MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
CAUSALIDADE ADEQUADA
Sumário

I - A violação culposa de dever de informação que impende sobre o mediador imobiliário perante terceiro interessado é suscetível de o constituir na obrigação de indemnizar.
II - Impende sobre aquele que se arroga o direito a indemnização o ónus da alegação e da prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do disposto no art.º 483.º do Código Civil.
III - Não existe causalidade adequada entre a omissão de informação pelo mediador de que sobre o imóvel prometido vender impendem ónus e o prejuízo sofrido pelo promitente comprador na decorrência da não celebração do contrato prometido por recusa do vendedor.

Texto Integral

Proc. 5846/20.0T8MTS.P1


Relatora: Teresa Fonseca
1.º adjunto: Manuel Fernandes
2.ª adjunta: Eugénia Maria Marinho Cunha


Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

AA e BB intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC, DD e “A..., Unipessoal, Lda.”.
Pedem a condenação dos RR. CC e DD a pagar-lhes €20.000,00 e juros moratórios e da R. “A..., Unipessoal, Lda.”, solidariamente com aqueles, no pagamento de €10.000,00 e juros moratórios.
Alegaram:
- que em meados de setembro/outubro de 2019, procuravam um imóvel para adquirir na zona de Matosinhos, tendo sua filha visto na montra da loja da terceira R. a publicidade de um T1 na ..., ..., para venda por €100.000,00;
- que o A. se deslocou às instalações da R., onde foi recebido pelo mediador EE, tendo sido agendada visita, realizada na data combinada, na presença do segundo R., que lhes mostrou a fração;
- que formalizaram proposta, tendo sido aceite o valor de €98.800, ficando acordado que, na data da outorga do contrato promessa, pagariam €10.000,00 a título de sinal e o remanescente na data da escritura;
- que em 28 de outubro de 2019 se deslocaram às instalações da R., tendo-lhes sido apresentado contrato promessa já assinado pelos primeira e segundo RR., assinando-o, por sua vez, na presença do mediador;
- que foi transferido o valor do sinal;
- que durante os dois meses seguintes foram contactando o mediador da terceira R. para proceder à marcação da escritura, tendo sido aconselhados a esperar um pouco porque seriam beneficiados no pagamento do IMI;
- que apuraram estar registada penhora, datada de 25 de outubro de 2018, o que nunca lhes tinha sido transmitido;
- que, após reunião, os mediadores da terceira R. comunicaram o agendamento da escritura para 11 de Fevereiro de 2020, pelas 11h00, num cartório do Porto, data que comunicaram aos primeiros RR. por carta registada, que não foi reclamada;
- que na data em causa se deslocaram ao cartório notarial, não tendo os RR. comparecido;
- que agendaram a escritura para 30 de março de 2020, pelas 11h00, num cartório de Matosinhos, remetendo carta de comunicação aos primeiros RR. mas, que devido à pandemia, decidiram adiar, o que comunicaram;
- que agendaram a escritura para 8 de junho pelas 11h00, no mesmo cartório, remetendo aos primeiros RR. carta registada com aviso de receção, em que os advertiam que, caso não comparecessem, considerariam o contrato promessa incumprido;
- que verificaram que havia uma outra penhora registada em 20 de dezembro de 2020;
- que na data agendada os primeiros RR. não compareceram no cartório.
A R. “A...” contestou. Invocou a sua ilegitimidade, alegando ter celebrado com EE um protocolo de parceria comercial para dinamizar os respetivos negócios de mediação imobiliária, definindo os locais de exercício da atividade, sendo o deste o local onde os AA. viram anunciada a venda. Negou que aquele seja seu mediador, acrescentando não conhecer os intervenientes nem o negócio, que não lhe foi comunicado, não tendo recebido qualquer quantia.
Suscitou incidente de intervenção principal provocada de EE, alegando que a loja onde os AA. visualizaram a publicidade do imóvel é local da atividade daquele e não sua, não sendo aquele seu mediador. Acrescentou que não conhece o imóvel, que não o anunciou e que não recebeu documentos atinentes nem remuneração.
Os AA. exerceram o contraditório, argumentando que o anúncio estava impresso em folha com o logotipo da R., incluindo a identificação da sua licença AMI, que foram atendidos pelo interveniente que se identificou como mediador imobiliário daquela e que resulta do protocolo que, caso a compra e venda se tivesse concretizado, a mesma iria receber uma comissão.
Deferido o incidente como intervenção acessória e realizada a citação, o interveniente contestou. Contrapôs:
- que os AA. pretendiam celebrar o contrato de compra e venda mesmo depois de saberem que o imóvel estava onerado com uma hipoteca e uma penhora, estando devidamente assessorados por advogada;
- que a venda prometida era livre de encargos, ónus ou hipotecas, obrigação que se não fosse cumprida permitia aos AA. recusar a outorga, resolver o contrato e exigir o sinal em dobro;
- que os promitentes vendedores tinham as suas contas bloqueadas/penhoradas, tendo-lhe pedido para disponibilizar a sua conta para realização das transferências, o que o A. sabia quando se deslocou ao Banco e fez a transferência e que, posteriormente, levantou o dinheiro entregando-o ao R..
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade, pronunciando-se pela validade e regularidade dos pressupostos processuais.
Identificado o litígio, foram enunciados temas da prova.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, condenando os RR. CC e DD a pagar aos AA. €20.000,00 a título de restituição do sinal em dobro, acrescidos de juros à taxa legal de 4%, desde 18 de dezembro de 2020, até pagamento e a R. “A..., Unipessoal, Lda.” a pagar aos AA., solidariamente com os RR. CC e DD €10.000,00, correspondente ao valor do sinal, acrescidos de juros à taxa legal de 4%, desde 15 de janeiro de 2021, até pagamento.
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O interveniente EE interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões
1. A sentença recorrida prejudica o recorrente de forma direta e efetiva, tendo este manifesto interesse em impugná-la, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito.
2. A condenação da 3.ª Ré assenta no alegado incumprimento por parte do interveniente acessório do dever de informação e consequente responsabilidade de indemnizar.
3. Mantendo-se a sentença recorrida a matéria que está incorretamente decidida fará caso julgado e o recorrente ver-se-á obrigado a aceitá-la em ação de regresso que venha a ser proposta pela R. “A...” (art.º 332.º do C.P.C.).
4. Tendo em conta que o recorrente foi chamado aos presentes autos precisamente para acautelar o direito de regresso da 3.ª R., a interposição de ação com tal finalidade não é um evento hipotético, eventual, indireto ou incerto.
5. O incidente suscitado pela Ré implica custos (taxa de justiça e custas do incidente), pelo que se não existisse uma vontade séria de exercer contra o recorrente o direito de regresso, certamente que tais despesas seriam evitadas.
6. Deve, pois, o presente recurso ser admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 631.º do CPC.
7. Uma interpretação do artigo 631.º, n.º 2 do CPC distinta da que se defende, consubstancia uma manifesta interpretação violadora do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
8. Interpretação cuja inconstitucionalidade expressamente se invoca
9. O tribunal a quo deu erradamente como provado que «O Interveniente Acessório não informou os Autores sobre os ónus referidos em 27)» matéria que consta do ponto 28 da matéria assente.
10. O meio de prova que permitiu ao tribunal dar este facto essencial à discussão da responsabilidade da 3.ª Ré, foi a “informação do registo de fls. 12 (documento 5 junto com a petição inicial) da qual resulta a aquisição da fração pela Ré CC no estado de solteira, através de financiamento do Banco 1...”.
11. A Informação Predial Simplificada junta como documento 5 da PI, não tem qualquer valor probatório para além de atestar a situação registral da fração na data em que foi emitida (10/12/2019).
12. O facto de o imóvel estar registado apenas em nome da promitente vendedora (a Ré CC) não permite retirar qualquer conclusão sobre o cumprimento ou incumprimento por parte do interveniente acessório do dever de informação previsto no artigo 17.º da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro.
13. Muito menos permite concluir que o recorrente não teve o cuidado de obter certidão do registo do imóvel para se inteirar da sua situação.
14. Poderia, com muitíssima boa vontade, vislumbrar-se algum sentido no raciocínio do tribunal se o contrato promessa tivesse sido assinado apenas pelo Réu DD (ainda que, como se sabe, é possível alguém prometer vender algo de que não é proprietário).
15. Mas tendo o contrato promessa sido outorgado pela proprietária da fração prometida vender, o raciocínio do tribunal é fica desprovido de qualquer sentido.
