CRIME DE VIOLAÇÃO
MEIOS DE PROVA
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MEDIDA DA PENA
Sumário

I–A prova da factualidade subsumível ao crime de violação pode ser feita por qualquer um dos meios de prova legalmente admissíveis, e não apenas por meio de exame médico-legal.

II–Não sendo indispensável à prova dos factos a realização de exame médico, e mostrando-se a apreciação feita pelo Tribunal a quo racional, objetiva, motivada e com respeito pelas regras da experiência comum, inexiste qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova ou do princípio “in dubio pro reo”.
III–Os crimes de violência doméstica e de violação atentam contra bens jurídicos pessoais e muito relevantes, e ponderando a avaliação do ilícito global perpetrado, e a sua relação com a personalidade do arguido, reconhece-se que o conjunto dos factos evidencia na situação em apreço um ilícito global bastante desvalioso, o que se refletirá na pena única a aplicar, apesar da ausência de antecedentes criminais do arguido.
(Sumário da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


I.1–No âmbito do processo comum coletivo nº 958/22.9PBBRR, que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Almada, Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 30.11.2023, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo [transcrição]:

VDecisão:
Tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas, decide-se:
Julgar a acusação pública procedente e, consequentemente:
-Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CP, na pena de três anos e seis meses de prisão.
-Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 2, al. a), do C.P. na pena de seis anos de prisão.
-Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, pessoalmente ou por qualquer meio, estando ao arguido vedado o acesso à residência da ofendida ou ao seu local de trabalho nos termos do art. 152.º, n.º 4 e 5, do C.P., pelo período de três anos e seis meses, sendo que tal pena será acompanhada de vigilância eletrónica sempre que o arguido se ausentar do estabelecimento prisional por medidas de flexibilização da pena.
-Condenar o arguido na pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção da violência – art, 152.º, n.º 4, do C.P..
-Em concurso jurídico das penas supra referidas entende-se condenar o arguido na pena de sete anos e seis meses de prisão.
-Condeno o arguido AA no pagamento à ofendida BB da quantia de € 10.500 (dez mil e quinhentos euros) a título de reparação pelos prejuízos àquela causados, que será tida em conta em eventual ação que venha a conhecer de pedido de indemnização civil, nos termos do art.° 82.°-A do C.P.P. e 21.°, n.º 1 e n.º 2, do Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro.
- Condena-se o arguido em 3 UC´s de taxa de justiça.
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I.2Recurso da decisão

Inconformado com tal decisão dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação o arguido AA, com os fundamentos expressos na motivação da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“CONCLUSÕES
I.O arguido foi condenado pela prática de um crime:
II. de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CP, na pena de três anos e seis meses de prisão.
III. de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 2, al. a), do C.P. na pena de seis anos de prisão.
IV.– Foi ainda condenado na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, pessoalmente ou por qualquer meio, estando ao arguido vedado o acesso à residência da ofendida ou ao seu local de trabalho nos termos do art. 152.º, n.º 4 e 5, do C.P., pelo período de três anos e seis meses, sendo que tal pena será acompanhada de vigilância eletrónica sempre que o arguido se ausentar do estabelecimento prisional por medidas de flexibilização da pena.
V.na pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção da violência – art, 152.º, n.º 4, do C.P..
VI.Em concurso jurídico das penas supra referidas entende-se condenar o arguido na pena de sete anos e seis meses de prisão.
VII.Condeno o arguido AA no pagamento à ofendida BB da quantia de € 10.500 (dez mil e quinhentos euros) a título de reparação pelos prejuízos àquela causados, que será tida em conta em eventual ação que venha a conhecer de pedido de indemnização civil, nos termos do art.° 82.°-A do C.P.P. e 21.°, n.º 1 e n.º 2, do Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro. - Condena-se o arguido em 3 UC´s de taxa de justiça.
VIII. Tal pena é excessiva já que não teve em conta todas as circunstâncias atenuantes.
IX. A favor do arguido temos o facto do mesmo ser primário, a sua confissão e ainda o facto de o tribunal reconhecer a sua estruturação familiar, integração social e laboral.
X. Mas também temos como circunstância atenuantes não apenas o facto do arguido ser primário e estar integrado social e profissionalmente,mas também o facto do arguido ser um jovem, hoje com 23 anos e à data que os factos tiveram inicio 21, ser pai, alimentar dois filhos menores, padecer de doença referenciada pelo próprio e pelo seu irmão que o impediu de ir à escola, ser praticamente analfabeto, não ter uma verdadeira consciência da ilicitude, da arguida o ter “chamado “ diversas vezes depois de ele ter terminado com ela a relação conflituosa e tóxica e ter ido viver para a casa do irmão.
XI.O que não foi tido em consideração pelo Tribunal em clara violação do artigo 70º e segs do CP
XII.O tribunal violou o preceituado no artigo 70, 71 e 72º do C. Penal.
XIII.As penas têm por finalidade a proteção dos bens jurídicos mas também a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º) e a medida da pena é concretizada nos termos do artigo 71º e 72.
XIV.Assim e porque se entende que foram violados os artigos70, 71 e 72º e o artigo 164.º, n.º 2, al. a), C. Penal se pede a Vossas Excelências Venerandos Desembargadores que ao Arguido seja reduzida a pena que lhe foi aplicada.
XV.Mais se pede por aplicação do princípio in dúbio pro reo que seja absolvido da prática do crime de violação uma vez que não existe exame médico, o qual era possível ser realizado, aliás foi-lhe recomendado pela PSP, as versões são contraditórias e nas próprias declarações refletidas nos fatos provados é possível ficar com duvidas, veja-se a titulo de exemplo 39 e 40 .
XVI.Assim não devem, ser dados como provados os factos enunciados sob os números 24 a 30
XVII.Assim, e porque foram violados os artigos 50º e segs do CP se pede a V.Exa que suspendam a pena que aplicarem ao arguido por igual período com sujeição ao regime da prova.
XVIII.Como relembrou recentemente o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça relativamente a uma crónica de Fernão Lopes que citava D. Pedro I:
“As Leis e a justiça são como a teia de aranha, Se nela caem os mosquitos pequenos, aí ficam retidos e morrem; Se nela caem as moscas grandes, que são ,mais rijas, rompem a teia e vão-se. A lei e ajustiça apenas se cumprem nos mais pobres; os outros, que tem ajuda e socorro, dela escapam “
X—X—X
Nestes termos nos melhores de Direito e sempre com o muito Douto suprimento de V.Exas Venerandos Desembargadores se pede a revogação do Acórdão recorrido e que.
Seja absolvido do crime de violação por aplicação do principio in dúbio pro reo.
A pena aplicada ao arguido seja atenuada ou especialmente atenuada e reduzida e seja suspensa;
Com a sujeição ao regime de prova e no afastamento da ofendida da sua casa e do seu local de trabalho e todas as outras medidas que Vossas excelências entendam por justas e adequadas
Assim será feita Justiça”.
*

O recurso foi admitido nos termos do despacho proferido a 09.01.2024
*

I.3Resposta ao recurso

Efetuada a legal notificação veio o Mº Público responder, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“III–CONCLUSÕES
1)- Ao contrário do alegado pelo recorrente, nenhum reparo merece o Douto Acórdão proferido, entendendo-se que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento conjugada com os documentos constantes dos autos foi correctamente apreciada.
Não se mostram violados os dispositivos legais mencionados, pelo que deverá o douto Acórdão ser mantido na integra.
2)- Não deve ser admitido o recurso interposto sobre matéria de facto.
A recorrente não especifica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas.
Não o fazendo e mostrando-se violado o disposto no artigo 412.º, n.º 3, e 4, do C.P.P., pelo que não deve ser admitido o recurso no que concerne à matéria de facto.
3)- A prova produzida em julgamento foi apreciada livremente pelo julgador e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova art. 127.º, do C.P.P., mostrando-se a mesma apreciação devidamente fundamentada em sede do douto acórdão sob recurso.
4)- O que a recorrente faz, é elencar parte de prova, indicando genericamente documentos, e outros, passagens, nada transcrevendo, (matéria que foi também objeto de apreciação por parte do Tribunal) e, fora do demais contexto de toda a prova produzida, coloca em causa toda a matéria de facto constante da douto acórdão e que serviu de base à condenação, o que é inadmissível.
A matéria de facto dada como provada, alicerçada na motivação constante do douto acórdão, isenta de qualquer reparo, é suficiente para impor a condenação ao arguido pela prática dos ilícitos criminais pelos quais vinha acusado.
5)- Na verdade, no que concerne à prova do crime de violação, embora podendo constituir um elemento importante, o exame clínico não constitui um elemento imprescindível de prova.
6)- A não ser assim, e perfilhando-se entendimento diverso, na ausência do exame clínico seria impossível ao julgador dar como provados os elementos do tipo objetivo do crime de violação.
7)- Nos presentes autos o julgador fundou a sua convicção para a matéria de facto assente, com base na prova testemunhal, nas declarações da assistente ofendida, e nas regras da experiência comum, nos termos proficuamente explanados na motivação da matéria de facto assente.
Assim, de toda a prova conjugada, parece-nos não existir dúvidas de que o arguido, com a sua atuação, preencheu os elementos objetivos e subjetivos dos tipos de crimes de que se mostrava acusado e pelos quais veio a ser condenado (ainda não transitado).
8)-No douto Acórdão, para efeitos das penas concretas aplicadas ao arguido, foram exaustivamente ponderados os critérios consignados no art. 71.º, do Código Penal, pelo que considerando todos os factos provados, a pena aplicada ao arguido, é adequada à culpa, e às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
9)- Andou bem em nossa opinião o Tribunal a quo ao impor a condenação nos termos precisos em que o fez.
10)- As penas aplicadas ao arguido são adequadas às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
Se nos presentes autos fossem impostas ao arguido penas de natureza diferente ou inferiores às aplicadas, tais penas não realizavam de forma eficaz a proteção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime visa salvaguardar, bem como a necessidade de demover o arguido da prática de futuros crimes.
Pelo que deve o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se, na íntegra, o douto Acórdão sob recurso.
V. Ex.as, decidindo, farão JUSTIÇA!”
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I.4– Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos seguintes termos [transcrição]:
“Condenado na pena única de 7 anos e 6 meses, pela prática de um crime de violência doméstica agravado e de um crime de violação (além de outras penas acessórias), vem o arguido apelar a melhor justiça junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
O arguido anuncia querer contestar a matéria de facto e de direito, porém limita-se a transcrever o relatório social, donde pretende retirar circunstância atenuantes, que justificariam uma atenuação da pena, a suspender em todo o caso.
O MP junto da primeira instância respondeu ao recurso, detalhando os motivos pelos quais o recurso, que nem sequer deveria ser recebido na sua vertente de contestação da matéria de facto, terá forçosamente que improceder.
O signatário é do entendimento de que o acórdão em causa não merece nenhuma censura, casando bem as debilidades pessoais do arguido com a dosimetria encontrada para a pena – quando não pena mais grave se exigiria.
Deve assim o recurso em apreço ser rejeitado e confirmado o, aliás, douto acórdão.
A final, porém, melhor se dirá.
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I.6Resposta

Dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir:
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II–Fundamentação

II.1-Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante, designadamente, do STJ [Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 processo nº 18/05.7IDSTR.E1.S1 e 19/05/2010, processo nº 696/05.7TAVCD.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal [Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95].
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
• Erro de julgamento não devendo ser dados como provados os factos constantes dos pontos 24 a 30 dos factos provados.
• Da violação do principio in dubio pro reo devendo o arguido ser absolvido do crime de violação pelo qual foi condenado.
• Da atenuação especial da pena aplicada.
• Da violação do art. 50º do Código Penal, devendo a pena aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução.
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II.2–Da decisão recorrida

Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar a fundamentação de facto da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]:

2.1- Matéria de Facto Provada
De relevante para a discussão da causa, resultou o seguinte circunstancialismo fáctico:
1.- A ofendida BB e o arguido AA iniciaram uma relação de namoro em junho de 2021 com coabitação.
2.- Fixaram residência numa habitação que a ofendida arrendava na ....
3.- A relação foi pautada por sucessivos períodos de separações.
4.- Arguido e ofendida chegaram a viver juntos durante um mês, após o que se separavam durante cerca de uma semana e, após, retomavam o relacionamento.
5.- Em algumas das separações foi BB quem telefonou ao arguido para regressar, retomando os mesmos a relação.
6.- A relação foi pautada por discussões no decurso das quais o arguido apelidava a ofendida de "puta, prostituta, vadia, colocas o corno em mim, és fácil, devias colocar anúncio, és suja, uma prostituta tem mais valor do que tu porque ela é assumida, e tu ficas aqui a fazer de séria, mas não prestas."
7.- Nessas discussões, o arguido proferia, ainda, sempre as seguintes expressões "eu vou te matar, vou te queimar o carro, mato te e apanho a pena máxima de 25 anos e saio, e continuo a minha vida."
8.- O arguido discutia com a ofendida por ciúmes, sendo que se a mesma não atendesse uma chamada do arguido, tal era motivo de discussão.
9.- O arguido controlava o telemóvel, pegando nele para ver a quem ligava e com quem falava, sendo que BB também verificava o telemóvel do arguido para verificar se o mesmo tinha algum outro relacionamento com outras mulheres.
10.- Por medo do arguido, a ofendida deixou de atender chamadas quando o mesmo estava junto desta.
11.- Em data não concretamente apurada, mas no decurso da relação, o arguido trancou-se no interior do quarto com a ofendida, tendo-a agredido com murros na cabeça e apertado o pescoço.
12.- No dia 01.12.2021, pela manhã, quando a ofendida estava na casa de banho a tomar banho, o arguido entrou, e de repente, apertou-lhe o pescoço e disse-lhe que queria manter relações sexuais com a mesma, o que aquela recusou, acabando por a deixar.
13.- No dia 11.12.2021, pelas 23h30, o arguido, usando as chaves de casa, entrou e uma vez no interior, partiu a televisão e o telemóvel da ofendida.
14.- Em data não concretamente apurada, numa discussão, o arguido voltou a partir uma televisão e o telemóvel da ofendida.
15.- Em data não concretamente apurada, mas durante a relação, o arguido voltou a partir o telemóvel da ofendida.
16.- No dia 29.01.2022, pelas 20h10, quando se encontrava na linha do metro, na estação do ..., em Lisboa, e estando ambos zangados, o arguido desferiu vários murros no peito e na cabeça da ofendida, dando-lhe, ainda, pontapés nas pernas.
17.- Devido à violência dos golpes, a ofendida caiu no solo, tendo aquele continuado a desferir pontapés e murros no corpo daquela, acabando por perder momentaneamente os sentidos, tendo tido necessidade de receber tratamento, pelos bombeiros, tendo BB se recusado a ser transportada para o hospital.
18.- No dia 24.06.2022, pelas 16h30, em virtude da ofendida não lhe ter aberto a porta, o arguido partiu-a a pontapés, entrou e começou a bater naquela, desferindo-lhe murros nas costas e na face, apertando-lhe o pescoço, deixando-a com dificuldades em respirar.
19.- A ofendida ficou com hematomas no rosto, no lábio inferior e nas costas na zona da cintura, o que lhe causou dores.
20.- No dia 14.08.2022, pelas 1h00, após ter estado numa festa com o arguido no ... e na sequência de mais uma discussão BB decidiu abandonar o arguido e regressar para o seu veículo que se encontrava estacionado próximo do “...”.
21.- Quando esta já se encontrava no interior do seu veículo, o arguido abordou-a.
22.- Com medo, a ofendida trancou-se dentro do carro, sendo que o arguido a ameaçou que, se não abrisse ia partir o vidro, e, nessa altura, agarrou numa pedra, pronto para a atirar.
23.- Mais uma vez com medo, a ofendida acabou por abrir a porta, e uma vez no interior do veículo, o arguido deu murros na cabeça de BB, agarrou na cabeça daquela e mordeu-lhe o nariz, o que provocou de imediato um sangramento abundante naquela zona.
24.- Em acto contínuo, o arguido disse-lhe "agora quero foder", obrigou-a a ir para parte de trás do veículo e manteve relações sexuais com a ofendida contra a sua vontade.
25.- O arguido abriu-lhe as pernas à força, baixou-lhe as calças que trazia vestida e as cuecas, ao mesmo tempo que lhe colocou a mão no pescoço.
26.- Quando se apercebia da presença de pessoas próximo do veículo onde se encontravam, o arguido colocava a mão na boca da ofendida para que aquela não pudesse pedir auxílio.
27.- Enquanto isso, a ofendida dizia ao arguido que não queria, ao que quele respondia "tu vais ficar aqui quieta".
28.- De seguida, introduziu o seu pénis erecto na vagina, sempre contra a vontade da ofendida, a qual chorava.
29.- O arguido continuou a penetrar a ofendida, efetuando movimentos de vai e vem típicos de cópula, acabando por ejacular dentro da vagina daquela.
30.- Depois de ejacular, o arguido urinou por cima do corpo da ofendida, atingindo-a nas pernas.
31.- Nesse dia, o arguido também lhe partiu o telemóvel.
32.- No dia 17.08.2022, pelas 23h24, o arguido deslocou-se à casa da ofendida, usando as chaves de entrada, entrou dentro do quarto e disse "tu não estás aqui a foder com ninguém sua filha da puta", e foi-se embora.
33.- O arguido entrava frequentemente dentro de casa da ofendida de forma inopinada e sem avisar.
34.- Para evitar a entrada do arguido, a ofendida mudou pelo menos duas vezes a fechadura de casa.
35.- No dia 23.08.2022, pelas 22h00, o arguido deslocou-se à casa da ofendida, revirou a zona da sala e da cozinha e depois de encontrar o telemóvel da depoente levou-o consigo à procura de um vídeo de cariz sexual daquele.
36.- Em data não concretamente apurada o arguido ficou à espera de BB dentro de casa e quando esta chegou questionou-a sobre onde tinha ido.
37.- Ato contínuo o arguido obrigou a ofendida a despir-se toda, após o que lhe pôs os dedos dentro da vagina para cheirar, para saber se tinha estado com outra pessoa e tinha mantido relações sexuais
38.- Em data não concretamente apurada, fazendo uso de uma garrafa o arguido atingiu a ofendida na região da cabeça.
39.- Em datas não concretamente apuradas, BB recusou manter relações sexuais com o arguido por estar demasiado cansada, mas após a mesma ter adormecido o arguido manteve relações sexuais com esta, tendo BB acordado com aquele em cima dela, estando a penetrá-la com o seu pénis erecto dentro da vagina, efetuando movimentos de vai e vem de cópula, ejaculando dentro da vagina da ofendida.
40.- Em algumas das situações referidas em 39) BB acabou por participar ativamente no ato sexual e em outras suportou a conduta do arguido, não manifestando a sua discordância com tal ato por ter medo da reação do mesmo.
41.- O arguido sabia que estava a molestar física, psicológica e sexualmente a ofendida, humilhando-a, provocando dores, criando terror e receio pela sua vida e integridade física, ofendendo-a na sua dignidade de pessoa humana, o que quis e logrou alcançar, bem sabendo o arguido que com esta mantinha uma relação análoga às dos cônjuges.
42.- Mais sabia que a humilhava e a ofendia na sua honra e consideração pessoal, o que conseguiu, bem sabendo que as expressões por si proferidas e atitudes adotadas são adequadas a causar medo, receio e inquietação e de lhe limitar a sua liberdade de movimentação e a sua liberdade sexual, de se relacionar com quem entendesse e de lhe causar sentimentos de vergonha e humilhação.
43.- O arguido sabia que estava a usar a sua superioridade física para obrigar a ofendida a manter com ele contactos sexuais, nos termos dados como provados.
44.- O arguido sabia dever uma especial obrigação de respeito à ofendida, por ser sua companheira e que ao praticar os actos acima descritos no interior da residência conjugal, os tornava particularmente gravosos.
45.- O arguido sabia que, ao deferir pontapés na porta e ao atirar para o chão os telemóveis bem como a televisão, estava a estragar tais objectos que não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade e consentimento da ofendida, sua legítima proprietária, o que fazia também para humilhar, diminuir a ofendida bem como lhe provocar medo e terror.
46.- Como consequência do comportamento do arguido, e da violência e intimidação utilizada, a ofendida viveu num estado de ansiedade, angústia e de terror.
47.- O arguido quis estragar os referidos objectos, o que logrou com aqueles seus comportamentos.
48.- Ao actuar da forma descrita em 20) a 30), o arguido sabia que estava a usar a sua superioridade física e o medo que incutiu à ofendida ao agredi-la, para a obrigar a manter com ele relação sexual de cópula vaginal, mesmo sabendo e tendo consciência da sua oposição verbal e corporal, ao que foi indiferente, sabendo que, ao fazê-lo, colocava em causa a liberdade sexual daquela.
49.- O arguido quis, recorrendo à sua força física e após a ter agredido, colocando-a na impossibilidade de resistir e de fugir, por estar dentro de um veículo automóvel, satisfazer os seus instintos libidinosos, colocando em causa a liberdade sexual da ofendida, o que conseguiu.
50.- Em todos os actos aqui descritos, o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
51.- Não obstante o supra referido BB visitou o arguido no estabelecimento prisional onde este se encontra nos dias 18-12-2022, 15 e 29-01-2023, 05, 12 e 14-02-2023 e 18-06-2023.
52.- Mais resultou provado que (condições económicas e sociais do arguido):
53.- AA é originário de uma família numerosa, com uma fratria de oito elementos, pobre, natural de ... e Príncipe.
54.- A mãe era ... de hortaliças e o pai cultivava café numa roça.
55.- As condições de vida familiar eram precárias.
56.- Quando era criança, o arguido contraiu … que terá evoluído para …, que é uma complicação particularmente perigosa da … que pode causar febre alta, dor de cabeça, sonolência, delírio, confusão, convulsões e coma.
57.-O arguido tinha “ataques frequentes”, que se caracterizavam por convulsões seguidas de perda de consciência.
58.-Esta doença levou a que não frequentasse a escola, tendo apenas algum apoio individualizado em casa.
59.- Desta forma, AA sabe escrever o seu nome e frases simples, também lê frases simples, soletrando, mas não consegue entender o que lê em frases um pouco mais complexas.
60.- O arguido também não fez formação profissional e ajudava o pai na roça.
61.-AA, aos 16 anos de idade, estabeleceu uma relação de namoro com uma jovem local, de nome CC, que engravidou e tiveram um filho a quem deram o nome de DD e terá no presente 7 anos de idade.
62.- Mais tarde tiveram outro filho, a quem deram o nome de EE e que terá cerca de 4 anos.
63.- AA vem para Portugal em 2009 quando CC encontrava-se grávida do seu filho EE.
64.- sobre o qual, o arguido não
65.- Em ..., o arguido trabalhava a transportar pessoas no que designa por “moto táxi”.
66.- A CC vendia “petiscos” à porta de casa.
67.- As condições de vida eram muito precárias pelo que, para se auto sustentarem e sustentarem os filhos e tinham de recorrer a ajuda de familiares.
68.- Foi essa situação de precariedade que levou o arguido a emigrar para Portugal em 2019.
69.- Quando imigrou para Portugal o arguido foi viver com o irmão FF, em ... e ali permaneceu cerca de dois anos.
70.- Trabalhou na construção civil, na armação de ferro e depois trabalhou na distribuição para a … ..., durante seis meses.
71.- Posteriormente foi trabalhar para a ... (...), também na ….
72.- Do ponto de vista laboral, durante o tempo que durou o relacionamento, o arguido manteve emprego regular, trabalhando na …, auferindo um vencimento de €750,00, ao que acrescia o rendimento devido a horas extraordinárias, possibilitando um rendimento total líquido de €1000,00.
73.- Deste valor enviava cerca de €120,00 para ... a fim de sustentar os filhos, ajudava BB nas despesas domésticas e o restante era para seus gastos pessoais.
Dos antecedentes criminais do arguido:
74.- O arguido não possui antecedentes criminais registados.

