EXPROPRIAÇÃO
PEDIDO DE EXPROPRIAÇÃO TOTAL
Sumário

É ao expropriado que compete provar os requisitos exigidos para a verificação da exceção que legitima o pedido de expropriação total ao abrigo do artigo 3º do C. Expropr..

Texto Integral

Processo nº. 8951/20.0T8VNG.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – José Eusébio Almeida

Adjunta – Ana Paula Amorim

Tribunal de Origem do Recurso – Tribunal Judicial da Comarca do Porto  – Jz. Local Cível de Vila Nova de Gaia

Apelante – A..., S.A.

Apelados/ AA e BB

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

i- A entidade expropriante “A..., S.A.” remeteu ao abrigo do disposto no artigo 51º nº 1 do C. Expropriações os presentes autos ao tribunal, requerendo seja proferido despacho de adjudicação da propriedade, para tanto alegando:

1) Por despacho n.º 5922/2020, 30 de abril, do Secretário de Estado da Mobilidade do Ministério do Ambiente e Ação Climática, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 105 – Parte C, de 29 de maio de 2020 foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência, da expropriação da seguinte parcela:

- ... com área de 562 m2 , correspondente a prédio urbano, sito no Lote ..., Quinta ... ou Quinta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., identificada na planta cadastral e no mapa de expropriações publicado em anexo ao despacho supra referido, parcela aquela indispensável à construção da Extensão da Linha ... – ... a ... do Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto.

2) Pelo despacho acima referido foi, ainda, autorizada a tomada de posse administrativa da referida parcela, nos termos dos artigos 15.º e 19.º do Código das Expropriações.

3) São expropriados, na qualidade de proprietários da parcela supracitada:

AA e BB, residentes na Rua ..., ... Gondomar

4) Não houve acordo entre a requerente e o expropriado quanto ao valor da indemnização a atribuir-lhe em função da expropriação da parcela aqui em causa.

5) Foi, assim e ao abrigo do estipulado no artigo 49.º do Código de Expropriações, realizada a arbitragem, a qual foi recebida por esta entidade no dia 07 de dezembro de 2020.

6) Foi feito o depósito autónomo da quantia correspondente ao montante fixado pelos acórdãos de arbitragem:

... - 169.786,00 euros (cento e sessenta e nove mil setecentos e oitenta e seis euros);”

Tendo junto comprovativo do depósito autónomo e respetivo recibo no valor de € 169.786,00 correspondente ao montante fixado pelo acórdão de arbitragem; certidão do teor da inscrição matricial em vigor, relativo ao prédio do qual a parcela é a destacar e certidão do teor da descrição predial, relativa ao prédio do qual é a parcela a destacar.

Posteriormente (já em 7 de janeiro de 2021) e a requerimento dos expropriados, tendo junto o Acórdão de Arbitragem.

ii- Por decisão de 31/12/2020 foi proferida decisão de adjudicação ao Estado da “propriedade da parcela com o n.º ... com área de 562 m2, correspondente a prédio urbano, sito no Lote ..., Quinta ... ou Quinta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3198º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., a confrontar do norte com zona verde e do sul, nascente e poente com rua.”

Tendo sido ordenada a notificação das partes da decisão e também nos termos do n.º 5 do artigo 51º do Código de Expropriações.

iii- Os expropriados AA e mulher interpuseram recurso de arbitragem, nos termos do artigo 52º nº 1 do CE, requerendo a ampliação da área expropriada – expropriação total, nos termos do artigo 55º nº 1 do C.Expropr., considerando “que a parte restante não lhes assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, pelo que requerem a expropriação total do prédio nos temos do n.º 1 do artigo 55.º do Código das Expropriações.”

Tendo ainda concluído, sendo decretada a expropriação total, pela atribuição do valor total de indemnização aos expropriados de € 1.835.676,00.

Na eventualidade de não ser decidida a ampliação da área a expropriar e a expropriação total do prédio, então tendo pugnado pela fixação do valor da parcela expropriada em 1.468,541,00, considerando uma desvalorização de 80% da parcela sobrante relativamente ao valor do lote antes da expropriação.

A este valor acrescendo juros de mora peticionados, justificados pela possa da expropriante antes do depósito efetuado.

iv- Em 28/01/2021, requereram os expropriados a junção aos autos de declaração emitida pela CM... datada de 27/01/2021, com os seguintes fundamentos:

“1 - Para fundamentar o recurso da decisão arbitral os expropriados requereram à Câmara Municipal ... que certificasse a resposta a três questões:

- é ou não possível construir na parte restante dos lotes sem que se proceda à alteração do alvará de Loteamento, nos termos do previsto no Artigo 27.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;

- essa alteração fica ou não condicionada à não oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do Alvará, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;

- essa alteração fica ou não condicionada ao cumprimento de todas as normas previstas no PDM atualmente em vigor.

2 - A certidão destinava-se a permitir dar resposta a questões que os Srs. Árbitros deixaram em aberto nas respostas aos quesitos 19 e 20 que lhe foram colocados pelos expropriados, onde diziam, nomeadamente, que “atendendo a que a alteração da área do lote é determinada pela execução de uma infraestrutura de interesse público, admite-se que uma eventual alteração do Alvará de Loteamento, caso se revele necessária, se faça em termos distinto daqueles que teriam que ser adotados no caso de esta ser promovida por interesses particulares. Ainda assim, os árbitros revelam que a resposta ao quesito requer uma interpretação jurídica da legislação que os árbitros não devem, nem podem fazer.”