16. O artigo 17.º, n.º 1 da Lei 15/2013, de 8/02 estabelece os deveres da empresa de mediação para com os seus clientes e destinatários. A inobservância desses deveres constituiu a empresa na obrigação de indemnizar os lesados, cabendo a estes o ónus de alegação e prova dos pressupostos da responsabilidade civil por se tratar de um facto constitutivo da pretensão (artigos 483.º ou 486.º do CC), inexistindo presunção legal que transfira tal ónus para a contraparte (aplicando-se o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CC.
17. Cabia aos AA. fazer prova da violação por parte da 3.ª Ré, na pessoa do interveniente acessório, do dever de informação.
18. Não foi feita qualquer prova pelo que a matéria vertida no artigo 51.º da PI tem obrigatoriamente de se considerar não provada, eliminando-se o ponto 28 dos factos assentes.
19. O tribunal recorrido deu ainda erradamente como provado que «A Atuação do Interveniente Acessório criou nos Autores a confiança de que o imóvel que pretendiam adquirir não tinha quaisquer ónus que o impedissem (resposta ao artigo 48.º da petição inicial)» matéria inserta no ponto 41 dos factos provados.
20. Estamos perante uma conclusão e não um facto, o que desde logo impede a sua inclusão na matéria assente.
21. Seja como for, não foi produzida qualquer prova que permita dar esta matéria como provada.
22. Podemos ler na sentença recorrida (fls. 10) que a informação do registo de fls. 12 dos autos (documento 5 junto com a PI) foi essencial para a fixação do ponto 41) da fundamentação de facto.
23. O documento em apreço não dá qualquer informação sobre o comportamento dos intervenientes nos presentes autos e menos ainda permite que dele se extraia a conclusão de que o recorrente criou junto dos AA. a confiança de que o imóvel não tinha ónus.
24. Uma tal conclusão para além de não ter apoio nos factos provados é além do mais inverosímil, porquanto qualquer homem médio sabe que dificilmente algum imóvel é comprado sem o recurso ao crédito e que tal implica a constituição de uma hipoteca sobre o bem.
25. Por outro lado, tendo os AA sido informados pelo recorrente que os promitentes vendedores tinham as contas bancárias penhoradas – vide ponto 22 dos factos provados – e tendo os AA. aceitado efetuar o pagamento do sinal para uma conta de terceiro (pontos 23 e 24 dos factos provados), é igualmente inverosímil que não tivessem sido informados da existência da penhora.
26. A sentença recorrida alicerça a condenação da 3.ª Ré no incumprimento por parte do interveniente acessório do dever de informação contemplado no artigo 17.º, n. º1 alínea c) da Lei 15/2013 que terá induzido em erro os Autores sobre o objeto do negócio que se dispuseram a celebrar (vide fls. 25 da decisão recorrida).
27. Não tendo ficado provado o incumprimento do dever de informação, nem que o recorrente gerou nos AA. a confiança de que a fração não tinha ónus, toda a fundamentação da sentença cai por terra, tendo a condenação da 3.ª Ré A... que improceder.
28. Subsidiariamente e sem prescindir, mesmo que a matéria de facto impugnada se venha a manter, o que só para efeitos de raciocínio se admite, ainda assim não poderá proceder a condenação da 3.ª Ré.
29. Resulta dos pontos 31 a 38 dos factos provados que os AA. tendo conhecimento dos ónus que incidiam sobre a fração mantiveram interesse na conclusão do negócio.
30. No artigo 26.º da PI alegaram expressamente que “queriam ver a escritura de compra e venda marcada.”
31. Para tanto diligenciaram a marcação de três datas para a realização da escritura.
32. E nem se diga - até porque ninguém o alegou – que o fizeram apenas para transformar a mora em incumprimento definitivo.
33. Os AA. estavam devidamente assessorados por uma advogada e podiam ter resolvido o contrato por erro sobre o objeto do negócio ou por perda de interesse se fosse esse o caso.
34. Mas os AA. claramente não pretendiam resolver o contrato, pretendiam sim o seu cumprimento, mantendo por isso interesse na realização do negócio apesar dos ónus que incidiam sobre o imóvel.
35. O que se compreende porquanto o preço acordado era superior ao valor dos ónus (o tribunal refere-o a fls. 26 da sentença).
36. A venda não se concretizou porque os promitentes vendedores não compareceram à escritura, incumprindo o contrato e constituindo-se na obrigação de indemnizar os AA.
37. Partindo do princípio – que não se aceita – que os AA. no momento da assinatura do contrato promessa não conheciam a existência dos ónus que incidiam sobre a fração, não há um único facto assente que permita concluir que caso tivessem conhecimento não teriam outorgado o contrato e pago o sinal.
38. Os AA. não alegaram na sua PI um facto essencial à procedência da sua pretensão: a de que não teriam outorgado o contrato e pago o sinal se soubessem da existência dos ónus (a duas hipotecas e a penhora).
39. Não sendo sequer possível concluir do comportamento posterior à alegada descoberta por meios próprios da existência dos ónus, que teria sido essa a decisão dos AA.
40. Aliás, a poder-se concluir algo é precisamente o contrário, isto é, os AA., depois de alegadamente terem descoberto por meios próprios a existência dos ónus, mantiveram interesse no cumprimento do contrato que assinaram.
41. Na altura em que marcaram as escrituras, para além das hipotecas e da penhora que já se encontravam registadas aquando do contrato promessa, havia uma outra penhora no valor de 24.224,97 Euros e nem esse facto intimidou ou desmotivou os AA.
42. O que bem se compreende quando se tem presente o facto dos AA. sabendo que os promitentes vendedores tinham dívidas que resultaram na penhora de contas bancárias, ainda assim concluíram o contrato promessa aceitando pagar o sinal para a conta de um terceiro.
43. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 17.º, n. º1 da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro e nos artigos 497.º, 562.º, 563.º todos do CC
Termos em que o presente recurso deve ser julgado provado e procedente e em consequência ser proferido acórdão que: revogue a sentença recorrida na parte em que condena a 3.ª Ré A..., Unipessoal, Lda no pagamento aos Autores, solidariamente com os Réus CC e DD, da quantia de 10.000,00 Euros, acrescida de juros; absolva a 3.ª Ré A..., Unipessoal, Lda do pedido.
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A R. “A..., Lda.” interpôs recurso, rematando com as conclusões que se seguem.
A) Com o presente recurso visa a Recorrente questionar a apreciação da prova feita, do que resultará ser posta em crise a douta decisão na parte que à recorrente concerne.
B) Com o devido respeito por opinião diversa, a fundamentação assentou em erro de apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
C) Prova essa que se mostra em contradição com factos que foram dados como provados.
D) Ao assim haver sucedido, para além destes factos dados como provados pelo Tribunal “a quo”, quando não o deveriam ter sido, leva a que os mesmos se mostrem em contradição com os demais factos provados.
E) Concretamente, o recorrente impugna o ponto 11 dos factos dados como provados, que acaba por contradizer os pontos 9, 25 e 26 daquele mesmo elenco de factos.
F) Para além disso, o recorrente impugna o ponto 28 dos factos considerados provados.
G) Impugna também a fundamentação do ponto 41 dos mesmos factos provados.
H) A recorrente sempre negou o seu conhecimento e, consequentemente, o seu envolvimento no negócio de compra e venda descrito nos autos.
I) Apresentou defesa, fazendo intervir acessoriamente EE.
J) Chamado que contestou, confirmando o total desconhecimento da recorrente do negócio em crise.
K) Pelo que a recorrente nunca teve, nem podia ter, qualquer domínio sobre o negócio, ou a forma como o mesmo seria conduzido.
L) Domínio que apenas se verifica quando os imóveis são lançados na plataforma informática da 3ª Ré, que como se demonstrou, não foi.
M) Logo não se podia ter dado como provado o facto constante do ponto “11. O Interveniente Acessório providenciou pelo registo dos dados do imóvel na plataforma gerida pela Ré sociedade.
N) Ao dar-se como não provado aquele facto, necessariamente haveria de ser afastado o regime de responsabilização da apelante, uma vez que, a haver algum cumprimento defeituoso daquilo que seria sua obrigação, o que como já referido se não concede, tal não advém de culpa sua.
O) Ainda que assim se não entendesse, apontando-se para atitude negligente da recorrente, que se traduziu em ocultação dos ónus aos recorridos, tal não poderia, ainda assim, determinar qualquer condenação da recorrente.
