PROPRIEDADE INTELECTUAL
PATENTE
CERTIFICADO COMPLEMENTAR DE PROTEÇÃO
PRODUTO
PRINCÍPIO ACTIVO
MEDICAMENTO
Sumário

I. A criação do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos assentou na motivação central de incentivar e proteger as iniciativas de investigação no domínio farmacêutico com vista a encorajar a inovação, assim garantindo a melhoria da saúde pública;
II. Foi aí tida presente como problema a solucionar uma dificuldade muito concreta e visível do processo de concessão de patentes, a saber, a emergente do descolamento temporal entre o momento do depósito de um pedido de concessão de patente para um novo medicamento e o da autorização da sua introdução no mercado, descolamento esse gerador de insofismável prejuízo para os criadores de novos fármacos por força da compressão da amortização dos investimentos associados à investigação específica orientada para a sua criação;
III. Associada a esta preocupação surgiu a de proteger o mercado europeu dos medicamentos obviando à «fuga» e deslocalização de núcleos de investigação situados em solo da União.
IV. No referido texto do Direito da União Europeia a solução escolhida consistiu na concessão de mais tempo através da atribuição, no período de alargamento, dos mesmos direitos que os tutelados e garantidos pela patente e da sujeição a idênticas limitações e obrigações;
V. O que se protege complementarmente é o produto e não o seu uso, a ontologia e não a sua revelação, ou seja, um «princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento» (cf. a definição constante da al. b) do art. 1.º do texto de Direito da União em apreço) e não uma indicação ou conjunto de indicações terapêuticas;
VI. O legislador da União, ao instituir o regime do Certificado Complementar de Protecção, não pretendeu favorecer pesquisas farmacêuticas que dêem origem à concessão de uma patente e à comercialização de um novo medicamento, tendo antes pretendido favorecer pesquisas que conduzam à primeira introdução no mercado de um princípio ativo ou de uma combinação de princípios ativos como medicamento;
VII. Na al. c) do art. 1.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, «produto» é, exclusivamente, sinónimo de princípio activo ou associação de princípios activos;
VIII. Não estão aqui compreendidos um novo uso terapêutico ou uma nova formulação ou ambas;
IX. Uma formulação é um conceito relacional. Reporta-se ao acto de formular. E formular é estabelecer uma fórmula, um critério de produção e disponibilização de algo. E esse algo, não o poderá ignorar uma sociedade farmacêutica, é, justamente, um princípio activo mais ou menos transmutado. É o aludido princípio que recebe novo desenho de produção;
X. Não é legítima interpretação extensiva que alargue a noção rigorosa de produto por forma a abranger realidade que nenhuma relação tem com o definido.
XI. Não há confusão possível entre princípio activo e formulação distinta de um princípio activo anterior.
XII. A fórmula ou formulação de produção alterada não gera um novo princípio activo, antes se afirma no quadro de um mesmo e único princípio.
XIII. Da mesma forma, o novo uso não faz emergir um novo produto usado.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO                  
EIRGEN PHARMA LTD., com sede em Westside Business Park Old Kilmeaden Road Waterford X91 YV67 – Irlanda, com os sinais identificativos constantes dos autos,  recorreu de decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial datada de 15.03.2022 que recusou a pretensão de emissão de Certificado Complementar de Protecção n.º 1070, solicitando a sua revogação e substituição por outra que concedesse o mencionado certificado.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
EIRGEN PHARMA LTD., com sede em Westside Business Park Old Kilmeaden Road Waterford X91 YV67 - Irlanda veio, ao abrigo do disposto no Artigo 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-lei N.º 110/2018, de 10 de Dezembro, interpor RECURSO do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 15 de Março de 2022, que recusou o pedido de Certificado Complementar de Protecção N.º 1070, pedindo que a mesma seja revogada e substituída por outra que conceda o mencionado Certificado Complementar de Protecção.
A Recorrente formulou as seguintes conclusões:
A. Em 26.02.2021 a Recorrente requereu junto do I.N.P.I. um pedido de Certificado Complementar de Protecção (CCP) para “calcifediol”, o princípio activo do medicamento “Rayaldee”, cuja patente de base é a patente de invenção europeia EP 2968172 B1, concedida a 22.07.2020.
B. Os fundamentos para o pedido em apreço, foram em síntese, os seguintes:
- Que a alínea a) do artigo 3 do Regulamento CE 469/2009 se encontra preenchida, na medida em que a patente base protege o produto descrito no resumo das características do medicamento e a sua utilização especifica;
- Que a alínea b) do artigo 3 do Regulamento CE 469/2009 se encontra igualmente preenchida, na medida em que anexaram ao pedido a AIM do Reino Unido Nº PL 50784/0005 – 0001 / DE/H/5590/001/DC datada de 21.07.2020, a AIM concedida na Alemanha, que neste contexto poderá ser considerada a primeira AIM na Comunidade, sob o Nº 2202115.00.00 e datada de 18.08.2020, e a primeira AIM em Portugal, Nº DE/H/5590/001/DC, para o medicamento Rayaldee, com o princípio activo calcifediol, datada de 04.12.2020 (data no Resumo das características do medicamento e no documento retirado do website do Infarmed), que é a primeira AIM válida em Portugal. Concluiu-se, assim, que o medicamento Rayaldee não tinha ainda sido objecto de um certificado (alínea c) do artigo 3 do Regulamento CE 469/2009) e que as AIMs acima identificadas foram as primeiras autorizações de introdução do produto no mercado, como medicamento;
- Considerando que o medicamento Rayaldee tem como primeira AIM em Portugal, Nº DE/H/5590/001/DC de 04.12.2020, e patente base EP 2968172 B1 concedida a 22.07.2020 pelo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento CE 469/2009, tendo o presente pedido de CCP sido apresentado em 26.02.2021, o prazo legalmente estabelecido de seis meses a contar da data de concessão da AIM foi integralmente cumprido;
- Relativamente a calcifediol, o princípio activo do medicamento Rayaldee, encontram-se cumpridos todos os requisitos legais, definidos no Regulamento (CE) 469/2009.
C. No acórdão no caso “Neurim” (C-130/11) de 2012, o Tribunal de Justiça  da União Europeia (doravante “TJEU”) recordou no para. 23 que o regulamento foi adoptado, porque o período de protecção efectiva da patente é insuficiente para cobrir o investimento efectuado na investigação farmacêutica.
D. No caso “Neurim” uma outra formulação de liberação controlada (prolongada) de um princípio activo conhecido possibilitou um novo uso terapêutico do princípio activo.
Em “Neurim”, uma outra formulação de liberação controlada (prolongada) da hormona melatonina possibilitou a nova aplicação de melatonina para uso na insónia.
E. À luz do acórdão “Neurim”, o conceito do termo “primeira autorização de introdução no mercado” no regulamento requer uma avaliação mais diferencial: a existência de uma AIM mais antiga para um princípio activo não impede a concessão de um CCP para um novo uso terapêutico do mesmo princípio activo para o qual a nova AIM foi concedida, se o novo uso terapêutico estiver dentro de âmbito de protecção da patente de base.
