PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCA
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
REGISTO DE MARCA
Sumário

I. No âmbito do estabelecido nas alíneas que compõem o n.º 1 do art. 238.º do CPI, a marca registada considera-se imitada ou usurpada quando se preencham, cumulativamente, os pressupostos: a. Prioridade; b. Coincidência de objecto; e c. Susceptibilidade de confusão, erro ou associação;
II. O que consumidor mais e melhor recorda são as palavras que constituem as marcas que compare;
III. O elemento gráfico só convocará a sua atenção se for muito chamativo e dominar a impressão visual produzida (o que ocorrerá por diversas vias: associação ao conhecido relevante, ligação a objecto de gostos e afectos, capacidade de chocar ou divergir do comum, apelo ao humor ou a sentimentos fortes, etc.);
IV. Na comparação dos signos, a operação a realizar pelo julgador consiste na reconstituição do olhar do consumidor médio do mercado apreciado;
V. Sendo inelutável o predomínio da parte nominativa, não é menos verdade que, no cotejo de vocábulos, a retenção em memória é pouco precisa e rigorosa, sempre desfocada pela nebulosidade da memória;
VI. É a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção;
VII. É central o relevo da análise de conjunto no momento da ponderação da capacidade de produzir impacto e sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades»;
VIII. A ponderação não se faz de forma linear e homogénea; antes é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros;
IX. Para operar a distinção necessária, é mister que, na nova marca, a palavra aditada à pré-existente seja disjuntiva e não conjuntiva;
X. Dificilmente se encontrará melhor exemplo de marca susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão para os efeitos da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 238.º do Código da Propriedade Industrial do que aquela que faz, ela própria, a ligação com o signo pré-existente.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO                  
OAKLEY EKOBID S.L.U., com os sinais identificativos constantes dos autos,  interpôs «recurso judicial do despacho do Exmo. Sr. Director de Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, doravante designado por INPI, proferido em 16 de Novembro de 2022, por subdelegação de competências do Conselho Directivo do referido instituto, de concessão parcial da marca de tipologia mista, “  ” nas classes 09, 35, 41 e 42, cujo processo de registo deu origem ao nº 683836 e cuja publicação foi efectuada no Boletim Nacional da Propriedade Industrial n.º 2022/228 de 23 de Novembro de 2022».
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
OAKLEY EKOBID S.L.U. veio, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Director de Marcas do INPI que recusou parcialmente o registo da marca nacional n.º 683836 com o sinal,  pedindo que seja revogado o despacho recorrido e seja admitida a concessão do registo da marca para todos os produtos e serviços indicados.
Alegou, em síntese, que os serviços prestados pela Recorrente e pela Recorrida não são idênticos ou afins, inexistindo igualmente a relação de complementaridade invocada no despacho do INPI a qual, no seu entendimento, depende de uma estreita ligação entre os produtos/serviços.
Alega ainda a Recorrente que o seu sinal e os sinais da Recorrida não são semelhantes, inexistindo risco de confusão para os consumidores, concluindo pela revogação do despacho proferido pelo INPI, devendo o mesmo ser substituído pela concessão da marca da Recorrente, tal como peticionado.
A recorrida sustentou, em síntese, que deve ser mantido o despacho recorrido.

Foi proferida sentença que decretou:
Termos em que, vistos os princípios e as normas invocadas, se julga procedente o recurso apresentado, revogando-se o despacho recorrido que recusou o registo da marca nacional n.º 683836 quanto aos bens/serviços das classes indicadas no despacho do INPI, substituindo-se por outro que conceda o registo da marca com o sinal, quanto a todos os bens/serviços integrantes das classes 9, 35, 41 e 42, com o sinal

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por ORACLE INTERNATIONAL CORPORATION, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo concluiu – e bem – estarem preenchidos in casu os requisitos de imitação de marca previstos nas alíneas a) e b) do artigo 238.º do CPI.
2. Mas concluiu não existir imitação de marca, por considerar não preenchido o requisito cumulativo de imitação da confundibilidade, previsto na alínea c) do mesmo dispositivo legal.
3. Impugnam-se os pontos 3 e 5 da decisão sobre matéria de facto, por atribuírem à «Recorrente» a titularidade das Marcas da União Europeia n.ºs 000175349 e 002399210, apesar de no despacho do INPI de 16/11/2022 (em que essas marcas são perfeitamente identificadas), no recurso interposto pela OAKLEY EKOBID S.L.U. e ao longo da própria sentença recorrida, se considerar – e bem – que a titularidade dessas marcas era da «Recorrida».
4. Em consequência, requer-se a alteração da redacção dos pontos 3 e 5 da decisão sobre matéria de facto, para a seguintes:
3. Encontra-se registada a favor da Recorrida, a Marca da União Europeia  n.º 000175349, com o sinal nominativo PRIMAVERA, com pedido apresentado em 1 de Abril de 1997 e concedida em 7 de Outubro de 1998.
5. Encontra-se ainda registada a favor da Recorrida, a Marca da União Europeia n.º 002399210, com o sinal nominativo PRIMAVERA, com pedido apresentado em 3 de Outubro de 2001 e concedida em 3 de Dezembro de 2002.
5. Discorda-se da decisão recorrida, por considerar que o elemento “PRIMAVERA”, comum às marcas em confronto, seja, em qualquer delas, um elemento com fraca capacidade distintiva.
6. Bem pelo contrário, o vocábulo “PRIMAVERA” assume uma elevada distintitividade quando utilizado para assinalar produtos e serviços dos domínios de especialidade da informática, software e tecnologias de informação (TI) a que se destinam as marcas em causa.
7. Com efeito, se tomarmos em consideração os significados atribuídos à palavra “primavera”, é curial concluir que não se estabelece nenhuma relação de conexão com os produtos e serviços das classes 9.ª, 35.ª e 42.ª para que o Tribunal a quo concedeu agora o registo da marca “GRUPO PRIMAVERA”.
8. A palavra “primavera” seria efectivamente de considerar um elemento com capacidade distintiva fraca ou débil se fosse aplicado a serviços de florista ou de cosmética, mas nada justifica que o seja em relação aos produtos e serviços das classes 9.ª, 35.ª e 42.ª em questão.