P) Apurou-se que os recorridos tiveram conhecimento da existência de ónus, que impendiam sobre o imóvel, antes de outorgarem o contrato promessa.
Q) Mesmo assim, e após conhecimento dos mesmos, os recorridos quiseram celebrar contrato promessa de compra e venda.
R) Podendo, na altura, e devidamente informados sobre a situação jurídica do prédio, por Advogada a quem solicitaram apoio jurídico, não ter outorgado qualquer promessa.
S) Contudo, para além de a outorgarem, mesmo depois de conscientes dos ónus, ainda se disponibilizaram a liquidar o sinal acordado, como liquidaram, mesmo depois de saber de todo o circunstancialismo que envolvia o negócio.
T) O que é até normal, já que a maioria dos negócios que envolvem transação de imóveis implicam, na grande maioria dos casos, cancelamentos de ónus e encargos até à data de escritura.
U) Não foi, por isso, qualquer ação ou omissão da recorrente que veio a causar prejuízo aos recorridos.
V) Nem nunca ficou demonstrado que para os recorrentes, no âmbito do presente negócio, constituía condição sine qua non para contratar a inexistência de quaisquer ónus.
W) Podendo estes determinar-se em sentido diverso, mesmo antes de haverem assinado a promessa e pago o sinal, aceitaram celebrar o negócio, apesar de sabedores dos ónus existentes, correndo o risco que a este negócio, assim como a todos os outros de igual natureza, está sempre intrínseco.
X) Pelo que não poderia ter sido dado como provado, pelo Tribunal “a quo”, o facto vertido ao ponto 28: “28. O Interveniente Acessório não informou os Autores sobre os ónus referidos em 27).
Y) Nem mesmo o ponto 41: “41 A Atuação do Interveniente Acessório criou nos Autores a confiança de que o imóvel que pretendiam adquirir não tinha quaisquer ónus que o impedissem”
Z) A douta sentença recorrida violou, por má interpretação da prova produzida, o disposto nos artigos 5º n.º 2 al. a) e 607º n. º 4, ambos do C.P.C.
AA) O que determinou a má aplicação do Direito, mormente o disposto aos artigos 483º e seguintes do C.C., e do preceituado aos artigos 7º nºs 4 e 5, e 17º n.º 1 da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro, e 800º do C.C.
BB) A correta apreciação da prova, determinaria a absolvição da recorrente, já que ficou demonstrado e provado, que a haver qualquer falta de cumprimento, ou até cumprimento defeituoso das obrigações legais da recorrente, tal não procede de culpa sua.
CC) Impondo-se assim a aplicação da disciplina vertida ao 799º n.º 1 do C.C., e a absolvição da recorrente do pedido.
Pede a revogação da sentença, determinando-se a sua absolvição.
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Os AA. contra-alegaram, finalizando nos termos que se seguem.
A. O Recorrente Interveniente e a Recorrente Sociedade pretendem recorrer da douta sentença, a fim de reverter a condenação da Recorrente sociedade no pagamento do sinal no valor €10.000,00 (dez mil euros), mais os respetivos juros.
B. A douta decisão recorrida, é, no nosso entendimento, irrepreensível, fazendo uma correta e ponderosa aplicação do direito aos factos, valorando criteriosamente todos os elementos constantes nos autos.
C. No entanto, é imperativo avaliar inicialmente que, nos termos do artigo 631.º do Código de Processo Civil, o Recorrente Interveniente Acessório não tem legitimidade para interpor recurso, uma vez que não sofreu um prejuízo direto em decorrência da sentença proferida, já que não é condenado ao cumprimento de qualquer obrigação.
D. Como também pretende uma reapreciação da matéria de facto, não cumprindo com as disposições estabelecidas no artigo 640.º do Código Processo Civil.
E. No entanto, nas alegações do Recorrente Interveniente, embora mencione os pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, omite a especificação dos meios probatórios concretos presentes no processo ou na gravação. Não tendo sido efetuada qualquer transcrição de depoimento que fundamentasse uma decisão alternativa.
F. Sendo necessário rejeitar o recurso, quer por ilegitimidade por força do artigo 631.º n.º 1 e 2, do Código Processo Civil, quer pela falta de cumprimento dos trâmites estatuídos no artigo 640.º do Código Processo Civil.
G. Mesmo que assim não se entenda e fosse analisada a fundamentação, a Recorrente sociedade e o Recorrente interveniente, contrariam os pontos 28 e 41 dos Factos Provados, mais acrescentando o ponto 11 dos factos provados a sociedade Recorrente afirmando, repetitivamente, de forma errónea que os Recorridos possuíam conhecimento do ónus existente.
H. Quanto ao Ponto 11 dos Factos Provados, o Interveniente Acessório publicitou o imóvel, usufruindo dos meios publicitários da Recorrente Sociedade, pelo que não pode esta pretender uma irresponsabilização da sua parte tanto que podia, a qualquer momento, fiscalizar a atividade daquele.
I. Já o Ponto 28 dos Factos Provados, não pode ser posto em causa, não tendo logrado os Recorrentes demonstrar factualidade suscetível de pôr em causa o que se dá como provado, ademais que o documento 5 da petição, evidencia que os Recorridos só conheceram todos os ónus existentes no imóvel após a data da celebração do Contrato de promessa de compra e venda, admitindo a própria testemunha do Interveniente Acessório que nunca foi feita qualquer verificação quanto ao estado do mesmo.
J. A totalidade da prova documental apresentada pelos Recorridos corrobora a narrativa de que estes nunca foram devidamente informados acerca dos ónus, da presença de um inquilino, e da singularidade da promitente vendedora. Esses documentos refletem a ausência de comunicação efetiva por parte dos Recorrentes, ressaltando que os Recorridos adquiriram conhecimento dos ónus após o contrato promessa e por seu próprio mote.
K. Quanto Ponto 41) do Factos Provados - a atuação do Interveniente Acessório gerou nos Autores a confiança de que o imóvel desejado não possuía ónus impeditivos à sua transação - o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, por via do documento 5 da Petição Inicial, que o Recorrente Interveniente interpreta como insuficiente, todavia corrobora que os Recorridos só souberam de todas as vicissitudes, após a celebração do contrato de promessa de compra e venda.
L. Não se pode querer fazer crer que não houve qualquer intervenção imobiliária quando o imóvel chegou ao conhecimento dos Recorridos através da imobiliária Apelante, as visitas foram acompanhadas pelos mediadores, o contrato promessa foi assinado nas instalações da mesma, factos que não são postos em causa.
M. Desta forma, nada do que é alegado pelo Recorrente Interveniente e pela Recorrente Sociedade é suscetível de levar à modificação da sentença proferida nos presentes autos.
N. Portanto, impõe-se a manutenção integral da douta sentença nos precisos termos em que foi proferida.
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II - Questões a dirimir
a - da legitimidade do interveniente para interpor recurso;
b - da verificação dos pressupostos para conhecer da impugnação da matéria de facto pelo interveniente;
c - da reapreciação da matéria de facto impugnada pelo interveniente;
d - da reapreciação da matéria de facto impugnada pela R.;
e - da reapreciação jurídica da causa: se existe responsabilidade da mediadora imobiliária pelo incumprimento do dever de informação dos ónus incidentes sobre o imóvel que seja causal dos prejuízos dos AA..
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III - Fundamentação de facto

1. Em meados do mês de setembro/outubro de 2019, os Autores procuravam um imóvel para adquirir na zona de Matosinhos [resposta ao artigo 1º da petição inicial].
2. A filha dos Autores, FF, viu na montra de uma loja situada na Avenida ..., em ..., publicidade para venda de um T1 sito na ..., ..., pelo preço de € 100.000 [resposta ao artigo 2º da petição inicial].
3. A Ré A..., Unipessoal, Ld.ª tem por objeto a mediação imobiliária, sendo titular da licença AMI nº ...91 [alínea O) do despacho em referência].
4. Por escrito datado de 4 de julho de 2015, denominado “protocolo de parceria comercial”, assinado pelo gerente da Ré sociedade e pelo Interveniente Acessório, os mesmos declararam ter como atividade principal a mediação imobiliária, tendo como objetivo “aumentar a capacidade de resposta aos seus clientes, alavancando, quer cada um por si, quer em conjunto, a produtividade de ambos”, admitindo incorporar nessa parceria outras empresas que “potenciem e promovam a atividade objeto deste contrato, desde que haja comum acordo e o mesmo seja preferencialmente reduzido a escrito” [alínea P) do despacho em referência e documento junto com a contestação].