2.1- Matéria de Facto não Provada
a)- Em data que não concretamente apurada, no decurso de uma discussão devido a ciúmes, o arguido quis agredir a ofendida, tendo esta fugido da cozinha onde se encontrava para o quarto, deitando-se na cama, encolhida.
b)- Apesar da ofendida lhe ter pedido por favor para não lhe bater, o arguido agarrou-lhe o pescoço e apertou-o até aquela ficar sem ar, acabando por a largar.
c)- A agressão referida em 18) ocorreu porque BB se recusou a ter relações sexuais com o arguido e porque esta vivia com um colega no mesmo quarto, o que o arguido não aceitava.
d)- Que a última vez que BB trocou a fechadura de casa foi em junho de 2022.
e)- No dia 1 de dezembro de 2022, de manhã, o arguido bateu com duas garrafas de cerveja na cabeça de BB.
f)- Que em consequência da conduta do arguido BB sofre de depressão.

- Motivação da matéria de facto provada e não provada:
O tribunal formou a sua convicção nas declarações do arguido em sede de primeiro interrogatório judicial ) (reproduzidas em sede de audiência de julgamentoe em sede de audiência de julgamento, no depoimento que a ofendida prestou em sede de declarações para memória futura ofendida, no depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, na prova documental junta aos autos e em juízos de experiência comum.
Quer o arguido, quer a ofendida BB confirmaram a matéria fatual constante em 1) a 5), sendo que ambos descreveram o seu relacionamento como conflituoso devido aos ciúmes que ambos sentiam e que conduziam a discussões frequentes e a diversas separações.
Foi a própria ofendida BB que de forma genuína, sentida e muito típica de quem sofre de uma dependência emocional com outrem que era ela quem por vezes contatava o arguido para reatarem o relacionamento. Justifica a sua conduta por gostar do arguido e, nas suas palavras, por ele ser uma “boa pessoa” quando não se alterava ou descontrolava.
Como veremos em infra BB nas suas declarações demonstra claros sinais de uma dependência emocional tremenda ao arguido, sentindo-se culpada pela situação jurídica do mesmo, não tendo ainda conseguido cortar os laços emocionais que o ligavam ao arguido.
Quanto à demais matéria fatual o arguido negou a mesma, sendo que negou, quere em sede de primeiro interrogatório, quer em sede de audiência de julgamento que alguma vez tenha agredido fisicamente BB, ou mantido qualquer ato de cariz sexual com a mesma contra a sua vontade, ou mesmo que a tenha ameaçado, indo ao ponto de afirmar em sede de audiência de julgamento que nunca se zangou com BB, ou iniciou qualquer discussão com esta ou chamou-lhe “nomes”.
O arguido atribui todos os conflitos que existiram no casal a BB, tendo afirmado que os mesmos aconteciam devido a ciúmes doentios de BB que levava esta a controlar o seu telemóvel e por esta abusar do consumo de bebidas alcoólicas, sendo que afirmou que BB o “usava” para lograr que este pagasse a sua renda de casa.
O arguido negou, ainda que tivesse danificado qualquer telemóvel da ofendida ou televisores de forma propositada, bem como nega que tenha arrombado a porta de casa da mesma, sendo que a BB mudava a fechadura da sua casa devido à mudança de inquilinos no quarto que arrendava na sua casa.
Confrontado com os fotogramas a fls. 41-43 e 63-63 onde é visível lesões no corpo de BB o arguido refere não ter sido o autor de tais lesões, sendo que a lesão que BB apresenta no nariz resultou de um acidente de carro sofrido pela BB em que esta bateu com o nariz no volante, ferindo-se.
Quanto ao episódio ocorrido no Metro da estação do ... o arguido refere que ambos haviam bebido muito e na escada rolante da estação o arguido inicialmente referiu em sede de audiência de julgamento que recebeu uma chamada no seu telemóvel e que BB puxou mesmo para ver quem estava a telefonar. O arguido refere que puxou o seu telemóvel da mão de BB o que levou a que esta se desequilibrasse e caísse na plataforma da estação, mas nega que esta tenha desmaiado. Diz ter-se ido embora porque nas suas palavras “BB estava meio agressiva”.
Esta versão dos factos apresentada pelo arguido mostra-se contrária a que a apresentou em sede de primeiro interrogatório judicial onde este admite que foi BB quem recebeu a chamada telefónica de um colega de trabalho e que foi ele que tirou o telemóvel da mão de BB, tendo visto que esta havia mandado fotos suas para esse colega. Tal originou uma discussão onde BB agarrou na sua camisola na zona do peito, tendo o arguido apenas tirado a mão de BB do seu peito, tentando libertar-se. Negou todas as demais agressões.
Referiu, ainda, que BB fingiu o desmaiar para o incriminar porque tem ódio de si.
Confrontado, em sede de audiência de julgamento, com essa sua versão dos factos o arguido retificou as suas declarações confirmando que os factos ocorreram tal como foram por si descritos em sede de primeiro interrogatório judicial.
O arguido apenas confessa que entrou na casa da arguida no dia 23-08-2022 para encontrar o telemóvel de BB uma vez que esta havia efetuado uma cópia para o telemóvel dela de um vídeo íntimo que este tinha no seu telemóvel. Mais afirma que após ter apagado a referida cópia devolveu o telemóvel a BB.
O arguido refere, por fim, que tudo isto não passa de uma forma de BB o manter preso para que este não tenha outras mulheres.
Já a assistente ouvida em sede de declarações para memória futura confirmou, na íntegra a factualidade dada como provada, tendo concretizado, na medida do possível, face ao número de situações e ao tempo decorrido as circunstâncias de tempo e lugar em que estas ocorreram, todas as situações em que foi fisicamente agredida com murros, pontapés, com apertar do pescoço, com uma garrafa de cerveja, as diversas situações em que o arguido partiu o seu telemóvel e as duas televisões, também confirmou todas as expressões humilhantes ditas pelo arguido e ainda a obsessão que o mesmo tinha em controlá-la, indo ao ponto de surgir inopinadamente na sua casa para ver se esta estava com alguém e mesmo as agressões sexuais que foi vítima como veremos em infra.
As suas declarações mereceram total credibilidade por parte do tribunal não só pela forma sentida como a mesma prestou tais declarações, tendo sido objetiva a descrever as mesmas, mas também porque foi honesta e imparcial ao ponto de mencionar que já não se recordava de algumas situações e assumiu que ela também tinha ciúmes do arguido, que também via o telemóvel do mesmo, sendo que o arguido permitia que esta visse o seu telemóvel para demonstrar que não tinha nada a esconder, bem como confessou que numa dessas vezes fez uma cópia de um vídeo íntimo que o arguido tinha no seu telemóvel e enviou para o seu telemóvel, já que esse vídeo mostrava o arguido com outra mulher, motivo que levou o arguido a procurar o seu telemóvel nas circunstâncias dadas como provadas em 35).
Esta testemunha demonstrou claramente que ainda não logrou cortar o elo de dependência emocional que tem para com este arguido levando a que esta continuasse a visitá-lo na cadeia como decorre da análise do documento a fls. 431 – facto provado 51) - sendo que quando inquirida esta testemunha demonstrou um sentimento de culpa, típico das vítimas de violência doméstica, afirmando várias vezes que que quando terminavam, por vezes, era ela própria que contatava o arguido para reatarem a relação e isso mesmos foi confirmado pelo arguido e pela testemunha GG, sobrinho do arguido.
Acresce que BB relatou que se sente culpada pelo estado de reclusão do arguido, pois apesar do que o arguido lhe fez “ele depois arrependia-se e ficava simpático de meigo. Era uma pessoa muito boa, mas quando se descontrolava virava outra pessoa”.
Mesmo após ter relatado e confirmado a factualidade nos termos dada como provada e quando questionada se sentia medo do arguido a mesma inicialmente referiu “até certo ponto”. Só após ser confrontada com a gravidade dos atos de que havia sido vítima é que esta acabou por referir, muito constrangida, que tinha medo que ele a matasse, tinha medo de usar o telefone porque podia provocar a ira do arguido, tinha medo que ele lhe batesse, fazia o que ele queria com medo de causar mais discussões e ser agredida.