3 - O pedido foi entregue em 12.01.2021, acompanhado de uma planta com a sobreposição da linha de metro do lote (doc. 1).

4 - Só hoje, 28.01.2021, os expropriados puderam levantar a referida certidão, da qual consta que “…caso se pretenda construir sobre a parte restante das parcelas que resultaram do ato expropriativo, terá de ser desencadeado um procedimento de alteração à licença de loteamento, nos termos do disposto no artigo 27.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação...” (…) “Essa alteração fica condicionada à não oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do citado alvará de loteamento n.º ..., nos termos do n.º 3 do mesmo artigo...” (…) “a pretensão ficará sujeita ao cumprimento de todas as normas previstas no Plano Diretor Municipal atualmente em vigor…“ (doc. 2).

5 - Ficam, assim, esclarecidas as dúvidas levantadas pelos senhores árbitros na resposta aos quesitos 19 e 20, e fica reforçada a motivação dos expropriados no pedido de expropriação total formulado nos termos do n.º 1 do artigo 55.º do Cód. Expropriações, por se comprovar que a parte restante não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio.

6 - A junção desta certidão é admissível por se documento posterior à apresentação do recurso da decisão arbitral, para além de ser apresentado dentro do prazo de 20 dias após o conhecimento do relatório de arbitragem.”

v- Contra-alegou a expropriante “A..., S.A.” e interpôs recurso subordinado, tendo em suma alegado:

- Resulta claro que, em consequência da expropriação, não foi imposta para a área sobrante nenhuma condicionante que afetasse de qualquer forma a sua capacidade construtiva pelo que não tem qualquer fundamento o pedido de expropriação total feito pelo Expropriado aliás como defenderam os peritos;

- em consequência da expropriação, mantem-se intocável e inalterável o polígono de implantação do edifício aprovado no alvará de loteamento;

- Não existe assim nenhuma razão, objetivamente determinada, que possa fundamentar o pedido de expropriação total;

- No seu recurso, os Expropriados, referem ainda que, a expropriação implicará uma alteração ao alvará de loteamento cuja dificuldade é ficcionada;

- Relativamente à área para a qual está prevista uma eventual ocupação temporária, nesta fase, não sendo legalmente necessária, confirma a boa fé e total transparência com que a expropriante sempre tratou este processo expropriativo.

- Na versão atual não existe a previsão de qualquer banqueta de drenagem de águas na zona de ocupação temporária.

Igualmente em toda essa zona se garantirá a reposição das condições idênticas às que existiam;

- Ainda, a expropriação não altera os acessos do lote ao contrário do que alegam os expropriados nas suas alegações de recurso.

- Tão pouco existe fundamento para os juros peticionados pelos expropriados, porquanto logo a expropriante prestou garantia bancária, tendo cumprido cabalmente o previsto no artigo 20º do CE.

Em sede de recurso subordinado, pugnou ainda a expropriante pela correção do valor da indemnização.

Pugnando, pelos motivos indicados, que não deve ser atribuído à parcela ... um valor superior a 84.594,80 Euros (oitenta e quatro mil quinhentos e noventa e quatro euros e oitenta cêntimos), por este montante se traduzir na justa indemnização a atribuir aos Expropriados.

Terminando requerendo:

a) Deve o recurso do expropriado ser julgado totalmente improcedente, por não provado;

b) deve igualmente ser julgado improcedente, por não provado, o pedido de expropriação total;

c) deve o presente recurso subordinado ser julgado totalmente procedente, considerando ser adequada à compensação do sacrifício sofrido pelo expropriado a quantia de € 98.792,00 euros (noventa e oito mil setecentos e noventa e dois euros).

vi- Em 08/04/2021, determinou o tribunal a quo:

“Solicite-se à Câmara Municipal ..., departamento de urbanismo e planeamento informação no sentido de saber se, e a verificarem-se as condições referenciadas pela expropriante, melhor explanadas em sede do requerimento que antecede - cuja cópia se remeterá a acompanhar o presente despacho - , se manterão os condicionalismos referidos em sede da certidão emanada de um tal departamento – cuja cópia também deverá ser remetida a acompanhar o presente despacho - , destinados a viabilizar a possibilidade de construção na área sobrante das parcelas expropriadas.”

vii- Em 22/04/2021 informa a CM...:

“Consultados os antecedentes sobre este assunto, concretamente a informação prestada no Proc.º nº 160/21 e que deu lugar à certidão emitida em 27/01/2021, no requerimento registado sob o n.º ..., apresentado por AA, expropriado nos autos, informa-se que, a verificarem-se as condições referenciadas pela expropriante no requerimento que junta, mantêm-se os condicionalismos referidos em sede da certidão emitida em 27/01/2021, a saber:

- em função da redução da área do lote será necessário desencadear um procedimento de alteração à licença de loteamento, nos termos do disposto no artigo 27.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, sendo que a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará de loteamento n.º ..., nos termos do n.º 3 do mesmo artigo (caso a alteração a promover seja a meramente decorrente da subtração da área expropriada, mantendo-se o polígono de implantação e as restantes prescrições relativas à edificação, a alteração ao loteamento pode ser uma alteração simplificada integrada no n.º 8 do 27.º do DL 555/99 de 16 de dezembro, não se abrindo nesse caso a possibilidade da oposição escrita atrás referida);