F. Portanto, um CCP deve ser concedido no caso “Neurim”. Como resultado, tornou-se prática e deve ainda ser possível que um CCP possa ser obtido para um uso médico posterior sob certos requisitos.
G. No presente caso, a patente base protege o calcifediol para uso no tratamento de hiperparatireoidismo (secundário) por liberação controlada, em que a 25-hidroxivitamina D é administrada por via oral. Rayaldee é o primeiro medicamento que contém calcifediol para esse uso e Rayaldee está dentro do âmbito da patente de base.
H. Sendo certo que Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles não foram especificamente autorizados para uso no tratamento de hiperparatireoidismo secundário em adultos com DRC estágio 3 ou 4 e insuficiência ou deficiência de vitamina D. Além disso, Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles não estão dentro do âmbito da patente base para o presente CCP, porque Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles não são formulações de liberação controlada nem estão autorizadas para uso no tratamento de hiperparatireoidismo (secundário) por liberação controlada.
I. Por conseguinte, para efeitos do presente pedido de CCP, a AIM de Rayaldee deve ser considerada como a primeira autorização de introdução no mercado dentro do significado do artigo 2, 3 (d), 7 e 13 (1) do Regulamento de CCP e do artigo 19 do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos.
J. A interpretação do acórdão “Neurim” do TJUE está em consonância com o espírito do Memorando, que se refere apenas a novos medicamentos e Rayaldee é um novo medicamento.
K. Não menos relevante, o Memorando explica na página 8 no. 11 que o termo “produto” deve ser entendido em sentido estrito (a notificação de exame também faz referência a esta passagem) como princípio activo. Nenhum outro certificado foi concedido para um produto calcifediol, portanto, as Requerentes atendem a esta condição de “apenas um certificado pode ser concedido para qualquer produto”, mesmo se o produto for entendido como tendo aquele princípio activo no sentido estrito.
L. Portanto, para efeitos dos Regulamentos de CCP, calcifediol em Rayaldee e calcifediol em Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles, devem ser considerados como produtos diferentes.
M. Assim, para efeitos do pedido de CCP, a AIM de Rayaldee deve ser considerada como a primeira autorização de introdução no mercado no significado do artigo 2, 3 (d), 7 e 13 (1) do Regulamento de CCP e do artigo 19 do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos.
N. O objectivo do Regulamento de CCP era que os novos tratamentos médicos, sejam eles novos ingredientes activos ou novos usos, fossem submetidos a longos ensaios clínicos antes de receberem uma autorização de introdução no mercado, pelo que os CCPs foram criados para fornecer uma compensação pelos longos e onerosos ensaios clínicos necessários para obter uma autorização de introdução no mercado.
O. A proposta do Regulamento de CCP não se limitava apenas a novos produtos, mas também a um novo processo de obtenção do produto ou uma nova aplicação do produto que também podem ser protegidos por um certificado.
P. O produto da Recorrente é o equivalente a um produto completamente novo e a um “novo” ingrediente activo, no sentido de que o uso de calcifediol na forma de liberação imediata não pode tratar SHPT no estágio 3, 4 de pacientes com doença renal crónica. Além disso, a patente reivindicando calcifediol nunca beneficiou de um CCP e este será o primeiro medicamento contendo calcifediol a ser elegível para um CCP e garantir um CCP pelas razões aqui declaradas.
Q. O caso Santen, lidou com um padrão de facto em que um CCP foi solicitado com base numa patente para uma forma de dosagem ligeiramente diferente de um ingrediente activo conhecido (um ingrediente activo anti-inflamatório).
R. Além disso, as indicações anteriormente autorizadas e as recém-autorizadas eram muito semelhantes (inflamação de uma parte do olho). Este é o tipo de cenário que o parágrafo 11 do Memorando Explicativo não considera merecedor da emissão de um CCP.
S. A Recorrente afirma que o padrão de fato subjacente ao presente pedido de CCP é significativamente diferente do caso Santen.
T. A Recorrente clarifica ainda que o âmbito de protecção e definição de “produto” do calcifediol como ingrediente activo alvo do presente pedido de CCP é “25- hidroxivitamina D3 em uma formulação oral de liberação controlada para uso no tratamento de hiperparatireoidismo” conforme definido nas reivindicações 1, 12, 15, 17 e 18 da patente base.
U. As AIM anteriores para “calcifediol” em Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles é dirigida a um medicamento para o tratamento de hipocalcemia, sendo o Dedrogyl uma solução de calcifediol em propilenoglicol. As cápsulas moles de 0,266 mg de Dedrogyl e Calcifediol Faes são caracterizadas por uma liberação rápida do fármaco (liberação imediata) e picos plasmáticos de calcifediol.
V. A AIM concedida para Rayaldee (medicamento de liberação controlada) compreende uma definição de produto que sai fora do âmbito das anteriores.
W. A indicação para tratamento de hiperparatiroidismo com calcifediol autorizado pela presente MA é substancialmente diferente da indicação de tratamento de hipocalcemia autorizado pela MA de Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles.
X. O Rayaldee permite a terapia do hiperparatireoidismo por meio de uma formulação de calcifediol de liberação prolongada (controlada), isto é, possibilita um novo uso terapêutico.
Y. Assim, o efeito do ingrediente activo calcifediol no novo medicamento Rayaldee é diferente do efeito do calcifediol nos medicamentos previamente aprovados Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles, que são formulações de liberação imediata.
Z. Portanto, o presente caso difere ainda mais do caso Santen.
AA. Adicionalmente, em Santen, o TJUE negligenciou que os considerandos 3 a 5 e 9 do Regulamento de CCP referem “medicamentos” e não “produtos”. Assim, os considerandos 3 a 5 e 9 do Regulamento de CCP não se limitam ao desenvolvimento de novos ingredientes activos ou novas combinações de ingredientes activos, mas a novos medicamentos em geral.
BB. À luz dos considerandos 3 a 5 e 9 do Regulamento de CCP e da passagem altamente questionável do n.º 57 do acórdão Santen, afigura-se que o termo “produto” no Regulamento não deve ser interpretado de forma muito estrita, de modo que os CCP não sejam concedidos exclusivamente para inovações no sentido de ingredientes activos recentemente sintetizados.
CC. O caso Santen estava essencialmente relacionado com uma variação da forma farmacêutica (solução de liberação imediata para emulsão de liberação imediata) de um ingrediente activo imunossupressor para uma indicação altamente relacionada (tratamento de inflamações de diferentes partes do olho).
DD. Em contraste, o presente pedido é essencialmente uma autorização de novo de calcifediol numa nova formulação de liberação controlada para uma nova indicação, em que a nova formulação permite o uso para a nova indicação.
EE.Seria incompatível com os objectivos do Regulamento se a decisão do caso Santen fosse interpretada como impeditiva de um CCP para a calcifediol.
FF. Salienta-se ainda que mesmo que a declaração do item 53 do caso Santen seja entendido de tal forma que o TJCE em Santen abandonou completamente e inverteu a sua posição conforme previsto no caso Neurim (TJCE C-130/11), sustenta-se que a decisão de Santen deve ter efeito apenas após um período de carência de transição, para que as empresas possam levar em conta a situação legal alterada e reconsiderar os seus investimentos.