9. A circunstância de uma palavra ser dicionarizada não impede, de nenhum modo, que tenha uma elevada capacidade distintiva, se for utilizada num âmbito de especialidade completamente afastado do seu significado.
10. Perante a palavra “primavera”, o consumidor nunca a associará, directa ou indirectamente, aos produtos e serviços a que se destinam as marcas em confronto, significando isso que se está na presença de um elemento com um elevado potencial distintivo desses produtos e serviços.
11. A sentença recorrida não apenas faz uma avaliação deficiente do requisito de imitação previsto no artigo 238.º, n.º 1, alínea c) do CPI, como viola claramente o disposto no n.º 3 desse artigo, que dispõe: «3 – Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada».
12. Por outro lado, fica-se abismado quando na douta sentença recorrida – ao contrário do se fez, erradamente, em relação à palavra “primavera” – se atribui algum carácter “diferenciador” à palavra “grupo” da marca registanda.
13. Pelo contrário, a inserção da palavra “grupo” na marca registanda agrava a possibilidade de associação entre as marcas em confronto!
14. Conhecendo a marca “PRIMAVERA” da Recorrente, quando se confrontar com a marca “GRUPO PRIMAVERA” da Recorrida – ou vice-versa –, o consumidor será inevitavelmente levado a concluir serem marcas com a mesma origem empresarial.
15. O elemento nominativo “GRUPO” usado na “marca de grupo" registanda, sendo descritivo (de uma determinada organização empresarial), deve ser abstraído na comparação das marcas.
16. Em suma, a possibilidade de o consumidor ser induzido em erro ou confusão fácil, por efeito de associação, é também óbvia no caso sub judice, nos termos do artigo 238.º, n.º 1, alínea c) do CPI.
17. Já quanto ao elemento figurativo da marca registanda, traduzido num logo, completamente vulgar e semelhante a tantos outros, não se afigura possuir o potencial de afastar a confusão, incluindo por associação, entre as marcas em conflito.
18. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 232.º, n.º 1, alínea b) do CPI (com referência ao disposto no artigo 238.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo código).
19. A decisão recorrida deve por isso ser revogada e substituída pela confirmação da decisão do INPI de 16/11/2022, de recusa do registo da marca nacional n.º 683836, «(…) para todos os serviços requeridos nas classes 42.ª e 35.ª e os seguintes produtos na classe 09ª (APARELHOS E INSTRUMENTOS PARA REGISTO, TRANSMISSÃO, REPRODUÇÃO OU TRATAMENTO DE SONS, IMAGENS OU DADOS; SUPORTES DE DADOS GRAVADOS OU DESCARREGÁVEIS, SOFTWARE, SUPORTES DE DADOS E ARMAZENAMENTO DIGITAIS OU ANÁLOGOS VIRGENS; DISPOSITIVOS DE CÁLCULO; COMPUTADORES E PERIFÉRICOS DE COMPUTADOR; TODOS OS ITENS ANTERIORES, INCLUINDO QUALQUER SOFTWARE DE GESTÃO EMPRESARIAL PARA QUALQUER INDÚSTRIA, MAS EXCLUINDO EXPRESSAMENTE O SOFTWARE INFORMÁTICO PARA A GESTÃO DE PROJETOS COMO FUNCIONALIDADE ÚNICA OU SOFTWARE INDEPENDENTE), da Classificação Internacional de Nice».
20. Subsidiariamente, sem conceder, para além de se concluir que marca registanda imita as marcas da Recorrente, verifica-se que a utilização da palavra “GRUPO” na marca registanda constitui, mesmo, um motivo absoluto de recusa do registo de marca.
21. Perante a marca “GRUPO PRIMAVERA” o consumidor será induzido a crer que os produtos e serviços distinguidos têm origem numa organização empresarial maior, id est, constituída por várias empresas, o que não corresponde à realidade.
22. Certo é que a requerente do registo – OAKLEY EKOBID S.L.U. – é uma empresa espanhola com a forma jurídica de sociedade limitada unipessoal (S.L.U.), nada fazendo crer que pertença a algum grupo empresarial.
23. Verificando-se um motivo absoluto de recusa do registo – previsto no actual artigo 231.º, n.º 3, al. d) do CPI –, que não está na disponibilidade das partes, por decorrer directamente da lei, é do conhecimento oficioso do tribunal, que julga este recurso, de plena jurisdição – cf. artigo 38.º do CPI.
24. Requer-se a esta Veneranda Relação que se digne substituir as decisões de concessão parcial do INPI e do Tribunal a quo por decisão de recusa total do registo da marca nacional n.º 683836.
Nestes termos, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento dos Venerandos Desembargadores da Relação de Lisboa, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e repristinada a decisão do INPI de 16/11/2022, ou, subsidiariamente, recusado totalmente o registo de marca nacional n.º 683836, (…).
OAKLEY EKOBID S.L.U., respondeu às referidas alegações concluindo:
i. A sentença recorrida que julgou procedente o recurso interposto pela aqui Apelada e, em consequência, revogou o despacho do INPI e concedeu a marca nacional n.º 683836 deverá ser mantida.
ii. o Tribunal a quo teve como entendimento que o vocábulo em comum apresenta fraca distintividade e “se limita a identificar uma estação do ano”, sendo um vocábulo vulgar do léxico e uma marca frágil ou fraca, no entanto não justificou esse entendimento como se o vocábulo PRIMAVERA fosse descritivo dos produtos e serviços visados.
iii. As marcas prioritárias, da Apelante, não gozam de elevada distintividade pois para tanto, não basta apenas uma ausência de relação directa ou descritiva entre o sinal e os produtos e serviços assinalados, mas efectiva prova, nomeadamente documental, sólida e objectiva que ateste tal facto (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2020, Primart/EUIPO, C-702/18 P, EU:C:2020:489, n.o 43), o que não sucedeu neste processo, concluindo-se que tal argumento – “distintividade elevada” não poderá colher na análise do risco de confusão entre os sinais em apreço.
