vinculativa que a mesma apenas será válida se houver acordo integralmente aceite pela Banco 1.... (Cfr. documento de fls. 64), e como resulta comprovado nos autos, o acordo alcançado com a Banco 1..., dois meses depois, em 20 de agosto de 2015, não foi um acordo de pagamento da dívida, titulado pelo irmão DD como titular único responsável pela divida, mas sim o pagamento da divida que onerava os três irmãos executados, numa única prestação de €100.000,00 que a todos desonerou das suas responsabilidades como hipotecantes e fiadores. (Cfr facto provado 14);

XVII. Pelo que, ao contrário do alegado pelo Réu/Recorrente, é verosímil sim que além da quota parte do imóvel que os irmãos já haviam anuído em ceder ao irmão DD caso este assumisse sozinho um acordo de pagamento da totalidade da divida junto da Banco 1..., perante a exigência de pagamento imediato em uma só prestação de uma quantia de €100.000,00, o irmão DD tivesse reunido com o Autor/Recorrido e Réu/Recorrente e tivessem anuído, como anuíram, além da quota parte do imóvel, pagar mais €14.500,00 cada um;

XVIII. Atente-se na transcrição do depoimento prestado pela Testemunha DD em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10/11/2022 gravadas em formato digital no sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:28:22 com início de gravação 15h 56m e fim de gravação às 16h24m, mais concretamente a passagem de 08m05s a 10m46s;

XIX. Não faz qualquer sentido a alegação do Réu/Recorrente, que invocando o alegado valor de mercado do imóvel pretende fazer crer que não faria sentido ceder a quota parte do imóvel e pagar mais € 14.500,00, como se cenários hipotéticos pudesses fazer prova da não existência do mútuo;

XX. As partes são livres de negociar os termos dos seus negócios, e não cabe aos tribunais analisar os negócios sob a perspectiva da sua eficiência económica para estabelecer uma qualquer relação de existência ou não de um negócio na perspectiva de o mesmo ser bom ou mau;

XXI. Como não faz igualmente sentido o paralelo que o Réu/Recorrente pretende fazer entre, por um lado a exigência da declaração vinculativa e por outro a falta de cautela dos Autores/Recorridos em não reduzir a escrito o mútuo dos € 14.500,00;

XXII. Desde logo, e contrariamente ao alegado pelo Recorrente a negociação não é simultânea, a declaração vinculativa está datada de junho de 2015 e o mútuo ocorreu em Agosto de 2015, sendo que o mútuo é contemporâneo do pagamento de € 100.000,00 à Banco 1..., quando a declaração vinculativa expressamente nos diz que o pretendido era que o irmão DD assumisse sozinho como único responsável um acordo de pagamento da divida com a Banco 1...;

XXIII. Aliás, resulta das declarações de parte do Autor marido/Recorrido precisamente isso, que em reunião na Banco 1... ficaram com a ideia que com € 85.000,00 resolveriam a situação mas depois veio a resposta da Banco 1... no valor de € 100,000,00 e a pagar em 30 dias (Cfr. transcrição das declarações de parte prestadas pelo Autor marido AA em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10/11/2022 gravadas em formato digital no sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:19:08 com início de gravação 15h006m e fim de gravação às 15h19m, mais concretamente a passagem de 15m 11 s a 15m 41s);

XXIV. No mais, parece o Réu/Recorrente esquecer que quem exigiu a declaração vinculativa foi o irmão DD e quem emprestou o dinheiro foram os Autores/Recorridos, pessoas diferentes, daí que insinuar que face a tal exigência por parte do DD, se o mútuo tivesse existido também os Autores teriam exigido documento escrito, é completamente descabido e só demonstra a fragilidade do presente recurso, pois só o desespero pode justificar tais alegações ficcionadas;

XXV. Como é igualmente descabido a alegação do Réu/Recorrente de que só o facto de o DD ter exigido a declaração vinculativa aos irmãos por si só demonstra que não podia existir uma relação estreita e de confiança a ponto de o autor marido prescindir de um documento escrito a titular um contrato de mútuo no valor peticionado;

XXVI. Atente-se nas declarações de parte prestadas pelo Réu, transcritas nas contra-alegações, nas quais é o próprio Réu que afirma que as relação eram boas e de confiança principalmente com o irmão AA;

XXVII. Mais se acrescente que em sede de depoimento a testemunha DD afirmou que a declaração vinculativa foi pedida aos irmãos para ele ter poder negociar com o banco.(Cfr. transcrição do depoimento prestado pela Testemunha DD em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10/11/2022 gravadas em formato digital no sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:28:22 com início de gravação 15h 56m e fim de gravação às 16h24m, mais concretamente a passagem de 25m 36s a 26m41s);

XXVIII. O Réu/Recorrente, coloca em crise a matéria de facto provada no facto provado 14, porém tal facto resulta provado com documentos n.ºs 09 e 10 juntos aos autos com a PI como aliás resulta da fundamentação da sentença em crise;

XXIX. Mais alega o Réu/recorrente que nega a matéria de facto sub impugnação dos factos provados 18, 19, 20 e 21, por manifesta contradição, defendendo que o acordo que consubstancia os referidos pontos 18, 19, 20 e 21 dos factos provados colide e contraria a matéria de facto sub impugnação;

XXX. Não se alcança qual a contradição que o Recorrente alega existir. Se da exposição do âmbito do recurso parece resultar que o Recorrente entende existir contradição entre os factos provados 18, 19, 20 e 21, 9, 10, 11, 16, 17 e os segmentos que indica dos factos provados 7, 8 e 12, das suas alegações, já parece resultar que os factos provados 18, 19, 20 e 21 colidem e contrariam a matéria de facto sub impugnação;

XXXI. Para que exista contradição entre factos provados na sentença, necessário é que tais factos estejam de facto em contradição entre si, não em contradição com os factos que alegadamente o recorrente defende que deveriam figurar na sentença, que é que parece resultar da alegação do Reu/Recorrente, que este entende que os factos provados 18,19,20 e 21, estarão em contradição com restantes factos provados, mas na sua alegada e eventual versão num elenco de factos não provados;

XXXII. Mais se diga que em contradição parece estar o Réu/Recorrente, que diz pretender impugnar o facto provado 21 que se refere ao preço de mercado do imóvel dado de hipoteca à Banco 1..., mas parágrafos antes afirma “ Da conjugação das declarações do R, ora recorrente com o teor da declaração de fls. 64 dos autos e ainda, com a matéria dada por provada em 21 e 22 da sentença em crise é mister concluir que andou mal a Mma Juíza a quo na resposta dada à matéria , ora sub impugnação…”;

XXXIII. O mesmo sucedendo quanto ao facto provado 22, que como acabamos de ver é considerado provado e utilizado para sustentar a tese do Recorrente, mas depois surge na conclusão n.º 5 no elenco dos factos provados que o Réu/Recorrente entende deverem transitar para o elenco dos factos não provados;

XXXIV. O Réu/Recorrente invoca também o depoimento prestado pela testemunha EE, em sede de audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de novembro de 2022, gravado em formato digital no sistema “Habilus Media Studio” do minuto 00.00.01 a 00:10:50, alegando que do depoimento prestado por esta testemunha não resulta em momento algum a celebração do mútuo, antes a negação do Recorrente de que não tinha forma de participar na resolução do litígio conjuntamente com os irmãos porque não tinha dinheiro, o que sustenta as declarações do Réu;

XXXV. Não corresponde à verdade que do depoimento prestado pela Testemunha EE não resulta a celebração do mútuo, a testemunha EE, como resulta do seu depoimento, afirmou antes não ter estado presente nas reuniões entre os três irmãos, falava com o pai e o pai é que falava com os irmãos. (cfr transcrição do depoimento desta testemunha efectuado pelo Recorrente nas suas alegações, concretamente passagem de 04m 12s a 04m 20s), e de facto disse que o Tio (Recorrente) afirmou não ter dinheiro, mas isso não invalida a existência do mútuo, parece só o confirmar, pois na verdade só precisa de um empréstimo quem não tem dinheiro;

XXXVI. Aliás aquilo que foi trazido aos autos quer pelo Autor/recorrido na Petição inicial e corroborado em declarações de parte por si prestadas, e pela testemunha DD foi precisamente que em reunião entre os três, o Réu/Recorrente disse não ter dinheiro para participar da solução e daí nasce a proposta do Autor/Recorrido em lhe emprestar  os € 14.500,00 e que aquele aceita. (cfr. transcrição acima efetuada do depoimento da Testemunha DD em 52. desta peça);

XXXVII. O facto de a testemunha FF ter afirmado que o Réu/Recorrente lhe disse não ter dinheiro, não corrobora de todo as declarações de parte do Reu /Recorrente, já que o Réu/recorrente nas suas declarações de parte nunca disse que não falou mais com os irmãos e que só cedeu a parte dele do imóvel e que nunca pediu nada a ninguém. (Cfr.  transcrição acima efectuada das declarações de parte do Réu /Recorrente);

XXXVIII. Mais alega o Réu/ Recorrente a contradição entre o depoimento prestado pela Testemunha EE e as declarações de parte prestadas pelo Autor marido/Recorrido,  quanto à intervenção e presença do Réu/Recorrente no processo negocial junto da Banco 1..., o que na sua tese demonstra a falsidade das declarações de parte do Autor marido/Recorrido;

XXXIX. As contradições aqui invocadas pelo Réu/Recorrente apenas se podem dever a falta de atenção ou a uma audição truncada dos referidos depoimento e declaração de parte, já que a .Testemunha EE no seu depoimento diz que o tio CC, o recorrente não os acompanhou à Banco 1... no dia do pagamento, e o Autor marido/recorrido na sua declaração de parte diz que foram lá os três, ele, o DD, o CC, a esposa do Autor, esposa do DD e a sobrinha, que era a intermediária com o funcionário da Banco 1..., mas não se está a referir ao dia do pagamento, mas a reuniões anteriores;

XL. Resulta evidente, até porque, nessa sequência afirma que lhe transmitiram que com €85.000,00 era capaz de resolver, mas depois veio a resposta da Banco 1... a dizer que eram € 100.000,00. E tinham 30 dias para pagar.(cfr transcrição de enxerto das declarações de parte do autor marido de ….

XLI. Não há qualquer contradição entre o depoimento da testemunha EE e a declaração de parte do Autor marido;

XLII. Tal como exposto na sentença em crise “ declarações de parte prestadas pelo autor AA foram lógicas, claras e espartanas. …”

XLIII. Padece também de qualquer fundamento a alegação do Réu/Recorrente de que o testemunho do seu irmão DD foi parcial e tendencioso, apena porque no seu depoimento afirmou a  sua relação com o CC nunca foram muito boas, pois tal menção não é apta a descredibilizar a testemunha em causa;

XLIV. O Réu/Recorrente invoca o depoimento das testemunhas EE e DD, as declarações de parte e declarações de parte do Autor marido/Recorrido, pretendendo inverter a credibilidade que foi conferida às declarações de parte de cada uma das partes e fazendo uma leitura truncada dos dois depoimentos testemunhais;

XLV. O Réu/Recorrente pretende subtrair à Meritíssima Juiz a quo a convicção acerca de cada facto, a convicção que esta retirou do depoimentos das testemunhas e da restante prova produzida, fazendo substitui-la por uma convicção por si fabricada;

XLVI. O nosso sistema processual civil consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, os depoimentos testemunhais e declarações de partes, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (artigos 396º do Código Civil e artigos 466.º, n.º 3 e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil);

XLVII. A divergência de convicção pessoal do Réu/Recorrente sobre a prova produzida e aquela que o Tribunal a quo formou não se confunde com o vício imputado (erro na apreciação da prova) à sentença sob recurso;

XLVIII. Imputando à sentença recorrida o vício de erro na apreciação da prova, há que fazer uma censura da forma de formação da convicção do Tribunal, a qual não pode assentar em juízos subjectivos, como faz o Réu/Recorrente;

XLIX. Percebe-se a técnica adoptada pelo Réu/Recorrente nas suas alegações de em momento algum especificar qual a concreta prova que impõe um decisão diferente para o concreto facto, limitando-se a repetir consecutivamente erro de apreciação da prova num todo e tecendo considerações subjetivas conclusivas e interpretando os depoimentos de forma truncada;

L. O Réu/ Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia de especificar qual a prova que em concreto implicava uma decisão diversa quanto a determinado facto, porque sabe não existir;

LI. A sentença em crise não padece de erro na apreciação da prova e muito menos de qualquer contradição, o Réu/ Recorrente ao longo das suas alegações apenas expôs uma interpretação deturpada da prova produzida;