5. No escrito identificado em 4) ficou a constar que a parceria se iniciava em 1 de junho de 2015, seria válida por um ano e renovável por iguais períodos, desde que não fosse denunciada com 60 dias de antecedência da sua renovação, por carta registada com aviso de receção e que a Ré exercia a sua atividade na Rua ..., ..., no Porto e o Interveniente na Avenida ..., ..., Matosinhos ou noutros locais que pudessem vir a explorar [alínea Q) do despacho em referência e documento junto com a contestação].
6. Mais declararam acordar em permitir a partilha de imóveis e clientes, no que concerne à atividade de mediação imobiliária ou outras que pudessem vir a exercer no âmbito da sua atividade, funcionando as comissões e pagamentos da seguinte forma:
a) o Interveniente pagaria 30% da comissão de todos os negócios que realizasse, quer fossem vendas, arrendamentos, permutas ou outros, fruto da parceria, valor esse considerado como retribuição dos serviços prestados pela Ré;
b) sempre que a Ré ou a sua equipa comercial comercializassem imóveis angariados pelo Interveniente, a distribuição das comissões seria de 30% para a Ré relativamente à retribuição da parceria, 30% para o vendedor responsável pelo negócio, 10% para o Interveniente relativamente à angariação do imóvel e os restantes 30% seriam divididos em partes iguais entre os dois outorgantes [alínea R) do despacho em referência e documento junto com a contestação].
7. O local identificado em 2) corresponde ao local onde o Interveniente Acessório EE exercia a atividade referida em 4) [resposta aos artigos 5º, 6º, 7º da contestação].
8. O anúncio referido em 2) encontrava-se impresso em folha com o logótipo da Ré sociedade e a identificação da sua licença AMI [resposta ao artigo 4º da petição inicial].
9. Do anúncio não constava a referência do imóvel, que corresponde ao código/número conferido a um imóvel quando inserido na base de dados da imobiliária [resposta ao artigo 10º da contestação da Ré e 45º da contestação do Interveniente Acessório].
10. O acordo entre os Réus e o Interveniente Acessório subjacente à publicidade referida em 2) não foi reduzido a escrito [resposta ao artigo 43º da contestação do Interveniente Acessório].
11. O Interveniente Acessório providenciou pelo registo dos dados do imóvel na plataforma gerida pela Ré sociedade [resposta ao artigo 44º do Interveniente Acessório].
12. O Autor dirigiu-se ao local referido em 2), onde foi recebido pelo Interveniente Acessório, a quem manifestou o seu interesse na fração autónoma anunciada [resposta ao artigo 5º da petição inicial].
13. Os Autores inquiriram se o vendedor estaria disposto a baixar o valor do mesmo para os €95.000 [resposta ao artigo 6º da petição inicial].
14. Foi agendada uma visita ao imóvel, deslocando-se ali os Autores com o Interveniente Acessório na data combinada [resposta aos artigos 7º, 8º da petição inicial].
15. Os Autores e o Interveniente Acessório foram recebidos pelo Réu DD que mostrou o imóvel [resposta aos artigos 9º, 10º da petição inicial].
16. Como o apartamento era do agrado dos Autores, após negociação com o Réu, foi acertado o preço de €98.800 e um sinal de €10.000 [resposta aos artigos 11º e 12º da petição inicial].
17. Por escrito datado de 29 de outubro de 2019, assinado pelos Réus CC e DD e pelos Autores, os primeiros declararam ser donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pelas letras “AT”, correspondente a uma habitação T1, no 1º andar centro/frente, com entrada pelo nº ...42, garagem e arrumos ao nível da subcave, a qual faz parte integrante do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o ...73, da mesma freguesia e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...84, com o alvará de licença de utilização emitida em pela Câmara Municipal de Matosinhos e prometer vender aos Autores, livre de pessoas e bens, encargos, ónus ou hipotecas, pelo preço de €98.800, a pagar como sinal e princípio de pagamento, a entregar nessa data, €10.000 de que davam quitação após boa cobrança e €88.800 no ato da escritura pública de compra e venda, a realizar no prazo máximo de 30 dias após a assinatura [alínea A) do despacho em referência e documento 3 junto com a petição inicial].
18. Os Autores declararam, por sua vez, prometer comprar [alínea B) do despacho em referência e documento 3 junto com a petição inicial].
19. Ficou previsto na cláusula 3.ª do escrito identificado em 17) que os Autores se obrigavam a marcar a escritura pública e avisar os Réus, por carta a enviar para a residência destes, com antecedência mínima de 15 dias, da hora, dia e local de realização [alínea C) do despacho em referência e documento 3 junto com a petição inicial].
20. O documento referido em 17) foi assinado pelos Autores nas instalações do Interveniente Acessório referidas em 2), na presença deste e do Réu [resposta aos artigos 13º, 15º da petição inicial].
21. O escrito referido em 17) já se encontrava assinado pela Ré CC [resposta ao artigo 15º da petição inicial].
22. Por ter as contas bancárias bloqueadas/penhoradas, o Réu pretendia receber o montante de €10.000 em numerário, o que foi recusado pelo Autor [resposta aos artigos 33, 34º da contestação do Interveniente Acessório].
23. O montante de €10.000 referido em 17) foi transferido em 28 de Outubro de 2019 da conta nº ...14 do Banco 2..., titulada pelo Autor, para a conta nº ...52 do mesmo Banco titulada pelo Interveniente Acessório [alínea D) do despacho em referência e documento 4 junto com a petição inicial].
24. Para o efeito referido em 23) o Autor deslocou-se com o Réu e o Interveniente Acessório à sucursal do Banco 2... de ... [resposta aos artigos 16º da petição inicial, 39º da contestação do Interveniente Acessório].
25. A Ré sociedade não teve conhecimento do negócio referido em 17) [resposta aos artigos 9º, 10º, 27º, 28º, 29º, 31º da contestação da Ré, 41º da contestação do Interveniente Acessório].
26. A Ré não recebeu qualquer montante relativamente ao negócio referido em 17) [resposta aos artigos 14º, 36º da contestação da Ré].
27. De acordo com a informação em vigor na Conservatória de Registo Predial, à data de 10 de dezembro de 2019 estavam registados sobre a fração identificada em 17):
a) hipoteca voluntária Ap. ...5 de 10 de julho de 2016, a favor de Banco 1..., para garantia do empréstimo de €81.600 de capital, ao juro anual de 8,3%, acrescido de 4% na mora, com montante previsto de saldo devedor de €82.496,80 e montante máximo assegurado de €112.938,12;
b) hipoteca voluntária Ap. ...6 de 10 de julho de 2016, a favor de Banco 1..., para garantia do empréstimo de €5.000 de capital, ao juro anual de 8,3%, acrescido de 4% na mora e montante máximo assegurado de € 6.845;
c) penhora Ap. ...58 de 25 de outubro de 2018, realizada na mesma data, a favor de B..., CRL e sujeito passivo a Ré CC, à ordem do processo nº 22993/17.9T8PRT do Juízo de Execução do Porto, para garantia da quantia exequenda de €16.525,50 [alínea E) do despacho em referência e documento 5 junto com a petição inicial].
28. O Interveniente Acessório não informou os Autores sobre os ónus referidos em 27) [resposta ao artigo 51º da petição inicial].
29. A informação referida em 27) foi obtida pelos Autores na sequência de diligências que realizaram [resposta aos artigos 20º da petição inicial, 7º da contestação do Interveniente Acessório].
30. Após contacto dos Autores, em 16 de janeiro de 2020, o Interveniente Acessório reuniu com a Mandatária dos Autores para explicar a existência da penhora [reposta ao artigo 25º da petição inicial].
31. Por carta registada com aviso de receção, remetida, em 24 de janeiro de 2020, para a morada que consta do escrito identificado em 17), os Autores comunicaram aos Réus que a escritura estava agendada para 11 de fevereiro seguinte, pelas 11h00, no Cartório Notarial da Dr.ª GG, sito na Praça ..., ..., salas ..., no Porto [alínea F) do despacho em referência e documento 6 junto com a petição inicial].
32. A carta identificada em 31) foi devolvida aos Autores por não ter sido reclamada pelos Réus [alínea G) do despacho em referência e documento 7 junto com a petição inicial].
33. Em 11 de fevereiro de 2020, a Notária identificada em 31) lavrou certificado onde fez constar que os Autores haviam comparecido e que a escritura ali referida não se havia realizado por não comparência da parte vendedora [alínea H) do despacho em referência e documento 8 junto com a petição inicial].