iv. A prova do carácter distintivo elevado ou reforçado da marca anterior é um elemento de facto, competindo à titular fornecer prova nesse  sentido (v., neste sentido, acórdão de 1 de fevereiro de 2005, SPAG/IHMI – Dann and Backer (HOOLIGAN), T-57/03, UE: T:2005:29, parágrafos 22 e 30 a 33).
v. A aqui Apelada considera ainda que tal elemento verbal é de imediata percepção pelo consumidor nacional, com o significado referido pelo Tribunal a quo, da estação (mais amena) do ano, e será maioritariamente associada a um conceito de agradabilidade (pois é uma estação caracterizada por bom tempo, sol e o florescer).
vi. Como tal, o termo em causa é altamente susceptível de ser percepcionado, pelo consumidor como uma referência adjectivante, laudatória e genérica, na medida em que pretende transmitir a informação que aquele software de gestão de projectos é o melhor/mais agradável, que é único e permite o ‘renascer’ dos projectos ao potencial cliente.
vii. Quando o elemento em comum é laudatório e adjectivante, e, ainda mais, é um vocábulo que faz parte da linguística portuguesa, faz subtender ao consumidor uma determinada característica no funcionamento do produto/serviço marcado – é como a primavera, é agradável, é novo, é primordial.
viii. Pese embora tal vocábulo não tenha qualquer relação descritiva e/ou directa dos produtos e serviços em cotejo, não deixa de ser uma designação de uso comum e trivial na sociedade e na língua portuguesa e não deixa de ser alusiva a potenciais ou desejadas boas qualidades do produto/serviço marcado.
ix. O Supremo Tribunal de Justiça já sustentou que os termos de uso corrente numa determinada língua e facilmente perceptível pelo consumidor nacional não podem ser objecto de apropriação exclusiva, sendo autorizada a sua utilização na composição de outras marcas, ainda que para a designação de produtos similares (vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/05/2013, BPI n.º 2013/08/21 p. 24-30).
x. Conforme é afirmado na sentença recorrida, estamos perante uma tipologia de marcas frágeis, isto é, marcas que incorporam sinais com fraca capacidade distintiva e vulgares na linguística portuguesa.
xi. Por outro lado, a sentença a quo não indicou que o vocábulo GRUPO seria distintivo, e neste caso a Apelada submeteu com o recurso de despacho do INPI documentação comprovativa de que a referência a GRUPO indicava o grupo de empresas detido pela Apelada, no qual faz parte a congénere portuguesa PRIMAVERA BUSINESS SOFTWARE SOLUTIONS, como demonstraram os documentos n.º 4, 5, 7 a 11 juntos com o recurso.
xii. E essa empresa nacional Primavera - Business Software Solutions, S.A., adquirida pela Apelada Oakley, e que possui um acordo de coexistência com a Apelante Oracle (documento 5 do recurso) acerca do uso e registo de marcas com o termo PRIMAVERA é detentora dos seguintes registos de marca nacional, em vigor, sendo exploradas em conjunto pela Apelada e sua congénere portuguesa desde a aquisição desta:
- n.º 399921, PRIMAVERA EXECUTIVE, concedida em 26-11-2006, classes 9 e 42;
- n.º 402580, PRIMAVERA CONSULTING, concedida em 12-04-2007, classe 42;
- n.º 42583, PRIMAVERA EXPRESS, concedida em 02-04-2007, classe 9;
- n.º 498603, PRIMAVERA EASY, concedida em 16-07-2012, classes 9 e 42;
- n.º 504408, PRIMAVERA ELEVATION, concedida em 30-11-2012, classes 9 e 42;
- n.º 570629, PRIMAVERA JASMIM, concedida em 17-01-2017, classes 9 e 42;
- n.º 572909, PRIMAVERA OMNIA, concedida em 21-02-2017, classes 9 e 42;
- n.º 615853, PRIMAVERA ROSE, concedida em 23-04-2019, classes 9 e 42.
xiii. A Apelada também demonstrou o portfolio de marcas do grupo onde se incluíam as marcas com o termo PRIMAVERA, da congénere portuguesa Primavera Business Software Solutions, S.A., entendendo que a menção de GRUPO na marca requerenda era impreterivelmente reportada a esse grupo empresarial composto e ‘encabeçado’ pela Apelada, uma sociedade espanhola, e a empresa nacional, e as suas marcas nacionais e internacionais unidas pelo vocábulo em causa (documento n.º 23 e ainda o n.º 7 juntos com o recurso).
xiv. Em 1995 foi assinado entre a empresa Primavera - Software Lda., posteriormente Primavera - Business Software Solutions, S.A., actualmente detida pela Apelada, e que faz parte do seu grupo empresarial (Grupo Primavera), e a Apelante Oracle International Corporation, anteriormente Primavera Systems, Inc., um acordo de coexistência de cujo contexto resulta uma aceitação no uso e registo por parte da então Primavera Software de marcas que não assinalem produtos relacionados com “software de computador para gestão de projectos”.
xv. Essa coexistência não só a nível de registo como a nível de mercado, que é pacífica, é, também, circunstância relevante que deverá ser ponderada no juízo de confundibilidade., pois todas as marcas nacionais citadas contêm a expressão PRIMAVERA e coexistem com as marcas da agora Apelante.
xvi. Não fazendo sentido que e agora a marca requerenda que designa o grupo empresarial seja recusada para os produtos da classe 9 e serviços das classes 35 e 42, devidamente especificados de forma a excluir o âmbito de aplicação e uso das marcas prioritárias – software de gestão de projectos.
xvii. Repare-se, ab initio, a marca em apreço excluiu os produtos/serviços visados pelas marcas anteriores mediante as seguintes limitações:
Classe 9: mas excluindo expressamente o software informático para a gestão de projetos como funcionalidade única ou software independente
Classe 42: mas excluindo expressamente o software informático para a gestão de projetos como funcionalidade única ou software independente.
xviii. O que é de extrema relevância na comparação entre produtos e serviços, visto que a titular das marcas prioritárias apenas provou o uso produtos e serviços respeitantes a software de gestão de projectos, e este factor não poderá ser desconsiderado sob pena de continuarmos perante uma análise superficial da prova de uso apresentada sendo ainda de aplicar o disposto no n.º 3 do art. 230.º.