LII. Aderindo aos fundamentos expostos na motivação da decisão da matéria de facto, e porque não foram abalados nas alegações do Recorrente, sem nunca esquecer que o julgamento deve guiar-se por padrões de probabilidade e nunca de certezas absolutas e que a Meritíssima Juiz a quo teve oportunidade de apreciar a prova pessoal produzida na audiência final, com recurso aos instrumentos que lhe foram proporcionados pelos princípios da imediação e da oralidade, não há fundamento para alterar a matéria de facto que o Recorrente impugna já que a prova produzida não impõe (como é suposto pelo nº 1 do art. 662º) decisão diversa;

LIII. Vem o Recorrente alegar que sendo o contrato de mútuo um contrato real quoad constitutionem, que só se considera concluído com a entrega da coisa ao mutuário, o contrato de mútuo dos autos, a existir, para além de nulo por vicio de forma seria também nulo por falta de objeto, nos termos do artigo 280.º do Código Civil, decorrendo essa falta do objecto do referido ato translativo da coisa mutuada;

LIV. Concluindo que os Recorridos não entregaram ou colocaram à disposição do Recorrente qualquer quantia para uso e fruição, nada lhe prestaram, pelo que não haveria lugar à restituição, e suporta a sua alegação num Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo n.º 325/12.2 TBTBU, datado de 01.12.2015, do qual transcreve parte do sumário que nada sustenta a sua alegação, já que a factualidade tratada no acórdão é bem díspar da factualidade dos presentes autos;

LV. No Acórdão invocado o que está em causa é a existência de um contrato de crédito em que alegadamente estão apostas todos os termos do mútuo acordado, mas cujo montante nunca chegou a ser entregue ao mutuário, e no caso sub judice, o contrato de mútuo foi celebrado entre Autor marido/Recorrido e Réu/Recorrente, verbalmente, não tendo sido reduzido a escrito, sendo que o montante mutuado foi colocado à disposição do Réu,  mas entregue ao Irmão DD por ser esse o destino do montante mutuado;

LVI. Resulta claro do depoimento prestado pela testemunha DD e transcrito nestas contra alegações que quando recebeu dos Autores/Recorridos o cheque de € 29.000,00, o recebeu como sendo referente ao pagamento de €14.500,00 dos Autores e €14.500,00 do Réu, o que resulta de acordo prévio entre os três alcançado numa reunião realizada em sua casa; (cfr transcrição do depoimento prestado pela testemunha DD em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10/11/2022 gravadas em formato digital no sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:28:22 com início de gravação 15h 56m e fim de gravação às 16h24m, mais concretamente a passagem de 08m05s a 10m46s);

LVII. Há entrega do capital mutuado e por tal há lugar à restituição, pelo que também nesta sede não merece acolhimento a alegação do Réu/Recorrente;

LVIII. Mais alega o Recorrente que a sentença em crise viola o disposto no artigo 414.º do CPC, e 342.º do CC, limitando-se a praticamente a verter a letra da lei nas suas alegações afirmando “ a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, pois que a dúvida sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus de o provar, in casu os AA, recorridos!”;

LIX. Só pela deficiência da alegação que nada diz, e se limita a dizer que a norma foi violada já terá de improceder a alegação do Recorrente nesta parte, porém não enferma a sentença em crise de violação do artigo 414.º do CPC ao contrário do que alega o Recorrente;

LX. Com resulta da sentença em crise, “..fazendo apelo às regras da experiência comum e aos juízos de normalidade claramente a versão factual trazida a juízo pelo autor é credível, plausível e com meridiana suficiência resultou demonstrada, quer dos documentos juntos completados pelas declarações dos intervenientes directos, das partes e do irmão DD. Neste ponto, atentas as regras do ónus da prova e os factos provados que o autor logrou produzir, sem qualquer dúvida a sua versão dos factos é mais próxima da realidade dos factos consignados nos documentos autênticos juntos aos autos, ou seja, de na sequência do acordo verbal, o autor emprestou o valor que corresponderia ao irmão CC que nunca o restituiu”;

LXI. O Tribunal a quo observou as regras de direito probatório material na avaliação da prova produzida, pelo que nada há a censurar-lhe quanto à apreciação e à fixação da matéria de facto;

LXII. Por tudo quanto ficou exposto, resulta claro que o Réu/Recorrente não invocou qualquer prova que fosse apta a produzir uma qualquer alteração na matéria de facto provada, nem trouxe a esta instância uma qualquer questão de direito que determinasse uma solução diversa da já prolatada pelo Tribunal a quo.

LXIII. Assim, decidindo V. Exas pela total improcedência do recurso apresentado pelo Réu/Recorrente farão a acostumada justiça”.


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Por despacho de 28/11/2023, foi proferido despacho de admissão do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II_ Questões a decidir:

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos (cf. artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil).

Na resposta, apresentada pelos Recorridos, foi suscitada a questão do não cumprimento, por parte do Recorrente, dos ónus impostos pelo artigo 640º,nº1, do Código de Processo Civil.

Assim, há que apreciar as seguintes questões:
i. Rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento no não cumprimento dos ónus mencionados no nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil;
ii. Impugnação da decisão da matéria de facto:
i.a. Erro de julgamento por referência aos seguintes factos considerados provados os quais devem ser carreados para a matéria de facto não provada:
- o segmento do ponto 7: “… os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”,
- o segmento do ponto 8: “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar €24.500.”,
- factos constantes do ponto 9;
- factos constantes do ponto 10;
- factos constantes do ponto 11;
- segmento do ponto 12: “… para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e €14.500,00 do réu, com obrigação de restituição.”;
- factos constantes do ponto 16;
- factos constantes do ponto 17;
- factos constantes do ponto 22;

i.b.  contradição entre os factos ínsitos nos pontos 14, 18, 19 , 20 e 21 e o segmento “os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”, constante do ponto 7; o segmento “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar € 14.500,00”, constante do ponto 8; os factos ínsitos nos pontos 9, 10 e 11; o segmento “… para pagamento do acordado, €14.500,00 dos Autores e €14.500,00 do réu, com obrigação de restituição”, constante do ponto 12; e os factos vertidos nos pontos 16 e 17;

i.c. violação do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil;

iii. Da existência de um contrato de mútuo, celebrado entre as partes e, em caso afirmativo, da nulidade desse contrato, por vício de forma e por falta de objecto, e suas consequências.


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III. Fundamentação de facto

Da decisão recorrida, no ponto “IV. Fundamentos de Facto”, consta:

“IV - Fundamentos de Facto:

Com relevo dos documentos e da produção de discussão da causa resultaram os seguintes factos:

1). Os Autores são casados entre si desde 30.10.1971 sob o regime de bens de comunhão de adquiridos, cfr. averbamento n.º 1 de 2014-05-19 à certidão de nascimento do autor.

2). O Autor marido e Réu são irmãos, e, conjuntamente, com o irmão DD, foram sócios únicos da sociedade comercial “A..., Lda.”, pessoa colectiva n.º ..., sociedade que hoje já se encontra liquidada.

3). Em 28 de junho de 2010, a sociedade “A..., Lda.”, outorgou um mútuo com hipoteca e fiança com a “Banco 1..., S.A.” no qual aquela instituição bancária concedeu um empréstimo no valor de € 70.000,00 a favor da sociedade, e os três sócios e respectivos cônjuges se responsabilizaram solidariamente como fiadores e principais pagadores e prestaram ainda garantia constituindo uma hipoteca legal sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o numero ... e inscrita na matriz predial urbana sob o n.º ..., que detinham em compropriedade.

4). O contrato de mútuo foi incumprido, tendo dado origem a que a “Banco 1..., S.A.” em 2014, instaurasse acção executiva, a qual correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Lousada, Secção de Execução – J2, sob o n.º84/14.4TBPRD.

5). Atenta a hipoteca e as fianças constituídas, os aí executados, onde se incluíam os aqui Autores e Réu encetaram esforços conjuntos em ordem a alcançar uma solução para extinguir a execução que sobre eles impendia.

6). A Banco 1..., em 10/08/2021, através da sua mandatária e após contactos com os executados, comunicou ao executado DD estar disponível para pôr fim ao processo executivo através do pagamento da quantia total de € 100.000,00, no prazo de trinta dias.

7). Ante a comunicação recebida, os executados maridos reuniram-se, em data e hora que o Autor marido já não consegue precisar, mas que se situa entre o dia 10 e o dia 13 de Agosto de 2015, e acordaram entre os três, que o executado DD iria proceder ao pagamento dos € 100.00,00 (cem mil euros) à Banco 1..., e em contrapartida os demais executados entregariam € 14,500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada ao DD e anuíam em por fim à compropriedade sobre o bem imóvel dado de garantia, reunindo o DD a totalidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel.

8). Sucede que o Réu logo anunciou estar disponível para por fim à compropriedade existente sobre o imóvel a favor do irmão DD, mas não ter disponibilidade financeira para pagar os €14.500,00.

9). Pelo que, o Réu interessado obviamente em ver resolvida a execução que impendia sobre si e sua mulher, solicitou aos irmãos – o aqui Autor marido e DD, que lhe emprestassem esse montante.

10). Face a tal, e em ordem a viabilizar a solução alcançada o Autor marido propôs ao Réu, ser ele a emprestar-lhe o montante em causa, os € 14.500,00, proposta que o Réu aceitou.

11). Mais acordaram, Autor marido e o Réu, que os Autores procederiam à entrega dos € 14,500,00 directamente ao DD, para pagamento do valor responsabilidade do Réu, e que aquele lhe restituiria aquele montante, em singelo.

12). Em 13/08/2015, os Autores entregaram ao DD um cheque emitido pela Autora BB a favor daquele, sacado sob a Banco 1... com o n.º ..., no montante total de € 29.000,00, para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do Réu, com obrigação de restituição.

13). Cheque que o DD recebeu e no mesmo dia depositou em conta bancária por si titulada junto do Banco 2....

14). No dia 20/08/2015, o executado DD procedeu ao pagamento dos €100.000,00 junto da Banco 1... tendo aquela declarado que todos os executados se encontravam desonerados das suas responsabilidades, como hipotecantes e fiadores.

15). E em 17/11/2015, em cumprimento do acordado todos os executados outorgaram a escritura de divisão de coisa comum sobre o imóvel dado de hipoteca, passando o DD a ser proprietário único do referido imóvel.

16). No passado mês de Abril do corrente ano, em data que os Autores já não podem precisar mas sabem ser anterior ao aniversario do Réu, ou seja anterior a 16/04, atento o decurso de tempo decorrido desde a celebração do mútuo – mais de cinco anos, e a total ausência de qualquer pagamento por parte do Réu, o Autor marido interpelou o réu, presencialmente, exigindo o pagamento do montante mutuado.

17). Porém, até à presente data o Réu não procedeu ao pagamento aos Autores dos € 14.500,00 emprestados.

18). O Réu acordou e anuiu colocar fim à compropriedade sobre o imóvel dado de garantia à Banco 1..., prescindindo da sua quota parte (1/3) sobre o referido prédio a favor do seu irmão DD que se assumiria principal e único pagador da totalidade da dívida à Banco 1....

19). Tal acordo resulta na declaração vinculativa, datada de 09 de Junho de 2015, com reconhecimento de assinatura feita pelo Réu no Cartório Notarial de Paredes a cargo da Notária GG, subscrita e entregue pelo Réu ao seu irmão, DD, por exigência deste último na sequência do que havia ficado acordado, exactamente, no mesmo dia em que o referido DD, apresentou a proposta de pagamento da quantia exequenda à mandatária da Banco 1..., conforme documento nº. 6 junto com a petição e documento nº. 1 junto a fls. 64 e que se considera por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

20). O Réu acordou ainda que, caso viesse a ser assumida e efectivamente paga integralmente a dívida à Banco 1...., pelo seu irmão, DD, com liberação dele e dos demais responsáveis pela dívida, que assinaria e praticaria todos os actos necessários para que ele ficasse a figurar no registo predial como único proprietário do imóvel dado de Hipoteca à Banco 1....

21). O referido Imóvel tinha um valor de mercado superior a €100.000,00.

Mais resultou provado:

22). Há uma declaração idêntica àquela que o réu subscreveu e referida em 13)., subscrita pelo autor AA.


***

Factos Não Provados:

A restante factualidade alegada nas peças processuais juntas pelas partes que seja contrária aos factos acima provados, meramente conclusiva e ou direito mostra-se destituída de interesse para a presente causa.

Da petição inicial: Nenhum.


*

Da contestação (fls. 58 a 64): 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 19, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36.”.

*

*

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IV. Fundamentação de direito

1ª Questão

Pelos Recorridos foi invocado o não cumprimento, pelo Recorrente, dos ónus de impugnação, mencionados no artigo 640º, nº1, do Código de Processo Civil.