GG. A Recorrente reforça que à luz da legislação e do Regulamento, o caso Santen não deverá ser interpretado como limitativo, pois em Santen, o TJUE ignorou que os parágrafos da introdução do Regulamento se referem a “medicamentos” e não “ingrediente activos”. O erro pode ser visto, por exemplo no para. 57 do acórdão “Santen” (C-673/18).
HH. Além disso, o examinador português reconheceu que existe uma diferença em relação aos casos Santen e Abraxis do TJUE, porque o presente caso diz respeito a uma nova aplicação terapêutica e uma nova formulação (ver item 15 das razões para a recusa). Devido a esta diferença significativa e à subjacente inovação, Santen e Abraxis não são aplicáveis ao presente caso e esta nova formulação que permite esta nova utilização terapêutica é elegível para a protecção do CCP.
II. No presente caso, a patente base protege o calcifediol para uso no tratamento de hiperparatireoidismo por libertação controlada em que 25-hidroxivitamina D3 é administrada por via oral. Rayaldee é o primeiro medicamento que contém calcifediol para esse uso e Rayaldee está dentro do âmbito da patente de base.
JJ. Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles não foram especificamente autorizados para uso no tratamento de hiperparatireoidismo secundário em adultos com DRC estágio 3 ou 4 e insuficiência ou deficiência de vitamina D. Além disso, Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles não estão dentro do âmbito da patente base para o presente CCP, porque Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles não são formulações de liberação controlada e não estão autorizados para uso no tratamento de hiperparatireoidismo.
KK. Por conseguinte, para efeitos do presente pedido de CCP, a AIM de Rayaldee deve ser considerada como a primeira autorização de introdução no mercado dentro do significado do artigo 2, 3 (d), 7 e 13 (1) do Regulamento relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos.
LL.Portanto, para efeitos do Regulamento de CCP, calcifediol em Rayaldee e calcifediol em Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles, devem ser considerados como produtos diferentes, e um CCP deve ser concedido para o presente pedido.
MM.A Recorrente faz notar que um CCP baseado na mesma patente de base e na mesma primeira autorização de introdução no mercado para o medicamento Rayaldee, foi concedido em Itália.
NN. Nesta jurisdição o caso Santen não foi tido em consideração, uma vez que de acordo com os argumentos acima indicados, a decisão deste caso não é aplicável ao presente pedido de CCP.
OO. No caso presente, a actividade farmacológica e metabólica do calcifediol foi modificada por interacção não covalente com outros componentes da formulação de modo que a liberação possa ser controlada. Devido à liberação controlada de calcifediol em Rayaldee, o produto tem diferenças significativas na actividade farmacológica e metabólica em comparação com calcifediol em Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles (ver, por exemplo, seção 5 do Resumo das Características do Medicamento da autorização de comercialização no Reino Unido).
PP. Não se justifica discriminar o presente caso de outros como o caso do palmitato de paliperidona, simplesmente porque o ingrediente activo não foi modificado por ligação covalente, mas por interacção não covalente com outras substâncias. O primeiro caso é uma modificação do éster e um pró-fármaco que perde essa ligação covalente in vivo, enquanto o caso actual é uma formulação de liberação modificada que leva ao tratamento de uma nova indicação - ambas as alternativas têm direito à protecção.
QQ. Portanto, para efeitos dos Regulamentos CCP, calcifediol em Rayaldee e calcifediol em Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles devem ser considerados como produtos diferentes.
RR. Assim, para efeitos do pedido de CCP, a autorização de introdução no mercado de Rayaldee deve ser considerada como a primeira autorização de introdução no mercado na acepção do Artigo 2, 3 (d), 7 e 13 (1) do Regulamento e do artigo 19 do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos.
Cumprido o artigo 42º do CPI, o INPI remeteu o processo administrativo com a decisão recorrida e parecer que a sustenta, bem como esclarecimentos escritos sobre o teor da decisão ora recorrida.
Foi proferida sentença que decretou:
Termos em que, vistos os princípios e as normas invocadas, se indefere o recurso apresentado, mantendo-se o despacho recorrido que recusou a concessão do certificado complementar de protecção n.º 1070.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por EIRGEN PHARMA LTD., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
a) A sentença apelada que manteve o despacho do INPI que recusou do PEDIDO DE CERTIFICADO COMPLEMENTAR DE PROTEÇÃO n.º 1070 deve ser revogada, pois que fez uma incorreta interpretação dos pertinentes normativos do Código da Propriedade Industrial e do Regulamento (CE) nº 469/2009 de 6 de maio de 2009.
b) Em primeiro lugar, cumprirá realçar que, quanto aos medicamentos Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles das AIMs alegadamente anteriores, tanto o Dedrogyl como o Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles são caracterizados por uma liberação de produto bastante rápida (liberação imediata) e picos plasmáticos de calcifediol, enquanto no caso da invenção feita e descrita na patente base e implementada em Rayaldee, estamos perante a possibilidade de uma terapia do hiperparatireoidismo secundário por meio de uma formulação de calcifediol de liberação prolongada, ao contrário do que sucede com o Dedrogyl e com o Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles. Por outras palavras, estamos perante uma nova formulação que possibilita um novo uso terapêutico.
c) De acordo com acórdão “Neurim”, o conceito do termo “primeira autorização de introdução no mercado” foi entendido do seguinte modo:
A existência de uma AIM mais antiga para um princípio ativo não impede a concessão de um CCP para um novo uso terapêutico do mesmo princípio ativo para o qual a nova AIM foi concedida, se o novo uso terapêutico estiver dentro de âmbito de proteção da patente de base.
d) No caso vertente, a patente base protege o calcifediol para uso no tratamento de hiperparatireoidismo (secundário) por liberação controlada, em que a 25- hidroxivitamina D é administrada por via oral, sendo que Rayaldee é o primeiro medicamento que contém calcifediol para esse uso e Rayaldee está dentro do âmbito da patente de base.
e) Por outro lado, será de assinalar que os medicamentos Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles não foram especificamente autorizados para uso no tratamento de hiperparatireoidismo secundário em adultos com DRC estágio 3 ou 4 e insuficiência ou deficiência de vitamina D, além de não estarem dentro do âmbito da patente base para o presente CCP, porque Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles não são formulações de liberação controlada nem estão autorizadas para uso no tratamento de hiperparatireoidismo (secundário) por liberação controlada.
f) Por conseguinte, para efeitos do presente pedido de CCP e à luz do acórdão “Neurim”, a AIM de Rayaldee deve ser considerada como a primeira autorização de introdução no mercado dentro do significado do art. 2, 3 (d), 7 e 13 (1) do Regulamento e do art. 19 do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos.
g) Com efeito, a interpretação do acórdão “Neurim” do TJUE está em consonância com o espírito do Memorando do Regulamento, que se refere apenas a novos medicamentos e Rayaldee é um novo medicamento.
g) Não menos relevante, o Memorando do Regulamento explica na página 8 no. 11 que o termo “produto” deve ser entendido em sentido estrito como princípio ativo. Ora, se nenhum outro certificado foi concedido para um produto calcifediol, portanto, o presente pedido de CCP atende a esta condição de “apenas um certificado pode ser concedido para qualquer produto”, mesmo se o produto for entendido como tendo aquele princípio ativo no sentido estrito.