- a alteração ao alvará de loteamento a promover terá que dar cumprimento a todas as normas previstas no Plano Diretor Municipal atualmente em vigor”.

viii- Em 02/01/2022, e na sequência de requerimentos das partes, o tribunal solicitou as seguintes informações adicionais à CM...:

“determino a notificação da Câmara Municipal ... para, no prazo de 10 dias, vir aos autos prestar essas informações, ou seja:

- quantos lotes é que integram o loteamento titulado pelo alvará n.º ..., quais as respetivas áreas e quais os respetivos proprietários;

- se a construção a que a mesma se refere na certidão feita juntar aos autos pelos expropriados e que estará condicionada à não oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará de loteamento n.º ..., é apenas aquela que se mostra prevista no referido alvará de loteamento ou se é todo e qualquer tipo de construção;

e,

- a ocorrer a primeira alternativa na informação feita, quais os procedimentos a desencadear pelos expropriados para que a nova construção equacionada para o local possa ter lugar.”

ix- Em 22/06/2022, a CM... informa:

 “(...) Respondendo diretamente às questões colocadas pela entidade expropriante, informa-se o seguinte:

“II- Requerimento Edilidade

No que respeita ao requerimento apresentado pela Edilidade deve a mesma esclarecer se a deslocação para poente decorre de alguma exigência legal ou se se trata de uma mera preferência da Edilidade”

Conforme foi comunicado no aludido requerimento, por razões de inserção urbanística e não por "mera preferência da edilidade” o Município considera que a solução que venha a ser apresentada deverá prever uma deslocação da futura implantação. Com efeito, e tal como decorre da Lei, a apreciação do projeto de arquitetura incide entre outros, sobre a inserção urbana e paisagística das edificações, constituindo, aliás fundamento para o indeferimento da pretensão, quando tal não se verifique (conf. artºs 20º nº 1, 24º nº 4 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação e artigos 24.º e 25º do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação de Vila Nova de Gaia).

1.A Área objeto de expropriação colide, com o polígono de implantação do edifício previsto no referido alvará ?

A área objeto de expropriação não colidirá com o referido polígono.

2. Se são afetados os índices de construção global que foram considerados e objeto de aprovação para a totalidade do loteamento?

Não serão afetados os índices de construção globais que foram considerados e objeto de aprovação para a totalidade do loteamento.

3.Se no referido lote ... contínua a poder implantar-se, e ser objeto de construção, um edifício com as mesmas áreas e características que estavam previstas no referido alvará de loteamento?

No lote ... contínua a poder implantar-se, e ser objeto de construção, um edifício com as mesmas áreas e características que estavam previstas no referido alvará de loteamento;

4.Se vier a entender-se pela necessidade de apresentação de uma alteração ao loteamento, uma vez que a expropriação não atinge o polígono de implantação previsto, nem afeta, de qualquer forma, a capacidade construtiva aprovada, nem altera os índices de construção globais aprovados para a totalidade do loteamento, considera-se que essa alteração pode ser uma alteração simplificada integrada no n.º 8 do artigo 27º do DL 555/99 de 16 de dezembro cuja aprovação resulta de simples deliberação da Câmara Municipal com dispensa de quaisquer outras formalidades, nomeadamente o condicionamento à não oposição escrita da maioria dos outros titulares?

Estritamente em função da redução da área do lote, será obrigatório promover alteração ao loteamento. Caso a alteração corresponda a subtração da área expropriada, mantendo-se o polígono da implantação e as restantes prescrições relativas à edificação, a alteração ao loteamento constitui uma alteração simplificada prevista no n.º 8 do artigo 27.º do DL 555/99 de 16 de dezembro, sem quaisquer outras formalidades.

Independentemente do procedimento a concretizar, a alteração ao alvará de loteamento a promover terá que dar cumprimento a todas as normas legais e regulamentares em vigor.”

x- Adicionalmente informa ainda a CM... em 06/12/2022:

“Nos autos da Expropriação, que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 4, sob o n.º 8951/20.0T8VNG e na sequência da notificação com a referência 440047244, informa-se, ao abrigo do artigo 417.º do Código do Processo Civil:

“Da sobreposição do atual traçado do troço do sistema do metro ligeiro do Porto da extensão da Linha ... –... a ..., com os lotes ... e ... do loteamento titulado pelo alvará nºs ..., verifica-se o seguinte: -A implantação prevista para a construção a erigir no lote n.º ... colidiria com o novo traçado previsto para o metro.

Tendo em consideração a diferença entre a área do lote (2.825,00m2) e a área de implantação prevista (896m2), será possível, após a expropriação manter no lote uma construção com as mesmas características, desde que ajustada a sua implantação.

-A implantação prevista para a construção a erigir no lote n.º ... não colide com o novo traçado previsto para o metro.

Não obstante, considerando a redução de área do lote pela expropriação, mantendo-se a implantação prevista pelo polígono definido originalmente no loteamento, resultaria uma edificação demasiado próxima da linha do metro, sendo por isso desejável promover algum afastamento, no sentido de desafogar a construção, mitigando desta forma os inconvenientes de ordem funcional, ambiental e paisagística elencados no artigo 12.,º do RPDM (nomeadamente ruídos, constrangimentos de circulação, articulação da imagem urbana, etc).