Sustentam que o Recorrente indica os meios de prova concretos que, na sua perspectiva e valoração, impõem decisão diversa, mas sem especificar quais os meios de prova que, em concreto, determinam decisão diferente quanto a cada concreto facto que pretende impugnar, tecendo considerações genéricas, subjectivas e repetitivas, impugnando os factos que coloca em crise sempre em conjunto e concluindo que se impõe uma alteração a toda a matéria de facto por alegado erro na apreciação da prova.

Sobre o Recorrente recai o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar, com toda a precisão, os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -,  motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

Concluem que tais ónus não foram cumpridos pelo Réu/Recorrente, pelo que deve o recurso interposto ser rejeitado, por violação do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que tange à especificação dos meios probatórios, dispõe o artigo 640º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil que «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” .

As conclusões que exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com o que foi decidido pelo Tribunal a quo.

Nas conclusões recursórias, o Recorrente procede à especificação dos concretos pontos de facto que considera erroneamente julgados e refere que os mesmos devem ser carreados para a matéria de facto não provada.

Assim, a impugnação da decisão da matéria de facto incide sobre os seguintes factos:
i. no ponto 7, por referência ao segmento  “…os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…” (ponto 5 das Conclusões);
ii. no ponto 8, por referência ao segmento  “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar €24.500.” (ponto 5 das Conclusões);
iii. ponto 10 (ponto 5 das Conclusões);
iv. ponto 11 (ponto 5 das conclusões);
v. no ponto 12, por referência ao segmento  “… para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do réu, com obrigação de restituição.”(ponto 5 das conclusões);
vi. ponto 16(ponto 5 das conclusões);
vii. ponto 17 (ponto 5 das Conclusões);
viii. ponto 22(ponto 5 das Conclusões).

Na motivação, o Recorrente, efectivamente, impugnou a matéria de facto por referência a três blocos de factos. No entanto, cumulativamente, indicou, de forma clara e inequívoca, quais os factos que foram por si integrados em cada bloco.

Da leitura das conclusões resulta, ainda, que pelo Recorrente é pretendido ver carreada para os “Factos provados”, toda a factualidade por si impugnada por entender que a mesma se encontra em contradição com a matéria de facto vertida nos pontos 14, 18, 19, 20 e 21.

Em suma, o Recorrente pretende a transferência dessa matéria de facto, do item “Factos provados” para o item “Factos não provados”.

Indicou, assim, de forma expressa e precisa os pontos de facto impugnados, bem como a  decisão a proferir nesse domínio, pelo que se mostram cumpridos os ónus das alíneas a) e c) do nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil.

No que tange aos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, o Recorrente fundamenta as suas pretensões recursórias nas declarações por si prestadas em audiência,  insurgindo-se com a decisão do Tribunal a quo por não lhes ter conferido credibilidade, advogando que tais declarações se mostram sustentadas, quer na “declaração vinculística” - junta a fls. 64 -, quer no depoimento prestado pela testemunha EE, constando das conclusões a indicação das passagens da gravação que considera relevantes e da motivação a transcrição de tais excertos (cfr. pontos 6, 18 e 21 das conclusões).

Fundamenta, ainda, as suas pretensões recursórias na factualidade vertida nos pontos 14, 18, 19, 20 e 21 dos Factos Provados, advogando que corrobora a sua versão dos acontecimentos e que se mostra em contradição com os factos por si impugnados.

É certo que o Recorrente não especificou, por referência a cada ponto da matéria de facto, por si  impugnado, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida. Fê-lo por referência ao bloco dos factos impugnados.

 Sobre a questão, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 27/10/2021:[1]

“Como já se afirmou no Acórdão deste STJ de 19/5/2021, Processo 4925/17. 6T80AZ.P1. S1, quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção da matéria que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação.

Na linha deste Acórdão, foi reafirmado pelo mesmo Tribunal em 14-07-2021, Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1. S1, que é excessiva a rejeição da impugnação da matéria de facto feita em “blocos” quando tais blocos são constituídos por um pequeno número de factos ligados entre si, tendo o Recorrente indicado com precisão os meios de prova e as formulações alternativas que pretendia ver adotadas”.

Revertendo ao caso dos autos, os factos impugnados respeitam, todos, à existência de um acordo, entre a testemunha DD, Autor e Réu, com vista à liquidação da dívida à Banco 1... e no empréstimo contraído pelo Recorrente, junto do segundo, para cumprir a sua parte no alegado acordo.

 Em suma, está em causa um bloco composto por um número restrito de factos, respeitante à mesma realidade;  os meios de provas  concretos, indicados pelo Recorrente, são comuns a todos os factos que integram esse bloco.

A circunstância de a especificação dos meios de prova e a indicação das passagens da gravação das declarações do Réu e da testemunha EE  não ter sido efectuada relativamente a cada facto, mas por referência ao bloco de factos, não obstaculiza a percepção da matéria pretendida impugnar e os meios de prova nos quais o mesmo sustenta a existência de erro na apreciação, o que resulta claramente da resposta apresentada pelos Recorridos.

Pelo exposto, entende-se que pelo Recorrente foram cumpridos os ónus de impugnação, constantes do nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil.

2ª Questão

Insurge-se o Recorrente com a decisão da matéria de facto, proferida pelo Tribunal a quo quanto aos factos ínsitos:
ix. no ponto 7, por referência ao segmento  “…os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…” [ponto 7:Ante a comunicação recebida, os executados maridos reuniram-se, em data e hora que o Autor marido já não consegue precisar, mas que se situa entre o dia 10 e o dia 13 de Agosto de 2015, e acordaram entre os três, que o executado DD iria proceder ao pagamento dos € 100.00,00 (cem mil euros) à Banco 1..., e em contrapartida os demais executados entregariam € 14,500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada ao DD e anuíam em por fim à compropriedade sobre o bem imóvel dado de garantia, reunindo o DD a totalidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel.] (ponto 5 das Conclusões);
x. no ponto 8, por referência ao segmento “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar €24.500.” [ponto 8: Sucede que o Réu logo anunciou estar disponível para por fim à compropriedade existente sobre o imóvel a favor do irmão DD, mas não ter disponibilidade financeira para pagar os € 14.500,00.] (ponto 5 das Conclusões);
xi. no ponto 9 [Pelo que, o Réu interessado obviamente em ver resolvida a execução que impendia sobre si e sua mulher, solicitou aos irmãos – o aqui Autor marido e DD, que lhe emprestassem esse montante.] (ponto 5 das Conclusões);
xii. no ponto 10 [ponto 10: Face a tal, e em ordem a viabilizar a solução alcançada o Autor marido propôs ao Réu, ser ele a emprestar-lhe o montante em causa, os € 14.500,00, proposta que o Réu aceitou.] (ponto 5 das Conclusões);
xiii. no ponto 11 [ponto 11: Mais acordaram, Autor marido e o Réu, que os Autores procederiam à entrega dos € 14,500,00 directamente ao DD, para pagamento do valor responsabilidade do Réu, e que aquele lhe restituiria aquele montante, em singelo.] (ponto 5 das conclusões);
xiv. no ponto 12, por referência ao segmento “… para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do réu, com obrigação de restituição.” [ponto 12: Em 13/08/2015, os Autores entregaram ao DD um cheque emitido pela Autora BB a favor daquele, sacado sob a Banco 1... com o n.º ..., no montante total de € 29.000,00, para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do Réu, com obrigação de restituição] (ponto 5 das conclusões);
xv. no ponto 16 [No passado mês de Abril do corrente ano, em data que os Autores já não podem precisar mas sabem ser anterior ao aniversario do Réu, ou seja anterior a 16/04, atento o decurso de tempo decorrido desde a celebração do mútuo – mais de cinco anos, e a total ausência de qualquer pagamento por parte do Réu, o Autor marido interpelou o réu, presencialmente, exigindo o pagamento do montante mutuado](ponto 5 das conclusões);
xvi. no ponto 17 [Porém, até à presente data o Réu não procedeu ao pagamento aos Autores dos € 14.500,00 emprestados] (ponto 5 das Conclusões);
xvii. no ponto 22 [Há uma declaração idêntica àquela que o réu subscreveu e referida em 13)., subscrita pelo autor AA (ponto 5 das Conclusões)].

Entende o Recorrente que todos esses factos devem ser transferidos para o elenco dos factos não provados.

Para sustenta a alteração da decisão da matéria de facto, invoca o Recorrente as declarações de parte por si prestadas, na sessão de julgamento do dia 10 de Novembro de 2022 [gravadas em formato digital, no Sistema “Habilus Media Studio”, do minuto 00:00:01 até ao minuto 00:34:05., nomeadamente do minuto 13m:37s ao minuto 32m:07s].

Advoga que «tais declarações não podem ser afastadas por falta de credibilidade» porque «encontram-se sustentadas no documento intitulado de “Declaração Vinculativa” de fls. 64 dos autos, onde pode ler-se “… declara que prescinde da sua quota parte (um terço) que possui no referido prédio a favor do seu irmão DD (…), para que ele, seu irmão, o referido DD tutele perante aquela entidade bancária, a Banco 1..., S.A., um acordo de pagamento da referida dívida, e que passe a ser titular e principal pagador da referida dívida na sua íntegra…”» e que constitui a matéria dada por provada em 18 a 20 da sentença.

Fundamenta, ainda, a alteração da decisão da matéria de facto com base no depoimento da testemunha EE, prestado no dia 10 de novembro de 2023 [gravado em CD no Sistema “Habilus Media Studio”, do minuto 00.00.01 até ao minuto 00.10.50, designadamente as declarações prestadas pela mesma do minuto 02m:18s aos 10m:44s], referindo que desse depoimento não resulta demonstrada a celebração do contrato de mútuo mas, a negação reiterada do Réu, de que não tinha forma de participar na resolução da situação juntamente com os irmãos porque não tinha dinheiro. Advoga o Recorrente que este depoimento “sustenta” as suas declarações.

Refere, ainda, que “As menos boas relações afirmadas pela testemunha com o R./recorrente e o desagrado que a testemunha EE declarou ter causado nos AA., aqui recorridos e na testemunha DD, seu pai, pelo facto de o R/recorrido não possuir quaisquer bens em seu nome, impunham uma desconsideração do depoimento daquele DD, por parcial e tendencioso, capaz de suscitar, no mínimo, a dúvida quanto à sua veracidade e imparcialidade”.

Sobre as declarações de parte prestadas pelo Autor, refere que “se mostram eivadas de falsidades, imprecisões, capazes de suscitar, também e, desde logo, pelo menos a dúvida. Acresce serem as mesmas, incoerentes e incongruentes quando em confronto com o depoimento da testemunha EE e as declarações do R, ora, recorrente”.

Invoca ainda a existência de  incongruências do depoimento de DD, no que se refere à presença do Réu, nas negociações com a Banco 1..., quando confrontadas com as declarações prestadas pelo Autor e pelo depoimento da testemunha EE.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do artigo 396.º do Código Civil e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento da testemunha é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador.

O mesmo ocorre com as declarações de parte, dispondo o n.º 3 do artigo 466.º do CPC que admite a livre valoração pelo juiz de todo o conteúdo das declarações que não se reconduza à figura da confissão, sendo esta valorada em sede própria.

Nas palavras do Professor Alberto dos Reis, que mantêm plena actualidade, “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”.[2]

A livre apreciação da prova não se confunde com a apreciação arbitrária da prova pois, apenas a fundamentação racional e lógica que possa fazer compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência, permite formar uma convicção motivada e apreensível.

Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.[3]

Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.

As “relações menos boas” [nas palavras do Recorrente], a emoção própria de quem intervém directamente num litígio e o interesse individual num determinado sentido da decisão constituem circunstâncias que podem colocar em crise a fidedignidade, quer do depoimento da testemunha, quer das declarações da parte. Seja por erro de percepção ou de memorização ou ainda intencionalmente por se entender que daí possa resultar benefício próprio ou para pessoa amiga ou familiar, acontecem relatos díspares e mesmo absolutamente contraditórios dos mesmos tempos e espaços da história.

Porém, é da conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante que se confere credibilidade a determinados elementos de prova.

Além desses, o Tribunal a quo dispõe de outros factores como a comunicação gestual, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira e da efabulação.

Assim, não é a mera circunstância de o tribunal se deparar com depoimentos prestados por testemunhas que tenham uma relação de família ou relações menos afáveis com uma das partes que, por si só, deve conduzir à não atribuição de credibilidade ao depoimento prestado e um consequente juízo probatório de “não provado”[4].

Um dos fundamentos de discordância da decisão recorrida, invocado pelo Recorrente, assenta na  não atribuição de credibilidade às declarações de parte, prestadas pelo Réu.

Sobre a valoração das declarações de parte, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 26/4/2017:[5]

“[A] doutrina e a jurisprudência vêm assumindo várias posições no que tange à função e valoração das declarações de partes que são aglutináveis em três teses essenciais:

i.-Tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;

ii.-Tese do princípio de prova;

iii.-Tese da autossuficiência das declarações de parte.