Esta ambivalência de BB é típica de vítimas “habituais” de violência doméstica, sendo que estas se auto culpabilizam pelo próprio comportamento do agressor, o que é resultado do processo de desvalorização e humilhação das mesmas efetuado pelo agressor, sendo esta uma realidade que a psicologia explica. Muitas vezes estas vítimas encontram junto do próprio agressor, fruto do seu estado psicológico em que se encontram e que foi provocado ou potenciado pelo próprio agressor, uma zona de conforto, sendo a realidade que estas conhecem e que lhes dá uma falsa segurança. Daí que seja tão difícil estas vítimas quebrarem este elo de dependência emocional.
Acresce que, ao contrário da versão trazida aos autos pelo arguido, a versão da testemunha BB mostra-se sustentada não só por depoimentos de outras testemunhas, bem como por elementos objetivos como fotografias e aditamentos juntos aos autos que reforçaram a sua credibilidade, sendo que foi, essencialmente, com base no depoimento de BB que se deram como provados os factos constantes em 1) a 50).
Isso mesmo ocorre quanto à factualidade constante em 15) sendo que ofendida foi clara ao descrever a conduta do arguido ao entrar na casa de banho onde esta estava a tomar banho, tendo o arguido apertado o seu pescoço, tendo-lhe dito que pretendia manter relações sexuais com a mesma, sendo que esta recusou e resistido, tendo o mesmo acabado por desistir dos seus intentos. BB refere que chamou a polícia devido a tal incidente e, isso mesmo, resulta do aditamento a fls. 78.
Aliás, este tipo de conduta vai de encontro a outras condutas que, como veremos, o arguido adotou e que demonstram como o arguido tem uma perceção errada sobre a sexualidade num casal. BB foi clara ao referir que perante a sua recusa em manter relações sexuais o arguido dizia-lhe que era normal como um casal terem relações sexuais, mesmo que esta não quisesse. Típico de tal conduta temos a factualidade referida em 39) e 40), com veremos em infra.
BB também confirmou a factualidade constante em 13) a 15) descrevendo em cada uma das situações os danos provocados pelo arguido, sendo que, mais uma vez a ofendida chamou a polícia conforme decorre do aditamento a fls. 112, confirmado pelo depoimento do agente da PSP, HH.
Aliás, a testemunha GG, sobrinho do arguido, descreveu como numa situação em que se encontrava com o casal e pelo facto do arguido ter-se apercebido que BB trocara mensagens com o seu ex-namorado com envio de fotos íntimas, o mesmo partiu o telemóvel da ofendida e outros objetos da casa da mesma, tendo sido chamada a polícia, o que demonstra que esta era uma atuação habitual do arguido para ligar com os ciúmes que sentia de BB.
Quanto aos factos constantes em 16) e 17) – situação ocorrida na estação de metro do ... os mesmos foram confirmados pela ofendida, sendo que a sua versão dos factos surge sustentada pelos depoimentos das testemunhas II, utente do metro que estava próximo do arguido e de BB quando ocorreram estes factos, JJ e KK, agentes da PSP que prestavam serviço na estação de metro do ..., em Lisboa e que socorreram BB.
A testemunha II não conhecia nem o arguido, nem BB e como tal mostrou-se totalmente imparcial e descreveu como ao passar pelo casal viu que o arguido atirou o telemóvel de BB, com força, para o chão, destruindo-o. Ouviu gritos e voltou-se para trás e viu o arguido a agredir BB, mesmo quando esta já estava caída no chão, com murros e pontapés, sendo que descreveu que os mesmos eram desferidos com força. Mais referiu que o arguido fugiu do local porque se apercebeu que haviam chamado a polícia.
II foi clara ao descrever o estado em que se encontrava a ofendida, estendida no chão, em choque e mesmo com a chegada dos dois agentes da PSP BB não se logrou levantar.
Ainda que II não tenham identificado o arguido inexistem quaisquer dúvidas quanto à sua identificação pois é o próprio arguido que se coloca naquele local naquelas circunstâncias de tempo e lugar.
Por outro lado, os agentes da PSP JJ e KK também descreveram os gritos que ouviram e o estado em que encontraram a vítima – no chão com hematomas, muito nervosa, ansiosa e humilhada, tendo recebido assistência dos bombeiros, não tendo querido ser transportada para o hospital – vide registo do INEM a fls. 363-364. Ambos os agentes também confirmaram que o telemóvel de BB estava partido – vide aditamento a fls. 150-151 e auto de apreensão a fls. 152-152 verso onde consta o telemóvel partido da vítima.
Ora, o depoimento das testemunhas supra referidas, conciliados com os elementos documentais também aí referidos, corroboram as declarações de BB e reforçam a sua credibilidade, demonstrando que o arguido mentiu quanto à factualidade em apreço, destruindo qualquer sustentáculo da versão que apresentou em julgamento.
Na verdade, o arguido não teve pejo de agredir BB num espaço público densamente frequentava como é a estação de metro do ..., em Lisboa, humilhando-a, vexando-a à frente de toda a gente que lá se encontrava. Ora, isso só reforça a credibilidade da ofendida, pois se o arguido não se coibiu de agredir BB desta forma em público também não teria qualquer pejo de a agredir em privado onde não haveria outras testemunhas para relatar os seus atos.
Também quanto aos factos constantes em 18) e 19) o depoimento de BB surge sustentado não só pelo auto de notícia a fls. 20-22 confirmado pelos agentes da PSP, LL e MM, bem como pelos fotogramas a fls. 39 a 43 onde é possível verificar-se os danos provocados pelo arrombamento da porta da casa de BB, bem como as lesões que a mesma apresentava. Tais danos e lesões foram também confirmados pelos agentes LL, NN e MM, sendo que todos foram claros e perentórios ao indicar que os danos na porta eram muito recentes já que ainda havia no chão estilhaços da madeira da porta e as lesões que BB ostentava eram também muito recentes não só pelo seu aspeto, mas porque vítima estava a colocar algo gelado nos hematomas.
Ainda que estes agentes não tivessem visto o arguido no local e este tenha negado a prática destes factos a ofendida foi clara ao identifica-lo como o autor dos mesmos, sendo que o mesmo surge denunciado por BB no auto de notícia, sendo que as suas declarações mereceram total credibilidade até porque a situação conflituante que BB mantinha era com o arguido, com quem mantinha uma relação instável.
Aliás, esta não foi a única situação em que o arguido entrou desta forma na casa de BB, sendo que esta confirmou a factualidade constante em 33) e 34).
Apenas não se logrou provar quanto a esta situação a factualidade constante em c), uma vez que em sede de declarações para memória futura BB não confirmou tal factualidade, inexistindo outra prova válida que confirmasse essa factualidade.
Quanto aos factos 20) a 31) – situação ocorrida próximo do centro comercial “...” – a mesma foi totalmente confirmada pelo depoimento de BB que de forma muito sofrida descreveu todos estes factos.
BB explicou que ela e o arguido foram às festas do ... e que discutiram. Perante isso BB decidiu abandonar o arguido e ir para o seu carro que se encontrava estacionado próximo do “...”. Quando esta já se encontrava no interior do seu veículo, o arguido abordou-a e esta com medo trancou-se dentro do carro, sendo que o arguido a ameaçou que, se não abrisse ia partir o vidro, e, nessa altura, agarrou numa pedra, pronto para a atirar.
Mais uma vez com medo, a ofendida acabou por abrir a porta, e uma vez no interior do veículo, o arguido desferiu murros na cabeça de BB, agarrou na cabeça daquela e mordeu-lhe o nariz, o que provocou de imediato um sangramento abundante naquela zona. Em acto contínuo, o arguido disse-lhe "agora quero foder", obrigou-a a ir para parte de trás do veículo, tendo BB obedecido por medo e manteve relações sexuais com a ofendida contra a sua vontade.