xix. considera a Apelante que de acordo com princípio da especialidade, e o estabelecido no artigo 230.º n.º 3 do CPI o âmbito de protecção do direito anterior enlaça apenas a concreta utilização que dele é feita no mercado, sendo essa, neste caso apenas software de gestão de projectos e os manuais desse software de gestão de projectos – cfr. facturas juntas se referem a um determinado produto “project management”; os manuais do produto em causa e restantes hiperligações indicam um produto de gestão de projectos, e identifica ‘project-controls-assetmanagement’.
xx. Até por que pretendeu salvaguardar o acordo estabelecido em 1995 entre a Apelante Oracle International Corporation com a sociedade portuguesa Primavera Software, agora Primavera Business Software Solutions, que agora é detida pela Apelada, de cujo contexto resulta uma aceitação do uso e registo de marcas que não assinalem produtos (e por extensão serviços) relacionados com “software de computador para gestão de projectos”.
xxi. Ou seja, aquelas empresas (ambas agora integradas pela Apelante e Apelada respectivamente) consideraram que pode haver coexistência pacífica entre os sinais, não obstante a reprodução do termo PRIMAVERA, desde que as respectivas áreas de actuação estivessem delimitadas, pelo que a Apelada precisamente delimitou, por via da exclusão a tipologia de produtos e serviços comercializados pela Apelante (conforme resulta da prova de uso apresentada).
xxii. O consumidor médio e relevante deste tipo de produtos/serviços é conhecedor da especificidade e especialidades típicas destes produtos e serviços, sendo habitual no mercado, como resulta da experiência comum, que as empresas se dediquem a software bastante específicos.
xxiii. Face a tal habitualidade, o consumidor não assumirá automaticamente que uma empresa que utiliza certa marca para assinalar um tipo de software específico, neste caso de gestão de projectos, estará relacionada com outra, e que a respectiva marca engloba toda uma vasta e abrangente área da informática e software o facto de se tratar de serviços potencialmente destinados ao mesmo tipo de público é superficial, já que haverá identidade deste público em várias outras classes de serviços ou produtos, sem que exista qualquer tipo de carácter concorrencial entre os mesmos, e facilmente se verifica que a finalidade de cada serviço não é a mesma, em virtude da exclusão operada nas classes visadas – 09 e 42.
xxiv. Razão pela qual a Apelada continua a defender que no que respeita aos produtos da classe 09 e serviços da classe 42, face à aplicabilidade evidente das marcas n.º 000175349 e n.º 002399210 e que fora excluída da marca requerenda, não existe a afinidade necessária ao preenchimento do segundo requisito do conceito de imitação, do artigo 238.º do CPI.
xxv. Sendo que quanto às semelhanças entre os sinais, pese embora não indique directamente o tipo de serviço, não deixa de ser uma designação de uso comum e trivial na sociedade, como bem considerou o Tribunal a quo, caindo naquilo que se designa na jurisprudência como marca fraca, alusiva ou frágil, ao que se adicionaria ser uma marca alusiva que emite características laudatórias.
xxvi. A susceptibilidade de confusão deverá ser aquilatada tendo em consideração o consumidor relevante e médio dos produtos e serviços em causa (conforme ressalva e sublinha vasta jurisprudência e doutrina cujos exemplos se citaram nas alegações), pelo que deverá ser efectuada uma análise do tipo de consumidor e do seu grau de atenção, bem como do mercado respectivo - no caso em apreço público empresarial, sector da tecnologia e software, mercado visual, sendo o grau de atenção superior ao normal.
xxvii. Este consumidor relevante, cujo nível de atenção é superior ao normal, e no mercado onde se inserem os produtos e serviços em causa – tecnológico e indiscutivelmente visual, e cuja aquisição é precedida de obtenção de informações e análise acerca do produto/serviço disponibilizado aprenderá a marca no seu conjunto, sem descurar ou negligenciar o elemento figurativo.
xxviii. O perfil de consumidor dos produtos e serviços em apreço é, sem dúvida o de um consumidor empresarial e atento às especificidades das marcas e sinais, que tendencialmente analisará com maior cuidado do que o consumidor que compra habitualmente um produto de baixo preço e de utilização diária, pois aqueles procuram um determinado e específico software para colmatar uma necessidade da empresa, e tal aquisição é precedida de uma análise dado que implica potencialmente quantias altas e contractos duradouros (para assegurar o bom funcionamento e manutenção por exemplo) pelo que o nível de atenção é superior ao normal.
xxix. Numa perspectiva global e de conjunto, resulta que o elemento figurativo, ou de design da marca requerenda não só é perfeitamente distintivo perante as marcas prioritárias.
xxx. Como verdadeiramente impactante na memória do consumidor médio dos produtos e serviços visados pela marca requerenda, e que se destinam a um público profissional, pelo que dificilmente passará despercebido no momento da aquisição.
xxxi. O peso do elemento figurativo poderá em determinadas circunstâncias dominar o conjunto, relegando o elemento verbal para uma vertente secundária, como acontece quando este elemento é uma comum palavra do léxico, associado à circunstância do consumidor médio possuir um grau de atenção à média, bem como a forma como é feita a aquisição.
xxxii. A perceção das marcas que tem o consumidor médio dos produtos ou serviços em causa desempenha um papel determinante na apreciação global de risco (ver acórdão do TJUE de 12 de junho de 2007, o IHMI / Shaker, C 334/05 P, Rec, US: C: 2007: 333, ponto 35 e jurisprudência referida e Acórdão do TJUE datado de 12/12/2014, Proc. 591/13, ECLI:EU:T:2014:1074 Groupe Canal +/OHMI – Euronews (News+).