No âmbito da primeira tese, insere-se Lebre de Freitas para quem «A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas.» Ou seja, para este autor as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária(…)».

(…)

A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova (…).

Na jurisprudência, esta tese tem sido – provavelmente –a que tem sido mais publicitada.

Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente.

Assim, Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, p. 145, afirma que:«Não se duvida que, atento o manifesto interesse que a parte tem no desfecho da lide e a forte tradição da máxima nemo debet esse testis in propria causa, a valoração das suas declarações deva revestir-se de especiais cautelas, num juízo dirigido, em concreto, à sua credibilidade”.

No Acórdão citado, conclui o Tribunal da Relação de Lisboa, “Sintetizando, diremos que: (i) no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente.

Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.

Vejamos, então, se as declarações prestadas pelo Réu se apresentam coerentes e consistentes permitindo a prova dos factos indicados pelo Recorrente.

Considerou o Tribunal a quo que “As declarações de parte do réu CC mostraram-se confusas, incongruentes e, em alguns pontos inverosímeis. E, por isso, foram reputadas de pouco esclarecedoras e notoriamente parciais, quando negou que o autor lhe tivesse emprestado a quantia de € 14.500,00 reportada ao acordo que os três irmãos alcançaram na referida reunião. O réu inclusivamente assumiu uma postura esquiva e arrogante ao afirmar “desconhecer o motivo pelo qual estão com a presente acção em juízo”; que andava nas vendas logo desconhecia o que se passava na firma, no entanto, demonstrou saber que entre os anos de 2008 e 2010, a firma ficou sem dinheiro e que o autor propôs a constituição de uma hipoteca, com recurso à banca para reforço financeiro da actividade da empresa, tendo confirmado a celebração do mútuo com hipoteca e fiança, no valor total de €70.000,00, referindo que a prestação mensal a pagar ao banco rondava o valor de € 1.000,00, tendo admitido o incumprimento deste contrato.

Confirmou que para negociar a extinção da execução pendente, o Banco exigiu o pagamento de €100.000,00 e que foi pago pelo DD e, por isso, o facto de ter negado que o irmão AA lhe tivesse emprestado a aludida quantia de € 14.500,00 é ilógico e infundado”.

Ouvidas as declarações prestadas pelo Réu, concorda-se com a qualificação de “confusas, incongruentes e, em alguns pontos inverosímeis”, efectuada pelo Tribunal a quo, assistindo razão aos Recorridos quando afirmam que o Recorrente “apenas transcreve partes dessas declarações, truncando-as e expurgando-as das partes que confirmam aquela que foi a convicção do Tribunal a quo e que determinou a falta de credibilidade das mesmas”.

Como referido pelo Tribunal a quo, o Réu CC, no início das suas declarações, assumiu uma postura de alheamento à situação da sociedade “A..., Lda.” que atribuiu ao facto de “anda[r] quase sempre por fora…a vender, a comercializar, a entregar, tudo isso e mais alguma coisa” e ser “ tudo feito um bocado nas [suas] costas”, o que não se mostra consentâneo com o cargo de gerente por si exercido. Referiu que “a firma começou a não ter dinheiro para pagar os seus compromissos… os negócios baixaram, a crise (…), na ordem de 2008, 2009,2010”, acrescentando, logo de seguida, não ter sido  informado dessa situação. Ora, o Réu era gerente da sociedade e estava na área comercial, “a vender, a comercializar”, logo, não podia deixar de ter conhecimento do nível de negócios efectuados pela empresa. Sobre a tentativa de resolução dessa situação, referiu “esse assunto foi feito com os três … foi uma hipoteca que fizemos à Banco 1...... sobre um imóvel” que “era a fábrica e um terreno da fábrica”, esclarecendo “foi essa hipoteca. Não só eu. Fui eu, os meus irmãos e as minhas cunhadas e a minha esposa”. Perguntado “Mas como é que pagavam este mútuo?”, respondeu “isso não sei dizer”, admitindo, no entanto, ter sido apresentado um plano de pagamento das prestações com juros e que o mesmo não foi cumprido, pela empresa. Esta foi a sua postura, ao longo das declarações prestadas em audiência. Negou ter ido à Banco 1... acompanhado dos irmãos, sendo que, quer pelo  Autor, quer pela testemunha DD, foram narradas reuniões corridas nas instalações da Banco 1..., com a presença dos três irmãos, até ser alcançado o acordo com esta instituição bancária. Salienta-se, desde já, que só a audição desatenta da prova gravada pode levar à afirmação que, por referência ao assunto deslocações à instituição bancária, existe contradição entre o depoimento prestado pela testemunha EE e o depoimento prestado por DD e as declarações do Autor. A deslocação final às instalações da instituição bancária, narrada pela testemunha EE e na qual não esteve presente o Réu, não foi mencionada, quer pelo Autor, quer pela testemunha DD. A testemunha DD teve o cuidado de referir quais as deslocações que efectuou às instalações da Banco 1..., acompanhado do seu irmão AA, ora Réu.

Retomando a análise e reapreciação das declarações prestadas pelo Réu, pese embora o mesmo, inicialmente, tenha negado a propositura de qualquer acção pela Banco 1..., advertido, de novo, pela Senhora Juiz, a resposta foi “É verdade. Veio para tribunal…Depois, pronto. Estava no tribunal, e esse meu irmão tentou resolver o problema”, negando ter acompanhado o irmão, na deslocação à Banco 1... para resolverem o problema.

Perguntado “como é que resolveram pagar então a dívida à Banco 1...?”, “Alguém pagou?”, respondeu “Alguém pagou…Foi o DD… Cem mil euros…”. Tem conhecimento disso porque “ele me apresentou uma declaração que se eu despendesse da minha parte, ele era o responsável pela dívida…”.  A declaração “era para eu despender a minha parte, a minha parte ficar para ele. Do imóvel. Da parte do imóvel. Cedi a minha parte do imóvel … a declaração que deve estar aí… que está assinada, inclusive, por Notário, coisa que eu nunca fui, foi ele que me trouxe a declaração para eu assinar”. A fábrica ficou “para o meu irmão, DD”.

O documento intitulado “Declaração vinculística” foi junto com a contestação. Trata-se de uma declaração assinada unicamente pelo Réu. Não resulta da prova produzida que tenha sido redigida pela testemunha DD ou que tivesse sido redigida por sua imposição. Mais. Dessa declaração consta o reconhecimento presencial da assinatura do Réu, o que afasta a versão apresentada pelo mesmo.

Perguntado “o senhor não teve de fazer uma escritura para disponibilizar a sua parte, ceder a sua parte ao seu irmão?”, respondeu o Réu “eu quase tenho a certeza que não, mas posso estar equivocado…”. Exibido o documento número onze, junto com a petição, o Réu, de imediato,  respondeu negativamente.  Advertido, mais uma vez, pela Senhora Juíza, respondeu “Agora já me recordo”. Perguntado pela Senhora Juíza a quo “O senhor esteve presente nesse acto notarial, o senhor assinou o que está aí?”, declarou o Réu “… não concordo muito com a data mas pronto está certo”.

Em suma, admitiu que não foi cumprido o plano de pagamento das prestações à Banco 1.... Começou por dizer que depois de confrontar os irmãos com a dívida, “nunca mais quis saber” do assunto. Referiu, ao Tribunal, que propôs aos irmãos contraírem um empréstimo a título pessoal para pagarem a dívida mas, na reunião com aqueles, referiu que não tinha capacidade económica para suportar outro empréstimo pois, encontrava-se a pagar prestações referentes a um empréstimo contraído para realizar obras. Referiu, igualmente, à testemunha EE que não tinha dinheiro para suportar o pagamento da quantia de €14.500,00. Começou por negar qualquer acção proposta pela Banco 1... para obter o pagamento da quantia mutuada. Advertido pela Senhora Juiz, recuperou a memória quanto à propositura de uma acção pela instituição bancária, admitindo que na pendência dessa acção, o seu irmão tentou “resolver o problema”, tendo feito a proposta de pagar a dívida, “se eu disponibilizasse a minha parte do imóvel…Disponibilizei, a minha parte, ao meu irmão… ao DD”. Perguntado se assinou qualquer documento, negou. Mostrado o documento nº11, rejeitou tê-lo assinado. Advertido, mais uma vez, pela Senhora Juíza, recordou-se do seu teor. Ultrapassada a falta de memória, selectiva, até discordou da data constante do documento.

Perguntado “não ficou combinado, para além de ceder a sua quota-parte, o Senhor tinha que pagar €14.500,00, ao seu irmão DD, porque ele só estava disponível para o negócio, se tivesse que pagar €71.000,00 e vocês tinham que pagar €29.000,00?”, respondeu “Não. Não. É mentira…Nunca me foi transmitido. Pode ter sido, o que passar daí é tudo feito nas minhas costas… Nem nunca ele me emprestou nada…Nunca lhe devi nada, nem um tostão sequer. Nem a ele, nem ao meu irmão DD”.

Para além das incongruências e inconsistências das declarações prestadas pelo Réu, a sua versão dos factos não se mostra corroborada por qualquer outro elemento de prova, mormente pelo depoimento prestado pela testemunha EE, quer pelo teor da “Declaração vinculística”, junta com  a contestação.

A “declaração vinculística” consiste numa declaração assinada apenas pelo Réu. Conforme já se referiu, não resulta da prova que tenha sido a testemunha DD que apresentou, ao Réu, a declaração já redigida. Repare-se que quando confrontado com a declaração, a testemunha DD, de forma espontânea, declarou conhecer o documento e que foi feito para “me dar poderes para negociar” e, de facto, tem a data da carta – 9 de Junho de 2015 - dirigida à Banco 1... com uma proposta para por termo à acção executiva. Referiu, ainda, de forma espontânea, que o seu irmão AA, ora Autor, entregou-lhe uma declaração similar.  

Vejamos a explicação dada pelo Réu para a existência da declaração. Confrontado com o facto de a sua versão ser contrariada pela circunstância de a sua assinatura, nesse documento, estar reconhecida por um Notário, o Réu respondeu “eu só lhe sei dizer, Doutora que assinei essa declaração para o meu irmão ficar responsável pela dívida, de resto mais nada. A partir dai já, se foi num notário se não foi sinceramente já não me recorda bem, porque esta situação a mim prejudicou-me muito a minha saúde”. Ora, responsáveis pela dívida perante a Banco 1..., eram os três irmãos e aquela declaração em nada afectava a responsabilidade que haviam assumido ao constituírem-se fiadores do empréstimo.

Mais. A “declaração vinculística” está datada de 9 de Junho de 2015. Está datada de 10 de Agosto de 2015, a carta enviada pela Banco 1..., em resposta à proposta que havia sido apresentada por DD. Só na carta de 10 de Agosto é que a Banco 1... avança com a proposta de  o “pagamento da quantia exequenda” ser efectuado “nas seguintes condições: entrega no prazo de trinta dias da quantia de €100.000. Consequentemente, esta declaração, datada de 9 de Junho de 2015, não pode respeitar ao acordo que foi firmado entre os três irmãos, na sequência do recebimento da carta de 10 de Agosto de 2015, pois antecede-a cerca de sessenta dias.

A carta datada de 10 de Agosto de 2015 corrobora o depoimento prestado pela testemunha DD pois, resulta do seu teor que surge “na sequência da proposta de pagamento”, por si apresentada, em “9 de Junho”. Se se atentar na cronologia dos factos narrados por DD, verificar-se-á que nenhuma contradição existe. Esclareceu a testemunha DD que, inicialmente, estavam convictos que o imóvel tinha um valor superior à divida. Nesse sentido, deslocou-se com o seu irmão CC [ora Réu], à Banco 1..., “uma primeira vez, para resolver o assunto… Marcou-nos uma outra reunião. Fomos lá, outra vez, os dois, eu e o CC, acompanhados de um Doutor Advogado…”. Nessa reunião, foi-lhes transmitido pela instituição bancária “a nós não interessa o imóvel, a nós interessa o dinheiro”, tendo sido respondido “dinheiro não temos”. Foi lá outra vez e disseram-lhe que não queriam o imóvel mas o dinheiro”. Nessa reunião, a instituição bancária transmitiu-lhe que iam “fazer umas contas” e que depois, comunicariamFace ao silêncio da Banco 1..., enviou uma carta propondo a entrega de 80 mil euros, para pagamento da dívida. Referiu a testemunha que previamente, “Tínhamos [os três irmãos] feito uma reunião e eu disse que dava sessenta mil… e ficava eu com o imóvel”, sendo a restante parte suportada pelos irmãos em igual proporçãoA Banco 1... rejeitou a proposta, apresentando depois a resposta por carta de 10 de Agosto de 2015.