34. Por carta registada, remetida em 12 de março de 2020, para a morada que consta do escrito identificado em 17), os Autores comunicaram aos Réus que a escritura estava agendada para o dia 30 desse mês, pelas 11h00, no Cartório Notarial do Dr. HH, sito na Rua ..., ..., em Matosinhos [alínea I) do despacho em referência e documento 9 junto com a petição inicial].
35. Em 26 de março de 2020 a Mandatária dos Autores remeteu aos Réus missiva, por referência ao agendamento da escritura referida em 34), comunicando “face ao estado de emergência decretado, na sequência do surto Covid-19, não é possível a realização da mesma, para cumprimento das medidas de isolamento social. Assim que seja possível proceder ao reagendamento, enviaremos nova comunicação escrita com data, hora e local” [alínea J) do despacho em referência e documento 10 junto com a petição inicial].
36. Por carta registada, remetida em 19 de maio de 2020, para a morada que consta do escrito identificado em 17), a Mandatária dos Autores comunicou aos Réus que a escritura estava agendada para o dia 8 de junho seguinte, pelas 11h00, no Cartório Notarial do Dr. HH, sito na Rua ..., ..., em Matosinhos [alínea K) do despacho em referência e documento 11 junto com a petição inicial].
37. Nas missivas identificadas em 31), 34) e 36) ficou a constar “caso não compareçam à escritura ora agendada, consideraremos que incumpriram definitivamente com o estipulado no mencionado contrato promessa, conferindo-nos a possibilidade de exigir a devolução do sinal em dobro, nos termos do nº 2 do artigo 442º do Código Civil” [alínea L) do despacho em referência e documentos 6, 9 juntos com a petição inicial].
38. Em 8 de junho de 2020, o Notário identificada em 36) lavrou certificado onde fez constar o agendamento da escritura ali referida e que, feita a chamada pelas 11h00 e cerca das 11h30, apenas os Autores se encontravam presentes [alínea M) do despacho em referência e documento 13 junto com a petição inicial].
39. De acordo com a informação em vigor na Conservatória de Registo Predial, à data de 21 de maio de 2020, além dos registos identificados em 27), constava a penhora Ap. ...66 de 20 de dezembro de 2019, a favor de Banco 2..., S.A. e sujeito passivo a Ré CC, à ordem do processo nº 2002/16.6T8PRT do Juízo de Execução do Porto, para garantia da quantia exequenda de € 24.224,97 [alínea N) do despacho em referência e documento 12 junto com a petição inicial].
40. A informação referida em 39) foi obtida pelos Autores na sequência de diligências que realizaram [resposta ao artigo 37º da petição inicial].
41. A atuação do Interveniente Acessório criou nos Autores a confiança de que o imóvel que pretendiam adquirir não tinha quaisquer ónus que o impedissem [resposta ao artigo 48º da petição inicial].
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Não se provaram os seguintes factos:
a) o escrito referido em 17) já se encontrava assinado pelo Réu;
b) durante os dois meses seguintes, os Autores foram contactando sucessivamente o mediador da 3ª Ré para proceder à marcação da escritura de compra e venda;
c) o mediador da 3ª Ré, o Sr. EE, foi aconselhando os Autores a esperar mais um pouco para a marcação da escritura de compra e venda, já que tal até os beneficiaria no pagamento IMI;
d) o Chamado prestou todas as informações e exibiu todos os documentos solicitados pelos Autores;
e) EE não auferiu qualquer remuneração/comissão pelo negócio;
f) o Autor marido foi informado pelo Chamado que não existia qualquer “contrato de mediação”.
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IV - Subsunção jurídica
a - Da legitimidade do interveniente para recorrer
O interveniente acessório vem recorrer da sentença. Alega ter legitimidade para tal nos termos do disposto no art.º 631.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), pois foram dados como assentes factos, que, caso a sentença se venha a confirmar, sendo intentada ação de regresso, lhe acarretarão prejuízo.
Os AA. pugnam pela rejeição do recurso por ausência de legitimidade, já que a decisão proferida não afeta o interveniente direta e imediatamente.
O interveniente acessório é um mero auxiliar na defesa do réu, sem posição material ou substantiva, conforme o disposto no art.º 321.º do C.P.C., ou seja, uma parte meramente acessória e auxiliar.
Prescreve o n.º 2 do mesmo art.º 321.º do C.P.C. que a intervenção do chamado se circunscreve à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento.
O n.º 4 do art.º 323.º do C.P.C. estabelece que a sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no art.º 332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento por este invocável em ulterior ação de indemnização.
No âmbito da presente ação, não tendo o interveniente, naturalmente, sido condenado em qualquer pedido, fica, ainda assim, vinculado a aceitar os factos dados como assentes ou que o venham a ser.
O interveniente pretende ver alterada a seguinte matéria de facto:
1. “O Interveniente Acessório não informou os Autores sobre os ónus referidos em 27)” (artigo 28 dos factos provados);
41. A atuação do Interveniente Acessório criou nos Autores a confiança de que o imóvel que pretendiam adquirir não tinha quaisquer ónus que o impedissem [resposta ao artigo 48º da petição inicial].
25. A Ré sociedade não teve conhecimento do negócio referido em 17.
Com interesse para a decisão dispõe ainda o art.º 631.º do C.P.C.:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2 - As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
3 - O recurso previsto na alínea g) do artigo 696.º pode ser interposto por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença, considerando-se como terceiro o incapaz que interveio no processo como parte, mas por intermédio de representante legal.” (itálico nosso)
Concorda-se com a posição segundo a qual, em princípio, o direito de recorrer é apenas atribuído a quem for parte e lhe advier um prejuízo direito e efetivo da decisão, ou seja, se dela resultar um prejuízo atual e positivo, no sentido de impor responsabilidades ou implicar a imediata afetação de direitos ou interesses juridicamente tutelados (cf. ac. da Relação do Porto de 22-5-2029, proc. 1152/15.0T8VFR.P1, relatado por Manuel Fernandes, aqui 1.º adjunto).
Conforme aí se expende, a ratio legis que preside à norma consistiu em evitar a interposição de recursos em casos de prejuízo eventual reflexo, longínquo, incerto, apenas provável ou possível.
Ocorre, porém, que, no caso vertente, a prova produzida visou, além do mais, a concreta atuação do interveniente na sua relação com a R. “A...”, isto é, a discussão da causa não se cingiu à análise da factualidade relevante para efeitos de condenação dos RR. nos pedidos. Desde logo, dissociou-se a atuação da R. “A...” da do interveniente. Transpõe-se exemplificativamente:
23. O montante de € 10.000 referido em 17) foi transferido em 28 de outubro de 2019 da conta nº ...14 do Banco 2..., titulada pelo Autor, para a conta nº ...52 do mesmo Banco titulada pelo Interveniente Acessório.
24. Para o efeito referido em 23) o Autor deslocou-se com o Réu e o Interveniente Acessório à sucursal do Banco 2... de ....
25. A Ré sociedade não teve conhecimento do negócio referido em 17) (o contrato promessa).
26. A Ré não recebeu qualquer montante relativamente ao negócio referido em 17).
28. O Interveniente Acessório não informou os Autores sobre os ónus referidos em 27).
30. Após contacto dos Autores, em 16 de Janeiro de 2020, o Interveniente Acessório reuniu com a Mandatária dos Autores para explicar a existência da penhora.
41. A atuação do Interveniente Acessório criou nos Autores a confiança de que o imóvel que pretendiam adquirir não tinha quaisquer ónus que o impedissem.
A não se permitir a defesa do interveniente por via de recurso, tal materialidade será tida como consolidada, não podendo este vir a opor-se-lhe na putativa ação de regresso. Assim, pese embora a circunstância de o prejuízo ser apenas provável ou possível, crê-se que o recurso deverá ser admitido por se subsumir ainda à previsão do n.º 2 do art.º 321.º do C.P.C., isto é, porque ao menos a impugnação da matéria de facto é suscetível de vir a ter repercussão na ação de regresso.
Note-se que não se pode assentar em que virá a ter lugar ação de regresso, já que esta se situa num momento futuro, dependendo de atos do réu. Assim, o que possa estar em causa na previsão da expressão repercussão na ação de regresso tem que ser levado em linha de conta independentemente da respetiva propositura. Ora afigura-se-nos iniludível que a matéria supra apontada influenciará o desenlace da ação de regresso que a R. “A...” presumivelmente intentará contra o interveniente, acaso se confirme a sua condenação nestes autos.