h) Portanto, para efeitos dos Regulamentos de CCP, calcifediol em Rayaldee e calcifediol em Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles, devem ser considerados como produtos diferentes.
i) Em consequência, para efeitos do pedido de CCP, a AIM de Rayaldee deve ser considerada como a primeira autorização de introdução no mercado no significado do art. 2, 3 (d), 7 e 13 (1) do Regulamento e do art. 19 do Regulamento (CEE)  n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos.
j) A decisão Santen deve ser interpretada tendo em vista os objetivos do Regulamento (CE) n.º 469/2009 de 6 de maio de 2009.
k) O objetivo do Regulamento do CCP é, pois, em síntese, salvaguardar os novos tratamentos médicos, sejam eles novos ingredientes ativos ou novos usos, os quais são submetidos a longos ensaios clínicos antes de receberem uma autorização de introdução no mercado.
l) O mesmo será referir que o Regulamento visa proteger todas as formas de investigação que conduzem a um novo medicamento e que requerem extensos ensaios clínicos.
m) Por outro lado, cumpre fazer notar que a interpretação do termo “produto” no parágrafo 11 do Memorando foi alargada quando o Regulamento (CE) no 1610/96 relativo à criação de um CCP para os produtos fitofarmacêuticos foi criado. O Regulamento foi modificado para que mesmo uma pequena modificação de um ingrediente ativo, como uma esterificação, possa resultar na concessão de um CCP, desde que a modificação seja resultado de investigações inovadoras, no sentido de patenteáveis.
n) Ora, no presente caso foi realizada muito mais do que uma “pequena modificação”. Na verdade, se o produto aprovado anteriormente não pode tratar a doença ou condição que é tratada pelo presente produto das Recorrentes deste CCP. Assim, para todos os efeitos, o produto da Recorrente é o equivalente a um produto completamente novo e a um "novo" ingrediente ativo, no sentido de que o uso de calcifediol na forma de liberação imediata não pode tratar SHPT no estágio 3, 4 de pacientes com doença renal crónica. Além disso, a patente reivindicando calcifediol nunca beneficiou de um CCP e este será o primeiro medicamento contendo calcifediol a ser elegível para um CCP e garantir um CCP pelas razões aqui declaradas.
o) Por seu lado, a AIM concedida para Rayaldee (medicamento de liberação controlada) compreende uma definição de produto que sai fora do âmbito das AIMs anteriores.
p) Por outras palavras, a indicação para tratamento de hiperparatiroidismo com calcifediol autorizado pela presente AIM é substancialmente diferente da indicação de tratamento de hipocalcemia autorizado pela AIM de Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles.
1) Tendo em conta o que antecede, o processo de aprovação que levou à AIM para Rayaldee é, portanto, praticamente uma aprovação autónoma de novo conduzida com os mais altos padrões de segurança possíveis como se fosse a primeira aprovação do ingrediente ativo calcifediol como tal.
r) O novo medicamento Rayaldee está autorizado para utilização no tratamento do hiperparatiroidismo, por meio de uma nova formulação de calcifediol de liberação prolongada (controlada), isto é, uma nova formulação que possibilita um novo uso terapêutico.
s) A inovação subjacente ao presente CCP diz, pois, respeito a um novo produto (comparável a um derivado), sendo também uma nova definição de produto em comparação com as AIM anteriores.
t) Contrariamente ao que sucede no caso Santen, a inovação refere-se ao medicamento Rayaldee, uma formulação (cápsula de liberação controlada) do ingrediente ativo calcifediol possibilitando um novo uso terapêutico para hiperparatiroidismo.
u) Assim, o efeito do ingrediente ativo calcifediol no novo medicamento Rayaldee é diferente do efeito do calcifediol nos medicamentos previamente aprovados Dedrogyl e Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles, que são formulações de liberação imediata.
v) Considerando esta diferença, outra não poderá ser a conclusão de que, no caso vertente, calcifediol em Rayaldee representa de facto um novo produto (comparável a um derivado).
w) Salvo melhor opinião, no caso Santen a AIM posterior não consubstanciava, de modo algum, um novo produto.
x) Acresce ao supra exposto que, à luz da legislação e do Regulamento, o caso Santen não deverá ser interpretado como limitativo, tendo em conta que no referido caso o TJUE ignorou que os parágrafos da introdução do Regulamento referem “medicamentos” e não “ingredientes”. No para. 57 do acórdão “Santen” (C-673/18) fala-se, erroneamente, em ingredientes
y) Na verdade, os considerandos 3-5 e 9 do Regulamento não se limitam ao desenvolvimento de novos ingredientes ativos ou novas combinações de ingredientes ativos, mas a novos medicamentos.
z) Por outras palavras, não se vislumbra no Regulamento qualquer intenção de circunscrever a sua aplicação apenas e só a ingredientes novos, mas a medicamentos, dando-se um sinal claro de que, não só no caso Santen – ainda que este não apresente caraterísticas análogas ao presente como vastamente se  demonstrou -, mas também no caso em apreciação, se deve fazer uma interpretação mais extensiva e atualista do Regulamento, designadamente da alínea d) do artigo 3.º e no nº 1 ou 2 do artigo 7.º do mesmo.
aa) Ainda que se reconheça o esforço do INPI e do tribunal a quo nesse sentido quando reconhecem existirem diferenças entre o presente caso e os casos Santen e Abraxis do TJUE, por estarmos uma nova aplicação terapêutica e uma nova formulação, o facto é que dessa realidade se devem tirar as devidas e lógicas consequência, sem qualquer receio, porque sustentado nos factos e nos objetivos do Regulamento: a conjugação de um novo uso e de uma nova formulação leva a conclusão de que estamos, na prática, perante um novo produto que não foi ainda objeto de qualquer AIM.
bb) Neste quadro, é, pois, incompatível com os objetivos do Regulamento, aplicar analogicamente o caso Santen ao presente caso, fundamentando deste modo a recusa do pedido de CCP n.º 1070.
cc) Por conseguinte, para efeitos do presente pedido de CCP, a AIM de Rayaldee deve ser considerada como a primeira autorização de introdução no mercado dentro do significado do art. 2, 3 (d), 7 e 13 (1) do Regulamento relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos.
dd) Portanto, para efeitos do Regulamento de CCP, calcifediol em Rayaldee e calcifediol em Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles, devem ser considerados como produtos diferentes, e um CCP deve ser concedido para o presente pedido.
ee) No sentido do que antecede, faz-se notar que um CCP baseado na mesma patente de base e na mesma primeira autorização de introdução no mercado para o medicamento Rayaldee, foi concedido em Itália.
ff) Com efeito, nestas jurisdições, e bem, o caso Santen não foi tido em consideração, pelo que, considerando tudo quanto se explicitou, também no presente caso se deve seguir a mesma linha de atuação e concluir pela não aplicabilidade do caso Santen ao presente pedido de CCP.
gg) Não parece justificado discriminar o presente caso de outros como o caso do palmitato de paliperidona, simplesmente porque o ingrediente ativo não foi modificado por ligação covalente, mas por interação não covalente com outras substâncias. O primeiro caso é uma modificação do éster e um pró-fármaco que perde essa ligação covalente in vivo, enquanto o caso atual é uma formulação de liberação modificada que leva ao tratamento de uma nova indicação - ambas as alternativas têm direito à proteção.
