FACTOS PROVADOS
PROPRIEDADE INTELECTUAL
PROCEDIMENTO CAUTELAR
IMITAÇÃO
MARCAS
Sumário

I. O cumprimento da obrigação de indicar a motivação da fixação fáctica não se insere na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, que antes fere com nulidade a omissão de especificação dos fundamentos de facto;
II. Constituem realidades distintas não indicar os factos provados e não apontar por que razão se cristalizaram uns e não outros;
III. Em matéria de propriedade intelectual, não é mister que estejamos perante cópia integral para se poder falar da violação do direito pré-existente;
IV. Na análise a realizar, a abordagem que releva é a globalizante já que é assim que o consumidor vê os produtos na escolha pouco profunda que realiza;
V. Sendo o conjunto composto por letras e imagens, os diversos elementos dos signos mistos contribuem, ainda que com distintos relevos, para a formação da impressão global, concretizada de forma ligeira, no acto de compra, pelos destinatários dos produtos, sendo que o que consumidor mais e melhor recorda são as palavras que constituem as marcas em comparação.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO                  
CONDADO PORTUCALENSE - SOCIEDADE DE VINHOS, LDA., com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «providência cautelar não especificada» contra M..., neles também melhor identificado.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da mencionada providência e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
CONDADO PORTUCALENSE - SOCIEDADE DE VINHOS, LDA., veio requerer, ao abrigo dos 362º e seguintes do Código de Processo Civil, 345º do Código da Propriedade Industrial e art. 131º do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2017 sobre a marca da União Europeia, PROVIDENCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA contra M..., alegando em suma, que há imitação da marca da Requerente pelo Requerido, suscitando a confusão das marcas pelos consumidores e exercendo concorrência desleal.
O Requerido M... contestou impugnando o valor do procedimento cautelar, e negou existir possibilidade de confusão entre as marcas em discussão e alegou que a marca “Instinto Lusitano” se encontra registada.
Procedeu-se a audiência final com observância das formalidades legais, como consta da respectiva acta.
Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:
Pelos fundamentos e normas supra consignadas, julga-se parcialmente procedente porque provado, o presente procedimento cautelar e, em consequência, condena-se a Requerida a:
1. Abster-se de continuar a oferecer, armazenar e introduzir no comércio por qualquer meio produtos com a marca mista INSTINTO LUSITANO acima descrita.
2. Abster-se de fazer publicidade ao produto identificado pela referida marca por qualquer meio.
3. A apreensão de todos os rótulos e embalagens que contenham a marca mista INSTINTO LUSITANO que se encontrem nas instalações do Requerido.
4. Condena-se o Requerido a pagar m montante de €500 (quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por M..., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
 A/ Com exceção da indicação em cada concreto ponto julgado provado do meio de prova que o determinou, nada adianta o Tribunal quanto ao processo de convicção, nem qualquer exame crítico das provas ou ilações do que quer que seja, pelo que, em conformidade com o que dispõem o nº. 4 do Artº. 607 e a al. b) do nº. 1 do Artº. 615º, ambos do Código do Processo Civil, a Sentença é Nula;
B/ O deferimento da providência cautelar em matéria de propriedade intelectual, obedece aos requisitos gerais do procedimento cautelar comum, com eventual, ressalva da desnecessidade de verificação do periculum in mora e da proporcionalidade e, ainda, um dos seguintes requisitos específicos: a) Violação de direitos de autor ou de direitos conexos, ou; b) Fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável desses direitos;
C/ Apenas, vagamente, sem qualquer concretização em tempo e local, se deu como provado que: Por várias vezes que os comerciais da Requerente são confrontados com questões várias, como por exemplo, se a embalagem foi alterada e sobre a qualidade do produto, ou se lançaram no mercado uma nova marca denominada “INSTINTO LUSITANO, o que, a nosso ver, nem foi assim, tendo-se, tal factualidade, nos dizeres das testemunhas invocadas pelo Tribunal, cingido a uma única ocasião;