Nestes termos, entende-se ser de admitir o recurso interposto pelo interveniente.
*
b - Da verificação dos requisitos da impugnação da matéria de facto efetuada pelo interveniente
Os recorridos consideram que o recurso interposto pelo interveniente quanto à matéria de facto é de rejeitar, porquanto, apesar de este indicar os concretos pontos que considera incorretamente julgados, não especifica quais os meios probatórios que constam do processo ou de gravação que deveriam impor uma decisão diferente. Concretizam que não houve lugar a uma única transcrição de depoimento a sustentar as alterações.
Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto versa o art.º 640.º/1 do C.P.C. que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do disposto no art.º 640.º/2/a) do C.P.C., quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No caso concreto, o recorrente pretende que a matéria dos pontos 28 e 41 dos factos assentes seja dada como não provada com fundamento na ausência de prova a este respeito. Assim, não se poderia exigir que indicasse meios de prova que considera inexistir.
Nesta conformidade, indefere-se a pretensão dos apelados.
*
c - Da reapreciação da matéria de facto requerida pelo interveniente
O interveniente considera que o tribunal a quo deu erradamente como provado que «o Interveniente Acessório não informou os Autores sobre os ónus referidos em 27)» matéria que consta do ponto 28 da matéria assente. Alega que o tribunal fundamentou tal facto na “informação do registo de fls. 12 (documento 5 junto com a petição inicial) da qual resulta a aquisição da fração pela Ré CC no estado de solteira, através de financiamento do Banco 1...”.
Assiste razão ao impugnante quando afirma que a informação predial simplificada junta como documento 5 da PI, não tem valor probatório para além de atestar a situação registral da fração na data em que foi emitida (10/12/2019) e que o facto de o imóvel estar registado apenas em nome da promitente vendedora (a R. CC) não permite retirar qualquer conclusão sobre o cumprimento ou incumprimento por parte do interveniente acessório do dever de informação previsto no art.º 17.º da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro.
Não indicando os recorridos que tenha sido produzida outra prova a este respeito, nem se vislumbrando que tal tenha ocorrido, acolhe-se a pretensão do interveniente, eliminando-se dos factos assentes o ponto 28, facto negativo que precisamente consigna que o interveniente não informou os AA. sobre os ónus.
Sem embargo, atente-se em que do ponto 29 da matéria assente consta que a informação referida no ponto 27 (informação em vigor na Conservatória de Registo Predial, à data de 10 de dezembro de 2019 referente às hipotecas e penhora) foi obtida pelos AA. na sequência de diligências que realizaram e que esta matéria não foi posta em crise pelos recorrentes.
Relativamente ao ponto 41 da matéria adquirida, tem este o seguinte teor:
41. A atuação do Interveniente Acessório criou nos Autores a confiança de que o imóvel que pretendiam adquirir não tinha quaisquer ónus que o impedissem.
O tribunal de 1.ª instância não esclareceu qual tenha sido em concreto a atuação do interveniente que tenha gerado nos AA. a confiança descrita, nem a análise dos autos ou da prova permite inferir qual seja. Acompanha-se, assim, o apelante na sua objeção a que a convicção do tribunal na tal criação de confiança se pudesse ter esteado no documento já assinalado, tal como consta da motivação. Acresce que os AA. aceitaram efetuar o pagamento do sinal para uma conta de terceiro (pontos 23 e 24 dos factos provados), pelo que, no mínimo, é de ponderar que tal se ficasse a dever à circunstância de os promitentes vendedores terem dívidas e não quererem ver o seu dinheiro penhorado.
Em suma, não tendo sido produzida qualquer prova atinente, a matéria vertida no art.º 41.º dos factos assentes deve também ser eliminada.
Defere-se, assim, a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelo interveniente, suprimindo-se dos factos assentes os pontos 28 e 41.
d - Da impugnação da matéria de facto pela R. “A...”
A R. requer que os pontos 28 e 41 dos factos assentes sejam eliminados. Uma vez que já se deferiu idêntica pretensão do interveniente, nada há a decidir neste conspecto.
A R. considera ainda que o ponto 11 dos factos assentes contradiz os pontos 9, 25 e 26.
Reproduzem-se aqui os aludidos pontos da matéria de facto:
11. O Interveniente Acessório providenciou pelo registo dos dados do imóvel na plataforma gerida pela Ré sociedade.
9. Do anúncio não constava a referência do imóvel, que corresponde ao código/número conferido a um imóvel quando inserido na base de dados da imobiliária.
25. A Ré sociedade não teve conhecimento do negócio referido em 17).
26. A Ré não recebeu qualquer montante relativamente ao negócio referido em 17).
Como já se disse a propósito da apreciação da admissibilidade da impugnação da matéria de facto formulada pelo interveniente relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 640.º/1 do C.P.C. a recorrente deveria ter especificado, sob pena de rejeição, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nas suas conclusões, a R. não explicita em que medida há contradição, nem qual ou quais dos factos deveriam subsistir ou qual ou quais dos factos deveriam ser eliminados, cingindo-se a afirmar que existe contradição entre os factos enunciados.
De acordo com as normas conjugadas dos arts. 635.º/3 a 5 e 639º/1/2 do C.P.C. são as conclusões que delimitam o objeto do recurso.
Veja-se no acórdão do S.T.J. de 27-10-2016 (proc. n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Ribeiro Cardoso, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa) que sendo conclusões são não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.
António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2022, 7.ª edição, Almedina, pp. 134/135) escreve: em resultado do que consta do art.º 639.º, n.º 1, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ao das exceções, na contestação.
Em sede de conclusões recursórias, não se vislumbra, quer a especificação de quais os concretos pontos de facto que considerem terem sido incorretamente ajuizados, quer a indicação de qual deveria ter sido a matéria dada como assente.
Em todo o caso, sempre se dirá que não se verifica a contradição apontada.
O facto de o interveniente ter providenciado pelo registo dos dados do imóvel na plataforma gerida pela R. sociedade não colide com a circunstância de não constar do anúncio a referência do imóvel, que corresponde ao código/número conferido a um imóvel quando inserido na base de dados da imobiliária. Tão pouco se entrevê contradição com o desconhecimento pela R. da realização do negócio e com a ausência de perceção de remuneração pelo negócio. Os factos referem-se a momentos negociais distintos e a existência de vicissitudes no negócio, estranhas ao que seria ao seu quadro e desenvolvimento normais, foi precisamente o que culminou na propositura de ação em tribunal.
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e - Da reapreciação jurídica da causa: se existe responsabilidade da R. “A...” enquanto mediadora imobiliária pelo incumprimento do dever de informação dos ónus incidentes sobre o imóvel que seja causal dos prejuízos dos AA..
O contrato de mediação pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição (Barata, Carlos Lacerda, Contrato de Mediação, em Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, 192).
Para que exista mediação, tem o mediador que ter recebido uma incumbência, expressa ou tácita, para certo negócio, tem que haver um acordo entre mediador e solicitante no sentido de o primeiro servir de intermediário num ou mais contratos a celebrar pelo último com terceiros, preparando e aproximando as partes. A conclusão do negócio entre o comitente e o terceiro tem que ser consequência da atividade do mediador/intermediário (cf. Oliveira, Fernando Baptista de, O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial, Centro de Estudos Judiciários, Coleção Formação Contínua, Jurisdição Civil, Outubro de 2016, p. 11).
A apelante “A...” aduz em sua defesa que sempre negou o seu conhecimento do negócio e, consequentemente, o seu envolvimento. Não teria tido domínio sobre a forma como o negócio foi conduzido
Ainda que não seja inteiramente explícita a este propósito, a R. “A..., Unipessoal, Lda.” parece querer enjeitar qualquer responsabilidade por entender que o negócio angariado pelo interveniente não se inseriu no âmbito do acordo que celebrou com o interveniente.
Neste âmbito mais específico apurou-se que a R. “A...” e EE celebraram aquilo que denominaram de “protocolo de parceria comercial”. Nos termos deste acordaram em permitir a partilha de imóveis e clientes, no que concerne à atividade de mediação imobiliária, partilhando proventos. O interveniente pagaria 30% da comissão de todos os negócios que realizasse, fruto da parceria, valor esse considerado como retribuição dos serviços prestados pela R..