Assim, pelas razões de inserção urbanística acima identificadas, o Município considera preferencial uma solução que preveja uma deslocação para poente da futura implantação. Neste cenário seria necessário desencadear um procedimento de alteração, à licença de loteamento nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 27.º, sendo que a alteração da licença de operação de loteamento não poderia ser aprovada se ocorresse oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará de loteamento n.º ..., nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

Independentemente do procedimento a concretizar, a alteração ao alvará de loteamento a promover terá que dar cumprimento a todas as normas previstas no Plano Diretor Municipal atualmente em vigor.”


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Em 08/02/2023 foi proferida a seguinte decisão:

“1. Relatório

Vieram os expropriados AA e mulher requerer a expropriação total do prédio de que houve expropriação de uma parcela com a área de 562m2.

Pronunciou-se a expropriante A..., SA, pugnando pelo indeferimento do pretendido.

2. Saneamento

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente patrocinadas.

Inexistem exceções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

3. Fundamentação (com relevância para a decisão a ser proferida)

3.1 Factos assentes

1) Por despacho n.º 5922/2020, 30 de abril, do Secretário de Estado da Mobilidade do Ministério do Ambiente e Ação Climática, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 105 – Parte C, de 29 de maio de 2020 foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência, da expropriação da seguinte parcela: - ... com área de 562 m2, correspondente a prédio urbano, sito no Lote ..., Quinta ... ou Quinta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., identificada na planta cadastral e no mapa de expropriações publicado em anexo ao despacho supra referido, parcela aquela indispensável à construção da Extensão da Linha ... – ... a ... do Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto.

2) A parcela expropriada pertence ao prédio urbano, sito em ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., que tem a área de 2.250m2.

3) O terreno de que a parcela faz parte está classificado como zona verde inserida em área urbanizada consolidada de tipologia mista

4) Existe um alvará de loteamento, alvará nºs ..., aprovado para o prédio de onde a parcela é a destacar, sendo o do prédio dos expropriados o n.º 6.

5) O alvará de loteamento nºs ... é constituído por 10 lotes, cujos proprietários e áreas são os que constam do ofício enviado pela Câmara Municipal ... de 09/03/2022, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

6) Por informação prestada pela Câmara Municipal ... resulta que ”Da sobreposição do atual traçado do troço do sistema do metro ligeiro do Porto da extensão da Linha ... –... a ..., com os lotes ... e ... do loteamento titulado pelo alvará nºs ..., verifica-se o seguinte (…) A implantação prevista para a construção a erigir no lote n.º ... não colide com o novo traçado previsto para o metro. Não obstante, considerando a redução de área do lote pela expropriação, mantendo-se a implantação prevista pelo polígono definido originalmente no loteamento, resultaria uma edificação demasiado próxima da linha do metro, sendo por isso desejável promover algum afastamento, no sentido de desafogar a construção, mitigando desta forma os inconvenientes de ordem funcional, ambiental e paisagística elencados no artigo 12.,º do RPDM (nomeadamente ruídos, constrangimentos de circulação, articulação da imagem urbana, etc).

Assim, pelas razões de inserção urbanística acima identificadas, o Município considera preferencial uma solução que preveja uma deslocação para poente da futura implantação. Neste cenário seria necessário desencadear um procedimento de alteração, à licença de loteamento nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 27.º, sendo que a alteração da licença de operação de loteamento não poderia ser aprovada se ocorresse oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará de loteamento n.º ..., nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. Independentemente do procedimento a concretizar, a alteração ao alvará de loteamento a promover terá que dar cumprimento a todas as normas previstas no Plano Diretor Municipal atualmente em vigor.”, tudo conforme termos do ofício de 22/12/2022.

4. Motivação

Resultou da análise de toda a prova junta aos autos.

Dentro desta merece que se destaque a atenção que o Tribunal deu ao despacho do Secretário de Estado da Mobilidade do Ministério do Ambiente e Ação Climática, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 105 – Parte C, de 29 de maio de 2020, ao relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam, à certidão do registo predial e aos ofícios camarários de 09/03/2022 e 22/12/2022.

5. Direito

Nos termos do artigo 55.º, do Código das Expropriações (CE), dentro do prazo do recurso arbitral podem os interessados requerer a expropriação total, nos termos do artigo 3.º, 2. Estatui este último normativo que quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio e se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico, determinado objetivamente.

As razões que justificam a atribuição ao proprietário do prédio de pedir a expropriação total têm a ver com o respeito total pelo princípio constitucional da justa indemnização a que alude o artigo 62.º, da Constituição da República e constitui uma exceção ao princípio de que o sacrifício do particular afetado deve limitar-se ao estritamente necessário à realização do interesse público, que encontra justificação no facto de, em certos casos, se tornar mais gravosa a expropriação apenas da parte necessária ao fim da utilidade pública do que a da totalidade do prédio.

Decisivo para estes fins é o apuramento da natureza ou aptidão do prédio antes e depois do seu desmembramento pela expropriação.