BB descreveu uma cena degradante em que esta estava cheia de sangue na cara proveniente do nariz mordido e em que o arguido abriu-lhe as pernas à força, baixou-lhe as calças que trazia vestida e as cuecas, ao mesmo tempo que lhe colocou a mão no pescoço. Quando se apercebia da presença de pessoas próximo do veículo onde se encontravam, o arguido colocava a mão na boca da ofendida para que aquela não pudesse pedir auxílio. Enquanto isso, a ofendida dizia ao arguido que não queria, ao que aquele respondia "tu vais ficar aqui quieta".
De seguida, introduziu o seu pénis erecto na vagina, sempre contra a vontade da ofendida, a qual chorava. O arguido continuou a penetrar a ofendida, efetuando movimentos de vai e vem típicos de cópula, acabando por ejacular dentro da vagina daquela. Depois de ejacular, BB descreveu como o arguido urinou por cima do corpo da ofendida, atingindo-a nas pernas. Também nesta situação o arguido partiu, mais uma vez, o telemóvel de BB, sendo que esta foi clara ao referir que depois desta situação o arguido levou-a para casa e que teve de utilizar o seu telefone de serviço para contatar uma colega de trabalho para que esta pudesse chamar a polícia, o que só logrou fazer quando o arguido adormeceu.
Ora, não só a ofendida descreveu, de forma pormenorizada toda esta factualidade, indo ao ponto de saber a cor da roupa que trazia vestida, o que demonstra o quão impactante foi este episódio, bem como a sua versão dos factos quanto à forma como foi agredida mostra-se consentânea com o tipo de lesões que a mesma apresentava e que se mostram fotografadas a fls. 61-63.
A testemunha HH, agente da PSP, subscritor do aditamento a fls. 51, e OO, agente da PSP, descreveram as lesões que BB apresentava, sendo que se deslocaram à casa de BB por terem tido de notícia de alguém a necessitar de auxílio.
Ora, o arguido para além de ter negado a prática destes factos referiu que a lesão que a arguida apresentava no nariz havia sido provocada quando esta bateu com o nariz no volante do carro em consequência de um embate.
Da simples análise da lesão do nariz de BB verifica-se que esta versão do arguido não tem qualquer sustentáculo. O volante de um veículo é uma superfície lisa. O embate do nariz no volante poderia levar à fratura dos ossos do nariz e ao surgimento de hematomas, mas não ao corte curvo, quase redondo, na ponta no nariz. Um volante não tem qualquer arresta que provocasse este tipo de ferimento.
Já a versão de BB surge sustentada pelo tipo de lesão no nariz, sendo que uma dentada na ponta do nariz produz lesões semelhantes à apresentada por BB, pois os dentes provocam ferimentos com características corto perfurantes. Acresce que o extenso hematoma que BB apresenta na parte superior do braço esquerdo também suporta a sua versão, pois tal hematoma é compatível com o agarrar com força no braço de BB, quando este a forçava a manter relações sexuais.
Por fim, diga-se que os pormenores descritos por BB reforçaram a credibilidade da sua versão, sendo que não faria qualquer sentido esta ofendida inventar pormenores como o arguido após a ter violado ter urinado para cima das suas pernas. Nas suas declarações ela foi enfática neste ponto pois referiu que sentiu durante muitos dias o odor da urina do arguido no interior do seu carro, o que claramente a incomodava e enojava.
Quanto ao facto 32) o mesmo foi confirmado por BB e mostra-se consentâneo com o comportamento possessivo e obcecado do arguido, sendo que o depoimento de BB está assente no aditamento a fls. 55, confirmado pelos depoimentos dos agentes da PSP, HH e OO.
O facto 35) foi confirmado quer pelo arguido, quer por BB.
Os factos 36) e 37) constitui mais um dos episódios degradantes que esta testemunha descreveu e que demonstra até que ponto ia a obsessão do arguido por BB e a forma objetificada e degradante como o arguido a tratava.
BB foi clara ao descrever como o arguido aguardou pela sua chegada e quando esta chegou obrigou-a a tirar a roupa, tendo BB obedecido por medo de ser agredida. De seguida BB descreve como o arguido colocou os dedos na vagina da mesma para cheirá-la com o objetivo deste averiguar se esta havia estado com outro homem.
Ora, este tipo de pormenor não se inventa, sendo que que este tipo de comportamento absolutamente possessivo e degradante vai de encontro à forma como o arguido tratava sexualmente BB, como um mero objeto que não tem vontade própria e que se devia subjugar à sua vontade, simplesmente pelo facto desta ser sua companheira.
Isto mesmo também resulta da factualidade constante em 39) e 40), totalmente confirmada por BB. BB explicou claramente e até de forma imparcial que por vezes chegava a casa exausta e recusava manter relações sexuais com o arguido. Apesar disso o arguido em algumas dessas vezes, mesmo estando a mesma a dormir, subia para cima de si e penetrava-a, acordando quando este se encontrava em tal ato.
Mais uma vez BB foi imparcial ao ponto de referir que, por vezes, a mesma acabava por participar voluntariamente no ato, mas em outras a sua recusa mantinha-se, não tendo, no entanto, expressado a sua recusa por receio da reação do arguido, isto tendo em conta a sua personalidade espelhada nos factos provados, sabendo o arguido que BB havia previamente recusado manter relações sexuais por se encontrar cansada e o arguido aproveitado o facto desta estar a dormir para concretizar a sua vontade, não se preocupando que pudesse estar a constranger BB a um ato que esta não queria.
Quanto ao facto constante em 38) o mesmo foi mais uma vez confirmado por BB que, apesar de não saber concretizar em que data em que o mesmo ocorreu, referiu que o arguido a atingiu na zona da cabeça com uma garrafa de cerveja, tendo-lhe provocado dores.
BB não confirmou a demais factualidade quanto a esta situação de facto, tendo-se dado como não provada a factualidade constante em e).
Quanto aos factos constantes em 41) a 50) os mesmos decorrem do que se referiu em supra, sendo que o arguido em tudo agiu de forma deliberada, livre e consciente da proibição e da gravidade das suas condutas e em total desrespeito pela relação que tinha com BB, desrespeitando-a como mulher e até como ser humano, não se coibindo de a agredir física e psicologicamente, forçando-a a manter relações sexuais contra a sua vontade, tendo utilizado de violência na situação ocorrida no interior do carro de BB, próximo do ..., sendo que praticou muitas das agressões, ameaças e humilhações no interior da habitação de BB, local que deveria ser o refúgio de paz e segurança de BB.
O arguido é imputável não existindo nos autos sequer quaisquer elementos que coloque em causa a sua imputabilidade. Aliás, foi ouvida em sede de audiência de julgamento a médica psiquiatra que segue o arguido no estabelecimento prisional e a mesma relatou que as queixas que o arguido apresentava apenas tinham a ver com a sua adaptação ao meio prisional e que se manifestavam em ansiedade, angústias, dificuldade em dormir, sendo tais queixas somáticas.
Atendeu-se ao relatório social do arguido junto aos autos, às declarações do arguido e da testemunha FF, irmão do arguido, quanto às suas condições económicas e sociais.
Teve-se em conta o certificado de registo criminal do arguido junto aos autos, sendo que da análise do mesmo resulta que o arguido não possui antecedentes criminais registados.
Quanto à matéria de facto dada como não provada constante em a), b), d) a mesma resultou da total falta de prova quanto à mesma já que a mesma foi negada pelo arguido, não foi confirmada pela ofendida, nem por qualquer outra testemunha ou elemento probatório junto aos autos.
Quanto à al. f) a mesma resultou não provada uma vez que junto aos autos não consta qualquer documentação clínica que comprove que BB sofra de depressão.
Uma última nota para referir que o depoimento de PP, irmã do arguido não se mostrou com relevo para a boa decisão da causa, até porque esta testemunha apenas estava duas vezes com BB, não tendo presenciado quaisquer factos em causa nestes autos.
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II.– 3 Apreciação do recurso