xxxiii. Mais, uma semelhança fonética entre duas marcas não é suficiente por si só para comprovar que são semelhantes e confundíveis e o elemento nominativo de um sinal não tem necessariamente um maior impacto (cfr. por exemplo Acórdão do TJUE de 23 de Outubro de 2002 - Matratzen Concord/OHMI – Hukla Germany (MATRATZEN) ponto 35; Acórdão de 31 de Janeiro de 2013 (Processo n.º T-54/12) K2SPORTS) “(…) O grau de semelhança fonética das duas marcas é pouco importante quando se trate de produtos cujo modo de comercialização incita o público visado a apreender visualmente a marca que os designa no momento da compra (cfr. Acórdão TJUE de 11 de Maio de 2005 [CM Capital Markets / OHMI - Caja de Ahorros de Murcia (CM), Proc. 390/03, ponto n.º 55].
xxxiv. Este entendimento resulta da jurisprudência constante do Tribunal Geral da União Europeia, sendo aplicável ao sector da informática e tecnológico, como, por exemplo também entendeu o Tribunal da Relação, no Processo n.º 227/12.2YHLSB.L1-2, em Acórdão de 01/26/2017 ao analisar a preponderância da grafia e elemento figurativo de marcas inseridas neste sector.
xxxv. No sector em causa, e atentas às respectivas listagens de produtos e serviços das marcas em confronto, que se excluem uns aos outros (em virtude da limitação operada nas classes 9 e 42 do pedido de registo) estamos perante serviços destinados a um público empresarial cujo nível de atenção é mais elevado e relacionados como novas tecnologias, pelo que a vertente visual e de design é deveras preponderante ao ponto do consumidor sempre se deparar com o grafismo e design da marca aquando da procura dos serviços ou aquisição de produtos.
xxxvi. Na apreciação global do risco de confusão, os aspectos visuais, fonéticos ou conceptuais dos sinais em conflito nem sempre têm o mesmo peso. Há que  examinar as condições objectivas em que as marcas podem estar presentes no mercado (acórdãos TJUE, processo T-88/05, de 8 de Fevereiro de 2007 – NARS/MARS; e de 27 de Abril de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser Busch (BUDMEN), T-129/01, Colect., p. II-2251, n.o 57, e NLSPORT, NLJEANS, NLACTIVE e NLCollection, n.o 53 supra, n.o 49; acórdão MATRATZEN, n.o 55, supra, n.o 31, e acórdão de 11 de setembro de 2011, CM Capital Markets/IHMI, T-390/03). – Caja de Ahorros de Murcia (CM) [2005], Colet., p. II-1699, n.º 44; acórdão do TG (oitava secção) processo t-480/12, the coca-cola company, e jurisprudência aí citada, nomeadamente Acórdão de 11 de dezembro de 2014; acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Esge/IHMI — De’Longhi Benelux (KMIX), T-444/10, EU:T:2013:89, n.os 36 e 37 e jurisprudência aí referida; v. igualmente, neste sentido, acórdãos La Española, EU:T:2007:264, e BRILLO’S, , EU:T:2008:545].
xxxvii. Veja-se ainda, no que concerne ao uso de vocábulos comuns na linguagem o entendimento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que analisou, e afastou, a possibilidade de confusão pela reprodução do termo “INSIDE” em ‘Eco Inside’ e ‘Intel Inside’: “Embora integrem uma marca registada, os termos de uso corrente, sem efectivo valor distintivo, não podem ser objecto de apropriação exclusiva, sendo autorizada a sua utilização na composição de outras marcas, ainda que para a designação de produtos similares (…) o termo ‘inside’ é de uso corrente da língua inglesa” (vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/05/2013, BPI n.º 2013/08/21 p. 24-30).
xxxviii. O entendimento plasmado no Acórdão do STJ citado é passível de aplicação analógica ao presente caso, daquele se retirando que, a vulgaridade poderá resultar, como resultou no acórdão citado do facto de ser um vocábulo vulgar na respectiva língua, apesar do termo em si – naquele caso ‘inside’ não descrever os produtos e serviços visados, também na área de informática.
xxxix. O processo citado referente ao GRUPO EXPRESSO, e aplicabilidade do que o motivo de recusa previsto no art. 231.º n.º 3 al. d) do CPI, sublinhe-se que aquele processo não é aqui análogo, já que nunca resultou dos presentes autos que a marca ora em causa não seria aplicada nos produtos e serviços do grupo, como resultou daquele processo pois a recorrente do mesmo afirmou que se tratava de um logótipo para “departamentos relacionados com a área de cartão“, não indicando ou demonstrando uma aplicabilidade a nível de grupo empresarial como fez a aqui Apelada no âmbito do recurso do despacho do INPI que apresentou.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. Venerandos Desembargadores da Relação de Lisboa sempre e certamente suprirão, deve o recurso interposto por Oracle International Corporation improceder, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual a 19/06/2023.
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
1. Pelas razões indicadas no recurso, devem ser alterados os pontos 3 e 5 da decisão sobre matéria de facto, nos termos aí propostos?
2. A sentença recorrida fez uma avaliação deficiente do requisito de imitação previsto no artigo 238.º, n.º 1, alínea c) do Código da Propriedade Industrial e violou o disposto no n.º 3 desse artigo sendo que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 232.º, n.º 1, alínea b) do mesmo Código?
3. Verificando-se, no caso em apreço, um motivo absoluto de recusa do registo – previsto no actual artigo 231.º, n.º 3, al. d), do Código da Propriedade Industrial?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
1. Pelas razões indicadas no recurso, devem ser alterados os pontos 3 e 5 da decisão sobre matéria de facto, nos termos aí propostos?
Para sustentar a sua pretensão de alteração fáctica objecto de menção na pergunta a que se responde, a Sociedade ORACLE (...) referiu que o despacho do INPI de 16/11/2022, o recurso interposto pela OAKLEY EKOBID S.L.U. e a própria sentença impugnada consideraram, com acerto, que a titularidade das marcas da União Europeia n.ºs 000175349 e 002399210 a si pertencia.
Apreciando, cumpre referir que a ORACLE (...) tem inteira razão. A sentença foi, efectivamente, construída com base nesse pressuposto fáctico: Acresce que, efectivamente, a Sociedade OAKLEY (…) nunca sustentou o contrário, antes confirmou nos autos a aceitação dessa titularidade, e foi com base na noção que se pretende converter em facto provado que foi construída a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Estamos, pois, perante lapso do Tribunal «a quo» que clama por correcção.