D/ Pelo menos desde Março de 2023 que a requerente terá visto os vinhos do requerido a serem comercializados e, com exceção do apontado facto, até ao dia da produção de prova (28.08.2023) não tiveram os autos relato de qualquer outra situação, pelo menos, as testemunhas não o revelaram;
E/ Ora, ouvidos os depoimentos que o Tribunal adianta para valorar este facto, não se descortina de onde se possa concluir “por várias vezes”, mas, outrossim e, apenas, uma única situação – Vd. depoimentos registados das testemunhas A... e AC... . Aliás, decorre expressamente destes depoimentos, minutos 5:04 e 5:25, respetivamente, que os seus clientes referiram que não compravam imitações e que não mudavam;
F/ Além disso, ouvidos dois comerciantes, um de Oliveira de Azeméis e outro de Estarreja – as testemunhas V... – (minuto 6:20) e N... (minuto 4:05), ambos comerciantes duas marcas, referiram perentoriamente que nenhum dos seus clientes alguma vez suscitou dúvidas ou confundiu qualquer uma das marcas e habitualmente nas suas prateleiras os produtos estão lado a lado, tão pouco a eles próprios suscitou quaisquer dúvidas;
G/ Terá, assim o apontado facto de passar a ter a seguinte redação: Por uma vez que os comerciais da Requerente foram confrontados com questões várias, como por exemplo, se a embalagem foi alterada e sobre a qualidade do produto, ou se lançaram no mercado uma nova marca denominada “INSTINTO LUSITANO;
H/ Não se verifica em concreto qualquer um dos requisitos de que depende o deferimento deste tipo de procedimento: a) Violação de direitos de autor ou de direitos conexos ou; b) Fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável desses direitos;
I/ Colocadas as embalagens lado a lado, não vemos qualquer semelhança que as possa confundir.
Assim, a embalagem da requerente:
- apresenta uma mera crina de um cavalo com traços a dourado brilhante;
- apresenta letras a dourado brilhante;
- o fundo é preto e brilhante;
- a palavra instinto é branca, mas num estilo de escrita diverso da do requerido;
A embalagem do requerido:
- apresenta um cavalo inteiro de cor amarela;
- a palavra Instinto, apesar da cor branca, está num estilo de escrita diferente, num tamanho diferente e num lugar da embalagem diferente;
- a cor de fundo é preto mate;
- a palavra lusitano está escrita em cor amarela, que não dourada;
- a embalagem é mais pequena;
- os demais dizeres são em letra, cor e tamanho, diversos dos da requerente;
43. Uma e outra cores são já usadas pelo requerido há longos anos com a marca por si comercializada “ouro de pias”.
Não se provou que: 4. Não se provou que na embalagem do Requerido da expressão “INSTINTO LUSITANO tenha o mesmo posicionamento (infirmado pelo teor dos docs.30 e 34);
J/ Assim, cremos, não existir qualquer semelhança e suscetibilidade de confusão entre a imagem da requerente e a do requerido, pelo que, estando ele autorizado a usar a marca “INSTINTO LUSITANO”, não lhe poderá ser vedada a possibilidade de comercializar o produto com a imagem constante dos autos.
Terminou sustentando o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida.
CONDADO PORTUCALENSE - SOCIEDADE DE VINHOS, LDA., respondeu às alegações de recurso concluindo:
A - O sinal que o Requerido introduziu no mercado imita os direitos de marca anteriores da Recorrida;
B – O sinal do Requerido produz, globalmente, uma impressão visual semelhante nos consumidores relevantes porque se baseia em dispositivos semelhantes, dispostos de forma idêntica aos que se encontram registados pela Recorrida;
C – Destaca-se a semelhança visual entre os sinais em confronto e a utilização das cores preto e dourado, apesar de ser num tom diferente de dourado e da cor preta não ser brilhante.
D - A estrutura ou layout e as cores são semelhantes.
E - Os sinais são visualmente semelhantes;
F - Conforme resulta de vasta Jurisprudência Nacional e Internacional, duas marcas são consideradas semelhantes quando, do ponto de vista do público pertinente são pelo menos parcialmente idênticas no que se refere a um ou mais aspectos visuais, orais e conceptuais.
G) O elemento prevalecente e dominante sinais em cotejo é a mesma expressão “INSTINTO” e o enquadramento gráfico de todos os restantes elementos (nominativos e figurativos) que os compõem.
H – Verifica-se o risco de o consumidor ser facilmente induzido em erro quanto à confusão e associação de marcas.
I – É evidente o perigo de lesão dos direitos da Requerente e da sua difícil irreparabilidade.