Ainda que a celebração de tal acordo de parceria não fosse pacífica, sempre nos poderíamos socorrer do disposto no art.º 800.º/1 do C.C.. Prescreve este art.º que o devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.
Explicita Vaz Serra (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 72, p. 270) que o devedor que se aproveite de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares, que são apenas um instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares alargaram-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles
Por referência ao caso concreto respigamos a seguinte factualidade:
- o local ao qual o A. se dirigiu na sequência da visualização do anúncio de venda do imóvel prometido vender corresponde ao local onde o interveniente exercia a atividade;
- o anúncio referido encontrava-se impresso em folha com o logótipo da R. sociedade e a identificação da sua licença AMI;
- do anúncio não constava a referência do imóvel, que corresponde ao código/número conferido a um imóvel quando inserido na base de dados da imobiliária;
- o interveniente providenciou pelo registo dos dados do imóvel na plataforma gerida pela R.;
- o contrato-promessa foi assinado pelos AA. nas instalações do interveniente;
- a R. sociedade não teve conhecimento do contrato promessa e não recebeu qualquer montante relativamente ao negócio.
Nos termos do art.º 2.º/1 da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, a atividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objeto seja um bem imóvel.
De acordo com o n.º 2 do mesmo art.º a atividade de mediação imobiliária consubstancia-se no desenvolvimento de:
a) ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente;
b) ações de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.
Prevê o art.º 3.º/1 da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro que a atividade de mediação imobiliária só pode ser exercida em território nacional por empresas de mediação imobiliária e mediante contrato.
Por aqui já se vê que o desenvolvimento da atividade em causa pelo interveniente dependia da parceria com a R. “A...”. É iniludível que ao surpreender anúncio impresso em folha com o logótipo da R. sociedade e a identificação da sua licença AMI, os AA. não poderiam deixar de crer que a compra e venda, a ter lugar, seria mediada pela sociedade R..
Aliás, o interveniente providenciou pelo registo dos dados do imóvel na plataforma gerida pela R..
A circunstância de a R. sociedade não ter tido conhecimento do contrato promessa e de não ter recebido qualquer montante relativamente ao negócio (sendo que a compra e venda não se chegou a concretizar), não invalida que tenha havido lugar a angariação da venda do imóvel pelo interveniente, ocorrida no âmbito da parceria entre ambos gizada. A R. “A...” facultou ao interveniente os seus elementos distintivos para que deles este fizesse uso, conforme ocorreu no caso vertente. O negócio que deu causa à presente ação, de acordo com a descrição efetuada pela própria R. da parceria com o interveniente, inseriu-se com inteira propriedade naquilo que foi contratado. Se os precisos termos da parceria foram ou não respeitados trata-se, como é bom de ver, de questão que não cabe apreciar nestes autos.
Por esta via, inexiste, assim, fundamento para a R. “A...” se eximir ao peticionado.
Vejamos agora da responsabilidade da R. no pagamento da quantia entregue a título de sinal pelos AA. por força de violação das obrigações da mediação imobiliária, repercutindo-se, sendo caso disso, nos termos sobreditos, as condutas do interveniente na respetiva esfera jurídica.
Invocaram os AA., como fundamento da ação, para além do mais, e no que à 2.ª R. concerne, a violação por parte desta dos deveres que lhe são impostos pelo art.º 17.º/1 da lei n.º 15/2013 de 8 de fevereiro, ao não os informar, na sua qualidade de promitentes compradores, de que sobre o imóvel que pretendiam adquirir incidiam ónus e encargos.
O contrato de mediação imobiliária é um contrato com eficácia de proteção para terceiros, constituindo a conduta violadora de uma destas obrigações fonte de responsabilidade autónoma, não subsidiária.
Assim, em verificando-se o preenchimento dos requisitos previstos no art.º 483.º/1 do C.C., haverá lugar a responsabilidade civil da empresa mediadora perante o terceiro lesado.
Tal ocorrerá, por exemplo, se os compradores do imóvel se convencerem de que a área do imóvel era superior à real por tal lhes ter sido transmitido pelo mediador (veja-se o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018, proc. 3953/17.6T8LRA.C1, Vítor Amaral).
Recorde-se que à data do contrato promessa incidiam sobre a fração duas hipotecas, uma no valor de €82.496,80 e outra no valor de €5.000,00, bem como penhora no montante de €16.525,50, num total de €103.125,50, sendo certo que o preço da compra e venda era de €98.000,00. O valor dos ónus não distratados era, pois, inclusivamente, superior ao valor de alienação do imóvel, ainda que a penhora, por hipótese, se pudesse reportar a dívida hipotecária.
Neste particular, alegam os apelantes não ter ficado demonstrado que a inexistência de ónus constituía condição sine qua non para a celebração do negócio.
O apelante EE expendeu que os AA., tendo conhecimento dos ónus que incidiam sobre a fração, mantiveram interesse na conclusão do negócio, tendo, inclusivamente, diligenciado pela marcação de três datas para a realização da escritura. Não seria, por conseguinte, de sustentar, não tendo sido alegado, que o fizeram apenas para transformar a mora em incumprimento definitivo.
Em suma, os AA. não teriam alegado um facto essencial à procedência da sua pretensão (no que concerne à R. “A...”, acrescentamos), a de que não teriam outorgado o contrato e pago o sinal se soubessem da existência dos ónus.
É ponto assente que em 29 de outubro de 2019, os AA. e os primeiros Réus celebraram contrato promessa de compra e venda da fração autónoma designada pelas letras “AT”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o ...73, da mesma freguesia, livre de pessoas e bens, encargos, ónus ou hipotecas, pelo preço de €98.800,00, sendo €10.000,00 como sinal e princípio de pagamento e €88.800,00 no ato da escritura pública, a outorgar no prazo máximo de 30 dias após a assinatura, a agendar pelos AA., com aviso dos RR. por carta a enviar para a residência destes, com antecedência mínima de 15 dias, da hora, dia e local de realização.
Os AA. entregaram o valor de €10.000, através de transferência bancária de conta do A. para conta do interveniente, solução alternativa encontrada para o pedido de pagamento em numerário formulado pelo R., que alegou ter contas bancárias bloqueadas/penhoradas, o que fora recusado pelo demandante.
Na sequência de diligências por si efetuadas, que não por outros meios, os AA. apuraram que sobre o imóvel impendiam duas hipotecas voluntárias e uma penhora.
Os AA. instaram reiteradamente os dois primeiros RR. à celebração do contrato definitivo, designando data para a escritura, ato a que aqueles se furtaram.
Tendo o contrato promessa sido julgado definitivamente incumprido, foi proferida sentença que condenou os aludidos RR. a devolverem quantia equivalente ao sinal em dobro.
Vejamos, então, se existe responsabilidade da parte da R. “A..., Unipessoal, Lda.” e, em caso afirmativo, a que título.
Nos termos do disposto no art.º 17.º/1 da aludida Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a lei da mediação imobiliária, a empresa de mediação é obrigada a:
a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover;
b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes;
c) Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro;
d) Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado.
Embora na atual redação do art.º 17.º/1/b/c não conste especificamente, ao contrário do que se verificava no art.º 18.º/1/b do decreto-lei 77/99 de 16/03/99 que as empresas mediadoras são obrigadas a certificar-se antes da celebração do contrato de mediação, “por todos os meios ao seu alcance, se as características do imóvel objeto do contrato de mediação correspondem às fornecidas pelos interessados contratantes e se sobre o mesmo recaem quaisquer ónus ou encargos”, entende-se que se mantém esta obrigação. Estão em causa características relevantes do imóvel essenciais ao negócio visado, suscetíveis de induzir em erro os destinatários desse negócio ou por em causa a concretização do negócio visado. (cf. Fernando Baptista Oliveira, Manual da Mediação Imobiliária, Almedina, p. 108).
O incumprimento destes deveres pode conduzir à responsabilidade da empresa de mediação imobiliária perante os destinatários, como resulta do art.º 7.º/4/5 do diploma em referência quando estatui que o seguro de responsabilidade civil se destina ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de ações ou omissões das empresas, dos seus representantes e dos seus colaboradores, explicitando que se consideram terceiros todos os que, em resultado de um ato de mediação imobiliária, venham a sofrer danos patrimoniais, ainda que não tenham sido parte no contrato de mediação imobiliária.
Note-se que o dever de informação da mediadora imobiliária não é afastado nos casos em que a informação é de acesso público, como é o caso, já que a informação de ónus e encargos consta do registo predial.