Ora, face à matéria de facto provada, não se pode afirmar que a restante parte do prédio continua a oferecer os mesmos cómodos que oferecia antes. A natureza do prédio não mudou, continua a ser possível construir, simplesmente considerando a redução de área do lote pela expropriação, resultaria uma edificação demasiado próxima da linha do metro, sendo por isso desejável promover algum afastamento, no sentido de desafogar a construção, mitigando desta forma os inconvenientes de ordem funcional, ambiental e paisagística elencados no artigo 12.º, do RPDM.

Acrescenta a própria Câmara ... que em face disso seria necessário desencadear um procedimento de alteração à licença de loteamento aprovado que não poderia ocorrer se existisse oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará de loteamento n.º ....

Neste sentido, a possibilidade de edificar na parte restante do seu prédio implica uma alteração ao alvará de loteamento que apenas seria concedida se não contasse com a oposição da maioria dos titulares da área desse loteamento, o que faz com que essa possibilidade deixa de depender unicamente dos expropriados e do cumprimento por estes de regras urbanísticas e administrativas para obrigar à vontade dos demais nove titulares daquele loteamento, que os expropriados, com toda a certeza, não conseguem antecipar qual seja, nem deles depende.

Em face disso, nos termos dos artigos 3.º, 2 e 55.º, 3, do CE, o pedido de expropriação total é procedente.

6. Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente, por provado, o pedido de expropriação total do prédio urbano, sito em ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., que tem a área de 2.250m2, à qual a parcela expropriada pertence.

(...).”

***

Do decidido quanto à procedência do pedido de expropriação total e, não se conformando com o mesmo, dele interpôs recurso “A..., S.A.”, oferecendo alegações e formulando as seguintes

“CONCLUSÕES

1. Não pode ser aceite a procedência do pedido de expropriação total do prédio conforme douto despacho, à luz do n.º 2 do artigo 3.º do Código das Expropriações.

2. Uma vez que a parte restante assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;

3. Tendo os cómodos interesse económico para o expropriado.

4. Aliás fácil é de perceber que se o edifício já existisse, facilmente a área em causa poderia ser ocupada sem qualquer prejuízo do mesmo.

5. Em consequência da expropriação, não foi imposta para a área sobrante nenhuma condicionante que afetasse de qualquer forma a sua capacidade construtiva.

6. A parcela expropriada não colide com o polígono de implantação do edifício aprovado no alvará de loteamento, apenas ocupando parte do logradouro.

7. Mais, a capacidade construtiva aprovada pode, por isso, ser levada a cabo, exatamente no mesmo local, rigorosamente com as mesmas características, mantendo as mesmas condições de acessibilidade e com o mesmo número de pisos quer de habitação quer de estacionamento.

8. No lote ... continua a poder implantar-se, e ser objeto de construção, um edifício com as mesmas áreas e características que estavam previstas no referido alvará de loteamento.

9. O principal cómodo que o prédio oferece é a sua capacidade construtiva com base na qual se determina o valor do prédio.

10. Não havendo necessidade de se alterar o alvará de loteamento uma vez que estamos perante um processo expropriativo de um lote já constituído, mantendo-se inalterados todos índices e parâmetros do alvará.

11. De facto, a capacidade construtiva de um loteamento é definida pelo Icb (Índice de construção bruto) que é determinado pelo quociente entre a área de construção global e a área total do terreno, incluída nesse loteamento e distribuída pelos 10 lotes constituídos do alvará

12. A parte do logradouro abrangida pela expropriação não desaparece da área global afeta ao loteamento e foi essa área que determinou os índices, parâmetros e coeficientes do loteamento, passando a estar integrada nas infraestruturas.

13. Se a expropriação não atingir o polígono previsto e não afetar de qualquer forma a capacidade construtiva aprovada, nem alterar os índices de construção globais aprovados para a totalidade do loteamento, qualquer alteração ao loteamento pode ser uma alteração simplificada integrada no n.º 8 do artigo 27.º do Decreto-Lei 555/99 de 16 de dezembro.

14. A alteração simplificada é aprovada apenas pela Edilidade, não estando dependente de qualquer outra entidade ou de terceiros.

15. Ainda que a Edilidade prefira uma deslocação da edificação, nunca a referida deslocação será em consequência da expropriação, mas sim em “razão de inserção urbana e paisagista das edificações”, sendo que tal preferência invocada pela Câmara de um desvio do polígono da implantação não é apresentada como impositiva, mas sim como um desejo que não altera o alvará aprovado.

16. Ainda que fosse necessário alterar, sempre seria enquadrado no n.º 8 do artigo 27.º do Decreto-Lei 555/99 de 16 de dezembro alterado e atualizado pelo decreto-Lei 136/2014 sendo “por simples deliberação da Câmara Municipal com dispensa de quaisquer outras formalidades”….

17. Tratando-se de uma alteração determinada pela execução de uma obra para a qual foi reconhecida a utilidade pública, sempre se poderia invocar o artigo 48º (Decreto-Lei nº 136/2014, de 9 de setembro; Retificação n.º 46-A/2014, de 10/11 que procede à 13.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação).

18. Mais, ainda que eventualmente fosse necessário fazer uma alteração nos termos do artigo 3.º do artigo 27.º do RJUE, o que não se aceita e apenas por mera hipótese académica se admite, essa alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará, devendo, para o efeito, o gestor de procedimento proceder à sua notificação para pronúncia no prazo de 10 dias.