hh) Portanto, para efeitos dos Regulamentos CCP, calcifediol em Rayaldee e calcifediol em Dedrogyl ou Calcifediol Faes 0,266 mg cápsulas moles devem ser considerados como produtos diferentes.
ii) Assim, para efeitos do pedido de CCP, a autorização de introdução no mercado de Rayaldee deve ser considerada como a primeira autorização de introdução no mercado na aceção do Art. 2, 3 (d), 7 e 13 (1) do Regulamento e do art. 19 do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos.
jj) Em conclusão, deve, pois, ser concedido o presente pedido de CCP, independentemente dos julgamentos “Neurim”, “Abraxis”, “Santen”.
kk) Não está de acordo com o espírito do Regulamento que uma pequena modificação, como uma esterificação de um ingrediente ativo para liberação controlada para tratamento da mesma indicação, seja elegível para proteção CCP, mas o desenvolvimento de uma nova formulação de liberação controlada, que permite uma nova aplicação terapêutica do ingrediente ativo.
ll) Em síntese, considerando toda a argumentação expendida e tendo uma vez mais presentes os factos dados como provados, só com muito esforço se poderá concluir que o Tribunal a quo andou bem quando manteve a decisão do INPI no sentido de recusar o Certificado Complementar de Proteção nº 1070, com fundamento na falta de cumprimento dos requisitos constantes do Regulamento (CE) nº 469/2009 de 6 de maio de 2009, mais concretamente do disposto na alínea d) do artigo 3.º do Regulamento (CE) nº 469/2009 de 6 de maio de 2009.
mm) Com efeito, tendo em conta que a autorização de introdução no mercado anterior para calcifediol, ou seja, Dedrogyl, se destinar ao tratamento de hipocalcemia, e, diferentemente, o medicamento Rayaldee se destinar ao tratamento do hiperparatiroidismo, e apesar de no Regulamento não se fazer distinção entre aplicações terapêuticas, mas entre produtos (princípios ativos), o facto é que a nova aplicação terapêutica e a nova formulação, objeto de proteção do presente pedido de CCP, forma, no seu conjunto, um produto novo que não foi ainda objeto de qualquer AIM, pelo que a jurisprudência do TJUE, designadamente o Acórdão Santen, por não se reportar a um produto novo, não será aplicável ao caso vertente.
mm) Consequentemente, o requisito da al. d) do art. 3.º do Regulamento encontra-se evidentemente preenchido, pelo que o despacho de recusa do Certificado Complementar de Proteção nº 1070 deverá ser revogado e, em conformidade, CONCEDIDO, nos termos do n.º 2 do artigo 118.º do CPI.
Terminou sustentando a procedência do recurso e a revogação da sentença apelada, com a consequente concessão do pedido de CCP.
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – é a seguinte a questão a avaliar:
Porque o requisito constante da al. d) do art. 3.º do Regulamento (CE) nº 469/2009 de 6 de maio de 2009 se encontra preenchido no caso sob avaliação, o despacho de recusa do Certificado Complementar de Proteção nº 1070 deverá ser revogado e, em conformidade, concedido, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 118.º do Código da Propriedade Industrial?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que:
1. A recorrente é titular da Patente Europeia nº 2968172 B1.
2. Em 26 de Fevereiro de 2021 a Recorrente apresentou, junto do INPI, o pedido de CCP, tendo como patente de base a referida em 1, ao qual foi atribuído o Nº. 1070.
3. O CCP N.º 1070 refere-se a uma Autorização de Introdução no Mercado para o medicamento Rayaldee®, cujo princípio activo é o calcifediol.
4. Em 1 de Agosto de 1978 foi concedida uma AIM na Bélgica com o n.º BE111124 correspondente ao medicamento Dedrogyl®, que contém “calcifediol” como princípio activo.
5. Foram concedidas a AIM PT n.º 1/18/79 de 25 de Outubro de 1979 e a AIM PT n.º ES/H/0412/001/DC de 21 de Abril de 2017, relativamente ao “calcifediol” como princípio activo.
6. A 21 de Julho de 2020 foi concedida uma AIM no Reino Unido com o n.º PL 50784/0005-0001 /DE/H/5590/001/DC correspondente ao medicamento Rayaldee®, que contém “calcifediol” como princípio activo.
7. A 18 de Agosto de 2020 foi concedida uma AIM na Alemanha com o n.º 2202115.00.00 correspondente ao medicamento Rayaldee®, que contém “calcifediol” como princípio activo.
8. A 4 de Dezembro de 2020 foi concedida uma AIM em Portugal com o n.º DE/H/5590/001/DC correspondente ao medicamento Rayaldee®, que contém “calcifediol” como princípio activo.
9. A autorização de introdução no mercado anterior para o calcifediol, ou seja, Dedrogyl®, referia-se a hipocalcemia.
10. Diferentemente, no medicamento Rayaldee®, que constitui a base do presente pedido de CCP, o calcifediol está autorizado para utilização no tratamento do hiperparotidismo secundário em adultos com doença renal crónica Fase 3 ou 4 e insuficiência ou deficiência de vitamina D.
11. As cápsulas moles de 0,266mg de Dedrogyl® são caracterizadas por uma liberação rápida do fármaco e picos plasmáticos de calcifediol.
12. A indicação para tratamento de hiperparatiroidismo com calcifediol autorizado pela presente AIM é substancialmente diferente da indicação de tratamento de hipocalcemia autorizado pela AIM de Dedrogyl®.
13. O Rayaldee® permite a terapia do hiperparatireoidismo por meio de uma formulação de calcifediol de liberação prolongada (controlada).
14. Por força das diferenças entre o Rayaldee® e o Dedrogyl®, a Recorrente teve que iniciar e realizar um programa de ensaios clínicos completo e totalmente novo envolvendo ensaios de Fase I, II e III.
Fundamentação de Direito
Porque o requisito constante da al. d) do art. 3.º do Regulamento (CE) nº 469/2009 de 6 de maio de 2009 se encontra preenchido no caso sob avaliação, o despacho de recusa do Certificado Complementar de Proteção n.º 1070 deverá ser revogado e, em conformidade, concedido, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 118.º do Código da Propriedade Industrial?
Este Tribunal já se pronunciou sobre a matéria que constitui o núcleo central da discussão mantida nestes autos e a ele carreada. Fê-lo em decisão que partilhou o Relator com a presente, ou seja, no acórdão proferido na apelação n.º 231/22.2YHLSB.L1.
Afirmou-se aí, em termos que seria ocioso e desprovido de sentido e adequação reconstruir, que:
Mostra-se adequado o enquadramento técnico feito na decisão impugnada relativamente às finalidades associadas à consagração normativa do certificado complementar de protecção (CCP) para os medicamentos e à identificação da sua regulação normativa transversal e europeia no REGULAMENTO (CE) N.º 469/2009 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO. Não se justificam considerações complementares.