J – O Requerido não tem direitos anteriores sobre o sinal introduzido no mercado;
K – A sentença sob censura foi devidamente fundamentada;
L – A sentença sob censura não viola o preceituado no art. 607º, nº 4 do Código de Processo Civil;
M - O Requerido está a praticar actos de concorrência desleal, independentemente da sua vontade;
N – A Recorrida provou a existência de um fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável dos seus direitos de marca registadas
O - O Requerido deve ser impedido de utilizar o sinal misto “INSTINTO LUSITANO” conforme Doc. nº 30, junto aos autos, por imitar as marcas anteriores da Recorrida.
Sustentou, em tal âmbito: «deve o presente recurso ser considerado improcedente e, em consequência, ser mantida a decisão».
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
1. Por o Tribunal não ter dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do art. 607.º e na al. b) do n.º 1 do art. 615.º, ambos do Código do Processo Civil, a sentença é nula?
2. Pelas razões invocadas no recurso, deve ser alterada a fixação fáctica nos termos nele propostos?
3. Não se verifica, em concreto, violação de direitos da Recorrida ou fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável desses direitos?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Porque a segunda questão proposta releva em matéria de facto e não de Direito, será a mesma tratada na pressente sede lógica desta decisão.
2. Pelas razões invocadas no recurso, deve ser alterada a fixação fáctica nos termos nele propostos?
Vem fixado na sentença questionada que:
39. Por várias vezes que os comerciais da Requerente são confrontados com questões várias, como por exemplo, se a embalagem foi alterada e sobre a qualidade do produto, ou se lançaram no mercado uma nova marca denominada “INSTINTO LUSITANO.
Pretende o Recorrente que se fixe antes que:
Por uma vez que os comerciais da Requerente foram confrontados com questões várias, como por exemplo, se a embalagem foi alterada e sobre a qualidade do produto, ou se lançaram no mercado uma nova marca denominada “INSTINTO LUSITANO”.
É, assim, meramente quantitativa a alteração pretendida, visando-se, apenas, a substituição de «por várias vezes» por «por uma vez».
Trata-se de alteração de pouco relevo para a decisão a proferir já que a avaliação definitiva é a realizada por comparação da apresentação dos produtos feita directamente pelo Tribunal e porquanto a realidade apreciada é de dimensão qualitativa sendo a vertente quantitativa de jaez meramente confirmativo.
Estamos diante de um pedido que deve ser lido como pretensão de análise da eventual existência de erros na consideração do valor dos meios probatórios colocados à disposição do Tribunal, ou seja, de apreciação da adequação técnica e sensatez da formação da convicção do órgão jurisdicional recorrido, designadamente considerando a eventual indiferença a determinados meios ou a sustentação da cristalização fáctica em elementos inidóneos para o efeito.
A conclusão no sentido da existência de tais erros só se poderá atingir quando esses meios se revelarem inequívocos no sentido pretendido pelos Recorrente ou quando não sejam contrariados por outros de igual ou superior valor demonstrativo ou fidedignidade.
Não se deverá olvidar, em tal intervenção, o que ensinavam, a propósito da imediação, o Prof. Antunes Varela e Outros in «Manual de Processo Civil», 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 657: «Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar».
Há, assim, lugar à avaliação do respeito das normas adjectivas vigentes em sede de instrução, da ponderação de todos os meios probatórios colhidos e da concessão, a estes, da devida força demonstrativa. O mais situa-se no âmbito do exercício da prerrogativa de avaliar livremente a prova.
Não consta dos autos a admissão de factos negativos pela parte contrária, relativamente a tal matéria, nem qualquer documento faz prova inafastável, legalmente tarifada, sobre a mesma.
Não se divisa qualquer meio instrutório preterido na atenção do Tribunal «a quo».
A referência lançada pelo Recorrente no sentido de que «as testemunhas V... – (minuto 6:20) e N... ( minuto 4:05), ambos comerciantes duas marcas, referiram perentoriamente que nenhum dos seus clientes alguma vez suscitou dúvidas ou confundiu qualquer uma das marcas e habitualmente nas suas prateleiras os produtos estão lado a lado, tão pouco a eles próprios suscitou quaisquer dúvidas» não tem ligação com o dado como demonstrado já que o facto questionado se reporta ao confronto dos «comerciais» (provavelmente pretendendo referir-se os empregados comerciais) da Requerente com as questões aí referidas e não às percepções e opiniões de comerciantes seleccionados pelo Impugnante.