19. Não resulta em consequência da expropriação, qualquer alteração das condições de acessibilidade ou ligação das infraestruturas, o acesso rodoviário continuará a efetuar-se pela cota alta do terreno - Praceta ..., onde sempre esteve previsto.

20. O projeto da Linha ... do A..., foi objeto de parecer da APA, que em nenhum momento refere as preocupações ambientais assinaladas no despacho.

21. A proximidade do edifício ao metro é de cerca de 8 metros distando em altura até ao primeiro piso de cerca de 10 metros maior do que em muitas zonas de Porto, Matosinhos e Vila do Conde e cidades europeias.

22. Por fim, os árbitros não só não admitem a hipótese da expropriação total como nem sequer entendem que da expropriação resulte qualquer desvalorização da sobrante.

23. Não existindo momento algum do processo qualquer analise técnica que aprove ou conclua pela necessidade de promover a expropriação total.

24. Não existindo, conforme demonstrado, qualquer justificação para a mesma, com grave prejuízo do erário público.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO E PROCEDENTE, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA”

Contra-alegaram os recorridos AA e mulher, tendo a final apresentado as seguintes:

“Conclusões:

1. Não é igual expropriar uma área de um lote com um prédio já licenciado e edificado e de um lote onde o imóvel ainda não foi construído;

2. Se o prédio já estivesse construído, a expropriação em nada poderia afetar a licença já emitida; estando o prédio por construir, o procedimento de licenciamento terá necessariamente que ter em conta a realidade do terreno após a expropriação;

3. E essa nova realidade implica, no caso sub judicie, maiores encargos e incertezas que não existiriam sem a expropriação, pois antes bastaria uma comunicação prévia para que os expropriados pudessem construir e agora será necessária uma alteração ao loteamento, que poderá ser recusada se houver oposição dos titulares da maioria da área dos lotes;

4. Os cómodos oferecidos pelo terreno não se reduzem à sua capacidade construtiva e incluem também o risco e custos associados a essa capacidade construtiva;

5. Quando antes os expropriados sabiam exatamente qual o seu direito, bastando-lhes apresentar uma simples comunicação prévia, agora, após a expropriação, serão forçados a promover uma alteração ao loteamento para que possam edificar o seu prédio;

6. Alteração essa que, como se disse, poderá ser recusada, inviabilizando totalmente a construção e que, em todo o caso, gerará custos e incertezas que antes não existiam;

7. Como resulta de todas as comunicações, certidões e ofícios da Câmara Municipal ..., a nova situação de facto obrigará a uma alteração do loteamento, não como mera preferência da Autarquia, mas sim por força da análise da inserção urbana e paisagística do edifício;

8. Ficando assim comprimido e limitado a um evento futuro e incerto o direito de construção que os expropriados detêm e que era livre e totalmente definido antes da expropriação;

9. O regime do art. 48º do RJUE não é aplicável à situação em apreço, como foi já reconhecido no processo de expropriação;

10. Além disso, trata-se de uma questão nova, que a expropriante não suscitou no recurso da arbitragem nem em fase posterior do processo;

11. A alteração ao loteamento a que a expropriação obriga não é necessária para a execução de qualquer plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, nem mesmo para a construção da linha;

12. À data da DUP, o único plano de ordenamento aplicável era o PDM de Vila Nova de Gaia, que não previa a linha de metro, sendo que a ARU aprovada para o local não previa qualquer ação de execução;

13. A expropriante ocupou, ilegalmente, área para além da que compõe a parcela expropriada e executou um talude em zona pertencente à parcela sobrante, alterando permanentemente a sua cota;

14. Este talude deveria integrar a área a expropriar, como sempre sucede quando se trata de uma obra contínua;

15. Caso a parcela a expropriar englobasse, como devia, este talude, a parcela a expropriar seria maior e entraria mesmo em conflito com o polígono de implantação previsto no Alvará de Loteamento, pois o talude executado ocupa parte dessa área e teria que ser destruído com a construção do prédio, se não houvesse alteração da localização através de uma alteração ao loteamento;

16. Face ao exposto, fica evidente, à saciedade, que a parte restante não pode assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, pelo que, nos termos do previsto na alínea a) do n.º 2 ao artigo 3.º do Código das Expropriações, se justifica plenamente a expropriação total;

17. Pois não passaram a existir riscos que a edificação no prédio antes da expropriação não possuía, sujeitando os expropriados a uma, sempre incerta, alteração do alvará de loteamento, como a execução do talude, permanente, na parcela sobrante vem alterar totalmente a configuração da parcela, impedindo mesmo a construção do prédio tal como estava previsto, o que faz acrescer os riscos que a edificação do prédio antes da expropriação não possuía;

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e mantida a decisão recorrida, com o que farão V as Exas, como habitualmente, Justiça.”


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Por requerimento de 14/04/2023, requereu a recorrente A... a junção aos autos de informação prestada pela edilidade – CM... datada DE 23/03/2023 - no âmbito do processo 8950/20, alegando ser a mesma também aplicável ao caso dos autos.

No mesmo sentido requereu ainda a recorrente – já após a subida do recurso e sua inscrição em tabela, em 26/02 e 28/02 - a junção aos autos de documentos relativos ao objeto de expropriação noutros autos de expropriação em que são as mesmas partes, invocando situação de facto muito semelhantes.