Por assim ser, sem mais considerações, porque desnecessárias, responde-se afirmativamente à questão apreciada e procede-se, acto contínuo, à adequação da fundamentação fáctica a esta resposta.
Está provado que:
1. Em 01.04.2022, a Recorrente pediu o registo da marca nacional nº 683836, com o seguinte sinal:


2. O pedido destinava-se a abranger os seguintes produtos da classificação de Nice:
CLASSE 9: aparelhos e instrumentos científicos, de pesquisa, de navegação, topográficos, fotográficos, cinematográficos, audiovisuais, ópticos, de pesagem, de medição, de sinalização, de detecção, de ensaio, de inspecção, de salvamento e de ensino; aparelhos e instrumentos de condução, distribuição, transformação, acumulação, regulação ou controlo da distribuição ou consumo de energia eléctrica; aparelhos e instrumentos para registo, transmissão, reprodução ou tratamento de sons, imagens ou dados; suportes de dados gravados ou descarregáveis, software, suportes de dados e armazenamento digitais ou análogos virgens ; mecanismos para aparelhos que funcionam com moedas; caixas registadoras, dispositivos de cálculo; computadores e periféricos de computador; fatos de mergulho, máscaras de mergulho, tampões para os ouvidos de mergulho, molas nasais para mergulhadores e nadadores, luvas de mergulho, aparelhos respiratórios para natação subaquática; extintores; todos os itens anteriores, incluindo qualquer software de gestão empresarial para qualquer indústria, mas excluindo expressamente o software informático para a gestão de projectos como funcionalidade única ou software independente.
CLASSE 35: publicidade; gestão, organização e administração de negócios; trabalho administrativo; serviços de assessoria empresarial, fornecimento de informações comerciais a terceiros e promoção e realização de feiras e exposições, todos no âmbito de programas informáticos, de planeamento tecnológico e gestão de negócios; licenças de programas informáticos; fornecimento de sites na internet nos quais os utilizadores possam oferecer produtos para venda e comprar produtos oferecidos para venda por terceiros; fornecimento de sites na internet onde se possam ver anúncios que promovam bens e serviços de terceiros; serviços de compras em online no âmbito de programas informáticos.
CLASSE 41: educação; formação; serviços de divertimento; actividades desportivas e culturais.
CLASSE 42: serviços científicos e tecnológicos, bem como serviços de investigação e design correlacionados; serviços de análise industrial, investigação industrial e design industrial; serviços de controlo de qualidade e autenticação; design e desenvolvimento de hardware e software; plataformas para desenho gráfico sob a forma de software como serviço [saas]; plataformas de jogo sob a forma de software como serviço [saas]; plataformas de inteligência artificial sob a forma de software como serviço [saas]; serviços de consultadoria no domínio do software como serviço [saas]; software como serviço [saas]; serviços de software como serviço [saas] que incluem software para aprendizagem profunda; software como serviço [saas] que inclui software para redes neuronais profundas; software sob a forma de serviço [saas] incluindo software para aprendizagem automática; serviços de software como serviço [saas] que incluem software para aprendizagem automática, aprendizagem profunda e redes neuronais profundas; todos os itens anteriores, incluindo qualquer software de gestão empresarial para qualquer indústria, mas excluindo expressamente o software informático para a gestão de projectos como funcionalidade única ou software independente.
3. Encontra-se registada a favor da Recorrida a Marca da União Europeia n.º 000175349, com o sinal nominativo PRIMAVERA, com pedido apresentado em 1 de Abril de 1997 e concedida em 7 de Outubro de 1998.
4. A marca descrita em 3 destina-se a abranger, os seguintes produtos da classe 9 da Classificação de Nice: Software para gestão de projectos.
5. Encontra-se ainda registada a favor da Recorrida a Marca da União Europeia n.º 002399210, com o sinal nominativo PRIMAVERA, com pedido apresentado em 3 de Outubro de 2001 e concedida em 3 de Dezembro de 2002.
6. A marca descrita em 5 destina-se a abranger, os seguintes produtos da Classificação de Nice:
CLASSE 9: programas de computador e software para gestão de projectos; suportes de registo para programas de computador e software para gestão de projectos; manuais do utilizador electrónicos ou legíveis por máquina.
CLASSE 16: manuais impressos para programas de computador e software; manuais impressos para programas de computador e software para gestão de projectos.
CLASSE 42: serviços de programação informática; serviços de assistência, manutenção, actualização e assessoria de software.
7. O INPI recusou parcialmente o registo da marca referida em 1, por despacho do Director do Instituto, relativamente a todos os serviços requeridos nas classes 42 e 35 e os seguintes produtos na classe 9 (aparelhos e instrumentos para registo, transmissão, reprodução ou tratamento de sons, imagens ou dados; suportes de dados gravados ou descarregáveis, software, suportes de dados e armazenamento digitais ou análogos virgens; dispositivos de cálculo; computadores e periféricos de computador; todos os itens anteriores, incluindo qualquer software de gestão empresarial para qualquer indústria, mas excluindo expressamente o software informático para a gestão de projectos como funcionalidade única ou software independente), da Classificação Internacional de Nice, concedendo a marca para todos os serviços peticionados na classe 41 e os seguintes produtos na classe 9 (aparelhos e instrumentos científicos, de pesquisa, de navegação, topográficos, fotográficos, cinematográficos, audiovisuais, ópticos, de pesagem, de medição, de sinalização, de detecção, de ensaio, de inspecção, de salvamento e de ensino; aparelhos e instrumentos de condução, distribuição, transformação, acumulação, regulação ou controlo da distribuição ou consumo de energia eléctrica; mecanismos para aparelhos que funcionam com moedas; caixas registadoras, fatos de mergulho, máscaras de mergulho, tampões para os ouvidos de mergulho, molas nasais para mergulhadores e nadadores, luvas de mergulho, aparelhos respiratórios para natação subaquática; extintores), da mesma classificação.