Não tem, consequentemente, essa menção, qualquer relevo para o que aqui se aprecia. O que aqui se analisa é, antes, a questão de saber se o fixado pelo Tribunal «a quo» tem suporte na instrução realizada.
Este facto foi dado como demonstrada com fundamento nos depoimentos das testemunhas A... e AC....
A..., testemunha ouvida em julgamento, transmitiu ao Tribunal ser vendedor de vinho da Requerente (na qualidade de comissionista – sem para ela trabalhar) e deu conta de que visita os clientes, vai aos supermercados e tenta vender o vinho da Recorrida. Transmitiu que a sua acção abrange várias zonas do País. Deu conta de que se deparou com problemas com distribuidores maiores por os vinhos aparecerem em catálogos, por todos lados e a preços inferiores. Um dos revendedores de um dos clientes referiu-lhe que muitas pessoas compravam o produto do ora Recorrente, de preço mais baixo, pensando ser o vinho da Recorrida. Vários dos seus clientes, perante folhetos de supermercados ostentando preços mais baixos referidos ao produto do Recorrente, pensavam tratar-se do vinho da Recorrida e diziam pretender deixar de comprá-lo ao depoente por o encontrarem aí mais barato. Deu conta que o grafismo, a representação de um cavalo, a indicação da graduação de 14 graus e o uso da palavra «Instinto» eram os elementos que os consumidores retinham para referenciar o vinho da Recorrente e que esses elementos se revelavam iguais nos dois produtos. Referiu o plúrimo confronto com as circunstâncias indicadas.
 A... disse ser «comercial» exclusivo da CONDADO PORTUCALENSE. Em sede da prestação do seu depoimento, deu conta de exercer a sua actividade desde Coimbra a Viana do Castelo. Patenteou ter sido destinatário de várias referências dos clientes fazendo o confronto dos vinhos da Recorrida e do Recorrente, apontando o carácter substancialmente inferior dos preços do vinho deste e a confundibilidade das embalagens – parecendo que o vinho do Recorrente era o vinho da Recorrida apenas vendido a mais baixo preço. Narrou ter recolhido referências a que estava alguém a fazer-se passar pela Recorrida na venda de vinho e usando a sua marca.
Resulta destes dois depoimentos (que não suscitam problemas de credibilidade) que nos encontramos perante dois cidadãos investidos da missão de comercializar o vinho da Recorrida referido nos autos. Mais brota do dito por estas duas testemunhas que, mais do que uma vez, as mesmas foram confrontadas com questões relativas à comparação dos produtos em apreço nos autos, sua diferença de preços e qualidade, confusão sobre a proveniência dos mesmos em virtude dos elementos inscritos nas embalagens e com o risco de perda de clientela por o produto do Recorrente parecer ser o da Recorrida mas de preço mais baixo.
Neste quadro, está perfeitamente justificado no facto contra o qual o Recorrente se insurge o uso do plural quer quanto aos sujeitos que receberam as menções narradas quer quanto a terem sido várias as questões colocadas.
É adequado o juízo fáctico do Tribunal «a quo».
Não tem o menor sentido esta parte da manifestação de indignação do Recorrente.
Nada há a alterar.
É negativa a resposta à questão proposta.
Vem provado que:
1. A requerente desenvolve a sua atividade na produção e comercialização de vinhos - (provado pelos docs.2, 3 e 4 e pelas testemunhas quer da Requerente quer da Requerida, vendedores que testemunharam que comercializavam quer o vinho da Requerida, quer o da Requerente)
2. A Requerente iniciou a sua atividade no ano de 1983, - (provado pelas declarações do legal representante da Requerente.
3. A Requerente é titular de diversos dos registos entre as quais das seguintes marcas: - (Provado por docs. 1 a 4).
. registo de marca da União Europeia nº 018129815 INSTINTO FORTE concedida pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) em 24/01/2020 – (Provado por doc nº 5)
. registo de marca da União Europeia nº 018355741 INSTINTO FORTE concedida pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) em 22/04/2021 – (Provado por doc. nº 6)
. registo de marca da União Europeia nº 018356005 INSTINTO FORTE concedida pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) em 22/04/2021 – (Provado por doc. nº 7)
. registo de marca da União Europeia nº 018355743 INSTINTO FORTE concedida pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) em 22/04/2021 – (Provado por doc. nº 8)
. registo de marca nacional nº 510682 INSTINTO FORTE concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial em 22/05/2013 – (Provado por doc. nº 9)
4. Todos os registos de marca INSTINTO FORTE da Requerente, supra identificados, se destinam a assinalar na classe 33 da Classificação                                                                                       Internacional de Nice: bebidas alcoólicas (com excepção de cervejas)”. (Provado por docs 2 a 4 e 9)
5. A marca INSTINTO FORTE a principal marca da Requerente, a qual contribui para a maior fatia financeira das suas vendas., tendo um crescendo financeiro desde 2017, -(provado docs. 10 a 18.)