Quanto à sucessão de normas no tempo, elemento aqui relevante face à aprovação e entrada em vigor do Regulamento (UE) n.º 2019/933, de 20 de Maio de 2019, é inquestionável o acerto do Tribunal «a quo» ao considerar aplicável a primeira versão do Regulamento (CE) n.º 469/2009, já que foi em 19 de Fevereiro de 2018 que a Recorrente apresentou, junto do INPI, o pedido de CCP apreciado nos autos.
Os considerandos deste texto legal revelam, com clareza, os objectivos e interesses ponderados na sua elaboração, «herdados» já do encadeado normativo de Direito da União Europeia que o antecedeu, ou seja, do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992.
Entre tais pulsões de criação legislativa sobressai, com nitidez, a motivação central de incentivar e proteger as iniciativas de investigação no domínio farmacêutico com vista a encorajar a inovação, assim garantindo a melhoria da saúde pública.
Foi aí tida presente como problema a solucionar uma dificuldade muito concreta e visível do processo de concessão de patentes, a saber, a emergente do descolamento temporal entre o momento do depósito de um pedido de concessão de patente para um novo medicamento e o da autorização da sua introdução no mercado, descolamento esse gerador de insofismável prejuízo para os criadores de novos fármacos por força da compressão da amortização dos investimentos associados à investigação específica orientada para a sua criação.
Associada a esta preocupação surgiu a de proteger o mercado europeu dos medicamentos obviando à «fuga» e deslocalização de núcleos de investigação situados em solo da União.
A solução encontrada foi a de, afastando os ritmos de produção normativa e divergências conceptuais e estratégicas nacionais, criar um regime horizontal europeu de consagração e regulação do referido certificado. Para esse efeito, permitiu-se que a sua emissão pudesse ser solicitada a pedido do titular de uma patente nacional ou europeia.
Em síntese ideológica, extraímos do diploma que a solução escolhida consistiu na resposta óbvia e esperada: a de concessão de mais tempo através da atribuição, no período de alargamento, dos mesmos direitos que os tutelados e garantidos pela patente e da sujeição a idênticas limitações e obrigações.
No considerando n.º 10 do apontado Regulamento e na alínea d) do seu art. 3.º, o legislador europeu forneceu-nos noção expressa do objecto da tutela complementar, a saber, exclusivamente o produto inicialmente autorizado a entrar no mercado com o estatuto de medicamento (e em risco de perda de protecção).
Daqui se extrai um forte elemento interpretativo: o que se protege complementarmente é o produto e não o seu uso, a ontologia e não a sua revelação. Este dado aponta, de forma muito nítida, para a tutela complementar de propriedade industrial de um «princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento» (cf. a definição constante da al. b) do art. 1.º do texto de Direito da União em apreço) e não para a protecção de uma indicação ou conjunto de indicações terapêuticas.
É assim, seguramente, em termos de Direito constituído, sem prejuízo de «de jure condendo», se poder defender, também em atenção à necessidade de proteger o mercado e incentivar a investigação, a protecção da emergência da atribuição de novas utilidades terapêuticas a um fármaco anteriormente conhecido, antecedida de investigações autónomas e específicas relativas ao novo uso, geradoras de dispêndios relevantes. A verdade, porém, é que o legislador não quis que assim fosse. A semântica das palavras escolhidas e a gramática regente do seu uso não permitem concluir pela existência de vontade normativa de proteger mais do que o produto activo e suas associações. Não suscita particulares dificuldades interpretativas o quadro normativo analisado.
À luz do texto de Direito da União ora sob exegese, torna-se muito claro o acerto do directamente dele extraído pelo Tribunal «a quo» ao afirmar dois vectores essenciais emergentes da regulação aí contida, ou seja, que é pressuposto essencial da obtenção de um Certificado Complementar de Patente que «o produto tenha obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado» (cf. o considerando n.º 4 do texto europeu) e que essa autorização tenha sido «a primeira autorização de introdução do produto no mercado, como medicamento», sendo que «o produto não pode ter sido já objeto de um certificado». Quanto à noção do referido produto, fez-se já a necessária referência, supra.
A rejeição administrativa, confirmada pelo Tribunal recorrido, assentou na percepção de que a Autorização de Introdução no Mercado (AIM) referente à decisão C(2017)5888, relacionada com o pedido apreciado, não corresponderia à primeira AIM  para o produto «cladribina» por existirem AIM anteriores para outros medicamentos que contêm “cladribina” como princípio ativo (nomeadamente as AIM correspondentes aos medicamentos LEUSTATIN®  e LITAK®).
À luz do que se deixou dito e, sobretudo, face à definição de produto constante da al. b) do art. 1.º do Regulamento analisado e atendendo ao âmbito de aplicação enunciado no art. 2.º, que liga indissociavelmente um Certificado Complementar de Protecção a um produto e não a qualquer outra realidade, desenha-se como ajustado o concluído e decidido em primeira instância.
Os escolhos apontados como existentes no recurso que se aprecia, emergiriam, na tese da Recorrente, da existência de dois arestos de Direito da União Europeia alegadamente contraditórios e do facto de a Recorrente entender deverem ser aplicadas a construção e as soluções do primeiro não tanto por serem as melhores, as tecnicamente mais correctas (já que não demonstrou, de forma convincente, as fragilidades da declaração jurisprudencial posterior), as mais actualizadas, mas por corresponderem às que teriam motivado a sua actividade de criação e com que teria contado. Em suma, propôs a Impugnante que se confrontassem duas decisões judiciais europeias pretensamente colidentes, como se de normas jurídicas se tratasse, aplicando-se-lhes regras de sucessão das leis no tempo.
Concretizando, temos que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial sustentou o por si decidido no acórdão C-673/18, Santen, ECLI:EU:C:2020:531, de 09.07.2020, que declarou, a final:
O artigo 3.º, alínea d), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que uma autorização de introdução no mercado não pode ser considerada a primeira autorização de introdução no mercado, na aceção desta disposição, quando esta diga respeito a uma nova aplicação terapêutica de um princípio ativo, ou de uma combinação de princípios ativos, que já foi objeto de uma autorização de introdução no mercado para outra aplicação terapêutica.
A este propósito, o Tribunal de primeira instância chamou, bem, à colação, o enunciado no ponto 55 do referido aresto jurisprudencial, com o seguinte conteúdo:
Assim, resulta do ponto 11 da exposição de motivos visada no n.o 45 do presente acórdão que o legislador da União, ao instituir o regime do CCP, não pretendeu favorecer pesquisas farmacêuticas que deem origem à concessão de uma patente e à comercialização de um novo medicamento, tendo antes pretendido favorecer pesquisas que conduzam à primeira introdução no mercado de um princípio ativo ou de uma combinação de princípios ativos como medicamento (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2019, Abraxis Bioscience, C-443/17, EU:C:2019:238, n.º 37).
É clara a tomada de posição do TJUE.
É claro, também, como se enunciou supra, o regime por ele interpretado.
E uma e outro encontram-se, no aresto, em segura harmonia.
Sensibiliza, pela sua adequação à percepção da rarefação, no tratamento normativo, de abordagem distinta, a referência aí feita da seguinte forma:
Com efeito, a introdução de uma distinção entre diferentes aplicações terapêuticas, sem que este conceito esteja sequer definido neste regulamento, poderia conduzir estes institutos nacionais a adotarem interpretações complexas e divergentes da condição prevista nesta disposição.