Refere Fernando Baptista Oliveira (Manual da Mediação Imobiliária, Almedina 2019, p. 109) que os deveres de informação previstos no art.º 17.º da RJMI “são deveres acessórios da prestação” e, no caso dos deveres de informação aos interessados no negócio, visam a sua proteção, não podendo a mediadora exonerar-se de responsabilidade, imputando o cumprimento deste dever ao próprio interessado ou a um seu representante.
Cabe à mediadora informar de forma completa, quer os seus clientes, quer os destinatários dos serviços por si prestados, não sendo exigível que sejam estes a adotar as medidas necessárias ao seu cabal esclarecimento.
A existência de ónus e encargos incidentes sobre o imóvel é essencial à tomada de decisão de contratar e integra-se nos deveres de informação impostos à mediadora.
Este dever surge como decorrência do disposto no art.º 60.º da Constituição da República Portuguesa. Nos termos do n.º 1 deste preceito, os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.
Não se apurando que a R. mediadora haja inteirado os AA. da existência dos ónus sobre o imóvel, antes tendo estes vindo a colher as devidas informações pelos seus meios, conclui-se que aquela violou o dever de informação que sobre si impendia.
A violação dos deveres de informação faz incorrer o responsável no dever de indemnização dos danos a que haja dado causa, verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Dispõe o art.º 483.º/1 do C.C. que quem com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Deste normativo emerge que constituem pressupostos da obrigação de indemnizar por factos ilícitos o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Vem-se entendendo que a violação de deveres de proteção faz presumir a culpa do obrigado, pelo que incumbiria à mediadora R. provar que atuou sem culpa, o que não se verifica. Referem Sinde Monteiro e Jorge Ferreira (in Rudimentos de Responsabilidade Civil, p. 365, disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/23773/2/49738.pdf) que a orientação dominante vai no sentido de que, provada a infração da norma, deve presumir-se a existência de culpa.
Ainda que assim se entendesse, recorde-se que no nosso ordenamento civil, vigora o princípio da causalidade adequada.
Como se lê no ac. do S.T.J. de 13-1-2003 (proc. 03A1902, Azevedo Ramos), quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adotou a designada doutrina da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão - art. 563 do C.C. A propósito deste pressuposto, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que, segundo a doutrina da causalidade adequada, consagrada no aludido art. 563 do C.C., para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, no plano naturalístico, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois, que em abstrato ou em geral, seja causa adequada do dano. Com efeito, a teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado. Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em abstrato e em geral, adequado e apropriado para provar o dano. Tal significa que a doutrina da causalidade adequada determina que o nexo da causalidade coenvolva matéria de facto (nexo naturalístico: o facto condição sem o qual o dano não se teria verificado) e matéria de direito (nexo de adequação: que o facto, em abstrato ou geral, seja causa adequada do dano).
No caso vertente, o facto voluntário da mediadora consistiu na omissão de informação aos AA. de que sobre o imóvel impendiam hipotecas e penhora. A omissão de informação viola as normas de proteção de terceiro constantes da lei da mediação imobiliária, sendo, por isso, ilícita. Decorre da materialidade apurada que a R. terá agido, se não com culpa, pelo menos com mera culpa ou negligência. O facto é, pois, imputável ao lesante. Mostram-se, assim, verificados estes três requisitos da responsabilidade extra-contratual.
Tampouco oferece dúvidas que os AA. se viram desembolsados de €10.000,00, pelo que a celebração do contrato gerou um dano junto daqueles.
Resta unicamente ponderar se a circunstância de a R. mediadora ter omitido a informação de que sobre o imóvel impendiam duas hipotecas e uma penhora gerou na esfera jurídica dos AA. o dano cujo ressarcimento estes vêm reclamar através da ação no âmbito da qual foi interposto o presente recurso. Ao cabo e ao resto, há que aquilatar se existe nexo de causalidade entre o incumprimento da obrigação de informação conforme prescrito na lei e o dano.
Afigura-se-nos que a resposta a dar não pode deixar de ser negativa.
O dano invocado pelos AA. consiste no desapossamento da quantia de €10.000,00, entregue aos RR. promitentes vendedores a título de sinal e princípio de pagamento. Ora este prejuízo não foi diretamente ocasionado pela omissão de informação. Os AA. viram-se constituídos no direito a perceber o sinal em dobro, não por via da atuação ilícita da R. mediadora, mas na decorrência direta da recusa dos promitentes compradores em celebrar o contrato definitivo. Acaso estes tivessem celebrado o contrato definitivo, pese embora a omissão de informação por banda da R. mediadora, não se teria verificado o prejuízo consistente no desapossamento do montante do sinal. Daqui se retira que a mera omissão da prestação da informação pela mediadora não constitui fundamento adequado à causação do prejuízo na esfera jurídica dos AA.. Dito de outra forma, não foi a omissão de informação que direta e necessariamente conduziu ao incumprimento definitivo do contrato promessa, constituindo os AA. no direito a ver devolvido o sinal por si prestado.
Acresce que não se mostra provado nos autos que acaso a informação lhes tivesse sido prestada os AA. não teriam celebrado o contrato promessa. Não se apurou que se não tivesse existisse o comportamento ilícito do agente, o dano não se teria verificado.
É ainda certo que os ónus em causa não eram impeditivos da realização do contrato prometido, mesmo levando em consideração que a venda deveria ocorrer livre de ónus e de encargos, pois sempre estes poderiam ser distratados.
Já se defendeu que, demonstrando-se que sobre o imóvel recaíam ónus que excediam o valor da venda, omitidos culposamente pela mediadora, e que os promitentes vendedores não teriam celebrado o contrato promessa de compra e venda se deles tivessem conhecimento, se verifica o nexo de causalidade entre a violação e o dano, consistente no valor do sinal entregue (cf. ac. da Relação de Coimbra de 12-9-2023, proc. 1681/20.4T8CBR.C1, Cristina Neves).
No caso concreto, porém, mesmo que se defendesse que os AA. teriam direito a ser reembolsados de quanto despenderam pela R. mediadora porque se esta os tivesse inteirado com a devida diligência de que o imóvel se encontrava onerado não teriam chegado a celebrar o contrato promessa, o que é facto é que esta prova não teve lugar.
Poder-se-ia defender, com recurso a presunções judiciais (art.º 351.º do C.C.), que se os AA. tivessem sido informados dos ónus e da sua extensão não teriam celebrado o negócio.
Note-se, porém, que, após terem tomado conhecimento da existência dos ónus, os AA. não optaram pela propositura de ação de anulação com fundamento em erro quanto ao objeto do negócio (arts. 251.º e 247.º do C.C.), antes tendo reiteradamente interpelado os promitentes vendedores para a celebração do contrato definitivo.
Tão pouco foi alegado que tal atuação tivesse tido em vista que o contrato promessa fosse julgado definitivamente incumprido. Mas, ainda que assim fosse, a escolha da via do incumprimento definitivo, inviabiliza a opção pela ação de anulação.
Veja-se, outrossim, que, de um ponto de vista concetual, no plano do ordenamento jurídico no estado em que este se encontra após a prolação da sentença condenatória dos RR. promitentes vendedores, o prejuízo dos AA. mostra-se eliminado. A solução de condenação dos promitentes vendedores, estes a título de responsabilidade contratual, no pagamento do sinal em dobro e da mediadora, esta a título de responsabilidade extracontratual, no montante do sinal em singelo a título indemnizatório, acarretaria para os AA. a perceção em duplicado de indemnização pelo mesmo prejuízo. Ora a indemnização serve a compensação do dano sofrido, não o podendo ultrapassar.
E apesar de a condenação em 1.ª instância ter sido neste sentido, não se entrevê como considerar a responsabilidade da mediadora e do promitente vendedor solidária. É que resulta do disposto no art.º 513.º do C.C. que a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
No caso concreto não estariam em causa obrigações indemnizatórias solidárias, pois não é esta a regra, e inexistiria fundamento para assim determinar.
Tão pouco se poderia obstaculizar ao pagamento de uma das indemnizações, acaso estas não ocorressem em simultâneo, com fundamento em enriquecimento sem causa nos termos do preceituado no art.º 473.º do C.C., já que a sentença condenatória constituiria a causa da deslocação patrimonial.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que condenou a R. “A..., Lda.” a pagar aos AA. €10.000,00 e juros, absolvendo-se esta do peticionado.
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Custas pelos apelados, por terem ficado vencidos na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 4/3/2024.
Teresa Fonseca
Manuel Domingos Fernandes
Eugénia Cunha