2017 – 360 mil unidades vendidas e um volume de negócios de 836 582,79€ - (Provado por oc. nº 10 e 11)
2018 – Volume de negócios de 1 191 909,40€ ; A marca INSTINTO FORTE  equivale a cerca de 60% do total das marcas vendidas - (Provado por doc. nº 12 e nº 13)
2019 – Volume de negócios de 2 417 203,09€; A marca INSTINTO FORTE equivale a cerca de 65% do total das marcas vendidas – (Provado por doc. nº 14 e nº14ª)
2020 – Volume de negócios de 3 046 656,24€; A marca INSTINTO FORTE equivale a cerca de 66% do total das marcas vendidas – (Provado por doc. nº 15 e nº 16)
2021 – Volume de negócios de 7 1479 798,82€; A marca INSTINTO FORTE equivale a cerca de 77% do total das marcas vendidas – (Provado por doc. n 17 e nº 18);
6. Mesmo em contexto adverso provocado pela pandemia COVID-19 a Requerente, depois de consolidar o patamar de 10 milhões de Euros conseguidos nos anos de 2017 a 2019, regista um forte crescimento fixando, mesmo em cenário de pandemia, um volume de negócios quase nos 14 milhões de Euros. (Provado por doc. n 10 a 18);
7. A Requerente fez investimentos em marketing em torno da marca INSTINTO FORTE. (Provado pelas declarações do legal representante).
8. A embalagem da marca INSTINTO FORTE é uma embalagem fechada a cola quente. (provado pela testemunha R..., Enóloga)
9. O produto comercializado sob a marca INSTINTO FORTE é apresentado no mercado, nacional e internacional, em garrafa. ( provado por Doc. nº 19 a nº 22).
10. O produto comercializado sob a marca INSTINTO FORTE é apresentado no mercado, nacional e internacional, em embalagem de cartão – Bag in Box, (provado por docs. nº 23 a 27).
11. INSTINTO FORTE é um produto conhecido em Portugal. (Provado pela testemunha A... Vendedor da Requerente)
12. O Requerido apresentou junto do INPI, em 24/03/2021, o pedido de registo de marca nominativa “INSTINTO LUSITANO”, ao qual foi alocado o nº 661971, (provado por acordo e por doc. nº 28).
13. A Requerente, considerando-se lesada com a concessão do supra identificado pedido de registo, apresentou uma reclamação com base nos seus direitos anteriores para a marca “INSTINTO FORTE”. (provado por acordo)
14. Porém, o Examinador do INPI não acolheu a reclamação e concedeu o registo. (provado por acordo e por doc.28)
15. Inconformada a Requerente recorreu da decisão do Examinador do INPI para o Tribunal da Propriedade Industrial. Provado por doc. 1 junto com a oposição e por acordo(provado por acordo e por doc. 1 junto com a oposição) 16. O processo correu termos sob o nº 367/21.7yhlsb, Juiz 2, o qual manteve a decisão INPI. (Provado por acordo e por docs. 1, 2 e 3 junto com a oposição)
17. Continuando inconformada, a Requerente apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este Tribunal confirmado a sentença exarada pelo Tribunal da Propriedade Industrial. (provado por doc. nº 29 da p.i e doc.4 junto com a oposição e por acordo)
18. O Requerido é titular do registo de marca nominativa para “INSTINTO LUSITANO”.(provado por acordo e por doc.28)
19. O Requerido comercializa o seu produto sob a marca INSTINTO LUSITANO, em embalagem de cartão - Bag in Box - que se encontra fechada com simples fita cola, produzida com cartão de fraca qualidade e com a aparência que consta no (provado por doc. nº 30 e pela testemunha R…, Enóloga)
20. O produto comercializado pelo Requerido encontra-se disponível no mercado nacional em várias zonas, como por exemplo e entre outros locais, em Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha e Branca. (Provado por docs. Nº 31, 32, e 33 e ainda pelas testemunhas AC… e A… vendedores do vinho da Requerente)
21. Postas lado a lado, embalagem da Requerente e embalagem do Requerido, verifica-se que:


i) Em ambas o destaque é conferido à palavra “INSTINTO”;
ii) Em ambas a palavra “LUSITANO” encontra-se em segundo plano;
iii) Na embalagem do Requerido existe um cavalo e a crina e à cabeça do animal são mais destacados;
iv) em ambas as embalagens há o uso de um fundo negro;
v) Na embalagem do Requerido há o uso de dourado quer na imagem do cavalo, quer na palavra “LUSITANO”;
vi) Na embalagem do Requerido consta uma frase na parte inferior da embalagem – (Provado por doc. nº 34)
22. O aspeto gráfico como o Requerido se apresenta no mercado não se encontra registado em qualquer organismo nacional, europeu ou internacional.