Para além de a admissibilidade de junção de documentos em sede de recurso ser muito limitada e cingida à observância das regras previstas nos artigos 425º e 651º do CPC, in casu um adicional óbice se apresenta à sua admissibilidade – os documentos respeitam a objeto processual diverso do discutido nestes autos.

Em suma, pela sua inadmissibilidade e irrelevância para o mérito destes autos, vai indeferida a sua admissão.


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e em separado, com efeito meramente devolutivo.

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Foram colhidos os vistos legais.

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II- Âmbito do recurso.

Tal como acima já referido, o recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil].

Para análise do objeto do recurso serão consideradas as vicissitudes processuais acima elencadas.


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III- Do Direito.

Em causa está a decisão proferida pelo tribunal a quo de ampliação da expropriação à totalidade da parcela.

Dispõe o art. 3º, do Código das Expropriações:

“1 - A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, de acordo com um programa de execução faseada e devidamente calendarizada, o qual não pode ultrapassar o limite máximo de seis anos.

2 - Quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total:

a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;

b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objetivamente.

3 - O disposto no presente Código sobre expropriação total é igualmente aplicável a parte da área não abrangida pela declaração de utilidade pública relativamente à qual se verifique qualquer dos requisitos fixados no número anterior.”

A expropriação por utilidade pública traduz-se na “relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjetivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a este pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória” (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, III vol., pg. 1020).

Conforme decorre do disposto no art.º 1º do C.Exp. (Código de Expropriações) “Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objeto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização.”.

Justa indemnização que igualmente beneficia de garantia constitucional (vide artigo 62º n.º 2 da C.R.Portuguesa).

E embora o legislador constitucional não tenha definido os termos de tal indemnização que assim delegou no legislador ordinário, tem o Tribunal Constitucional vindo a reconhecer de forma reiterada, tal como reafirmado no recente Ac. do T. Constit. nº 84/2017 de 16/02/2017 publicado in www.tribunalconstitucional.pt que “a justa indemnização deve atingir valor adequado a ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores.”.

Ali e citando o Acórdão n.º 52/90 se realçando que «Em termos gerais, deve entender-se que a “justa indemnização” há de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação».

Neste sentido se tem vindo a reconhecer como critério adequado para aferir o mencionado prejuízo o valor corrente, venal ou de mercado do bem, como uma vez mais é referido no Ac. do TC vindo de citar, ali se afirmando “Na ausência de indicação no texto fundamental de um qualquer critério ou método de avaliação, tem sido reconhecido ao referencial valor venal do bem, enquanto critério geral de valorização de bens expropriados, idoneidade a “fazer entrar, na esfera do atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que, efetuada uma expropriação, o seu património ativo muda de composição, mas não diminui de valor” (JOAQUIM SOUSA RIBEIRO, O direito de propriedade na jurisprudência do Tribunal Constitucional, Relatório apresentado na Conferência Trilateral, Outubro 2009, p. 39, acessível em www.tribunalconstitucional.pt), sem postergar, porém, uma ampla margem de determinação do legislador na eleição e composição dos relevantes critérios avaliativos dos prédios expropriados, de modo a aproximá-lo do que seria o jogo de fatores que influenciam a cada momento a formação do preço em mercado fundiário - realidade social, e não normativa, dotada de uma irremovível margem de aleatoriedade”.

Em consonância com este juízo constitucional, o legislador ordinário clarificou desde logo o pretendido com a garantia da justa indemnização e moldes em que deve ser aferido o prejuízo do  expropriado, nos termos do n.º 1 do artigo 23º do C.Expr., o qual assim dispõe: “1- A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”

Após o que fixou nos artigos 26º e segs. critérios referenciais para o cálculo do valor dos bens (tal como o menciona o n.º 4 deste artigo 23º).

Tendo subjacente os mesmos princípios da necessidade e da justa indemnização, previu o legislador a possibilidade de – apesar de a expropriação se dever limitar ao necessário para a realização do seu fim (como decorre do nº 1 do artigo 3º), princípio da necessidade, na vertente territorial[1] - ser concedido ao expropriado o direito de requerer a expropriação da totalidade do prédio, nas situações mencionadas no nº 2, eliminando-se, dessa forma, o prejuízo grave que poderia resultar de uma expropriação parcial, quando a parte não expropriada não tem, em termos objetivos, qualquer utilidade ou interesse económico para o expropriado, por ter deixado de prestar os préstimos, comodidades e utilidades que prestaria, caso o prédio não tivesse sido fracionado[2].

A expropriação total tem assim pertinência quando “em virtude da expropriação os cómodos que o prédio proporcionava antes sofram uma redução de tal modo acentuada que não seja proporcional obrigar o expropriado a manter a propriedade do que já não lhe pode proporcionar os mesmos cómodos ou não tem mesmo interesse económico.”[3]

É precisamente esta a questão que se discute nestes autos.

Tendo como assente a necessidade de deslocação para poente da futura implantação de construção prevista para a parcela sobrante (vide ponto 6 dos factos assentes da decisão recorrida), com a consequente prévia alteração da licença de loteamento a qual implica a inexistência de oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes contantes do alvará de loteamento nº ... para tal deslocação, concluiu o tribunal a quo pela verificação do requisito previsto no artigo 3º com o consequente deferimento do pedido de expropriação total.