Esta carta de 10 de Agosto de 2015 que surge como resposta a uma carta, apresentada em 9 de Junho, por DD, contraria igualmente a versão apresentada pelo Réu no sentido de os irmãos se terem alheado da situação por entenderem que o imóvel tinha valor superior à dívida.

Sustenta o Recorrente que o depoimento da testemunha EE, contrariamente ao que consta da sentença, corrobora a versão do Réu. Advoga que do depoimento desta testemunha não resulta demonstrado a celebração do contrato de mútuo alegado pelos AA., mas “a negação reiterada do R. (…) de que não tinha forma de participar na resolução da situação juntamente com os irmãos porque não tinha dinheiro, não tinha como pagar”, o que, no seu entender, “não nega as declarações de parte do R., (…)  antes as sustenta…”.

Consta da sentença que “A testemunha EE, na qualidade de sobrinha do autor e afilhada do réu referiu ter tido intervenção directa, em especial, nos contactos com o banco e advogados no sentido de ajudar a agilizar a resolução da questão do incumprimento, em particular, a desbloquear a situação de pagamento da dívida, tendo confirmado que o seu pai teve uma reunião com os irmãos, em resultado da qual, ficou como responsável pelo pagamento da maior parte do valor em dívida, mas como contrapartida ficaria com a propriedade plena do imóvel”.

Ouvida a gravação, concorda-se com o Tribunal a quo. A testemunha EE, filha de DD e sobrinha do Autor e do Réu, declarou não ter estado presente em qualquer reunião ocorrida entre o seu pai e os seus tios. Diligenciou no sentido de uma reunião com um Advogado para desbloquear a situação junto da Banco 1.... Só falava com o seu pai sobre a situação. Resulta claramente do seu depoimento que não dispõe de conhecimento directo quanto à existência do acordo entre o seu o pai e os seus tios e os termos do mesmo. A sua intervenção foi, essencialmente, junto da Banco 1... para “desbloquear a situação” e conseguir a possibilidade de acordo com esta instituição. E isso foi conseguido, fixando esta as condições nestes termos: entrega da quantia de €100.000,00, no prazo de 30 dias. No entanto, a testemunha EE esclareceu que não participou nas reuniões entre o seu pai, o Autor e o Réu. Declarou que o seu tio, ora Réu, não se opunha à resolução da situação, aliás, “queria que a situação fosse resolvida”. Perguntado “de que forma é que ele queria?”, a testemunha respondeu “dizia que não sabia, para nós resolvermos a situação porque ele não tinha dinheiro”.  Perguntado “e vocês resolverem? você, o seu pai e o irmão?”, a testemunha respondeu “óbvio”. Contudo, não foi perguntado à testemunha como foi resolvida a situação entre os três irmãos. Nada foi mencionado pela testemunha sobre  a cedência de 1/3 da quota do imóvel para o seu pai e qual a contrapartida, como foi obtida a quantia de €100.000,00, no prazo de 30 dias, que foi entregue à Banco 1.... É a própria testemunha a esclarecer que não assistiu à reunião na qual foi estabelecido o acordo entre Autor, Réu e o irmão DD.

No entanto, referiu a testemunha que na conversa que teve com o seu tio CC, ora Réu, este disse-lhe “que pretendia resolver a situação mas não tinha dinheiro”. Reiterou que, feito o acordo com a Banco 1..., falou com o seu tio, ora Réu, tendo este lhe transmitido que “não tinha dinheiro para resolver a situação porque não tinha como pagar”.

O depoimento desta testemunha não contraria o que foi transmitido pela testemunha DD e pelo Autor. Pelo contrário. No que tange às alegadas dificuldades económicas do Réu para suportar o pagamento da quantia de €14.500, foram bastante esclarecedoras as declarações do Autor. De forma clara e simples, transmitiu ao tribunal a conversa que teve com o irmão, na reunião entre os três irmãos, após a carta de 10 de Agosto de 2015. Da análise atenta de tais declarações, verificar-se-á que pelo Autor foi referido ter interpelado o seu irmão, ora Réu, para pagar a quantia mutuada após ter tomado conhecimento que o mesmo havia vendido um imóvel, o que o fez pressupor que, naquele momento, as dificuldades económicas, invocadas na reunião, estavam ultrapassadas e, assim, poderia proceder à restituição da quantia que lhe havia sido emprestada. Demonstrativo da existência do empréstimo é também o comportamento assumido pelo Réu quando interpelado pelo Autor: não existiu negação do empréstimo.

Invoca o Recorrente a existência de incongruências entre o depoimento de DD e as declarações prestadas pelo Autor e o depoimento da testemunha EE, no que se refere à presença do Réu, nas negociações com a Banco 1.... Ouvida atentamente a gravação, verifica-se que não assiste razão ao Recorrente. A testemunha EE narrou ao tribunal a deslocação às instalações da Banco 1..., na data da efectivação do pagamento da quantia de €100.000,00, mencionando que o Réu não se encontrava presente. Quer a testemunha DD, quer o Autor, nunca mencionaram o sucedido nessa reunião. Pelo Autor foi referida a deslocação de os três irmãos, a esposa do Autor e a sobrinha [a testemunha EE] mas, em momento diverso.

Do depoimento da testemunha EE resulta, ainda, um pormenor relevante. Argumenta o Recorrente que o imóvel tinha um valor de mercado superior a €100.000,00 e que, em caso de venda judicial chegaria certamente para pagar a totalidade da quantia exequenda e consequentemente para desobrigar todos os executados da divida à Banco 1....”

O Recorrente omite que a quantia exequenda, na data da propositura da acção executiva, em 2014, perfazia o valor de €94.781,11. Consta do requerimento que o incumprimento ocorreu em 27/12/2013 e, a partir desta data, verifica-se o agravamento diário de €29,75.

Em Agosto de 2015, a dívida exequenda não perfazia o valor de €100.000 pois, esse era o valor proposto pela Banco 1... para por termo à execução sem recorrer à venda do imóvel. Omite o Recorrente o que foi transmitido pela testemunha EE: o prédio que o Autor tinha e o prédio que a testemunha DD tinha, irmãos do Réu, já se encontravam penhorados, na acção executiva proposta pela Banco 1..., o mesmo não sucedendo com o prédio do Réu por, este, entretanto, ter passado o registo da propriedade desse imóvel para terceiros.

Da escritura de divisão de coisa comum, datada de Novembro de 2015, consta que o imóvel valia €36.900,00.

Não se encontra, assim, demonstrado que o valor do imóvel fosse suficiente para pagamento integral da quantia exequenda.

Da “declaração vinculística” consta que o Réu “declara que prescinde, da quota sua parte (um terço) que possui no referido prédio, a favor do seu irmão, DD (…)para que ele, seu irmão, o referido DD, titule perante aquela entidade bancária, a Banco 1...,SA, um acordo de pagamento da referida dívida, e que passe a ser o titular e principal pagador da referida dívida , na sua íntegra, perante a Banco 1...”.

Conforme se referiu, esta declaração é da autoria do Réu. Consta da declaração “para que ele titule perante (…) a Banco 1..., S.A., um acordo de pagamento da referida dívida”. Titule significa conceder autorização a que determinada pessoa passe a ocupar cargo ou exercer determinada função. Resulta da carta, enviada pela Banco 1..., em 10 de Agosto, que a proposta de 9 de Junho foi apresentada unicamente por DD e não pelos três devedores.  E a declaração tem a data da carta, ou seja, 9 de Junho.

 Da declaração consta, ainda, “Titular e principal pagador da referida dívida, na sua íntegra”, termos contraditórios pois, principal pagador da referida dívida é diverso de pagador, na íntegra, da dívida. DD, na proposta apresentada através da carta de 9 de Junho, disponibilizava-se a pagar, à instituição bancária, a quantia de 60.000 e os restantes 20.000, seriam a suportar, em partes iguais, pelos irmãos; na proposta que consta da carta de 10 de Agosto, disponibilizou-se a pagar €71.000 e o restante seria a suportar pelos irmãos, em igual parte.

Pelo exposto, as declarações prestadas pelo Réu não merecem credibilidade. Relativamente aos diversos acontecimentos foi apresentando versões antagónicas e as suas declarações não se encontram minimamente corroboradas por outros elementos de prova.

Vejamos a demais prova produzida.

Consta da sentença que “A convicção do Tribunal quanto aos factos acima dados como provados e não provados resultou fundamentalmente da análise crítica conforme as regras da experiência comum e os juízos de normalidade da prova produzida, em concreto, dos elementos documentais que se mostram juntos aos autos, designadamente: o documentos nºs. 1 e 2, referentes aos Assentos de Nascimento nº. ..., do ano 2014 e nº. ... do ano de 2012 respectivamente do autor e do réu e atesta o facto de entre eles existir uma relação de parentesco, em linha colateral; documento nº. 3, a impressão do Portal de Justiça – publicação online da certidão permanente da sociedade por quotas com a firma “A..., Ld.ª.”, da qual, autor, réu e outro, no caso concreto, DD todos irmãos eram sócios e titulares das quotas naquele melhor referenciadas; documento nº. 4, o requerimento executivo do processo de execução sumária para pagamento de quantia certa de € 94.781,11 cujo título executivo foi a escritura de mútuo com hipoteca e fiança celebrada em 28 de Junho de 2010 documento nº. 5, no cartório notarial indicado e situado em ..., na qual, os outorgantes maridos, na qualidade de gerentes e em representação da firma “A..., Ld.ª.” e a “Banco 1..., S.A.”, no acto representada pelo procurador melhor identificado naquela contraíram um empréstimo na quantia de € 70.000,00 e da qual, o autor, réu e o irmão DD se declararam devedores, pessoal e solidariamente responsáveis pelo pagamento, constituindo hipoteca sobre o prédio urbano correspondente à casa de rés-do-chão e andar com logradouro sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho de Paredes descrito na CRP no nº. ...-..., registado a seu favor pela inscrição sob apresentação ..., de 3 de Novembro de 1994 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 936 e da qual foi feito o registo provisório. Os hipotecantes atribuíram o valor de € 70.000,00 a este bem, conforme os demais termos exarados e constantes do documento complementar anexo, incluindo a nota de débito e demonstração da nota de débito que aqui se dão por reproduzidos; o documento nº. 6, a carta enviada pela Banco 1... ao irmão DD, em 10 de Agosto de 2015, relativa ao processo executivo nº. 84/14.4TBPRD, em resposta à proposta de pagamento da quantia exequenda, apresentada à identificada instituição bancária, por este em 09.06.2015 e, na qual, a instituição bancária declara aceitar aquela mesma proposta, nas condições de entrega no prazo máximo de 30 dias, da quantia de € 100.000,00; o documento nº. 7, o cheque emitido pela autora à ordem de DD, no valor de € 29.000,00, em 2015.08.13; o documento nº. 8, o comprovativo da entrega de valores/depósito em numerário na quantia de € 29.000,00, em 13.08.2015, na conta do Banco 2... à ordem de DD; o documento nº. 9, o comprovativo emitido pela “Banco 1..., S.A.” que recebeu, em 2015.08.20, de DD e mulher HH, a quantia de € 100.000,00 e respeitante à extinção das responsabilidades da operação identificada PT (.)... e de que era titular a firma “A..., Ldª.”; documento nº. 10, a declaração emitida em 20.08.2015 pela “Banco 1..., S.A.”, declarando que os autores, réu e mulher e ainda DD e mulher HH se encontram desonerados das suas responsabilidades, como hipotecantes e fiadores, do financiamento por esta concedido, em 28.06.2010, àquela sociedade resultado liquidado e, por força esta desoneração, os mesmos deixarão de constar do mapa de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal, associador à operação afiançada.

Da conjugação dos supracitados 10 documento com certeza e segurança resultaram provados, por documento autêntico, os factos elencados no nºs. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 12, 13, 14, 15 e 16 dos factos provados”.

O conhecimento da testemunha II sobre os factos objecto destes autos advém do que lhe foi transmitido por familiares, mormente o seu pai, Réu nestes autos.  Não teve qualquer intervenção nos factos que constituem a causa de pedir nos presentes autos, sendo curiosa a resposta da testemunha quando questionada sobre o objecto da acção: “uma dívida que o meu pai pelos vistos tem”.

A testemunha JJ não revelou conhecimento sobre os factos.

Aqui chegados, facilmente se conclui que o conhecimento directo do que foi discutido entre o Autor, o Réu e a testemunha DD, com vista à liquidação da quantia exequenda e consequente termo da acção executiva, só aqueles possuem.