Não sabemos, efectivamente, à luz do Regulamento, o que é, rigorosamente e de forma relevante para os seus efeitos, um distinto uso medicinal de um mesmo princípio activo.
A mesma interpretação estrita e rigorosa havia já sido afirmada pelo referido Acordão Abraxis (…) em 21.03.2019, ainda que num quadro fáctico distinto por estar em causa uma nova formulação de um princípio activo antigo (nab-paclitaxel, constituído pelo princípio ativo e por um transportador desprovido de efeitos terapêuticos próprios). De qualquer forma, a ausência de efeitos autónomos do mero transportador sempre acabaria, pela neutralidade do seu concurso, por tudo reconduzir à mera repetição do princípio activo, ou seja, a um contexto idêntico ao agora apreciado.
Do outro lado, estaria o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia que, alegadamente, teria criado na Recorrente legítimas expectativas de distinto desfecho e cujo entendimento mereceria, pois, repristinação com vista à sua aplicação no caso presente.
Essa decisão era o acórdão do TJUE de 18 de Julho de 2012, Neurim Pharmaceuticals (1991), C-130/11, ECLI:EU:C:2012:489, que enunciara:
1) Os artigos 3.° e 4.° do Regulamento (CE) n.° 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, devem ser interpretados no sentido de que, num caso como o do processo principal, o simples facto de existir uma autorização de colocação no mercado anterior obtida para o medicamento para uso veterinário não se opõe a que seja emitido um certificado complementar de proteção para uma aplicação diferente do mesmo produto para a qual foi emitida uma autorização de introdução no mercado, desde que essa aplicação se enquadre no âmbito da proteção conferida pela patente de base invocada em apoio do pedido de certificado complementar de proteção.
Na tese da Recorrente, não deveria ser aplicada ao caso apreciado a solução Santen mas a emergente deste acórdão Neurim porquanto, no momento da apresentação do pedido de emissão do CCP, aquela ainda não tinha sido revelada.
Justificaria, ainda, a sua dissensão a sua convicção de ser muito distinto o enquadramento fáctico do presente processo e do respectivo pedido de tutela complementar por a anterior autorização de introdução no mercado para cladribina, designadamente Litak®, se referir à leucemia das células pilosas e, no Mavenclad®, que constitui a base do pedido de CCP apreciado, a cladribina estar autorizada para a esclerose múltipla o que envolveria, pois, indicação totalmente distinta (id est, indicação  absolutamente não relacionada com a oncológica previamente autorizada).
Teria sido, justamente, essa diversidade de indicações que teria imposto a necessidade de a Recorrente iniciar e executar um programa de ensaios clínicos completo e inteiramente novo face ao executado relativamente ao Litak®. Aliás, o desenvolvimento clínico do Mavenclad® teria ocorrido muito antes de a decisão Santen ter sido proferida, pelo que a Recorrente apenas podia contar, então, com a interpretação Neurim que ditava que, no momento da apresentação do pedido CCP No. 884, o requisito enunciado na al. d) do art. 3.º alínea d) estaria satisfeito.
Não se divisa, no Regulamento interpretando, a proposta distinção entre indicações totalmente diversas e aplicações terapêuticas próximas, sendo que ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus. Conforme acima se afirmou por remissão para o regime do art. 2.º, são os produtos protegidos que podem ser objecto de um CCP. Em  ponto algum do mesmo encadeado normativo se inculca distinta leitura.
Como bem recordou o acórdão Santen, o conceito de princípio activo remete para o de substâncias providas de um efeito terapêutico próprio (cf. o seu ponto n.º 42). A esse propósito, bem referiu o aresto (nos pontos 43 e 44), que:
(…) resulta de uma leitura conjunta do artigo 1.o, alínea b), e do artigo 4.o do Regulamento n.º 469/2009 que o conceito de «produto», para efeitos da aplicação do referido regulamento, deve ser entendido como o princípio ativo ou a associação de princípios ativos contidos num medicamento, sem que tenha de se limitar o respetivo alcance a apenas uma das aplicações terapêutica às quais tal princípio ativo, ou a que tal combinação de princípios ativos, pode dar origem.
(…) a proteção conferida ao produto pelo CCP, embora só abranja o produto coberto pela AIM, é em contrapartida válido para qualquer utilização deste produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes de expirado o CCP. Daqui resulta que o conceito de «produto», na aceção do Regulamento n.o 469/2009, não depende da forma de utilização deste produto e que o destino do medicamento não constitui um critério determinante para a concessão de um CCP
Esta leitura não só tem claro suporte normativo com também não é nova nem surpreendente. Com efeito, já nos pontos 19 e 20 do acórdão C-31/03, Pharmacia Italia SpA, de 19 de Outubro de 2004, bem anterior ao pedido de CCP aqui apreciado, se enunciava o que não podia ser ignorado pela Recorrente e, logo, deveria mitigar a formação da confiança na linha sustentada no recurso, da seguinte foma:
(...)
– em conformidade com o artigo 4.° do regulamento, a protecção conferida pelo certificado se estende apenas ao produto abrangido pela AIM do medicamento correspondente, para todas as utilizações do produto como medicamento, que tenham sido autorizadas antes do termo do certificado.
20 Daqui resulta, por um lado, que o critério determinante para a passagem do certificado não é o destino do medicamento e, por outro, que o objecto da protecção conferida pelo certificado diz respeito a toda e qualquer utilização do produto, como medicamento (…).
(…)
Acresce que se assim não fosse e não relevasse a jurisprudência mais recente, então sempre a Recorrente teria que atender a aresto anterior acima invocado que tudo centrava, devidamente, no produto e não na ulterior definição terapêutica específica.
No quadro descrito, irrecusavelmente, a última afirmação interpretativa feita no Acórdão deveria ser tida em consideração, como foi, pelos órgãos decisórios internos quando convocados a definir o sentido do Direito constituído e a aplicá-lo.
Este contexto-regra apenas é afastável sob um circunstancialismo realmente excepcional, conforme assinalado no Acórdão Torsten Hein acima apontado, nos termos que ora se patenteiam:
Só a título verdadeiramente excecional pode o Tribunal de Justiça, aplicando o princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Para decidir esta limitação, é necessário que estejam preenchidos dois critérios essenciais, a saber, a boa-fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (Acórdão de 22 de setembro de 2016, Microsoft Mobile Sales International e o., C-110/15, EU:C:2016:717, n.º 60 e jurisprudência aí referida).
Ora, sendo as circunstâncias associadas excepcionais, taxativas e cumulativas e não se preenchendo, in casu, o pressuposto «risco de perturbações graves», é inelutável concluir não poder ser afastada, aqui, a regra da plena aplicação temporal da interpretação Santen SAS, realizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a todo o espaço temporal posterior à entrada em vigor das normas por si interpretadas.