Da impugnação da matéria de facto

Considerações gerais:
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através do âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal.
No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios formais, também designados de vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido precito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento [Cf. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.]. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário.

No segundo caso estamos perante um erro do julgamento [designadamente na apreciação da prova] cuja apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, sempre tendo presente os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Não se poderá esquecer, portanto, que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio jurídico com vista a colmatar erros do julgamento na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, sendo, portanto, manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.

Tem sido este o sentido defendido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, designadamente Damião Cunha [In «O caso Julgado Parcial», 2002, pág. 37], quando afirma que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos».
“O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros” [neste sentido, Acórdão do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt].
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II.3.2- Da impugnação ampla da matéria de facto:
Defende o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, relativamente aos factos dados como provados vertidos em 24 a 30.
A impugnação da decisão da matéria de facto, pela via mais ampla prevista no artigo 412º, do Código de Processo Penal, tendo havido documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, impõe ao recorrente o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos dos seus nºs 3, 4 e 6.
Exige-se ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado [cfr. Ac. TRL de 21.05.2015, proc. 3793/09.6TDLSB.L1.9 disponível in www.dgsi.pt.].
A especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, obriga à indicação do conteúdo específico do meio de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
O recorrente terá, pois, de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões. Deve, pois, referir o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir - tratando-se de prova produzida por depoimentos ou declarações - as concretas passagens/excertos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na ata da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens].

Como se escreve no Acórdão do TRL, de 16.11.2021, Processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5 [disponível in www.dgsi.pt]: “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente [sublinhado nosso].
No caso vertente, o recorrente indica os concretos factos que considera incorretamente julgados.
No que respeita à especificação das concretas provas não indica, designadamente por referência às gravações constantes dos autos, as concretas passagens que impõem decisão diversa, limitando-se a invocar as declarações do arguido e da ofendida sem qualquer concretização por relação às respetivas gravações e excertos em concreto e o teor do relatório social, que transcreveu.
Na verdade, analisadas as conclusões do recurso facilmente se constata que o recorrente não cumpriu o ónus de impugnação especificada, em obediência ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal, não satisfazendo as conclusões apresentadas a exigência da tríplice especificação legalmente imposta, nos casos de impugnação ampla.
E, por outro lado, uma leitura atenta da motivação, torna evidente que também esta não consente tal especificação.
Reitera-se que o recorrente apenas indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e, embora indicando as provas que impõem decisão diversa da recorrida, as declarações da ofendida não invocou os concretos segmentos das declarações que, na sua ótica, impõem decisão diversa da recorrida, nem contrapôs o relatório social com um qualquer concreto ponto dos indicados, explicando a razão porque a decisão deveria ser outra.
Tal circunstancialismo inviabiliza a reapreciação da matéria de facto pela via da impugnação ampla, com a amplitude sustentada pelo recorrente.
E não cumpria convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso, pois dizendo-se que as conclusões resumem as razões do pedido, nada pode ser resumido que não se contenha no arrazoado da motivação, de que as conclusões constituem uma síntese essencial [neste sentido os Acórdãos do STJ, de 04-10-2006, processo n.º 812/06-3; de 08-03-2006, processo n.º 185/06-3; 04-01-2007, processo n.º 4093-3 e de 10-01-2007, Processo n.º 3518/06-3].

Na verdade, não podemos deixar de recordar que o texto da motivação do recurso – reservado aos respetivos fundamentos – é imodificável e, como tal, insuscetível de ser aperfeiçoado, o que bem se compreende, pois, o contrário, equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer, pelo que não cabia a este Tribunal fazer qualquer convite ao aperfeiçoamento, pois estamos perante uma deficiência da estrutura da própria motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso [Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ, de 07-10-2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção; o Acórdão deste TRL, datado de 05-04-2019, Processo n.º 349/17.3JDLSB.L1-9, ambos in www.dgsi.pt e os Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 259/2002, de 18-06-2002 e 140/2004, de 10-03-2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos].

Em suma, o artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, impõe o dever de convite ao aperfeiçoamento tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”. Se o recorrente não faz, como no presente caso, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, nos seus precisos termos, não há lugar ao convite à correção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.
Importa voltar a realçar que a alteração da matéria de facto não decorre, por via do recurso, da mera possibilidade de a prova produzida permitir uma decisão de sentido distinto da tomada pelo julgador; exigindo-se antes, que essa decisão diversa se imponha por ser evidente ou flagrante o erro do tribunal a quo, em função das provas produzidas, no julgamento da matéria de facto.
No caso foi efetuado um exame crítico e consistente das provas produzidas, tendo o Tribunal a quo formado a sua livre convicção quanto à autoria e circunstâncias como os factos ocorreram, sendo que a decisão recorrida só seria de alterar se se revelasse evidente que as provas não conduziriam àquela decisão, o que no caso não sucedeu, sendo irrelevante se a interpretação que o recorrente faz dessa prova é diferente da do julgador.
Em suma, não padecendo a decisão recorrida de qualquer vício previsto no art.410º, nº2 do Código de Processo Penal, mostra-se também, pela via mais ampla do art. 412º, n.º 3, do mesmo diploma legal, inviável a modificabilidade da decisão proferida sobre a decisão da matéria de facto, o que implica que a mesma se tenha por definitivamente consolidada.
De resto, o tribunal a quo não expressou qualquer dúvida razoável e fundada sobre a matéria de facto provada, nem da sua fundamentação emerge que a devesse ter, ao abrigo do princípio constitucional do in dubio pro reo [conclusão XV].
Neste ponto em concreto, defende o recorrente que deveria ser absolvido do crime de violação porque inexistiu qualquer exame médico (que era possível de ser realizado) e as versões do arguido e ofendida são contraditórias.
Como se refere no Acórdão do TRP de 10.09.2014 [proc. nº 1054/13.5JAPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt] “Para prova da cópula violenta ou forçada a que se refere o artº 164º CP não é necessária a existência de lesões físicas nem de vestígios físicos e/ ou biológicos masculinos.”
Isto é, o exame médico-legal sendo uma das provas admissíveis para a factualidade subsumível ao crime de violação, não é – como o parece afirmar o recorrente – a única capaz de provar tais factos.
Ora, visto o texto da motivação do acórdão recorrido constata-se que aqueles factos foram considerados provados a partir da prova por declarações, documental e testemunhal produzida.
O caminho trilhado pelo tribunal a quo apresenta-se lógico e inteligível e de acordo com os critérios legais de admissibilidade e de apreciação da prova. Como resulta da motivação da matéria de facto supratranscrita, o tribunal a quo deu como provados os factos, explicando, de forma lógica, racional e plausível, porque assim o fez, designadamente, de que forma valorou a prova, não se descortinando a existência de qualquer interpretação ilegal - explicitando o tribunal a quo as razões pelas quais atribuiu credibilidade ao depoimento da vítima e igualmente as razões pelas quais a versão do arguido não lhe mereceu esta credibilidade - o que fez em face do teor das próprias declarações em si mesmas; mas, sobretudo, no confronto com a restante prova produzida que sustenta a versão trazida aos autos pela ofendida.
Essa convicção alicerçou-se fundamentalmente na prova direta declarativa da vítima cuja credibilidade foi aferida a partir da sua análise critica, combinada com os restantes meios de prova indicados na sentença, tudo permitindo, num percurso lógico e objetivo e suportado pelas regras da experiência, concluir pela racionalidade da imputação feita ao recorrente.