A testemunha DD, irmão do Autor e do Réu, de forma espontânea, narrou ao tribunal o sucedâneo de factos: “Tínhamos uma sociedade e aquilo deu para mal e tivemos de pedir um dinheiro a uma instituição bancária…Foi uma fase má …Fomos obrigados a fechar. Pediram a insolvência da firma… a única coisa que ficou por resolver foi a dívida à instituição bancária. Eu tentei… Eu e o meu irmão CC foi lá uma vez comigo, à instituição bancária para resolver o assunto…. Marcou-nos uma outra reunião e fomos lá outra vez os dois, eu e o CC acompanhados de um Doutor Advogado…”. Nessa reunião, ocorrida na instituição bancária, disseram-lhes “a nós não interessa o imóvel, a nós interessa o dinheiro”, tendo lhe sido respondido “dinheiro não temos”. Foi lá outra vez [à Banco 1...] e disseram-lhe que não queriam o imóvel mas o dinheiro”. Nessa reunião, a instituição bancária transmitiu-lhe que iam “fazer umas contas” e que depois, comunicariam. Face ao silêncio da Caixa, enviou uma carta propondo a entrega de 80 mil euros. Referiu a testemunha “Tínhamos feito uma reunião e eu disse que dava sessenta mil”, os restantes €20.000 seriam pagos, em igual proporção, pelos dois irmãos, e “ficava eu com o imóvel”.  A Banco 1... rejeitou a proposta, apresentando como contra-proposta o pagamento da quantia de cem mil euros e que a dívida já perfazia valor superior a 120 mil euros. Nessa sequência, “fez uma reunião com os dois irmãos e comunicou-lhes a proposta da Banco 1... e fez a proposta de pagar 70 mil e os irmãos davam, cada, 15 mil. E o caso já estava adiantado e as casas estavam prestes a ir à praça. O AA concordou e o CC disse que não tinha dinheiro…. Depois de muito pensar, disse que estava a pagar um empréstimo ao banco … concordou que o irmão pagava a totalidade dos trinta mil” e que, posteriormente pagar-lhe-ia a quantia de 15 mil. O irmão AA só deu 29 mil euros, a testemunha deu €71.000. E o Réu «comprometeu-se a pagar um “x“ por mês» ao irmão AA, ora Autor.

De forma clara, explicou que entre o recebimento da carta da Banco 1... e a reunião na sua casa, com os seus dois irmãos, Autor e Réu, decorreu cerca de oito dias. Nessa reunião, na sua presença, o Réu disse ao Autor «pronto, tu pagas a minha parte», comprometendo-se a pagar-lhe tal quantia.

Sobre as deslocações à Banco 1..., referiu “primeiro, fui eu e o CC, à Banco 1... porque o valor do bem era superior, ao que nos tinha sido emprestado”, razão pela qual ambos se deslocaram à instituição “para negociar”.  Explicou que foi a Banco 1... que atribuiu ao imóvel o valor de 125 mil euros, no momento do empréstimo e da constituição da hipoteca. Na segunda deslocação à Banco 1..., a testemunha foi acompanhada do irmão, ora Réu, e de um Advogado, para tentarem negociar e foi quando lhe foi transmitido que só aceitavam dinheiro.

A testemunha narrou, de forma cronológica e consistente, o sucedâneo de factos e fê-lo de forma objectiva, clara e coerente, pelo que merece credibilidade o seu depoimento.

Com igual postura, o Autor transmitiu ao tribunal as deslocações à Banco 1..., a intervenção dos irmãos na procura da solução para o problema e o que foi acordado nas reuniões ocorridas entre os três irmãos. Declarou que a Banco 1... exigia €100.000 e não dispunham desse dinheiro. Após recebida a carta de 10 de Agosto de 2015, foi realizada uma reunião entre si, o Réu e o irmão de ambos, DD. Nessa reunião, DD apresentou a seguinte proposta: “eu dou €70.000,00”, do valor exigido pela instituição bancária, e “vocês arranjam €14.500, cada”. Referiu o Autor que, nesse momento, disse “não tenho, mas vou arranjar, vou pedir”, tendo o Réu dito “eu também alinho, mas não tenho os €14.500”. Nessa reunião, o Autor reagiu às palavras do seu irmão, ora Réu, dizendo-lhe “não tens, vai fazer como eu, vais pedir”, tendo este respondido que não podia por ter feito um “empréstimo à Caixa para fazer obras lá em casa” e, “estou a pagar, agora não tenho hipóteses, mas se algum de vóseu vou pagando, dando algum mensalmente; não posso dar muito, dado que estou a pagar o empréstimo que pedi para fazer as obras, mas vou dando…”. Nessa sequência, o irmão DD disse “já vou pedir €71.000, não tenho” e então, o Autor disse “pronto, já que vou pedir, peço mais os €14.500”, tendo então o Réu dito “emprestas os €14.500 , dás ao DD e eu, entretanto, vou entregando mensalmente …”. Estabelecido esse acordo, entregou ao irmão DD, um cheque, no valor de €29.000, da conta da sua esposa.

Conforme já se referiu, relevante é, também, a reacção do Réu, quando o Autor o interpelou para lhe restituir a quantia mutuada. Explicou o Réu que, em data que não consegue precisar, mas localizada entre  2021/2020 (um/dois anos antes da sua inquirição que ocorreu em Novembro de 2022), tomou  conhecimento que o Réu tinha vendido um prédio e interpelou-o, dizendo-lhe “agora tens dinheiro, podes-me pagar”, tendo aquele respondido “Não me lembres disso …eu quero é esquecer”. Referiu o Autor ter-lhe respondido “eu também quero esquecer, não são bons momentos que nós passámos, mas eu é que estou sem os €14.500”. Esta reacção do Réu é consentânea com a realidade transmitida, quer pelo Autor, quer pela testemunha DD: o Réu não rejeita a existência de o empréstimo, no valor de €14.500,00, nem questiona a razão do empréstimo, nem a quantia mutuada.

As declarações prestadas pelo Autor mostram-se corroboradas pelo depoimento prestado pela testemunha DD.

O não pagamento da quantia de €14.500,00, pelo Réu ao Autor, resulta do depoimento prestado pela testemunha DD e das declarações do Autor, bem como das declarações do próprio Réu que admite não ter pago a quantia de €14.500,00, ao seu irmão.

Argumenta o Recorrente que não faz sentido, por um lado, a exigência da “declaração vinculativa” e por outro, a “falta de cautela dos Autores/Recorridos em não reduzir a escrito o mútuo dos €14.500,00”. Da prova produzida não resulta que a “declaração vinculativa” tenha sido exigida pelo Autor, pelo que falece o argumento de que não foram adotadas iguais cautelas relativamente ao mútuo. 

No que tange ao facto vertido no ponto 14, consta dos autos - o documento nº 10 junto com a petição inicial  -  a declaração emitida pela Banco 1..., bem como o documento comprovativo do recebimento da quantia de €100.000,00 - o documento nº 9 junto com a petição inicial - , emitido igualmente por essa instituição bancária, elementos de prova analisados e reapreciados em articulação com o depoimento prestado por DD.

O documento nº 11 junto com a petição [escritura com o título  “Divisão de coisa comum”, datada de 17/11/2015] em articulação com o depoimento prestado pela testemunha DD e as declarações do Autor, permite alcançar os factos vertidos no ponto 20, com excepção do segmento  “caso viesse a ser assumida e efectivamente paga integralmente a dívida à Banco 1...., pelo seu irmão, DD” que, conforme já explicado, da prova produzida resulta que este assumiu o pagamento da quantia de €71.000,00 e não da totalidade da dívida.

No que tange ao valor do imóvel, da prova produzida resulta, apenas, que, aquando da celebração do contrato de mútuo com hipoteca e fiança, no montante de € 70.000,00, formalizado por escritura pública em 28-06-2010 [cfr. requerimento executivo junto com  a petição inicial – documento nº 5], a Banco 1... atribuiu ao imóvel o valor de €125.000,00. Da escritura de divisão de coisa comum consta o valor de €36.900,00. A demais prova sobre o valor do imóvel mostra-se vaga, sem estar assente em qualquer critério objectivo, traduzindo-se em meras opiniões, pelo que se impõe a alteração do ponto 21 dos Factos Provados.

Por último, relativamente à declaração mencionada no ponto 22 dos Factos Provados, não consta dos autos o documento em causa, entendendo este Tribunal que o depoimento da testemunha DD não constitui prova suficiente para demonstrar a existência desse facto. Assim, deve ser o mesmo carreado para matéria de facto não provada.

Sendo esta a prova produzida, encontram-se demostrada a factualidade vertida nos pontos 8, 9, 10, 11, 12 e 17.

Por referência ao facto ínsito no ponto 7, conforme se explicou, da prova produzida resulta que a proposta apresentada por DD consistia em pagar a quantia de €100.000,00, à Banco 1..., disponibilizando-se aquele a entregar, apenas, a quantia de €71.000,00, sendo a diferença entre os dois valores a suportar por Autor e Réu, em igual proporção.

Da prova produzida não resulta a data precisa em que ocorreu a reunião entre os três irmãos, tendo sido localizado tal acontecimento pela testemunha DD no hiato temporal de 8 dias sobre a data da carta da Banco 1.... Resulta do documento nº 9 que o pagamento à Banco 1... foi efectuado em 20 de Agosto de 2015. O cheque encontra-se datado de 13 de Agosto de 2015, mas não foi feita prova quanto à data da sua emissão. Assim, da prova produzida resulta, apenas, que a reunião ocorreu entre 10 de Agosto de 2015 (data da carta) e o dia 20 de Agosto de 2015 (datado da efectivação do pagamento).

Assim, impõe-se a alteração da redacção do ponto 7, passando a constar do mesmo:

Ponto 7: Ante a comunicação recebida, Autor, Réu e DD, executados na acção referida no ponto 4, reuniram-se, em data que não foi possível precisar, mas que se situa entre o dia 10 e o dia 20 de Agosto de 2015, e acordaram, então, entre os três que o executado DD iria proceder à entrega da quantia de €100.00,00 (cem mil euros) à Banco 1...,  sendo os termos do acordo os seguintes: a quantia de €71.000,00 seria paga por DD; o Autor e o Réu pagariam a quantia de € 14,500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada, a entregar a DD, e anuíram em por fim à compropriedade sobre o bem imóvel dado de garantia, reunindo neste (DD) a totalidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel.

Por referência ao facto ínsito no ponto 16, não se encontra demostrado que tenha sido “no mês de Abril o corrente ano”, em dia anterior a 16, que o Autor interpelou o Réu, presencialmente, exigindo o pagamento do montante mutuado. A única prova respeitante a esse facto consiste nas declarações prestadas pelo Autor que o localizou temporalmente “há um/dois anos”, por referência à data da sua inquirição.

Assim, impõe-se a alteração da redacção do ponto 16, passando a constar do mesmo:

16. Há um/dois anos, em data que os Autores já não podem precisar, atento o decurso de tempo decorrido desde a celebração do mútuo – mais de cinco anos, e a total ausência de qualquer pagamento por parte do Réu, o Autor interpelou aquele, presencialmente, exigindo o pagamento do montante mutuado.

No que tange aos pontos 18 e 19 dos Factos Provados, conforme se explicou, na reapreciação da prova, a testemunha DD assumiu a negociação da dívida junto da Banco 1... mas, não se assumiu como único responsável pelo pagamento da dívida que os três irmãos possuíam para com a Banco 1..., pois, pagou, apenas, a quantia de €71.000,00, sendo o remanescente pago por Autor e Réu, em igual proporção.

Conforme se referiu, na reapreciação da prova produzida, o acordo não resulta da declaração vinculativa porquanto, a declaração encontra-se subscrita pelo Réu e não por todos os irmãos e encontra-se assinada em 9 de Junho de 2015, tendo o acordo sido alcançado na reunião realizada entre os três irmãos, numa data compreendida entre 10 e 20 de Agosto de 2015.

Assim, pese embora não tenham sido objecto de impugnação por parte do Recorrente, com vista a evitar a contradição entre a factualidade que consta dos pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 16 e 17 (cfr. artigo 662º, nº1, do CPC)[6],  impõe-se a alteração dos pontos 18, 19 e 20 dos Factos Provados, passando a constar dos mesmos:

Ponto 18: O Réu acordou e anuiu colocar fim à compropriedade sobre o imóvel dado de garantia à Banco 1..., prescindindo da sua quota parte (1/3) sobre o referido prédio a favor do seu irmão DD que, da quantia de €100.000,00, exigida por aquela instituição bancária, assumiu pagar a quantia de €71.000,00, sendo o remanescente suportado pelo primeiro e pelo Autor, em igual proporção.