38. O aspeto gráfico das embalagens da Requerente corresponde às suas marcas mistas “INSTINTO FORTE”, nomeadamente o registo de marca da União Europeia nº 018355743, (Provado por doc nº 8).
39. Por várias vezes que os comerciais da Requerente são confrontados com questões várias, como por exemplo, se a embalagem foi alterada e sobre a qualidade do produto, ou se lançaram no mercado uma nova marca denominada “INSTINTO LUSITANO. (Provado pelas testemunhas A... e AC...)
40. A Requerida promoveu uma análise ao produto do Requerente, (Provado por doc. 35 e pela testemunha R...)
41. A embalagem de brancos apresentada pela Requerida não tem semelhança com a da Requerente (Provado por Docº. nº. 4 da oposição)
42.Existem outras marcas com a denominação “LUSITANO” – (Provado por docº. nº. 7 da oposição).
43. Uma e outra cores são já usadas pelo requerido há longos anos com a marca por si comercializada “ouro de pias” – (Provado por docº. nº. 5 junto com a oposição.)
44. A Requerente aguardou o desfecho da decisão autos supra referidos, com trânsito em julgado, para iniciar a comercialização do vinho com a dita marca. – (Provado pela testemunha R..., administrativa da Requerida).
Fundamentação de Direito
1. Por o Tribunal não ter dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do art. 607.º e na al. b) do n.º 1 do art. 615.º, ambos do Código do Processo Civil, a sentença é nula?
O n.º 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil, referido na pergunta a que ora se responde, determina que o Tribunal, na fundamentação da sentença «declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
O cumprimento desta obrigação não se insere na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do mesmo encadeado normativo, que fere com nulidade outro nível de intervenção, a saber, a não especificação dos fundamentos de facto. Estes correspondem ao acervo de elementos fácticos dados como provados, ou seja, a uma lista de factos demonstrados usualmente lançada na comummente denominada «fundamentação de facto» da sentença e não à explicação das razões da consideração de cada facto como provado.
A Recorrente confunde, pois, no recurso, duas realidades que não são coincidentes. Uma coisa é não indicar os factos provados e outra, distinta, é não apontar por que razão se cristalizaram uns e não outros.
No caso em apreço encontramos, insofismavelmente, na sentença criticada em juízo, a expressa indicação de um acervo de factos demonstrados e não demonstrados, sob a menção «FACTOS», acervo esse sobre o qual incidiu, a jusante, o processo de subsunção jurídica.
Não havia, pois, qualquer razão para que a Recorrente invocasse a nulidade a que se refere a questão sob ponderação.
Quereria a mesma, talvez, suscitar a aplicação do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 662.º, mas não o logrou fazer.
Mesmo que o tivesse concretizado, não teria tido sucesso já que, apesar de não ser a fundamentação das respostas fácticas lançada na sentença tão precisa e detalhada como se desejaria, ainda assim, identifica-se, aí, sempre, a fonte da cristalização de cada elemento de facto.
Perante o referido a este nível na sentença, a Recorrente passou a dispor dos dados necessários para compreender o percurso do julgador no processo de definição do pedaço de realidade tido como existente e passou também a dispor de elementos suficientes para criticar tal definição (como, aliás, fez), lançando mão da forma de reacção viabilizada pelo art. 640.º do Código de Processo Civil.