Fundamentação de Direito
2. A sentença recorrida fez uma avaliação deficiente do requisito de imitação previsto no artigo 238.º, n.º 1, alínea c) do Código da Propriedade Industrial e violou o disposto no n.º 3 desse artigo sendo que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 232.º, n.º 1, alínea b) do mesmo Código?
O Tribunal «a quo» fez, na sentença criticada, o enquadramento jurídico das noções subjacentes e pressuponentes da análise que se propunha realizar, designadamente dos conceitos de marca, sua função, tipos, forma de constituição, requisitos e efeitos, critérios de comparação, noção de consumidor relevante, critérios de definição da similitude, risco de confusão e associação e predomínio do elemento nominativo na ponderação das marcas mistas. Tal Tribunal identificou correctamente preceitos relevantes para a análise que realizou e deu o devido relevo e sentido ao disposto nesses preceitos legais. Nada há, pois, a reparar, não se justificando, também, qualquer aditamento face à suficiência do invocado e indiscutibilidade nos autos das noções associadas. Essa matéria não vem posta em crise, não se colocando, no caso em apreço, dificuldades específicas ao nível da caracterização dos signos em confronto.
Neste quadro circunstancial, seria ocioso, logo inútil, logo proscrito pelo direito adjectivo constituído – cf. o disposto no art. 130.º do Código de Processo Civil e o princípio da economia processual aí enunciado – tecer alargadas considerações, sempre redundantes, sobre a matéria não discutida.
É seguro que estamos perante duas marcas, já que tais sinais são subsumíveis à fattispecie do art. 208.º do Código da Propriedade Industrial (CPI).
Não se materializa qualquer das excepções referenciadas no art. 209.º do mesmo encadeado normativo.
No âmbito do estabelecido nas alíneas que compõem o n.º 1 do art. 238.º do CPI, a marca registada considera-se imitada ou usurpada quando se preencham, cumulativamente, os pressupostos:
a. Prioridade;
b. Coincidência de objecto; e
c. Susceptibilidade de confusão, erro ou associação.
Face aos factos colhidos nos autos, o Tribunal concluiu, com facilidade e em termos que não deixam margens para dúvidas nem vêm questionados, pelo preenchimento dos dois primeiros requisitos. Não há dificuldades remanescentes quanto à anterioridade das marcas da Recorrida (ora Recorrente) e seus registos e não as há também no que se reporta à coincidência de objectos e, consequentemente, de mercados, mostrando-se correcta a análise feita na sentença, incidente sobre a noção de identidade de produtos.
Resta, pois, para avaliação, o requisito definido na al. c) do apontado número e artigo.
Neste âmbito, importa começar por referir que comparamos dois sinais exclusivamente nominais, da titularidade da ORACLE..., com um signo debutante e questionado nos autos, de natureza mista.
Empresta o caráter gráfico que convoca a noção de marca mista a existência, naquela cujo registo aqui se discute, de um quadrado contendo um símbolo abstracto, singelo e ligeiro, acrescendo (quer nas cores do símbolo gráfico quer nas letras da parte nominativa), o uso da cor azul escura. O resultado obtido mostra-se, insofismavelmente, desprovido de um caráter personalizado e forte que possa contribuir para ajudar à criação de distintividade. Não é de admitir que o consumidor relevante dos mercados que as marcas partilham possa usar o apontado elemento gráfico como componente referenciador de uma distinção de produtos e proveniência.
Acresce que a abordagem psicológica do mundo circundante é feita mediante a conversão mental dos objectos vistos em palavras ou conceitos nominais, o que determina que seja o verbo o elemento gnoseológico representativo e substitutivo do avaliado pela mente humana. Para confirmar esta afirmação pense-se, por exemplo, na impossibilidade de recordar e convocar noção relativa ao fenómeno astronómico «quasar» (descoberto nos anos cinquenta do século XX), antes da criação desta palavra.
Este dado da psicologia do conhecimento conduz-nos à certeza de que o que consumidor mais e melhor recorda são as palavras que constituem as marcas que compare. O elemento gráfico só convocará a sua atenção se for muito chamativo e dominar a impressão visual produzida (o que ocorrerá por diversas vias: associação ao conhecido relevante, ligação a objecto de gostos e afectos, capacidade de chocar ou divergir do comum, apelo ao humor ou a sentimentos fortes, etc.) – vd., neste sentido, os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia  T-54/12 - K2 Sports Eur ope v OHMI - Karhu Sport Iberica (SPORT), § 40, T-312/03 Wassen International v OHIM – Stroschein Gesundkost (SELENIUM-ACE), § 37, e T-517/10 Pharmazeutische Fabrik Evers v OHIM – Ozone Laboratories Pharma (HYPOCHOL), § 32.
Na comparação dos signos, a operação a realizar pelo julgador, em situações do presente jaez, consiste na reconstituição do olhar do consumidor médio do mercado apreciado. Sendo este, nas situações comuns, um agente não particularmente atento e eventualmente descontraído, actuando num contexto lúdico ou, ao menos, mais relaxado, no momento da aquisição de bens ou serviços, é de admitir que, e.g. na compra de programas informáticos, surja, por necessidade e devido a particulares contextos de consumo, uma maior focagem no objecto sem, que, no entanto, se possa considerar o consumidor do respectivo mercado como, necessariamente, especialista ou técnico informático, já que não se demonstrou que fosse esse o tipo de utilizador e adquirente final. Tal focagem não gera, porém, por si só, a noção de que uma menor distintividade dos signos sempre será suficiente para evitar o risco de associação e confusão.
Sendo inelutável o referido predomínio da parte nominativa, não é menos verdade que, no cotejo de vocábulos, a retenção em memória é pouco precisa e rigorosa, sempre desfocada pela nebulosidade da memória, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação». Ou seja, uma memória é tanto mais forte quanto mais intensa e firme tenha sido a implantação inicial (o que se consegue, por exemplo, através da novidade, originalidade e contexto distinto). E será mais intensa se o signo for marcante ou estiver presente com grande repetição. A retenção a longo prazo no espaço cerebral sempre beneficia da possibilidade de ligar o elemento a conservar a um outro anteriormente conhecido, assim produzindo o referido efeito de associação.
É a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção – na verdade, retemos o que destrinçamos.