Ponto 19: A “declaração vinculativa”, datada de 09 de Junho de 2015, de cujo teor consta  “declara que prescinde, da quota sua parte (um terço) que possui no referido prédio, a favor do seu irmão, DD (…)para que ele, seu irmão, o referido DD, titule perante aquela entidade bancária, a Banco 1..., SA, um acordo de pagamento da referida dívida, e que passe a ser o titular e principal pagador da referida dívida , na sua íntegra, perante a Banco 1...”, subscrita e assinada pelo Réu, encontrando-se reconhecida presencialmente a sua assinatura, pelo Cartório Notarial de Paredes, foi entregue, por aquele, ao seu irmão, DD, na sequência do que havia ficado acordado, entre este, Autor e Réu, tendo DD, no dia 9 de Junho de 2015, apresentado uma proposta de pagamento da quantia exequenda à Mandatária da Banco 1....

Ponto 20: O Réu acordou ainda que, caso viesse a ser efectivamente paga integralmente a dívida à Banco 1...., nos termos acordados no ponto 7, com liberação de todos os responsáveis pela dívida,  que assinaria e praticaria todos os actos necessários para que DD ficasse a figurar no registo predial como único proprietário do imóvel dado de Hipoteca àquela instituição bancária.

Na sequência do acima exposto, sobre o valor do imóvel, altera-se a redacção do ponto 21, passando a constar do mesmo:

21)  O referido imóvel tinha, em Junho de 2010, um valor de mercado superior a €100.000,00.

Em consequência da decisão proferida, importa carrear para os factos não provados, os seguintes:
i. a reunião entre os executados maridos, perante a carta de 10 de Agosto de 2015, recebida da Banco 1..., tenha ocorrido entre o dia 10 e o dia 13 de Agosto de 2015;
ii. tenha sido no passado mês de Abril do corrente ano, em data anterior ao dia 16, que o  Réu foi interpelado pelo Autor, para pagamento do montante mutuado;
iii. DD tenha-se assumido único pagador da totalidade da dívida à Banco 1...;
iv. DD tenha assumido a responsabilidade de pagar a totalidade da quantia de €100.000,00, à Banco 1...;
v. a declaração vinculativa, datada de 09 de Junho de 2015, assinada pelo Réu, tenha sido  exigência de DD;
vi. exista uma declaração idêntica à subscrita pelo réu e referida em 19), subscrita pelo autor AA.

Sustenta o Recorrente que existe contradição entre os factos ínsitos nos pontos 18, 19, 20 e 21 e o segmento “os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”, constante do ponto 7; o segmento “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar €14.500,00”, constante do ponto 8; os factos ínsitos nos pontos 9, 10 e 11; o segmento “… para pagamento do acordado, €14.500,00 dos Autores e €14.500,00 do réu, com obrigação de restituição”, constante do ponto 12; e os factos vertidos nos pontos 16 e 17.
Cumpre apreciar e decidir.
O Recorrente invoca a contradição entre os factos acima indicados mas não explicita em que se traduz a contradição.
Analisados os factos considerados provados nos pontos 18, 19, 20 e 21, pelo Tribunal a quo, verifica-se que:
i. do ponto 18 consta: “DD (...) se assumiria principal e único pagador da totalidade da dívida à Banco 1...”.
ii. do ponto 19 consta: que o acordo mencionado no ponto 18, “resulta na declaração vinculativa, datada de 09 de Junho de 2015 ”e que no mesmo dia, DD apresentou a proposta de pagamento da quantia exequenda à mandatária da Banco 1....”.
iii. do ponto 20 consta: “O Réu acordou ainda que, caso viesse a ser assumida e efectivamente paga integralmente a dívida à Banco 1...., pelo seu irmão, DD, com liberação dele e dos demais responsáveis pela dívida…”.
iv. do ponto 21 consta: “O referido Imóvel tinha um valor de mercado superior a €100.000,00”.

Do ponto 7 consta “os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”.

Do ponto 8 consta: “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar €14.500,00”.

Do ponto 9 consta: “Pelo que, o Réu interessado obviamente em ver resolvida a execução que impendia sobre si e sua mulher, solicitou aos irmãos – o aqui Autor marido e DD, que lhe emprestassem esse montante”.

Do ponto 10 consta: “Face a tal, e em ordem a viabilizar a solução alcançada o Autor marido propôs ao Réu, ser ele a emprestar-lhe o montante em causa, os € 14.500,00, proposta que o Réu aceitou”.

Do ponto 11 consta: “Mais acordaram, Autor marido e o Réu, que os Autores procederiam à entrega dos € 14,500,00 directamente ao DD, para pagamento do valor responsabilidade do Réu, e que aquele lhe restituiria aquele montante, em singelo”.

Do ponto 12, consta “… para pagamento do acordado, €14.500,00 dos Autores e €14.500,00 do réu, com obrigação de restituição”.

Do ponto 16 consta: 16). No passado mês de Abril do corrente ano, em data que os Autores já não podem precisar mas sabem ser anterior ao aniversario do Réu, ou seja anterior a 16/04, atento o decurso de tempo decorrido desde a celebração do mútuo – mais de cinco anos, e a total ausência de qualquer pagamento por parte do Réu, o Autor marido interpelou o réu, presencialmente, exigindo o pagamento do montante mutuado.

Do ponto 17 consta: Porém, até à presente data o Réu não procedeu ao pagamento aos Autores dos € 14.500,00 emprestados.

Conforme se referiu, o Recorrente não explicita em que se traduz a contradição entre os factos por si alegada.

Da leitura conjugada dos factos por si indicados e da Motivação e Conclusões, poder-se-á entender que o Recorrente pretende apontar como contradição a circunstância de no primeiro grupo de factos, constar que DD assumiu pagar “integralmente a dívida à Banco 1....” e, no segundo grupo de factos, ser mencionado o empréstimo contraído pelo Réu, junto do Autor, no montante de €14.500,00, para pagar parte dessa dívida.

Contudo, alterada a redacção dos factos considerados provados nos pontos 18, 19, 20 e 21, mostra-se prejudicado o conhecimento da contradição acima mencionada, não se vislumbrando a existência de qualquer outra contradição entre os factos considerados provados, sendo certo que pelo Recorrente também não foi especificada.

Por último, invoca o Recorrente a violação do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil.
Sustenta que atenta a prova produzida nos autos e/ou a falta dela, a Mma. Juíza  a quo não poderia de deixar de assumir, no mínimo, uma posição de dúvida relativamente à matéria dos pontos 7, onde se lê: “ os demais executados entregariam €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada…”, 8, onde se lê: “… mas não ter disponibilidade financeira para pagar € 14.500,00”, nos pontos 9, 10 e 11, no ponto 12, onde se lê: “… para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do réu com obrigação de restituição.”, nos pontos 16  e 17 dos factos provados da sentença.
E, ainda, que na dúvida sobre a veracidade de tais factos, impunha-se que o Tribunal a quo desse resposta negativa aos pontos mencionados no parágrafo anterior,  por força do disposto no artigo 342.º do C. Civil e no artigo 414.º do CPC.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 414º do Código de Processo Civil que “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.
Sobre este preceito, escrevem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[7],   “Num processo de natureza litigiosa (…) cada parte apresenta uma versão dos factos e promove as diligências de prova no intuito de convencer o julgador acerca da realidade da sua versão. Um standard de prova consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese de facto para que tal hipótese possa considerar-se provada, ou seja, para que possa ser aceite como verdadeira. Em regra, no processo civil, esse standard é o da probabilidade prevalecente (more- likely-than-not). Se, após a valoração da prova, não for atingido tal patamar ou se as provas produzidas pelas partes forem equivalentes, no sentido de que inexistem parâmetros concretos que justifiquem a prevalência da credibilidade de umas sobre as da contraparte, entra em campo a solução prescrita nesta norma”.
Revertendo para os presentes autos, decidiu o Tribunal a quo que “..fazendo apelo às regras da experiência comum e aos juízos de normalidade claramente a versão factual trazida a juízo pelo autor é credível, plausível e com meridiana suficiência resultou demonstrada, quer dos documentos juntos completados pelas declarações dos intervenientes directos, das partes e do irmão DD. Neste ponto, atentas as regras do ónus da prova e os factos provados que o autor logrou produzir, sem qualquer dúvida a sua versão dos factos é mais próxima da realidade dos factos consignados nos documentos autênticos juntos aos autos, ou seja, de na sequência do acordo verbal, o autor emprestou o valor que corresponderia ao irmão CC que nunca o restituiu”.
Conforme resulta da reapreciação da prova acima efectuada, não se verifica a dúvida do julgador sobre a ocorrência dos factos constitutivos da pretensão que os Autores pretendem ver reconhecida e que se mostram narrados na petição inicial.
Posto isto e sem necessidade de mais considerandos, não se mostra violado o disposto no artigo 414º do Código de Processo Civil.

*
Em consequência da procedência parcial da impugnação da decisão matéria de facto, são os seguintes os factos considerados provados e não provados:

1). Os Autores são casados entre si desde 30.10.1971 sob o regime de bens de comunhão de adquiridos.

2). O Autor marido e Réu são irmãos, e, conjuntamente, com o irmão DD, foram sócios únicos da sociedade comercial “A..., Lda.”, pessoa colectiva n.º ..., sociedade que hoje já se encontra liquidada.

3). Em 28 de junho de 2010, a sociedade “A..., Lda.”, outorgou um mútuo com hipoteca e fiança com a “Banco 1..., S.A.” no qual aquela instituição bancária concedeu um empréstimo no valor de € 70.000,00 a favor da sociedade, e os três sócios e respectivos cônjuges se responsabilizaram solidariamente como fiadores e principais pagadores e prestaram ainda garantia constituindo uma hipoteca legal sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o numero ... e inscrita na matriz predial urbana sob o n.º ..., que detinham em compropriedade.

4). O contrato de mútuo foi incumprido, tendo dado origem a que a “Banco 1..., S.A.” em 2014, instaurasse acção executiva, a qual correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Lousada, Secção de Execução – J2, sob o n.º 84/14.4TBPRD.

5). Atenta a hipoteca e as fianças constituídas, os aí executados, onde se incluíam os aqui Autores e Réu encetaram esforços conjuntos em ordem a alcançar uma solução para extinguir a execução que sobre eles impendia.

6). A Banco 1..., em 10/08/2021, através da sua mandatária e após contactos com os executados, comunicou ao executado DD estar disponível para pôr fim ao processo executivo através do pagamento da quantia total de € 100.000,00, no prazo de trinta dias.

7). Ante a comunicação recebida, Autor, Réu e DD, executados na acção referida no ponto 4, reuniram-se, em data que não foi possível precisar, mas que se situa entre o dia 10 e o dia 20 de Agosto de 2015, e acordaram, então, entre os três que o executado DD iria proceder à entrega da quantia de €100.00,00 (cem mil euros) à Banco 1...,  sendo os termos do acordo os seguintes: a quantia de €71.000,00 seria paga por DD; o Autor e o Réu pagariam a quantia de € 14,500,00 (catorze mil e quinhentos euros) cada, a entregar a DD, e anuíram em por fim à compropriedade sobre o bem imóvel dado de garantia, reunindo neste (DD) a totalidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel.

8). Sucede que o Réu logo anunciou estar disponível para por fim à compropriedade existente sobre o imóvel a favor do irmão DD, mas não ter disponibilidade financeira para pagar os € 14.500,00.

9). Pelo que, o Réu interessado obviamente em ver resolvida a execução que impendia sobre si e sua mulher, solicitou aos irmãos – o aqui Autor marido e DD, que lhe emprestassem esse montante.

10). Face a tal, e em ordem a viabilizar a solução alcançada o Autor marido propôs ao Réu, ser ele a emprestar-lhe o montante em causa, os € 14.500,00, proposta que o Réu aceitou.

11). Mais acordaram, Autor marido e o Réu, que os Autores procederiam à entrega dos € 14,500,00 directamente ao DD, para pagamento do valor responsabilidade do Réu, e que aquele lhe restituiria aquele montante, em singelo.

12). Em 13/08/2015, os Autores entregaram ao DD um cheque emitido pela Autora BB a favor daquele, sacado sob a Banco 1... com o n.º ..., no montante total de € 29.000,00, para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do Réu, com obrigação de restituição.

13). Cheque que o DD recebeu e no mesmo dia depositou em conta bancária por si titulada junto do Banco 2....

14). No dia 20/08/2015, o executado DD procedeu ao pagamento dos €100.000,00 junto da Banco 1... tendo aquela declarado que todos os executados se encontravam desonerados das suas responsabilidades, como hipotecantes e fiadores.

15). E em 17/11/2015, em cumprimento do acordado todos os executados outorgaram a escritura de divisão de coisa comum sobre o imóvel dado de hipoteca, passando o DD a ser proprietário único do referido imóvel.

16). Há um/dois anos, em data que os Autores já não podem precisar, atento o decurso de tempo decorrido desde a celebração do mútuo – mais de cinco anos, e a total ausência de qualquer pagamento por parte do Réu, o Autor interpelou aquele, presencialmente, exigindo o pagamento do montante mutuado.