Não tem, consequentemente, sentido e adequação esta vertente do recurso.
Face ao exposto, responde-se negativamente à questão sob avaliação.
3. Não se verifica, em concreto, violação de direitos da Recorrida ou fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável desses direitos?
Encontramo-nos, no caso em apreço, perante imitação muito básica e muito flagrante, o que dilui a necessidade de extensa fundamentação.
Em ambas as imagens das embalagens dos produtos analisados nos autos, a palavra «Instinto» aparece em letras brancas, dominantes, de tipo idêntico, fortemente contrastadas em fundo negro.
Ambas exornam um selo, provavelmente com intenção, na apresentação original, não só decorativa mas também credibilizadora; num dos rótulos representa-se um selo lacre e no outro um círculo colado sobre duas fitas, também com aparência de elemento de certificação externa ou de autenticação do produtor.
Ambas apontam uma graduação de 14.º.
As duas representam um cavalo, sendo que, numa delas, por um aparente tíbio esforço distintivo e dissimulante, se apresenta um cavalo de corpo inteiro por contraposição à cabeça de cavalo da imagem imitada.
Ambas recorrem ao artifício da utilização, além da cor branca, de um amarelo/dourado pretensamente prestigiante e carreador de evocação de luxo e qualidade superlativa.
Neste quadro, seria absoluta perda de tempo contemporizar com esforço injustificado e injustificável de encobrimento da flagrante imitação.
Claro que, como bem assinalou a sentença, louvando-se na doutrina, não é mister que estejamos perante cópia integral para se falar da violação do direito pré-existente. Nem isso se cogita nesta acção. É de imitação que se trata e não de decalque total ou identidade.
A sobreposição é demasiado notória, flagrante para todos, geradora de grande e muito provável possibilidade de erro ou associação por parte do consumidor.
A abordagem que releva é a globalizante, a de conjunto. É assim que o consumidor vê os produtos na escolha pouco profunda que realiza – vd. os
Acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T-112/03, L'Oréal.
Sendo o conjunto composto por letras e imagens, os diversos elementos dos signos mistos contribuem, ainda que com distintos relevos, para a formação da imagem global, obtida de forma ligeira no acto de compra, pelos destinatários dos produtos (predominando a palavra «Instinto», em branco, sobre fundo negro pelo seu forte contraste e porque o que consumidor mais e melhor recorda são as palavras que constituem as marcas em comparação – vd., neste sentido, os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia T-54/12 - K2 Sports Europe v OHMI - Karhu Sport Iberica (SPORT), § 40, T-312/03 Wassen International v OHIM – Stroschein Gesundkost (SELENIUM-ACE), § 37, e T-517/10 Pharmazeutische Fabrik Evers v OHIM – Ozone Laboratories Pharma (HYPOCHOL), § 32).
Estamos, claramente, perante quadro circunstancial subsumível ao disposto no n.º 1 do art. 345.º do Código da Propriedade Industrial: há, face aos factos provados, violação de direito de propriedade industrial da Requerente da providência cautelar. Justifica-se, consequentemente, o decretamento das medidas cautelares descritas nas alíneas desse número.
Mostram-se inteiramente adequadas as referências de enquadramento do Direito tutelado feitas no requerimento inicial, id est, no n.º 2 do art. 1303.º e 1305.º do Código Civil, art.s 8.º, n.º 1, al. b) e 9.º, n.º 1, al. b) do n.º 2, 17.º n.º 1 e 131.º, todos do Regulamento da (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2017, sobre a marca da União Europeia e art.s 1.º, 249.º, 238.º, 310.º, 311.º, do Código da Propriedade Industrial.
A fixação de sanção pecuniária compulsória feita na sentença tem suporte no direito constituído – cf. o n.º 4 do art. 345.º do Código da Propriedade Industrial.
O seu valor nem se mostra, por um lado, exagerado, nem, por outro, frágil e insuficiente.
Face ao que fica dito, responde-se negativamente à questão analisada e patenteia-se não existirem razões de revogação da decisão judicial posta em crise neste recurso.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos improcedente a impugnação judicial apreciada e, em consequência, negando-lhe provimento, confirmamos a sentença objecto de recurso.
Custas pelo Apelante.
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Lisboa, 08 de Janeiro de 2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Armando M. da Luz Cordeiro
Helena Bolieiro