É central o relevo da análise de conjunto no momento da ponderação da capacidade de produzir impacto e sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» – vd., neste sentido, os acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T-112/03, L'Oréal.
Por outro lado, a ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.
A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante os signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado. E é assim porque se visa salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como metas derradeiras, garantir iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.
Não sendo o acima referido grafismo relevante para operar destrinça – que tem necessariamente que existir por forma a obviar ao erro, confusão ou associação referidos na al. c) do n.º 1 do art. 238.º do Código da Propriedade Industrial (sobretudo no contexto que melhor se descreverá de seguida) – quer por força do desenho escolhido quer em virtude do uso de cor, temos que concluir que o que está em comparação são, essencialmente, uma palavra («Primavera») e uma expressão composta por dois vocábulos («Grupo Primavera»).
Comum é «Primavera». Distinto é «grupo».
O que é coincidente é parte central do léxico luso, id est, elemento indissociável da língua portuguesa.
Se é verdade que o uso de vocábulo «Primavera» numa área que em que o mesmo não tem raízes nem associações – a dos programas informáticos e, em sede geral, das tecnologias da informação – produz distintividade, não é menos verdadeiro o facto de, por não se tratar de palavra adrede imaginada para gerar um novo signo, se  estar perante um quadro marcado pela fragilidade. É assim porquanto a titular da marca não poderá opor-se com sucesso à aparição de novo sinal que a contenha desde que a mesma surja integrada numa combinação que gere alguma diferenciação – não sendo apropriáveis os vocábulos da língua portuguesa, os termos geo-referenciados ou qualquer elemento do património cultural nacional, nomeadamente da sua onomástica e história – por não se tratar de palavra por si criada e a si ligada em exclusividade, em termos que imediatamente a apontem.
Daqui resulta que a adição de uma palavra ao termo comum «Primavera», nunca pertencente em exclusivo à ora Recorrente, poderia, em condições normais, ter  a virtualidade de operar a necessária distinção de signos.
Porém, para que assim fosse, era mister que a palavra aditada à pré-existente fosse disjuntiva e não conjuntiva. Para este efeito, seria disjuntiva qualquer vocábulo que apartasse e diferenciasse claramente a empresa chegada ao mercado da sua pretensa concorrente e conjuntiva qualquer outra que unisse o novo projecto económico ao pré-existente, convocando-o.
É justamente entre os vocábulos conjuntivos que se encontra a palavra «grupo». Trata-se de termo agregador que faz menção à união das partes de um conjunto e ao estabelecimento de relações de pertença entre os seus elementos, referenciando um «conjunto de coisas que formam um todo» (in Cândido de Figueiredo, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, Bertrand Editora, 1939, vol. I, pág. 1346).
Se algo se intitula «Grupo Primavera», a denominação referencia, inevitavelmente, o resultado da união de distintos elementos pertencentes a um grupo chamado «Primavera».
Quer isto dizer que, ao criar a expressão «Grupo Primavera», a ora Recorrida não só não se afastou da denominação «Primavera» como a ela se colou indissociavelmente.
Perante o uso do referido vocábulo conjuntivo, qualquer consumidor, mesmo que muito concentrado no acto de consumo e focado no produto concluirá, ao ver um bem proveniente do «Grupo Primavera»: «cá está mais um produto da minha já conhecida marca “Primavera”!»
Dificilmente se encontrará melhor exemplo de marca susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão para os efeitos da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 238.º do Código da Propriedade Industrial do que aquela que faz, ela própria, a ligação com o signo pré-existente, sendo, nesse quadro, os próprios criadores da marca a escolher o vocábulo que mais deveriam evitar por o mesmo estabelecer, de imediato, a aparência de ligação e pertença com a marca já existente no mercado.
Claro está que, no contexto descrito e à luz do demonstrado e cristalizado em termos fácticos, não tem relevo (nem essência) a menção a um pretenso «acordo de coexistência» alegadamente celebrado, segundo a ora Recorrida – mas não demonstrado – por se tratar de pacto que, mesmo em termos de mera invocação sem prova, não teria envolvido essa Recorrida.
De qualquer forma, a menção a esse pacto sempre revelaria que nem a Recorrida ignorava que a marca que quis registar envolvia a apropriação de marca alheia em termos que teriam imposto a celebração de um acordo específico viabilizador do seu uso o que é antitético com a posição que sustentou no recurso perante este Tribunal superior.
Flui do dito não ter a sentença objecto do recurso que agora se aprecia quaisquer condições de sustentação, sendo positiva a resposta à questão agora analisada.
3. Verificando-se, no caso em apreço, um motivo absoluto de recusa do registo – previsto no actual artigo 231.º, n.º 3, al. d), do Código da Propriedade Industrial?
Considerando que o que se aprecia nos autos em que se gerou a presente impugnação judicial é o recurso interposto pela Sociedade OAKLEY (…) incidente sobre a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que recusou parcialmente o registo da marca nacional neles referida e tomando em consideração que a resposta à questão anterior soluciona o perguntado em termos que não deixam pendente qualquer necessidade de decisão complementar e tornariam ociosas quaisquer ulterior considerações, não se responde à presente questão.

III. DECISÃO
Pelo exposto, concedemos provimento ao recurso e, em consequência, revogamos a sentença impugnada mantendo a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que recusou parcialmente o registo da marca nacional n.º 683836  «para todos os serviços requeridos nas classes 42.ª e 35.ª e os seguintes produtos na classe 09ª»: «aparelhos e instrumentos para registo, transmissão, reprodução ou tratamento de sons, imagens ou dados; suportes de dados gravados ou descarregáveis, software, suportes de dados e armazenamento digitais ou análogos virgens; dispositivos de cálculo; computadores e periféricos de computador; todos os itens anteriores, incluindo qualquer software de gestão empresarial para qualquer indústria, mas excluindo expressamente o software informático para a gestão de projetos como funcionalidade única ou software independente», «da Classificação Internacional de Nice».
Custas pela Apelada.
*
Lisboa, 08.01.2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Alexandre J. Au-Yong Oliveira
Eleonora M. P. de Almeida Viegas