17). Porém, até à presente data o Réu não procedeu ao pagamento aos Autores dos € 14.500,00 emprestados.

18). O Réu acordou e anuiu colocar fim à compropriedade sobre o imóvel dado de garantia à Banco 1..., prescindindo da sua quota parte (1/3) sobre o referido prédio a favor do seu irmão DD que, da quantia de €100.000,00, exigida por aquela instituição bancária, assumiu pagar a quantia de €71.000,00, sendo o remanescente suportado pelo primeiro e pelo Autor, em igual proporção.

19) A “declaração vinculativa”, datada de 09 de Junho de 2015, de cujo teor consta  “declara que prescinde, da quota sua parte (um terço) que possui no referido prédio, a favor do seu irmão, DD (…)para que ele, seu irmão, o referido DD, titule perante aquela entidade bancária, a Banco 1..., SA, um acordo de pagamento da referida dívida, e que passe a ser o titular e principal pagador da referida dívida , na sua íntegra, perante a Banco 1...”, subscrita e assinada pelo Réu, encontrando-se reconhecida presencialmente a sua assinatura, pelo Cartório Notarial de Paredes, foi entregue, por aquele, ao seu irmão, DD, na sequência do que havia ficado acordado, entre este, Autor e Réu, tendo DD, no dia 9 de Junho de 2015, apresentado uma proposta de pagamento da quantia exequenda à Mandatária da Banco 1....

20) O Réu acordou ainda que, caso viesse a ser efectivamente paga integralmente a dívida à Banco 1...., nos termos acordados no ponto 7, com liberação de todos os responsáveis pela dívida,  que assinaria e praticaria todos os actos necessários para que DD ficasse a figurar no registo predial como único proprietário do imóvel dado de Hipoteca àquela instituição bancária.

21)  O referido imóvel tinha, em Junho de 2010, um valor de mercado superior a €100.000,00.

Mais resultou provado:

22). Há uma declaração idêntica àquela que o réu subscreveu e referida em 13)., subscrita pelo autor AA.


***

Factos Não Provados:
i. a reunião entre os executados maridos, perante a carta de 10 de Agosto de 2015, recebida da Banco 1..., tenha ocorrido entre o dia 10 e o dia 13 de Agosto de 2015;
ii. tenha sido no passado mês de Abril do corrente ano, em data anterior ao dia 16, que o  Réu foi interpelado pelo Autor, para pagamento do montante mutuado;
iii. DD tenha-se assumido único pagador da totalidade da dívida à Banco 1...;
iv. DD tenha assumido a responsabilidade de pagar a totalidade da quantia de €100.000,00, à Banco 1...;
v. a declaração vinculativa, datada de 09 de Junho de 2015, assinada pelo Réu, tenha sido  exigência de DD;
vi. exista uma declaração idêntica à subscrita pelo réu e referida em 19), subscrita pelo autor AA.

A restante factualidade alegada nas peças processuais juntas pelas partes que seja contrária aos factos acima provados, meramente conclusiva e ou direito mostra-se destituída de interesse para a presente causa.


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Da contestação (fls. 58 a 64): 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 19, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36”.

Procede, assim, parcialmente, a impugnação da decisão da matéria de facto.

3ª Questão

O Recorrente fundou a sua pretensão recursória de revogação da sentença na alteração da decisão da matéria de facto, sustentando, ainda, que  a entender-se que existe um contrato de mútuo, “além de nulo por vício de forma, seria também nulo por falta de objecto, nos termos do artigo 280.º do Código Civil,  decorrendo essa falta do objecto do referido ato translativo da coisa mutuada”.

Consta da matéria de facto provada que o Réu interessado em ver resolvida a execução que impendia sobre si e a sua mulher, solicitou aos irmãos – o aqui Autor e DD -, que lhe emprestassem a quantia de €14.500,00.  Face a tal e em ordem a viabilizar a solução alcançada, o Autor propôs ao Réu, ser ele a emprestar-lhe o montante em causa, os €14.500,00, proposta que o Réu aceitou. Mais acordaram, Autor e Réu, que os Autores procederiam à entrega dos € 14,500,00 directamente a DD, para pagamento do valor responsabilidade do Réu, e que aquele lhe restituiria aquele montante, em singelo.

Os Autores entregaram a DD um cheque emitido pela Autora BB a favor daquele, sacado sob a Banco 1... com o n.º ..., no montante total de € 29.000,00, para pagamento do acordado, € 14.500,00 dos Autores e € 14.500,00 do Réu.

No dia 20/08/2015, o executado DD procedeu ao pagamento dos €100.000,00 junto da Banco 1... tendo aquela declarado que todos os executados se encontravam desonerados das suas responsabilidades, como hipotecantes e fiadores.

Sendo esta a matéria de facto provada, dúvidas não subsistem que estamos perante um contrato de mútuo, definido pelo artigo 1142.º do Código Civil como “o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade”, sendo seus elementos essenciais a entrega da coisa – dinheiro ou outra coisa fungível – pelo mutuante ao mutuário e a obrigação a que o mutuário fica adstrito de restituir ao mutuante outro tanto do mesmo género e qualidade.
Embora haja controvérsia doutrinária sobre a questão, a doutrina e jurisprudência maioritárias[8] vêm atribuindo ao mútuo, a natureza jurídica de contrato real “quoad constitutionem”, a significar que a sua formação e completude pressupõe a entrega - ou acto equivalente – da coisa ao respectivo beneficiário; a entrega daquilo que é objecto do contrato não faz parte da execução deste, antes integrando a sua própria constituição.
Como contrato real quoad constitutionem, é necessária a tradição da quantia mutuada para o mutuário para que se considere efectivamente constituído: ainda que as partes tenham acordado sobre todas as condições do contrato, antes da traditio não há mútuo.
Nas palavras de João Redinha[9],  “a categoria dos contratos reais quanto à constituição ou “quoad constitutionem” caracteriza-se por o acordo de vontades, se bem que necessário, não ser suficiente para o surgimento do contrato. Além deste, a lei exige um elemento, em regra ulterior – a entrega ou datio reique constitui objecto do consenso, surgindo como elemento indispensável ao aperfeiçoamento do negócio. A entrega da res não é, assim um acto de execução do contrato, mas seu elemento integrante ou constitutivo…”, ou por outras palavras “não representa o cumprimento de uma obrigação dele emergente, antes é um elemento da sua formação, integrando a respectiva facti species”.
Refere João Redinha que, além da circunstância de «a definição legal do artigo 1142º do Código Civil, ao utilizar a expressão verbal “empresta”, que significa já o acto de confiar uma coisa a outrem, o acto de ceder essa coisa», acresce a este elemento «a ausência de posterior referência a ima obrigação de entrega da coisa a cargo do mutuante”. 
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela [10], “o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa. (…) É o que resulta deste artigo 1142º. A solução defendida por Vaz Serra (Notas acerca do contrato de mútuo, na Rev. Leg. Jur., ano 93º, págs. 65 e segs.), da admissibilidade do mútuo consensual, como figura intermédia entre a promessa de mútuo, sujeita ao regime dos artigos 410º e seguintes, e o mútuo real, não apresentava para o comércio jurídico qualquer interesse prático. Ou se empresta a coisa, ou se promete emprestá-la. No primeiro caso, há um contrato de mútuo; no segundo, um contrato-promessa.”

Transpondo tais princípios para os presentes autos, resulta da matéria de facto que acordaram, Autor e Réu, que os Autores procederiam à entrega da quantia mutuada directamente a DD, o que sucedeu, pelo que se verifica a entrega da coisa.  

Posto isto e sem necessidade de mais considerandos, não assiste razão ao Recorrente.

O Recorrente não aduziu qualquer outro argumento estritamente jurídico para infirmar a decisão recorrida com base nos factos considerados provados pelo Tribunal da Primeira Instância.

As conclusões delimitam o objecto do recurso e balizam o âmbito do conhecimento do Tribunal pelos fundamentos aduzidos, excepto tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Assim, não existindo qualquer outro fundamento invocado pelo Recorrente para a revogação da decisão recorrida, improcede o recurso, confirmando-se, a sentença recorrida, com as alterações da matéria de facto acima enunciadas.

Consta do dispositivo da sentença a condenação do réu CC no pagamento de “juros de mora contados à taxa legal a partir da data da citação e dos vincendos até integral pagamento e de juros à taxa legal aplicável, desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento”.

Tratando-se de manifesto lapso que ressalta, de forma clara, do teor da própria decisão, é  passível de rectificação, nos termos do artº 614º, nº 1, CPC, pelo que se procede à sua rectificação, passando a constar do dispositivo a condenação do “Réu CC, a restituir aos Autores o capital mutuado de €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal a partir da data da citação e dos vincendos até integral pagamento”.

Custas

Pese embora a procedência parcial da impugnação da decisão da matéria de facto, revelando-se a mesma inócua na apreciação da situação jurídica trazida em sede de recurso, as custas da apelação  ficam a cargo do Recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


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V_ Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, as Juízas deste Tribunal da Relação decidem alterar a decisão da matéria de facto, no pontos 7, 16, 18, 19, 20, 21 e 22, nos termos supra enunciados, mantendo, no mais, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, rectificada no segmento final do dispositivo, passando a ler-se “condeno o “Réu CC, a restituir aos Autores o capital mutuado de €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal a partir da data da citação e dos vincendos até integral pagamento”.


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Custas da apelação pelo Recorrente (artigo 527.º, nº 1, do C.P.Civil).

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Sumário:

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Porto, 4/3/2024
Anabela Morais
Ana Paula Amorim
Fernanda Almeida
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[1] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/10/2021, proferido no processo nº 1372/19.9T8VFR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Professor Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume IV, Reimpressão, Coimbra, 1987, p. 569.
[3] Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/4/2017, proferido no Processo nº 18591/15.0T8SNT.L1-7, acessível em dgsi.pt: “[D]esde há muito que se enfatiza que o interesse da testemunha na causa não é fundamento de inabilidade, devendo apenas ser ponderado como um dos fatores a ter em conta na valoração do testemunho. Assim, «Nada impede assim que o juiz forme a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha interessada (até inclusivamente com base nesse depoimento) desde que, ponderando o mesmo com a sua experiência e bom senso, conclua pela credibilidade da testemunha.» Ou seja, o interesse da parte (que presta declarações) na sorte do litígio não é uma realidade substancialmente distinta da testemunha interessada: a novidade é relativa e não absoluta, a diferença é de grau apenas”.
[5] O já citado Acórdão de 26/4/2017, proferido no Processo nº 18591/15.0T8SNT.L1-7.
[6] No Acórdão de 7/11/2019, do Supremo Tribunal de Justiça, de 7/11/2019, proferido no 2929/17.8T8ALM.L1.S1, foi decidido:
I- Cumprido pelo recorrente o ónus de impugnação a que alude o artigo 640º do CPC e tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento.
II. Não se compreenderia, na verdade, desde logo, por razões de justiça material, que o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação e da formação do seu próprio juízo probatório sobre cada um dos pontos de facto objeto de impugnação, não pudesse interferir noutros pontos da matéria de facto cujo conteúdo se viesse a revelar afetado pelas respostas dadas àqueloutros por forma a evitar contradições, tal como acontece na situação prevista na parte final da alínea c) do nº 3 do artigo 662º, do CPC”.
[7] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, vol. I, 3ª edição, pág. 527.
[8] Refere Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III – Contratos em Especial, 10.ª Edição, 2015, págs. 343 e segs., «Em contrariedade à posição clássica, alguns autores sustentam que “a entrega das coisas mutuadas não teria a função de elemento constitutivo do negócio, mas antes seria um acto executivo do contrato, não necessariamente contemporâneo da sua elaboração. Ao entregar as coisas mutuadas, o mutuante estaria a cumprir uma obrigação já existente (…).
Uma tese intermédia entre estas duas sustenta que existe um hiato entre a celebração do contrato e a produção de alguns dos seus efeitos. De acordo com esse entendimento, o contrato é celebrado no momento do acordo das partes, mas este não faz nascer a obrigação restitutória nem produz a transferência da propriedade, uma vez que esta pressupõe a entrega das coisas mutuadas, que seria assim considerada uma conditio iuris de certos efeitos do contrato ou com uma concausa da sua eficácia (…).
Uma última posição, admite o mútuo consensual, ao lado do mútuo real. Para esta posição, a entrega não é condição de validade do contrato, pelo que o facto de as partes acordarem na sua não realização tem apenas como efeito tornar atípico esse mesmo contrato”.
[9] João Redinha, “Contrato de Mútuo” em “Direito das Obrigações”, Menezes Cordeiro, vol. III, AAFDL, 1991, págs. 194 e 195.
[10] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, págs. 761 e762.