Ali se escreveu relativamente às declarações prestadas pela ofendida: “As suas declarações mereceram total credibilidade por parte do tribunal não só pela forma sentida como a mesma prestou tais declarações, tendo sido objetiva a descrever as mesmas, mas também porque foi honesta e imparcial ao ponto de mencionar que já não se recordava de algumas situações e assumiu que ela também tinha ciúmes do arguido, que também via o telemóvel do mesmo, sendo que o arguido permitia que esta visse o seu telemóvel para demonstrar que não tinha nada a esconder, bem como confessou que numa dessas vezes fez uma cópia de um vídeo íntimo que o arguido tinha no seu telemóvel e enviou para o seu telemóvel, já que esse vídeo mostrava o arguido com outra mulher, motivo que levou o arguido a procurar o seu telemóvel nas circunstâncias dadas como provadas em 35).
Esta testemunha demonstrou claramente que ainda não logrou cortar o elo de dependência emocional que tem para com este arguido levando a que esta continuasse a visitá-lo na cadeia como decorre da análise do documento a fls. 431 – facto provado 51) - sendo que quando inquirida esta testemunha demonstrou um sentimento de culpa, típico das vítimas de violência doméstica, afirmando várias vezes que que quando terminavam, por vezes, era ela própria que contatava o arguido para reatarem a relação e isso mesmos foi confirmado pelo arguido e pela testemunha GG, sobrinho do arguido.
Acresce que BB relatou que se sente culpada pelo estado de reclusão do arguido, pois apesar do que o arguido lhe fez “ele depois arrependia-se e ficava simpático de meigo. Era uma pessoa muito boa, mas quando se descontrolava virava outra pessoa”.
Mesmo após ter relatado e confirmado a factualidade nos termos dada como provada e quando questionada se sentia medo do arguido a mesma inicialmente referiu “até certo ponto”. Só após ser confrontada com a gravidade dos atos de que havia sido vítima é que esta acabou por referir, muito constrangida, que tinha medo que ele a matasse, tinha medo de usar o telefone porque podia provocar a ira do arguido, tinha medo que ele lhe batesse, fazia o que ele queria com medo de causar mais discussões e ser agredida.
Salientando-se ainda: “Esta ambivalência de BB é típica de vítimas “habituais” de violência doméstica, sendo que estas se auto culpabilizam pelo próprio comportamento do agressor, o que é resultado do processo de desvalorização e humilhação das mesmas efetuado pelo agressor, sendo esta uma realidade que a psicologia explica. Muitas vezes estas vítimas encontram junto do próprio agressor, fruto do seu estado psicológico em que se encontram e que foi provocado ou potenciado pelo próprio agressor, uma zona de conforto, sendo a realidade que estas conhecem e que lhes dá uma falsa segurança. Daí que seja tão difícil estas vítimas quebrarem este elo de dependência emocional.
Acresce que, ao contrário da versão trazida aos autos pelo arguido, a versão da testemunha BB mostra-se sustentada não só por depoimentos de outras testemunhas, bem como por elementos objetivos como fotografias e aditamentos juntos aos autos que reforçaram a sua credibilidade, sendo que foi, essencialmente, com base no depoimento de BB que se deram como provados os factos constantes em 1) a 50)”.
E concretamente quanto à factualidade questionada pelo arguido na motivação explicou-se: “Quanto aos factos 20) a 31) – situação ocorrida próximo do centro comercial “...” – a mesma foi totalmente confirmada pelo depoimento de BB que de forma muito sofrida descreveu todos estes factos.
BB explicou que ela e o arguido foram às festas do ... e que discutiram. Perante isso BB decidiu abandonar o arguido e ir para o seu carro que se encontrava estacionado próximo do “...”. Quando esta já se encontrava no interior do seu veículo, o arguido abordou-a e esta com medo trancou-se dentro do carro, sendo que o arguido a ameaçou que, se não abrisse ia partir o vidro, e, nessa altura, agarrou numa pedra, pronto para a atirar.
Mais uma vez com medo, a ofendida acabou por abrir a porta, e uma vez no interior do veículo, o arguido desferiu murros na cabeça de BB, agarrou na cabeça daquela e mordeu-lhe o nariz, o que provocou de imediato um sangramento abundante naquela zona. Em acto contínuo, o arguido disse-lhe "agora quero foder", obrigou-a a ir para parte de trás do veículo, tendo BB obedecido por medo e manteve relações sexuais com a ofendida contra a sua vontade.
(…)
Mais se consignando: “Ora, não só a ofendida descreveu, de forma pormenorizada toda esta factualidade, indo ao ponto de saber a cor da roupa que trazia vestida, o que demonstra o quão impactante foi este episódio, bem como a sua versão dos factos quanto à forma como foi agredida mostra-se consentânea com o tipo de lesões que a mesma apresentava e que se mostram fotografadas a fls. 61-63.
A testemunha HH, agente da PSP, subscritor do aditamento a fls. 51, e OO, agente da PSP, descreveram as lesões que BB apresentava, sendo que se deslocaram à casa de BB por terem tido de notícia de alguém a necessitar de auxílio.
Ora, o arguido para além de ter negado a prática destes factos referiu que a lesão que a arguida apresentava no nariz havia sido provocada quando esta bateu com o nariz no volante do carro em consequência de um embate.
Da simples análise da lesão do nariz de BB verifica-se que esta versão do arguido não tem qualquer sustentáculo. O volante de um veículo é uma superfície lisa. O embate do nariz no volante poderia levar à fratura dos ossos do nariz e ao surgimento de hematomas, mas não ao corte curvo, quase redondo, na ponta no nariz. Um volante não tem qualquer arresta que provocasse este tipo de ferimento.
Já a versão de BB surge sustentada pelo tipo de lesão no nariz, sendo que uma dentada na ponta do nariz produz lesões semelhantes à apresentada por BB, pois os dentes provocam ferimentos com características corto perfurantes. Acresce que o extenso hematoma que BB apresenta na parte superior do braço esquerdo também suporta a sua versão, pois tal hematoma é compatível com o agarrar com força no braço de BB, quando este a forçava a manter relações sexuais.
Por fim, diga-se que os pormenores descritos por BB reforçaram a credibilidade da sua versão, sendo que não faria qualquer sentido esta ofendida inventar pormenores como o arguido após a ter violado ter urinado para cima das suas pernas. Nas suas declarações ela foi enfática neste ponto pois referiu que sentiu durante muitos dias o odor da urina do arguido no interior do seu carro, o que claramente a incomodava e enojava.”

Vemos, pois, que o Tribunal, em face da prova produzida, nenhuma dúvida teve quanto aos factos que ora o recorrente pretende ver não provados.
Na verdade, não sendo indispensável à prova dos factos constantes dos pontos 24 a 30 a realização de exame médico, não se verificam quaisquer razões objetivas que justifiquem a modificação da matéria de facto provada (impugnada) e determinem o afastamento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal a quo, mas antes se confirmam os fundamentos em que se alicerçou a convicção do tribunal sobre a matéria provada. Assim sendo, conclui-se que inexiste qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova ou do princípio in dubio pro reo, ou da presunção de inocência prevista no art. 32º da C.R.P..
Em suma, as interpretações e argumentos probatórios aduzidos pelo recorrente, não invalidam a apreciação racional, objetiva e motivada feita pelo tribunal a quo, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
A negação e/ou diferente interpretação dos factos por parte do arguido, por si só, não impõe a alteração factual pretendida, mostrando-se plenamente justificada em face da prova produzida e examinada em julgamento, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, pelo que a decisão da matéria de facto se deverá manter inalterada e, por consequência, nada há a alterar à qualificação jurídica efetuada que se mostra a correta em face da factualidade apurada.

III.2– Quanto à medida concreta da pena
Como se salienta no Acórdão do TRL de 17.093.2019 [processo nº 5979/18.3SNT.L1.5 - relator Jorge Gonçalves] “As circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
A actividade judicial de determinação da pena apresenta-se como uma actividade juridicamente vinculada, mas não é uma ciência exacta, pelo que, a nosso ver, o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta apenas quando se justifique uma alteração minimamente significativa, isto é, quando se evidencie que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados”.

Deste modo, o Tribunal de recurso deverá intervir modificando a pena concreta quanto ocorrer desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.

Na análise desta matéria, importa, pois, ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1 do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Decorre já do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial, determinando o n.º2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio “ne bis in idem”, uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata), “considerando, nomeadamente:
a)- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b)- A intensidade do dolo ou da negligência;
c)- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d)- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e)-A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f)- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.
Decorre, por fim, do n.º3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

Como refere Anabela Miranda Rodrigues [A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570 e 571]: “Entendida a prevenção geral com o sentido que lhe vimos dando – isto é, a protecção de bens jurídicos alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada, postula ela, já o dissemos, a proporcionalidade entre a medida da pena e a gravidade do facto praticado.” Acrescentando “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” .

Adindo relativamente à prevenção especial que: “o desvalor do facto é agora valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização” [ob cit., pag. 574 e 575].
E prosseguindo refere “resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...”
Assim sendo, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.”[Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” pág. 227 e ss.].
Conclui-se, portanto, que estaremos perante uma pena justa e proporcional quando esta satisfizer as exigências de prevenção geral e especial que o caso concreto impõe e não exceder a medida da culpa do agente.
Aqui chegados:
Argumenta o recorrente que a pena de prisão aplicada foi excessiva tendo em conta as circunstâncias atenuantes em presença, e nomeadamente o facto de ser primário, estar integrado social e profissionalmente mas também o facto de ser um jovem hoje com 23 anos, que à data do início dos factos tinha 21 anos; ser pai, alimentar dois filhos menores; padecer de doença que o impediu de ir à escola, sendo praticamente analfabeto; não ter uma verdadeira consciência da ilicitude; de da ofendida o ter “chamado” diversas vezes depois de ele ter terminado com ela a relação conflituosa e tóxica e ter ido viver para a casa do irmão, fatores estes que não foram tidos em consideração pelo tribunal, em violação dos arts. 70º, 71º e 72º do Código Penal.

Analisando o caso concreto, à luz dos considerandos acabados de expor, constata-se que o arguido foi condenado numa pena:
- de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, de um crime de violência doméstica previsto e punível pelo art. 152º, nº 1 al. b) e nº 2 do Código Penal, cuja moldura penal abstrata se situa entre 2 (dois) anos e 5 (cinco) anos de prisão, e,
- de 6 (seis) anos pela prática de um crime de violação previsto e punível pelo art. 164º, nº 2 al. a) do Código Penal, cuja moldura penal abstrata se situa entre 3 (três) anos e 10 (dez) anos de prisão.
Na situação em apreço tratam-se de tipos de crime que impõem fortes necessidades de prevenção geral, seja na sua vertente positiva seja negativa. No caso o Tribunal a quo realçou a frequência da violação dos bens jurídicos em causa e a necessidade de repor a confiança dos cidadãos na norma jurídica violada; o alarme social que esta conduta produz na sociedade, e considerou que estas exigências, na situação presente, são de grau médio.
Concluiu o Tribunal a quo serem um pouco acima da média as exigências de prevenção especial escrevendo-se “sendo que apesar do arguido em abstrato entender como ilícito condutas semelhantes como as descritas nos factos provados, certo é que o arguido não demonstrou ter interiorizado a gravidade da sua conduta, tendo uma noção absolutamente errada da sexualidade”.
Acresce que, o Tribunal a quo, ponderou o grau de ilicitude dos factos, que entendeu ser “ser de grau médio” e foi igualmente ponderada a intensidade do dolo.
Mais se considerou “o tempo em que durou a conduta criminosa, sendo que a mesma durou mais de um ano, tendo apenas cessado próximo da detenção do arguido, o que constitui um período razoável em que BB esteve sujeita este tipo de violência.
Também contra o arguido temos o tipo de violência exercida, com especial enfoque para a violência sexual, que no caso teve com objetivo marcar a ofendida como sua e a humilhar, o que revela uma personalidade deformada por parte do arguido, as consequências na vida da ofendida, as dores por si sofrida e o medo que a mesma sentiu.
Acresce a falta de interiorização do arguido da gravidade dos danos que provocou na vida da ofendida, sendo chocante a total falta de arrependimento dos seus atos.
É certo que a ofendida, também ela, era ciumenta, mas foi o arguido que agrediu selvaticamente a ofendida, indo ao ponto de lhe morder o nariz. Não se coibiu que tratar com um objeto que utilizava para a sua satisfação pessoal e de a tratar como “lixo”, como algo que “não presta”, isto mesmo depois de a violar, urinando para cima da mesma, sabendo que esta sangrava do nariz, devido à dentada dada pelo mesmo e que estava com dores, não só dos socos que levou, mas da violência que sobre si foi exercida para consumar o ato de cópula. O arguido foi até ao ponto de lhe apertar o pescoço, quando esta já estava fisicamente diminuída e confinada a um espaço pequeno como um carro”.