Argumento decisivo apontado pela decisão recorrida – a dependência da vontade de terceiros que os expropriados não podem controlar (nove titulares daquele loteamento, conforme mencionado na decisão recorrida) para poder edificar no seu prédio o inicialmente previsto.

É ao expropriado que compete provar os requisitos exigidos para a verificação da exceção que legitima o pedido de expropriação total ao abrigo do artigo 3º do C. Expropr..

Consequentemente recaindo sobre os recorridos a prova de que efetivamente se verifica tal oposição de alteração na implantação da construção.

Para o efeito diligenciando pelos procedimentos necessários.

A recorrente argumenta a desnecessidade da alteração do alvará de loteamento. Mas não é o que decorre do informado pela CM... – conforme factualidade constante da decisão recorrida, com a fundamentação nela apontada e que validamente não vem afastada pela recorrente.

A manutenção da capacidade construtiva que a recorrente convoca e que a CM... confirmou com reservas – as da alteração ao alvará de loteamento – implica a pela Edilidade comunicada necessidade de alteração da licença de operação de loteamento, para alteração de implantação para afastamento da construção em relação à linha do metro. Nessa medida tendo como pressuposto a já referida inexistência de oposição de terceiros, atento o previsto no artigo 27º nº 3 do RJUE (DL 555/99).

Caso esta oposição se venha a confirmar, há ainda que apurar junto da Edilidade se com a mencionada oposição à deslocação de implantação da construção prevista no existente Alvará, fica inviabilizada qualquer outra construção na parcela sobrante.

Em caso negativo, devendo informar qual será então a capacidade de edificação que a parcela sobrante contém.

Na posse de todos estes elementos e respostas, deverão então os Srs. Peritos já nomeados nos autos pronunciar-se sobre o valor da parcela sobrante, eventual desvalorização ou mesmo justificação da sua expropriação total, por perda significativa de utilidade e interesse para os expropriados da mesma, a apreciar objetivamente.

O que não pode é o tribunal partir da mera hipótese, em abstrato, de não autorização/oposição da maioria dos demais titulares dos lotes constantes do Alvará, para sem mais concluir pela perda significativa das vantagens da parcela sobrante.

Dito de outro modo, ao requerente da expropriação total impõe-se que demonstre existir tal oposição. E as consequências daí advenientes, concretamente em termos de edificabilidade na parcela expropriada, dentro dos limites do que foi por si inicialmente alegado como fundamento para a pretendida expropriação total e do por nós apontado supra.

Prova que o tribunal a quo deverá convidar os requerentes a efetuar em prazo que para o efeito entenda por suficiente e após diligenciar pela pronúncia dos Srs. Peritos, com base nos elementos colhidos.

Só após podendo em conformidade e na presença dos demais elementos aportados aos autos, com segurança, apreciar a pretensão dos requerentes/recorridos quanto à expropriação total, a qual pressupõe uma substancial redução das potencialidades da parcela sobrante.

Nesta medida entende-se ser de anular a decisão recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 2 al. c) do CPC para que o tribunal a quo permita aos recorridos fazer a prova que sobre si recai de existência de oposição à alteração que inviabilizará então a capacidade construtiva que estava prevista para a parcela sobrante. No caso desta, obter as demais informações mencionadas supra e solicitar ainda o tribunal pronúncia aos Srs. Peritos.

Na posse de todos estes elementos, retirando então daí as consequências advenientes para apreciação da pretensão formulada de expropriação total.


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IV. Decisão.

Nos termos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em anular a decisão recorrida com vista a serem realizadas as diligências mencionadas, oportunamente sendo proferida nova decisão.

Custas pela recorrente.

Notifique.

Porto, 2024-03-04.
Fátima Andrade
José Eusébio Almeida
Ana Paula Amorim
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[1] Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismo”, Vol. II, págs.194 e ss.
[2] Pág. 197 da obra e autor citados.
[3] Cfr. Ac. TRP de 15/05/2014, nº de processo 6614/05.5TBMTS.P16614/05.5TBMTS.P1; e no mesmo sentido Ac. STJ de 19/03/2009, nº de processo 08B0413, onde é afirmado que a determinação objetiva do interesse económico para o expropriado pressupõe que se “mostre que há razões sérias para concluir que o homem médio, colocado na real situação do expropriado, se encontra perante uma perda grave dos préstimos, comodidades e utilidades que, por via da expropriação, a parte residual deixou de prestar.; ainda Ac. TRP de 19/05/2010, nº de processo2432/05.9TBVRL-B.P1 onde se concluiu “Para deferir a expropriação total não basta que seja eliminada uma das possíveis ou potenciais finalidades do prédio (isso determinará apenas a redução do respetivo valor e a consequente depreciação da parte sobrante, a tomar em conta no cálculo da indemnização devida pela expropriação, em conformidade com o disposto no art. 29º, nº2 do C. E.): é necessário que tenha perdido ou que tenha visto substancialmente reduzidas todas as suas potencialidades ou que, embora mantendo algumas delas, existam razões objetivas que permitam concluir pela inexistência de qualquer interesse económico dos expropriados na exploração das potencialidades do prédio que ainda se mantêm., todos in www.dgsi.pt