Assim sendo, como insofismavelmente é, assistiu inteira razão ao Tribunal  que proferiu a decisão criticada ao concluir que a derrogação excepcional do regime de ilimitada abrangência temporal da jurisprudência da União sempre teria que ser realizada pelo TJUE (e não por um qualquer órgão jurisdicional nacional) «por forma a garantir a igualdade de tratamento dos Estados Membros e o próprio princípio da segurança jurídica» e o funcionamento do «princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União». Neste sentido se pronunciou o Acórdão C-104/98, Buchner no seu ponto n.º 39, na senda de justificação da inexistência de limitação dos seus efeitos no tempo.
Tudo se reconduz, na análise proposta, à noção de «produto» enunciada na al. c) do art. 1.º do Regulamento de forma lapidar e claramente enunciadora de conteúdos e exclusões. Aí (e é esse o conceito que importa por ter sido fornecido directamente pelo legislador), «produto» é, exclusivamente, sinónimo de princípio activo ou associação de princípios activos. Nada mais.
Não está aqui compreendido um novo uso terapêutico ou uma nova formulação ou ambas. Ou o princípio activo é distinto ou não é. O mais é argumentação contra evidências e conceitos claros.
De jure condendo, não chocaria que o legislador tivesse ido por outra via e que, por tal razão, o acórdão do TJUE de 18 de Julho de 2012, Neurim Pharmaceuticals (1991), C-130/11, ECLI:EU:C:2012:489, recuperasse sentido já que poderão divisar-se razões de tutela da investigação geradora de custos, orientada para a definições de outros usos ou distintas formulações.
Mas a verdade é que o dito legislador não foi por esse caminho.
E a jurisprudência só podia espelhar essa sua opção já que não cabe aos Tribunais realizar interpretações ab-rogantes e criar regras e noções colidentes com o Direito positivado.
A al. d) do art. 3.º do apontado Regulamento integrante do Direito da União Europeia refere expressa e inequivocamente «produto». E essa menção não pode, a nenhuma luz, ser considerada como errónea, feita por lapso, querendo dizer mais ou outra coisa do que claramente expresso, já que surge, no diploma em que se integra, apenas separada por um artigo da definição expressa, específica e rigorosa do objecto interpretativo.
Não faria qualquer sentido atribuir um significado muito próprio e fechado ao conceito na al. b) do art. 1.º para, um artigo depois, usar o vocábulo corporizador de forma imprópria e conceptualmente deslocada da definição acabada de fornecer.
Num contexto tão preciso é, salvo o desrespeito devido, puro nefelibatismo jurídico ou excesso de parcialidade sustentar que um novo uso não caberia aí mas nova formulação já nele se compreenderia.
Sobretudo, o desfoque agrava-se quando se sabe que a Recorrente desenvolve a sua actividade no âmago da indústria farmacêutica. Assim sendo, como poderia a mesma confundir novo uso, nova formulação e novo princípio activo?
Uma formulação é um conceito relacional. Reporta-se ao acto de formular. E formular é estabelecer uma fórmula, um critério de produção e disponibilização de algo. E esse algo, não o poderá ignorar uma sociedade farmacêutica, é, justamente, um princípio activo mais ou menos transmutado. É o aludido princípio que recebe novo desenho de produção.
Foi, justamente, o princípio activo aquilo a que o legislador atribuiu a posição de referente de distinção entre o novo e o já existente. Por isso, não redigiu uma única alínea do art. 3.º do Regulamento sob menção sem referir a palavra «produto». E «produto» era, para ele, «o princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento», conforme afirmara no art. 1.º
Ora, a Recorrente, como bem sabe, não inventou nenhum novo princípio activo, logo não criou um novo produto, logo nunca poderia ignorar que não preencheu a «fattispecie» da al. d) do referido art. 3.º.
E não salva esta limitação, que não poderia deixar de conhecer, a invocação de interpretação jurisprudencial abandonada, a negação do efectivo conteúdo das normas ou a pertinaz tentativa de produzir um neologismo e uma neo-semântica forçados e desprovidos de sustentação técnica – quer jurídica quer farmacológica – que forneceria a peregrina «equação» salvadora: novo uso + nova formulação = novo produto.
Ao fazê-lo, além de se desviar da mandatória técnica multi-sectorial convocada – com o fito cego de de resolver o seu problema a todo o custo e através de solução forçada – a Recorrente lograria retirar – se convencesse o Tribunal da bondade da sua proposta – toda a utilidade diferenciadora à noção «princípio activo» (que deixaria de fazer sentido e gerar distinção) assim abrindo a porta (ou a arca de Pandora) ao encarniçamento na busca de novas formulações associadas a meros re-desenhos quantitativos, aposta em novos usos para, afinal, eternizar uma patente sem recurso a um real processo inventivo, genuinamente criativo, gerador de um fármaco novo, de um distinto conjunto de moléculas de inovador relevo terapêutico, consabidamente dispendioso e insofismavelmente essencial para a saúde pública, a sociedade e o mercado específico.
Não é legítima interpretação extensiva que alargue a noção rigorosa de produto por forma a abranger realidade que nenhuma relação tem com o definido.
Não há confusão possível entre princípio activo e formulação distinta de um princípio anterior.
A fórmula ou formulação de produção alterada não gera um novo princípio activo, antes se afirma no quadro de um mesmo e único princípio.
Da mesma forma, o novo uso não faz emergir um novo produto usado.
Não estamos, também, perante um derivado já que não ocorre, na situação apreciada, qualquer reconversão ou transformação material do conjunto molecular que constitui o princípio activo não sendo, pois, legítima a menor confusão a este nível e menos o sendo a miscigenação de significados.
Não há coincidência entre conformação da composição quantitativa e qualitativa do medicamento e transformação intrínseca do material constitutivo.
Face aos factos provados (vd., sobretudo, o que ostenta o n.º 4), teve inteira razão o Instituto Nacional da Propriedade Industrial ao afirmar que:
(…) nenhuma das AIMs apresentadas com o presente pedido (AIM obtida na Alemanha n.º 2202115.00.00, com data de 2020/08/18 ou AIM obtida no Reino Unido n.º DEH5590001DC, com data de 2020/07/21) corresponde à 1.ª AIM na Comunidade para o produto solicitado “calcifediol”, visto que foram concedidas outras autorizações de introdução no mercado anteriores para outros medicamentos contendo “calcifediol” por autoridades competentes no EU/EEE/EFTA. Refere-se, como exemplo, a AIM n.º BE111124 que foi concedida na Bélgica em 1/08/1978 para o medicamento Dedrogyl® contendo “calcifediol”.
Mais  a teve quando considerou tal realidade como elemento relevante do quadro obstativo à emissão do certificado complementar de protecção para medicamento, pedido.
Também o Tribunal «a quo» andou bem ao lembrar, invocando o acórdão Santen, que o que o legislador buscou, ao erigir o regime do certificado complementar de protecção para medicamentos (CCP), foi favorecer pesquisas que conduzam à primeira introdução no mercado de um princípio ativo e não a uma patente e à comercialização de um novo medicamento.
Responde-se, em consequência, negativamente à questão proposta.
O recurso não tem condições de procedência.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos o recurso improcedente e, em consequência, negando-lhe provimento, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Apelante.
*
Lisboa, 04.02.2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Eleonora M. P. de Almeida Viegas
Armando M. da Luz Cordeiro