Mas o tribunal a quo teve também em consideração, ao contrário do que refere o recorrente, a ausência de antecedentes criminais e teve ainda em conta a sua integração social e laboral.
Dos factos provados constam as circunstâncias de vida do arguido, o seu percurso familiar, escolar e profissional, bem como as vicissitudes da sua saúde e muito concretamente que este em criança contraiu paludismo que terá evoluído para malária cerebral, e que o arguido tinha “ataques frequentes caracterizados por convulsões seguidas de perda de consciência”.
Deles constam também as habilitações escolares do arguido e em que medida aquela doença condicionou o seu percurso escolar; a existência de filhos no seu país de origem bem como os contributos para o seu sustento.
No acórdão recorrido também se fez constar que a ofendida tem visitado o arguido no Estabelecimento Prisional e, igualmente, que a relação foi pautada por sucessivos períodos de separação e que em algumas separações foi a ofendida que telefonou ao arguido para regressar, retomando os mesmos a relação.
Em suma, foram ponderados todos os fatores atendíveis e foram corretamente refletidos na tarefa da graduação da pena.
Invoca ainda o recorrente em seu favor o disposto no art. 72º do Código Penal, embora não esgrima quaisquer argumentos nesse sentido.
Nos termos do disposto no nº1 art. 72º do Código Penal pode o Tribunal atenuar especialmente a pena, para além das situações expressamente previstas na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

E, nos termos do nº 2 do art. 72º do Código Penal, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a)-Ter o agente acuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b)-Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c)-Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d)-Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
Ora, analisando os factos provados deles não se retira qualquer uma destas circunstâncias, nem se verifica qualquer outra que diminua de forma acentuada da ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
As condições pessoais de vida do arguido como sejam a doença de que padece (em relação à qual não foi estabelecida qualquer relação com os factos) a sua situação pessoal, familiar e laboral, bem como a sua idade, são tudo fatores a considerar na medida da pena, mas não impõem uma diminuição acentuada da ilicitude ou uma diminuição acentuada da necessidade da pena – veja-se a este propósito que perante factos de gravidade considerável em face da violação da liberdade sexual e sobretudo da dignidade humana da vítima, a ilicitude foi apenas considerada um pouco acima do nível médio e o mesmo quanto à exigências de prevenção especial.
Não é, pois, de aplicar a atenuação especial da pena.
Deste modo,
atentando nas circunstâncias supra enunciadas, na moldura penal abstrata prevista para os tipos de crime em apreço, nos referidos critérios de determinação da pena concreta e nos factos concretamente apurados, entendemos ajustada e proporcional à culpa do recorrente e às necessidades de prevenção geral e especial, as penas concretamente fixadas em 3 (três) anos e 6 (seis meses) de prisão e de 6 (seis) anos de prisão.
Vejamos agora a pena única encontrada em face das regras da punição do concurso previstas no artigo 77º do Código Penal.
Na medida da pena haverão de ser considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, assim se respeitando o essencial da pena unitária.
Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, caráter unitário” [Manuel de Oliveira Leal Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, Código Penal Anotado, 3ª edição, 1º Volume, Parte Geral, pág. 912.]. É que “não tendo o legislador nacional optado pelo sistema da acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena unitária pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.”[Cf. Acórdão do STJ de 24.02.2010, processo nº 563/03.9PRPRT.S1, disponível in www.dgsi.pt].

“A medida da pena única é fixada, pois, mediante a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, procurando-se aferir designadamente se os factos e crimes em concurso são expressivos de uma inclinação criminosa ou apenas delitos ocasionais, apurando-se ainda a ilicitude dos factos no seu conjunto e a sua eventual conexão, motivações subjacentes, danosidade social dos factos, e assim, ponderar o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente”[Cfr. Figueiredo Dias, In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 290 a 292].

Importará, assim, analisar a existência de uma eventual conexão entre os factos em concurso, o seu contexto e frequência, bem como a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos violados, o número, a natureza e a gravidade dos crimes cometidos e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, para assim permitir a perspetiva unitária e global que assegure as finalidades da pena (única).

Na decisão recorrida a este propósito escreveu-se o seguinte:
“Tendo em conta que as condenações em apreço se mostram em situação de concurso, nos termos do art. 77.º, do C.P. há que aplicar ao arguido uma pena única. Como moldura do cúmulo jurídico de penas temos seis anos de prisão como limite mínimo e nove anos e seis meses de prisão como limite máximo.
Tendo em conta o curto espaço de tempo em que decorreu a ação do arguido, as dores por esta sofrida, mas não deixando de ter em conta as lesões psicológicas que o arguido causou com a sua conduta entende-se aplicar ao arguido uma pena de sete anos e seis meses de prisão”.

Ora, como decorre o limite mínimo da moldura penal situa-se em 6 (seis) anos e o limite máximo em 9 (nove) anos e 6 ( seis) meses.
Está em causa um crime de violência doméstica cujos factos se prolongaram por mais de um ano e um crime de violação cometido a 14.08.2022.

As exigências de prevenção geral decorrentes da globalidade dos factos que se apreciam são elevadas, tendo em conta os concretos bens jurídicos violados e a danosidade social inerente, sendo premente o sentimento da comunidade em face dos crimes que atentam contra a dignidade humana, particularmente no contexto dos relacionamentos amorosos.

Em sede de prevenção especial, são de ponderar, como o foram, as exigências em presença.

O arguido não tem antecedentes criminais.

Como se refere no Acórdão do STJ de 08.07.2020 [processo nº 74/14.7JAPTM.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt] se escreve: “Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, justificativa de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte de onde brota, a jusante, considerável litigância recursória perante o STJ, desenhou-se neste Tribunal uma corrente jurisprudencial que tendencialmente faz intervir, dentro da nova moldura penal, operações aritméticas que devem guiar o tribunal na fixação do quantum da pena conjunta. Resumidamente, na sua veste mais recente, sustenta que na determinação da medida da pena única, se deve adotar um critério consistente em adicionar à pena parcelar mais grave, que fixa o limiar inferior da moldura do cúmulo, uma fração das restantes penas, sendo a partir deste valor, consideradas as especificidades do caso concreto. Atendendo à regra ínsita no art. 77º nº 1 do Código Penal, para determinar a fração, toma-se em consideração principalmente o tipo de criminalidade e a dimensão das penas parcelares cumuladas e, complementarmente, a personalidade do arguido expressada nos factos ou que os factos revelam.
A. G. Lourenço Martins, estudando a jurisprudência deste Supremo sobre a medida da pena, defende a adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento, que há-de ser encontrado na pena conjunta.
Sustenta-se no Ac. de 27/01/2016 deste Supremo Tribunal que “não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.
Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.
Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77).
A utilização de tal critério de determinação da pena conjunta está relacionada com uma destrinça fundamental que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função da fenomenologia criminal. Na operação de cálculo do fator de compressão importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave – diferença de tratamento que o legislador penal e processual penal expressou vivamente -, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos pessoais fundamentais como a própria vida.”

Ora, nos autos estão em causa dois crimes graves praticados num relativo curto espaço de tempo mas os factos atentam contra bens jurídicos pessoais e muito relevantes.

Ponderando, pois, a avaliação do ilícito global perpetrado, e a sua relação com a personalidade do arguido, reconhece-se que o conjunto dos factos evidencia um ilícito global bastante desvalioso, e a culpa do arguido é elevada.

Apesar da ausência de passado criminal do arguido e da sua juventude, importa que a pena única demonstre adequação, justeza, e proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois fatores - a gravidade do ilícito que resulta da prática dos dois crimes em apreço e o percurso de vida do arguido - tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso.

E assim, fazendo apelo aos critérios de compressão acima referidos cremos que a pena única encontrada de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses se mostra proporcional e adequada a dar satisfação às exigências de prevenção, quer geral, quer especial que a situação presente impõe e não se mostra ultrapassada pela culpa do arguido – situando-se entre um terço da diferença entre a pena mais baixa e a pena mais alta (7 anos e 2 meses) e metade dessa diferença (7 anos e 9 meses).

Sendo esta pena superior a 5 (cinco) anos de prisão, limite máximo estabelecido pelo legislador, no art. 50º do Código Penal, mostra-se legalmente impossível operar a suspensão da sua execução.

Deste modo, improcede, também nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.
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IIIDISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique.
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Lisboa, 9 de abril de 2024


[Texto elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]


Sandra Ferreira
(Juíza Desembargadora Relatora)
Sara dos Reis Marques
(Juíza Desembargadora Adjunta)
Ana Cláudia Nogueira
(Juíza Desembargadora Adjunta)